O GRUPO DE ENCONTROS EM SALA DE AULA: LEITURA DE UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR A PARTIR DE KAREN HORNEY

Douglas Marcel da Silva Buzoni

Profª Ma. Rosali Cabral Garcia Luvisoto

O presente estudo apresenta resultados de um projeto desenvolvido em uma escola pública do interior de São Paulo, como estágio curricular obrigatório em Processos Educacionais, com ênfase em Psicologia Escolar.  Objetivou-se facilitar aos alunos meios para refletir e discutir questões específicas. Dentre os tópicos abordados destacam-se o autoconceito, o comportamento no grupo e a importância deste na vida de todos.  O arcabouço teórico foi desenvolvido a partir do pensamento de Karen Horney. Realizou-se a intervenção em doze semanas, através da aplicação de dinâmicas de grupo e rodas de conversa.  Observou-se através dos encontros, melhora na qualidade das relações interpessoais e na autonomia para resolução de pequenos conflitos. Foi relatado, em feedback, maior alcance do contato com as emoções, auxiliando no enfrentamento de dificuldades rotineiras da adolescência e do resgate do Eu Real. A experiência ampliou o olhar no que diz respeito às possibilidades de atuação da Psicologia Escolar tendo a Educação como interface e conferindo valor à viabilidade e legitimidade desta estratégia de intervenção.

Introdução

            A Psicologia é composta de um vasto agrupamento de conhecimentos e de campos de atuação. Em contraste com a psicologia provinda do senso-comum, do saber popular, a Psicologia Científica apresenta-se enquanto uma atraente possibilidade – em franca expansão – de se compreender o âmago do ser humano, suas crenças, seus desejos, suas alegrias e suas vicissitudes.  Portanto, a subjetividade humana é o ponto onde se localiza a fonte primária do interesse da Psicologia (BOCK, 1999).

            Uma das muitas ramificações da Psicologia é a Psicologia Escolar e da Educação, sendo esta a área do presente estudo.

            Este é um relato de uma experiência de estágio em que foi realizado um grupo

de encontros com base nos ensinamentos da Psicanálise Humanística de Karen Horney. Buscou-se elaborar meios que permitissem aos alunos da instituição fazerem uma re-organização interna de seus afetos e desafetos de modo que pudessem melhorar seu relacionamento com os demais bem como consigo mesmos.

            Dentre as muitas observações feitas uma das mais chamativas foi o fato de que os laços entre os membros do grupo tornaram-se mais fortalecidos após a realização da intervenção.

            Esta experiência aponta à validade e à viabilidade de se realizar uma intervenção considerando as interfaces da Psicologia, ou seja, a partir de um olhar clínico, e da base teórica de Horney, como fatores de orientação à atuação na área educacional, de modo a agregar valor à comunidade escolar, procurando garantir uma experiência norteada pelos pressupostos de uma prática crítica em Psicologia Escolar, atenta ao coletivo e à dinâmica própria da instituição.

A Psicologia e suas raízes filosóficas

O trajeto percorrido pela Psicologia direciona-nos à Grécia Antiga, ao berço da Filosofia e da democracia.  Mueller (1978, p.29) aponta os sofistas como os precursores dos primeiros questionamentos acerca da condição humana, de sua natureza, e daquilo que atualmente é chamado de subjetividade. Teria cabido aos sofistas, portanto, a tarefa de iniciar a exploração do ser humano enquanto “um ser senciente, volente e pensante, e cuja existência condiciona, a um tempo, perguntas e respostas”.  Por outro lado, o filósofo Sócrates, contemporâneo dos sofistas, foi igualmente importante para o desenvolvimento das primeiras ideias e questionamentos acerca da subjetividade humana. Embora o que se saiba a respeito desta figura tenha sido legado por Platão e Xenofontes, cada qual apresentando visões um tanto diferentes entre si a respeito do referido filósofo, pode-se constatar que os interesses de Sócrates pela apreciação da natureza humana pairavam “em perspectiva essencialmente moral” (pp.32-33), isto é, questões sobre verdade, virtudes, ética, felicidade, empatia, etc. eram colocadas em pauta por ele com e contra as pessoas com as quais dialogava. As pessoas eram convidadas a uma introspecção visando o autoconhecimento para um constante desenvolvimento moral. Seu famoso pensamento “sei que nada sei” que se referia às constatações de seus interrogados sobre suas motivações – das quais normalmente não tinham conhecimento – produziu intensos ecos, principalmente no desenvolvimento da Psicanálise, por Sigmund Freud, séculos mais tarde.  Por fim, a maiêutica, como era chamado o insight produzido em sua dialética, merece ser lembrada como mais uma das grandes contribuições de Sócrates à germinação da Psicologia ao longo dos séculos.

            Platão e Aristóteles foram sucessores de Sócrates e, cada qual à sua maneira, produziu interessantes caminhos para que se pudesse pensar sobre a natureza e a alma humanas.

            Embora Platão tenha legado inúmeras contribuições intrínsecas ao estudo da subjetividade, duas mostram-se particularmente alinhadas ao presente estudo: seu famoso Mito da Caverna, onde descreve uma caverna na qual diversas pessoas estão presas desde a infância, acorrentadas a ela “de tal forma que, não podendo ver a entrada dela, apenas enxergam seu fundo” (ARANHA & MARTINS, 2003, p.121); caso algum dos indivíduos ousasse sair de seu interior para conhecer o que existia fora da caverna e retornasse para comunicar aos demais a existência de possibilidades fora da escuridão da caverna seria tomado por louco. A segunda contribuição diz respeito à separação feita por ele entre Mundo Sensível, relativo ao mundo físico dos fenômenos e Mundo Inteligível, das ideias, do conhecimento.  De acordo com os autores supracitados:

Como as idéias (sic) são a única verdade, o mundo dos fenômenos só existe na medida em que participa do mundo das idéias (sic), do qual é apenas sombra ou cópia. Por exemplo, um cavalo só é cavalo enquanto participa da idéia (sic) de ‘cavalo em si (p.122).

            Aristóteles, por sua vez, discordou do conceito de Mundo Sensível e Mundo Inteligível, fundindo-os em Substância, evocando o sentido de coisas que são em si. A Essência da Substância consistiria nas partes que a compõem tal como é e Acidente seriam fatores que poderiam ou não fazer parte da Substância, sem que isto a fizesse deixar de ser o que é. A Essência do ser humano seria a racionalidade e o Acidente características físicas, por exemplo. 

            Durante mil anos a produção e detenção do conhecimento (em todas as áreas) estiveram concentradas nas mãos de poucos. A chamada Idade Média prevaleceu do século V d.C ao XV d.C.. A presença e o domínio da Igreja Católica foram os fatores primordiais da organização social, política e intelectual da Europa neste período. “Em um mundo em que nem os nobres sabem ler, os monges são os únicos letrados” (p.124-125). As discussões intelectuais deste período versavam basicamente sobre as crenças e os dogmas cristãos, cabendo citar como pensadores expoentes Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

            Séculos mais tarde a necessidade de fazer uso da razão de modo independente de qualquer crença religiosa ganhou força e velocidade. Um importante representante deste movimento foi René Descartes (1596 – 1650). O Pai da Filosofia Moderna “tem como ponto de partida a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida” (p.131) e, para isto era necessário desenvolver uma postura questionadora, negativista diante da vida, isto é, “se duvido, penso; se penso, existo: ‘Cogito, ergo sum’, ‘Penso, logo existo’. Eis aí o fundamento para a construção de toda a sua filosofia” (p.131). Outra contribuição importante para o desenvolvimento da Psicologia foi a proposição de que mente e corpo tratam-se de entidades separadas (COLLIN, et. al., 2012).

            O nascimento da Psicologia enquanto ciência data do século XIX, tendo por berçário o laboratório de Wilhelm Wundt. As ideias revolucionárias do Pai da Psicologia endereçavam-se no estudo da consciência e de fatores a ela associados. Seus estudos realizados em seu laboratório de Psicologia Experimental (o primeiro do mundo) buscavam informações acerca da observação direta de fenômenos sensoriais.

            Alguns anos mais tarde o trabalho de Sigmund Freud causaria espanto, admiração e o desenvolvimento de uma das maiores correntes psicológicas de todos os tempos.

             Sigmund Freud (1856 – 1939) foi um neurologista, fundador da Psicanálise e ocupante de um cargo de destaque na história da Psicologia. Seu método de associações livres ou cura pela fala produziu um amplo legado em diversas abordagens psicoterápicas, bem como suas ideias corajosas e originais.

Ainda em vida Freud viu sua escola crescer e se desenvolver. Ajuntou para si diversos discípulos que divulgaram, ampliaram e, em algumas ocasiões, discordaram de suas ideias. Nasceram e floresceram muitas escolas dissidentes da de Freud. Os responsáveis, notadamente, foram seus colegas admiradores mais próximos, por exemplo: Alfred Adler, Carl Jung, Otto Rank, Melanie Klein e Karen Horney (FADIMAN; FRAGER, 2004). Esta última, contudo, mostra-se merecedora de mais demorada atenção.  

A Psicanálise, segundo Karen Horney

            Nascida em 1885, na cidade Eilbek, próxima a Hamburgo, Alemanha, Karen Horney foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina naquele país, sendo, ainda, a primeira mulher a lecionar no Instituto de Psicanálise de Berlim (SAYERS, 1992).

            Filha de um capitão da marinha e de uma dona de casa, Karen chamava-se, originalmente, Karen Danielsen, havendo adotado o sobrenome de seu marido, Oscar Horney, quando se casaram, em 1909 (FADIMAN; FRAGER, 2004).

            Enquanto realizava seus estudos de Psiquiatria, Karen Horney conheceu o psicanalista Karl Abraham – amigo de Sigmund Freud – com quem iniciou uma análise, em 1909, e através de quem fora oficialmente introduzida no meio psicanalítico.      Em 1911 ela começou a frequentar as reuniões da Sociedade Psicanalítica de Berlim, apresentando, em fevereiro de 1912, “um trabalho sobre a educação sexual de crianças, que Abraham recomendou a Freud como mostrando uma ‘verdadeira compreensão’” (SAYERS, 1992, p.91). Desde então ela passou a atender pacientes como psicanalista.

            Paralelamente aos primeiros anos de trabalho e pesquisa em Psicanálise começaram a surgir pequenos empecilhos ao desenvolvimento de seu trabalho. Conta-nos a autora:

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