Sejam em cápsulas, conta-gotas, xaropes ou injeções. Os medicamentos são inevitáveis vez ou outra em nosso dia-a-dia. O que boa parte da população desconhece é o longo e conturbado caminho que estes percorrem desde sua criação até a chegada às prateleiras das farmácias e drogarias. Em média, um novo fármaco demora dez anos para chegar às mãos do consumidor. Isto ocorre porque seu desenvolvimento implica em uma série de etapas que devem garantir sua segurança e eficácia. Além disso, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), exige um estudo profundo das fórmulas dos novos medicamentos para que haja um maior controle de suas reações no organismo humano. 

O primeiro passo para se desenvolver um fármaco inédito é sintetizar uma nova molécula. De acordo com a coordenadora de pesquisa clínica da gerência de medicamentos novos da Anvisa, Paula Frassinetti de Sá, hoje em dia não se trabalha mais com as moléculas aleatoriamente. "As empresas já sabem quais são consideradas drogas-alvo, ou seja, aquelas das quais já se conhece o mecanismo bioquímico de algumas patologias", explica. Com isso, desenvolve-se uma molécula dentro de um sistema de software para posterior apresentação para a bancada. 

Passada esta etapa de "modelagem molecular", as drogas escolhidas passarão por testes pré-clínicos, ou seja, serão aplicadas em animais. Normalmente são escolhidas três espécies - roedores, caninos e primatas - para a realização de análises de toxicidade."Estes estudos avaliam o quão tóxica é a droga em curto e longo prazo e medem ainda o tipo de toxicidade, seja ele agudo ou crônico", diz. Nesta etapa, ainda são realizados estudos de carcinogenicidade, que consiste na avaliação do potencial que esta nova molécula possui ou não de induzir o desenvolvimento de um câncer. Além disso, são feitos estudos de teratogenicidade, que implica saber o quanto e de que maneira a droga afeta a prole do animal. 

Com estes testes em mãos, o pesquisador já tem idéia de como é o mecanismo de ação da droga e aí poderá partir para os testes clínicos que são os estudos em seres-humanos. Paula destaca que, nesta fase, o pesquisador já possui uma indicação terapêutica pré-definida. "Quando chega nesta fase, ele já está pensando em uma formulação e na maneira pela qual irá administrar esta droga, salvo os medicamentos oncológicos que têm um processo específico de desenvolvimento", afirma.  

Os estudos em seres-humanos estão divididos em 4 fases. A fase 1 consiste na escolha de voluntários adultos  sadios para realização do perfil farmacocinético (a maneira como o organismo lida com o medicamento) e farmacodinâmico (ação e efeito) da droga. Esta fase é realizada com um número restrito de voluntários, em média, 30 pessoas. 

Tendo estipuladas a dosagem e a forma de administração (oral, venosa e outras) da droga na fase 1, o pesquisador terá suporte necessário para passar para os estudos da fase 2, cujos testes são realizados com um pequeno grupo de voluntários portadores da patologia à qual a droga será destinada, em média 50 pessoas. O objetivo da fase 2 é verificar a eficácia neste perfil de pacientes. "Nesta etapa você pode controlar tudo, porque o grupo tem características de seleção bem específicas. Isto inclui fazer alterações de dosagem e definição de critérios de exclusão e inclusão de pacientes", ressalta Paula. 

O objetivo da fase 3 é selecionar um número maior de pacientes (centenas e milhares) com a patologia a fim de realizar estudos controlados como o simples-cego, quando o paciente não sabe o que está tomando, e o duplo-cego, aquele em que nem o paciente e nem o investigador sabem o que está sendo administrado. Neste caso, eles não sabem se estão tomando o medicamento,placebo, ou medicamento concorrente. 

Esta fase é utilizada para corroborar a eficácia comprovada na etapa anterior, como ainda verificar a segurança da droga. A partir destes testes é que será feita a coleta dos eventos adversos que irão compor a bula do remédio. "Quanto maior o número de pacientes, maior será a probabilidade de haver uma reação adversa", acrescenta.  

Ainda na fase 3 é que estes estudos clínicos são submetidos para registro, de acordo com a resolução 136 de 2003. Paula explica que quando o fármaco vai ser registrado, avalia-se a parte química da molécula em si, características físico-químicas, como dissolução, temperatura para armazenamento e testes de estabilidade. "Tudo isso é parte dos estudos clínicos. Feita a análise e atestada a eficácia e segurança, o registro é concedido", explica. 

Com o registro, o fármaco passa para a fase 4, quando é possível impor critérios que fecham a visão do pesquisador sobre a droga. Quando esta é posta no mercado podem haver outros efeitos adversos e dados de efetividade para aquela patologia. Há casos, porém, em que o medicamento se mostra até mesmo eficaz para outra patologia. "Estudos da fase 4 podem dar idéia de uma nova indicação terapêutica. Este é o caso do Viagra, por exemplo, que a princípio era indicado para cardiopatia", lembra.

 

Fiscalização de medicamentos

Apesar de seu curto prazo de existência, apenas 5 anos, a Anvisa está inserida em um sistema de farmacovigilância internacional, através do qual é possível receber alerta sobre reações adversas e problemas de determinados medicamentos de diferentes regiões do mundo em pouco tempo. "Com a globalização, a droga que é registrada aqui no Brasil também é na Alemanha e Estados Unidos. Então temos um acesso muito rápido à informações referentes aos medicamentos, especialmente alertas sobre reações adversas", conta Paula. Além disso, a OMS (Organização Mundial de Saúde) possui um centro de vigilância na Suécia que monitora os medicamentos enviando alertas mundiais periódicos. 

Participando deste sistema internacional foi possível fazer intervenções em determinados medicamentos considerados prejudiciais à saúde e até mesmo retirá-los do mercado em alguns casos. Um exemplo deste tipo de intervenção foi com o AAS (Ácido Acetil Salicílico). Segundo Paula, há 3 anos não existia em seu rótulo a indicação do risco de pacientes com suspeita de dengue tomarem a droga. Em pessoas acometidas desta enfermidade, o medicamento pode causar a síndrome Reye, uma inflamação de alta mortalidade que afeta  todos os órgãos do corpo, mas é mais prejudicial ao cérebro, onde causa aumento agudo de pressão, e ao fígado, um dos órgãos que mais sofrem com volume de gordura. 

Outro exemplo de alerta mundial, que surtiu mudança na composição de fármacos disponíveis no mercado, se deu quanto à utilização de ácido bórico em uma pomada para assadura. "Em lugar nenhum do mundo o ácido bórico é usado em formulações infantis especialmente para assaduras, quando a absorção hipercutânea é maior", explica.  

Por fim, Paula destaca que ao longo destes 5 anos a Anvisa tem auxiliado para que os medicamentos disponíveis no mercado brasileiro atendam às normas de qualidade e segurança, embora reconheça que o sistema de vigilância sanitária ainda não está tão organizado quanto deveria. "Pegamos um sistema de vigilância sanitária ´bagunçado`. Estamos tentando limpar este mercado e ao mesmo tempo manter o Brasil na linha de conceito mundial, o que não é uma tarefa fácil. Exige dedicação contínua para que a qualidade comece a transparecer", encerra.

Fonte: Este artigo pertence a UNIVERSIA encontra-se em:

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