Ao longo de sua pesquisa, Foucault se envolve bastante com a questão do poder, pois, para ele, parece que “enquanto o sujeito é colocado em relações de produção e de significação, é também, desse mesmo modo, colocado em relações de poder”. [1] Assim, se faz necessário estender as dimensões de uma definição de poder, se caso quiser usá-la ao estudar a objetivação do sujeito. Para ele, não existe o poder, mas sim relações de poder que, através de seus mecanismos, atuam como uma força coagindo, disciplinando e controlando os indivíduos.

O poder que Foucault analisa, caracteriza-se como ‘aquele que coloca em jogo relações entre indivíduos, pois, se falamos de mecanismos de poder é na medida em que supomos que “alguns” exercem um poder sobre os outros. O termo poder designa relações entre parceiros, ou seja, um conjunto de ações que se induzem e se respondem uma às outras. E Através de vários modos, o poder se exerce, coagindo e fazendo com que os indivíduos se tornem submissos, pois, apesar de o poder parecer invisível, adquire força na medida em que os indivíduos transformam-se numa espécie de objetos de transmissão e reprodução do mesmo. De acordo com essa concepção, o poder de uma forma rude e grosseira, evolui e apresenta-se de forma sofisticada e sutil. Nessa perspectiva, não se trata da questão de “quem tem o poder”, mas de estudá-lo na medida em que se implanta e produz seus efeitos reais, criando discursos que funcionam como normas.

Para Foucault, o sujeito moderno é constituído pela norma, que se torna um traço marcante das sociedades modernas, e faz a seguinte observação:

estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-juiz; Todos fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um de seu modo submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os desempenhos”. [2]

Assim, o “normal” se estabelece como princípio de coerção do ensino, com a instauração de uma educação “normalizada” e a criação das escolas “normais”, e se instala através das disciplinas o poder da norma. O normativo soluciona o problema de como gerir e ordenar as multiplicidades, para isso vai realizar um princípio de produção e não de repressão, ou seja, mais do que proibir e impedir trata-se de produzir, majorar e intensificar, segundo uma individualização dos corpos.

‘uma coação calculada, lentamente, percorre cada parte do corpo, tornando-se semelhante a algo que se fábrica, de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa, no automatismo dos hábitos. Na época clássica, se descobre o corpo como objeto e alvo de poder, ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam. Enfim, torna-se um corpo dócil, que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado. ’[3]

Em qualquer sociedade o corpo está preso no interior de poderes que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações; entretanto, a partir do século XVIII surgem novas técnicas de docilidade dos corpos: o controle.

 ‘A escala do controle se trata de trabalhar o corpo minuciosamente, de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo igual à mecânica, seus movimentos, gestos, atitudes, rapidez; é um poder incessante sobre o corpo ativo. A coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais, a sua economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna, o que realmente importa é o exercício efetuado pelo corpo. E isso implica uma coerção constante sobre os processos da atividade, e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos’. [4] Desse modo, permitindo o controle detalhado das operações do corpo, que realizem a sujeição constante de suas forças e lhes imponham uma relação de docilidade-utilidade; daí, surgem as “disciplinas”.

Segundo Foucault, ‘a disciplina fabrica os indivíduos, é uma técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e instrumentos de seu exercício, cuja intenção é a de dominar a diversidade, impondo-lhe uma ordem’.

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis; ela aumenta suas forças, quando se trata de utilidade, e diminui essa mesma força, quando se trata de obediência. Enfim, ‘ela dissocia o poder do corpo, faz dele, ao mesmo tempo, uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura intensificar, e do mesmo modo, uma sujeição estrita; a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada’. [5] É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina há relações de poder, que se constituem nas relações entre indivíduos, que exercem sobre um conjunto de ações que se induzem e se respondem umas às outras; e que, desse modo, designam os mecanismos de poder.

As formas de poder exercidas na disciplina podem ser exemplificadas através da instituição de ensino, onde as formas de poder que a compõem combinam as técnicas que vigiam e as que normalizam. Na perspectiva foucaultiana, ‘as formas de poder exercidas nas instituições, no caso a escola, combinam as técnicas que vigiam e as que normalizam. É um controle normalizante, na medida em que há uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir os indivíduos que compõem a escola, e que estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são vigiados, diferenciados e classificados’.



[1] Ibid. p. 232.

[2] M. FOUCAULT, Vigiar e Punir. p. 266.

[3] Ibid. p. 117.

[4]FOUCAULT, M. O Sujeito e o Poder. p. 118.

[5] Ibid. p. 119