Doutor Jair Piva

IDEOLOGIA DO INSTINTO DE MATERNIDADE DA MULHER

No mundo animal a procriação é algo necessário para a manutenção da espécie.  Inegável dizer que todas as espécies de animais possuem tal característica biológica como parte de seu instinto.  Acrescento aqui que o conceito de instinto é o primeiro movimento que dirige o homem e os animais em seu procedimento, tendência, ou seja, aptidão inata.   Não importa a forma de reprodução, todas as fêmeas possuem, por sua natureza biológica, a capacidade reprodutiva de forma instintiva, no entanto, no que tange ao conceito instinto de maternidade no mundo animal, nem sempre ocorre de forma igual para todos.  Algumas aves possuem, segundo a biologia um instinto de preservação dos seus filhotes, mas não significa que seja instinto materno na mesma concepção adotada pelos seres humanos. Há exemplos de falta de instinto materno no reino animal como o caso da fêmea Cuco, que são bem espertinhas! Elas põem seus ovos nos ninhos de outras aves que, além de chocarem os ovinhos que não são delas, cuidam dos “cuquinhos”.  As focas também são fêmeas que não possuem tal instinto, pois esses animais cuidam de suas crias apenas durante os primeiros doze dias de vida dos pequeninos e depois disso as mães focas, simplesmente, abandonam os filhotes deixando-os supervulneráveis ao ataque de predadores. Outro caso, podemos citar o da mãe hamster. É comum que as fêmeas devorem suas crias, segundo alguns pesquisadores a razão disso seria a necessidade de obter uma dose extra de proteína durante o período de lactação. Além disso, a carnificina também pode estar relacionada com o cheiro que os humanos deixam nos pequeninos quando tocados, o que levaria as mães a ficarem confusas em relação aos bichinhos.  Um último exemplo, da falta de instinto materno podemos citar o caso das fêmeas tartarugas-marinhas que põe seus ovos na praia e depois desaparecem, nesse caso, dificilmente o filhote conheceria a sua mãe.

A partir desses exemplos podemos afirmar que o denominado instinto de maternidade não é algo que acontece em todas as fêmeas de espécies da natureza, pode até ocorrer que algumas tenham, mas não é comum em todas.  No que diz respeito ao ser humano, se voltarmos na história até os primórdios da humanidade também veremos que este instinto nunca existiu e se usarmos a mitologia bíblica de Adão e Eva, a única ordem que consta é que “cresçam e se multipliquem”, mas não há referência sobre um instinto maternal em Eva.

No período pré-histórico, nem todas as sociedades eram de fato patriarcais como demonstra hoje a Arqueologia.  Algumas sociedades eram matriarcais, isso significa que as mulheres não eram dominadas pelos homens.  Nesse período, ainda não havia conceito de família ou mesmo de mãe.  Quando ainda vivia-se em tribos e não sabia –se como processava-se a reprodução humana, as mulheres eram vista como divinas e a responsabilidade da criação dos filhos era da tribo, portanto, não havia conceito de “meu filho”, mas filho da tribo. Sendo assim, nesse período, as mulheres eram vistas apenas como reprodutoras da tribo e não como mães com responsabilidades maternais como temos hoje.  Nesse período, não havia instinto de maternidade, mas, como qualquer outro animal, havia o instinto de procriação. 

Segundo Navarro (2007), a concepção de mãe tal como conhecemos hoje, uma mãe cheia de culpa, amorosa, responsável exclusivamente pelo seu filho, somente começou a ser forjada no final do século XVIII com o advento da Revolução Industrial.  Nesse período, as fábricas estavam se desenvolvendo e para que as mesmas pudessem se manter era necessário material humano para o trabalho.  Nesse período, também era grande a mortalidade infantil e como as fábricas precisavam de mão-de-obra, era necessário impedir tal problema, pois as crianças eram vistas como futuros operários.  Como medida foi criada a ideologia da mãe cuidadora, protetora para que estas se voltassem mais para a proteção dos filhos. 

A passagem da mulher que antes não se importava tanto com a questão da maternidade para uma “mulher-mãe”, dedicada à maternidade, que se sentia, totalmente, responsável pela criança que saia de seu ventre e pela educação da mesma. Isso não se deu de forma rápida.  Muitas mulheres, no período da Revolução Industrial, ainda preferiam uma vida mais livre no que tange à criação de filhos.  As primeiras a aderirem a tal ideologia do instinto de maternidade foram as mulheres burguesas, da classe média, que não possuíam ambições e nem pretensões de se tornarem intelectuais na época e nem tinham necessidade de trabalhar fora como muitas da classe baixa.  Como diz Navarro (2007), as mulheres pertencentes à classe média, ou seja, a burguesa da época viu nessa nova ideologia a oportunidade de ascender e ser mais livres, isto é, ela deixa de ser algo exclusivo do marido para se dedicar mais amplamente ao seu filho se livrando um pouco da autoridade dele.  Com isso, a mãe passa a ser autoridade máxima na casa tendo em vista que ela somente tem a obrigação de criar os filhos.  Do século XVIII até a atualidade, essa ideologia da maternidade se acentuou tanto e se concretizou, fortemente, dentro da sociedade. Tanto que entre as pessoas de senso-comum não questiona-se o amor materno, pelo contrário, acredita-se que é um instinto, um amor espontâneo da mãe pelo filho.  O que muitos não lembram ao longo da história é que muitas mulheres, dentro do cristianismo, optaram pela vida religiosa, pela castidade, por suprimir seu instinto de procriação e sua maternidade. Sendo assim, pode-se dizer que se há mulheres, ainda hoje, que se dedicam à vida religiosa abandonando seu direito de procriar e de ser mãe, logo, podemos também dizer que o instinto de maternidade é puramente ideológico.

Não se pode negar, de acordo com as investigações históricas e arqueológicas, que o sentimento de amor materno existe de fato, mas não em todas as mulheres, porém, em todas as épocas e sociedades sempre houve mulheres com tais sentimentos.  O notório nesse fenômeno é que somente na atualidade é que tal fenômeno veio a se tornar um valor natural e favorável à espécie e à sociedade.  A construção ideológica do amor materno, isto é, do instinto de maternidade, não foi motivada por uma questão humanitária, mas para amenizar o sofrimento na qual as mulheres eram submetidas junto a seus maridos autoritários e machistas.  Navarro (2007) exorta que a principal causa de se implantar essa ideologia é devido à  necessidade de fazer frente à nova ordem econômica quer surgia nas sociedades industrializadas, afinal era preciso que as mulheres passassem a educar as crianças para serem pessoas disciplinadas para aturem, futuramente, nas indústrias.

A mulher é promovida como mãe, na mesma medida em que declina o poder do pai. Anteriormente, se insistia na autoridade do pai, pois o que mais importava era formar súditos dóceis para Sua Majestade. Nesse final do século XVIII, quando o rei já tinha sido executado e as fábricas proliferavam, era necessário produzir seres humanos para trabalharem e enriquecerem o Estado. A mortalidade infantil devia ser impedida a qualquer preço. A providência imediata seria salvar as crianças, futura mão-de-obra. A primeira etapa da vida que, como vimos, os pais negligenciavam, tornava-se, para a classe dirigente, uma prioridade. (NAVARRO, 2007, pg. 101)

Fazer a passagem de uma mulher, que não se dedica muito ao filho, para uma mãe protetora, afetiva, amorosa, educadora para absorver a ideologia do instinto maternal, para transformar seus filhos em futuros operários para as indústrias, houve forte influência ideológica por parte de alguns intelectuais como Rousseau em seu livro Émile no qual aborda a questão do cuidado das mães em relação à educação de seus filhos e seu papel no processo de transformação desse para um homem que vai atuar na sociedade e ser um futuro trabalhador.  No entanto, tal processo não foi tão simples, houve resistência por parte das mulheres em aceitar de imediato esse papel de mãe educadora.

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