ÉTICA E CONHECIMENTO NA EUTANÁSIA                                                                

EUTHANASIA AND ETHICS IN KNOWLEDGE

ANDRADE, T. B.¹

[1] Graduando da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

RESUMO: O presente artigo tem por finalidade, descrever a eutanásia e suas diversas implicações na sociedade antiga e atual, começando com sua etimologia, seu desenvolvimento histórico, suas ramificações em: distanásia e ortotanásia, a descrição da distanásia como obsessão terapêutica, a ortotanásia como “morte natural”, sendo defendida pela igreja e por fim, os aspectos legais e jurídicos da eutanásia positiva, defendida em muitos países e aprovada na Holanda e na Bélgica.

PALAVRAS-CHAVE: Eutanásia, Distanásia, Ortotanásia, Ética, Conhecimento.

ABSTRACT: This article aims to describe euthanasia and its various implications for the former and current company, starting with its etymology, its historical development in its ramifications: orthothanasia and futility, the description of therapeutic futility as obsession, as orthothanasia "natural death, "being defended by the church and finally the legal and juridical aspects of euthanasia positive advocated in many countries and approved in the Netherlands and Belgium.

KEYWORDS: Euthanasia Dysthanasia, Orthothanasia, Ethics, Knowledge.

INTRODUÇÃO

         A eutanásia é um dos principais problemas da bioética, juntamente com o aborto, pois diz respeito a questões cruciais da vida como; o direito de viver, de morrer e a quem pertence esse direito. Vários segmentos da sociedade reivindicam esse direito. A igreja defende o caráter sagrado da vida, o Estado defende os interesses políticos e econômicos da eutanásia. Muitas vezes a eutanásia é vista como um meio de se resolver o problema da superlotação dos hospitais e consequente baixa nos gastos públicos com saúde, visando objetivos utilitaristas e não humanitários, vemos a chamada “mistanásia”, morte pelo simples fato de ser pobre, sobre isso fala  Leocir Pessini: “ É chocante, e até irônico, constatar que a mesma sociedade que negou o pão para o ser humano viver, pretenda oferecer-lhe, como prêmio de consolação, a mais alta tecnologia para o “bem morrer” (PESSINI, 2008,pag.176)

       1.1 ETIMOLOGIA

         Etimologicamente o termo eutanásia vem do grego “eu” bom, e “thanatos” morte, sendo assim, eutanásia significa boa morte, tal termo significa exatamente o que os estóicos entendiam por morte, eles diziam que os sábios deveriam aceitar a morte com alegria, quando a vida não tivesse mais sentido, assim pensava Sêneca. O termo foi usado e desenvolvido por Francis bacon em sua obra “Historia vitae et mortis”, Bacon definiu a eutanásia como procedimento usado em doentes irrecuperáveis.

       1.2 BREVE PANORAMA HISTÓRICO

          A eutanásia não é uma prática que nasceu na Idade Moderna, desde a Antiguidade era praticada em diferentes civilizações. Nas comunidades celtas, era comum que os filhos matassem os pais quando estes já estivessem velhos e debilitados. Na Índia, era comum que os doentes terminais fossem jogados no rio Ganges, depois de terem suas bocas e narizes cobertos com lama sagrada. Em Esparta, atiravam-se os bebês que possuíam algum defeito congênito do alto de um monte. Platão defendia no livro três da República o sacrifício de velhos e doentes. Na idade média usava-se um punhal denominado “misericórdia” para sacrificar os soldados gravemente feridos. Os birmaneses tinham por hábito, enterrar vivos os idosos e enfermos. Entre os indígenas também era hábito sacrificar idosos, doentes e crianças que nasciam defeituosas, tal hábito é ainda praticado em algumas tribos brasileiras.

         O conceito clássico de eutanásia é tirar a vida de determinada pessoa com finalidades humanitárias, sejam elas idosas, deficientes ou doentes incuráveis, todos eles eram passivos desse procedimento, a morte sempre teve várias finalidades nessas civilizações; utilitárias, eugênicas, humanitárias, cada qual com seus interesses coletivos e particulares.

         Entretanto a eutanásia não se prende apenas em seu mero significado etimológico, possui algumas ramificações e significados diferentes, alguns são mais justificáveis, outros nem tanto, tudo depende de qual segmento da sociedade estamos falando. É extremamente complicado delimitar o problema, pois como disse anteriormente, a eutanásia possui ramificações; Igreja, Estado, ciência, população leiga, cada qual com suas diferentes opiniões sobre a decisão de se aceitar ou não a eutanásia, tratemos pois de suas ramificações.

       1.3 DISTANÁSIA

         A distanásia é vista como uma obsessão terapêutica que visa tratamentos complicados e dispendiosos a fim de se prolongar a vida a qualquer custo, é um recurso usado principalmente pelas classes mais abastadas da sociedade, ela é uma procura desenfreada e desesperada por um mínimo prolongamento da vida, mesmo quando já não há possibilidade alguma de cura, é uma insistente tentativa de remediar o irremediável, um prolongamento da vida que só traz mais sofrimentos através de pesadíssimos tratamentos, apelando para toda e qualquer possibilidade de cura, mesmo quando a doença é incurável.

         Creio que essa obstinação é uma característica do nosso instinto de sobrevivência, evoluímos biologicamente e adquirimos instintos básicos de sobrevivência que no processo de seleção natural ou “lei do mais forte”, permitiu aos nossos antepassados sobreviverem e perpetuarem nossa espécie. Com a revolução técnico-científica, a medicina trouxe grandes inovações que permitem uma gama imensa de alternativas terapêuticas. Quando a morte é eminente, muitos tendem a “deusificar” a medicina, elevando-a à um caráter onisciente e onipotente, achando que ela pode aliviar todas as nossas dores, alguns até pensam que com ela, venceremos a morte, sobre isso Leocir Pessini fala com grande eloquência:

Não podemos nos esquecer que somos mortais, finitos. A morte é parte constitutiva de nosso ser. Somos mortais e isto não pode ser tratado como uma doença para a qual devemos encontrar cura. Assim, agindo, os instrumentos que deveriam ser de cura e cuidado, podem facilmente transformar-se em ferramentas de tortura” (PESSINI,2000, pag. 184)

         A distanásia, portanto, é uma prática desnecessária que só visa o prolongamento de uma vida sofrida e dolorosa e que certamente se esvairá em pouco tempo, é uma mentira piedosa, uma ilusão diante da morte eminente.

       1.4 ORTOTANÁSIA: A  ALTERNATIVA  DA  ÉTICA CRISTÃ

         A ortotanásia é o que podemos chamar de “morte natural”, é a recusa de tratamentos inviáveis, é a aceitação da sua condição de mortal. Aceitar a ortotanásia é deixar que a natureza siga o seu curso, é a recusa de qualquer tratamento agressivo e a negação da intervenção médica para lhe abreviar a vida. A ortotanásia é o tipo de morte que a igreja defende, pois sendo natural entendem eles que assim será a vontade de Deus. Com o advento do cristianismo, a vida passa a ter um caráter sagrado, intocável, na qual só Deus possui o direito de interferir, essa é a máxima da ética cristã. A ortotanásia é geralmente vista como oposta à eutanásia, segundo a “Declaração sobre a eutanásia” da Santa sé de 1980, a eutanásia é vista como sendo: “uma ação ou omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se portanto, no nível das intenções e dos métodos empregados.”(Roma, 1980)

       1.5 EUTANÁSIA: ASPECTOS LEGAIS

         A Holanda e a Bélgica tornaram-se em 2002, os primeiros países do mundo a oficializar juridicamente a eutanásia. Na Holanda, 80% da população apoia essa prática que envolve o pedido voluntário do paciente  e uma avaliação criteriosa desse paciente, sendo algo que justifique tal intervenção. Em muitos países há uma intensa luta pela legalização da eutanásia, a questão jurídica volta-se para a defesa da eutanásia ativa ou positiva, aplicada a um sujeito cognoscente e responsável, comparada ao suicídio racional, conforme José Junges, os elementos estruturais desse tipo de eutanásia são:

A solicitação de um sujeito plenamente consciente, de ser eliminados, por ele mesmo, em precedência e com precisão.

O empenho de um “operador”, de preferência um médico que cumpra essa solicitação.

O interesse público, através de um ordenamento jurídico, em controlar a validade do requerimento e seu correto cumprimento. (JUNGES, 1995, pag.137)

         Um exemplo dessa luta por legalidade da eutanásia é a de Ramón Sampedro, tetraplegico, impossibilitado de cometer suicídio, lutou 29 anos nos tribunais pela legalidade da eutanásia, pedido que lhe foi negado, ele afirmava que viver é um direito, não uma obrigação, colocava em xeque a regulação da vida e da morte pelo Estado e pela igreja e acusava a hipocrisia do Estado laico diante da moral religiosa, Fabio Lopes descreve em seu livro “Suicídio e saber médico” parte da carta de Sampedro aos juízes: “Senhores juízes, negar a propriedade privada de nosso próprio ser é a maior das mentiras culturais.” (LOPES,2008, pag.11)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Percebemos que as opiniões sobre a eutanásia dividem-se nos mais diversos segmentos da sociedade, todos querem ter o direito corroborando seus interesses. O assunto está longe de ter um fim, sempre haverá debate e divergência de opiniões, ainda mais se tratando de um assunto tão sério e que implica em tantas questões éticas e morais. De qualquer forma o debate deve continuar, e não só no meio religioso, jurídico, médico ou acadêmico, o debate deve alcançar todas as camadas da sociedade, deve ser amplamente discutido nas escolas, pois, embora a eutanásia seja crime no Brasil, vários países do mundo lutam arduamente pela legalização, e grupos de extrema esquerda reivindicam o direito do Brasil nessa luta.

         A única certeza que nos resta, é que o debate está longe de ter um fim, talvez nunca tenha, enquanto houver seres humanos sobre a Terra, haverá debates e discussões acerca do direito a vida. A eutanásia, como vimos, é um assunto discutido durante boa parte da história da humanidade, em alguns casos com mais resignação, em outros nem tanto. Todos querem ter seus direitos preservados, mas a questão do direito é muito mais profunda quando se trata da discutível sacralidade da vida. A quem pertence o direito da vida? Em que casos é justificável a vida? Deve-se viver a qualquer custo ou existe um limite na preservação da vida? Sobre essas perguntas o debate se debruça e persiste.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Congregação para a doutrina da fé. Declaração sobre a eutanásia. Roma. 1980.

JUNGES, José Roque. Bioética: perspectivas e desafios. São Leopoldo: Unisinos. 1995.

LOPES, Fabio Henrique. Suicídio e saber médico. 21° ed. Rio de janeiro: Apicuri. 2008.

PESSINI, Leocir. Bioética; um grito por dignidade de viver. 4° ed. São Paulo: Paulinas. 2008.