Capina Elétrica: um Estudo Contemporâneo

 

Adriana Marins

Mestre em Sustentabilidade, Cultura e Desenvolvimento pela Universidade de Durham – Inglaterra

Professora colaboradora do UniCEUB - ICPD no curso de Análise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável - Brasília (DF)

Contato: [email protected]

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1) Introdução:

 

O dilema de como prover alimentos para uma população em constante crescimento tem sido uma das questões centrais da humanidade. Os estudos do economista Thomas Malthus (1798) já sugeriam que a sociedade poderia chegar a um colapso, uma vez que a população humana cresce a taxas exponenciais, mas a produção de alimentos cresce a apenas níveis aritméticos.

 

Importantes e controversos avanços nas áreas ligadas às ciências agrícolas e da terra, em conjunto com pesquisas ligadas à indústria alimentar, tem buscado minimizar o dilema apresentado por Malthus. De fato, tais pesquisas parecem ter como um de seus princípios encontrar soluções para a questão da fome e escassez tão presentes em diversas regiões do planeta. A Revolução Verde1, por exemplo, registra um importante marco neste sentido, uma vez que disponibilizou toda uma gama de tecnologias voltadas ao aumento produtivo de produtos agrícolas, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960.

 

De qualquer forma, é importante frisar que as novas tecnologias para aumento de produção agrícola têm feito uso de grandes proporções de agroquímicos (fertilizantes, herbicidas, inseticidas, fungicidas etc) em suas culturas. O uso de muitos dos componentes presentes nos químicos agrícolas tem causado comprovados danos ao meio ambiente e ao ser humano, parte inerente e indissociável de toda cadeia ecológica.

 

O uso da capina elétrica oferece uma importante contribuição ao setor, uma vez que auxilia na remoção de plantas daninhas dos cultivos, abstendo-se do uso de herbicidas. A técnica, atualmente produzida e comercializada em território brasileiro, promete ser um importante aliado ao desenvolvimento de sistemas de produção agrícola, como por exemplo sistema de produção orgânica e integrada devido ao seu potencial de uso em diversas cadeias produtivas e em diferentes partes do mundo.

 

Este estudo está divido em 7 partes, incluindo esta introdução. O item 2 discute alguns aspectos do Cenário Brasileiro. O item 3 realiza a revisão bibliográfica acerca das técnicas de controle de plantas daninhas através de descargas elétricas e/ou eletrochoques. O item 4 apresenta o Eletroherb, maquinário desenvolvido e comercializado pela empresa SaYYou Brasil. O item 5 elenca os principais fatores positivos e de aprimoramento em relação à tecnologia. O item 6 apresenta a conclusão da pesquisa e, finalmente, o item 7 lista a bibliografia utilizada no estudo. É importante comentar que todas as traduções de textos estrangeiros foram feitas pela própria autora.

2) Cenário Brasileiro:

 

O Brasil destaca-se atualmente como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo (MMA, 2015 e Rede TVT, 2014), superando, inclusive os Estados Unidos.O país responde sozinho pelo consumo de cerca de 20% da produção mundial (Rede TVT, 2014), sendo, portanto um modelo de desenvolvimento agrícola extremamente dependente do uso de agroquímicos (MMA, 2015).

 

As técnicas de aplicação de agroquímicos mais utilizadas em território nacional são em geral pouco eficazes, sendo a pulverização aérea a mais comum. Neste método, apenas cerca de um terço dos químicos atingem as plantas e o restante é dispersado no meio ambiente, atingindo negativamente todos os sistemas ecológicos, assim como trabalhadores e residentes na região (Rede TVT, 2014). Dornelles et al., (2009: 1601) esclarecem que os 'pulverizadores hidráulicos de barra' são os modelos mais utilizados e que sua ineficiência está intimamente relacionada à calibração incorreta e à falta de regulagem e de inspeção técnica nos equipamentos. Os autores explicam ainda que:

 

'o uso de pulverizadores agrícolas mal regulados, com pontas inadequadas ou desgastadas, e o uso de doses excessivas de defensivos são alguns fatores que contribuem para a ineficiência das aplicações e contaminação ambiental' (Dornelles et al., 2009: 1601).

 

Os impactos causados pelos agroquímicos são nocivos e abrangem desde a poluição do solo, sistemas aquáticos e ar (e todos os sistemas ecológicos locais) até chegar ao ser humano (principalmente através de resíduos em alimentos em cotas acima do permitido). Neste sentido, o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2015) destaca que 'qualquer que seja o caminho do agrotóxico no meio ambiente, invariavelmente o homem é seu potencial receptor'. De fato, pesquisas indicam que diversas doenças crônicas da população brasileira estão direta ou indiretamente relacionadas ao acúmulo de substâncias químicas no organismo. Estima-se que cada Brasileiro consome em média 5 litros de agrotóxicos por ano (Rede TVT, 2014).

 

Por outro lado, o mercado de produtos orgânicos no Brasil tem mostrado grande potencial de expansão. Ainda que as mercadorias sem aditivos químicos cheguem a custar até três vezes mais do que a tradicional, uma expressiva parcela de consumidores (mais conscientizados e com maior poder aquisitivo) tem optado pelos produtos orgânicos. O Brasil é considerado 'o país de maior potencial de produção orgânica para exportação', sendo que 60% da produção é exportada, 30% é vendida no mercado interno e 10% são de consumo do próprio produtor. Além disso, o país é o maior consumidor de produtos orgânicos da América do Sul (Clementin, 2014).

 

Estimativas do Instituto Biodinâmico (IBD) indicam que o Brasil tenha aproximadamente 1 milhão de hectares voltados à produção orgânica. Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) calcula que cerca de 50 mil agricultores pratiquem agricultura alternativa (Clementin, 2014). Neste sentido, técnicas alternativas para remoção de plantas daninhas sem a utilização de aditivos químicos possuem grande potencial de expansão, principalmente se contarem com programas de incentivo fiscal e financeiro do governo.

 

Em seguida serão discutidos os principais aspectos relacionados à capina elétrica baseada em descargas elétricas ou eletrochoques.

 

3) Capina Elétrica através de Descargas Elétricas ou Eletrochoques

 

 

3.1) Definição:

 

A tecnologia de capina elétrica baseia-se no uso e aplicação de descargas elétricas e/ou eletrochoques por equipamento específico. As taxas de repetição dos eletrochoques variam em função do tamanho e capacidade do gerador, assim como da superfície de descarga. As descargas elétricas não necessariamente necessitam tocar a superfície alvo, uma vez que o ar também pode ser um condutor elétrico. Por outro lado, o tratamento elétrico direto prevê fluxo contínuo de eletricidade, sendo necessários elétrodos para sua condução (Diprose et al., 1984).

 

 

3.2) Origem:

 

O conceito de controle de plantas daninhas através de eletricidade não é uma novidade na agricultura. Landers e Challiol (2013), por exemplo, relembram que o método de capina utilizando-se de descarga elétrica também não é uma inovação brasileira. Segundo os autores, estudos acerca do tema já teriam sido elaborados em 1978 no Reino Unido, mas não obtiveram sucesso por falta de incentivos econômicos.

 

Na área acadêmica, o artigo intitulado The Effect of Externally Applied Electrostatic Fields, Microwave Radiation and Electric Currents on Plants and Other Organisms, with Special Reference to Weed Control['O efeito da aplicação eletrostática externa em campos, radiação micro-ondas e correntes elétricas em plantas e outros organismos, com especial referência ao controle de plantas daninhas’], publicado por Diprose et al., no jornal 'The Botanical Review' em 1984, é importante fonte de referência no assunto. Os autores destacam que a não geração de resíduos após a aplicação configura-se como vantagem ambiental, especialmente quando comparados ao uso de defensores químicos. Desta maneira, concluem que os citados métodos à base de eletricidade parecem oferecer alternativas viáveis e úteis ao controle das plantas daninhas (Diprose et al., 1984).

 

De fato, Diprose et al. (1984: 212) citam que Slesarev (1973) e Slesarev et al. (1972) já haviam realizado estudos acerca da utilização de 'centelhas de descargas elétricas para remoção de plantas daninhas e, simultaneamente, para o aumento dos nutrientes do solo'. Os testes realizados pelos cientistas comprovaram a morte das plantas no prazo de 4 a 6 dias, sendo os prazos reduzidos em caso de aumento de voltagem e/ou tempo de exposição. Em termos de modificação da estrutura do solo, os experimentos indicaram 'aumento na concentração de nitrato de nitrogênio e potássio e nenhuma alteração na estrutura do solo ou em suas estruturas microbiológicas' (Diprose et al., 1984: 212).

 

Em termos práticos e comerciais, há evidências de que a tecnologia já havia sido anteriormente desenvolvida e comercializada nos Estados Unidos no início dos anos 1980. Conforme publicado pela revista Farm Show (1981), a empresa americana Lasco S.A produziu e comercializou um equipamento para a realização da capina utilizando-se de eletricidade. O trecho abaixo confirma a informação:

 

'Agora, após 4 anos de testes intensivos em campo, a companhia tem o seu Lightning Weeder LW5 em produção e pronto para ser vendido para qualquer agricultor interessado em controlar plantas daninhas altas sem químicos e sem deriva, resíduo e outros problemas associados ao controle químico de plantas daninhas' (Farm Show, 1981; meu itálico).

 

Harris (2014) indica que outras iniciativas para o desenvolvimento de maquinário para capina elétrica também estão atualmente em discussão fora do Brasil. O autor destaca, por exemplo, que Rob Diprose é atual diretor de um consórcio de empresas trabalhando conjuntamente com a Allium and Brassica para o desenvolvimento do equipamento no Reino Unido. Estima-se que até 2016 a tecnologia para uso comercial tenha sido aprovada e implementada nos países do Reino Unido.

 

 

3.3) Funcionamento:

 

A investigação acerca dos processos biológicos (aos quais as plantas daninhas são acometidas quando da aplicação de alta voltagem elétrica) já foi objeto de investigação científica na década de 1970. Diprose et al. (1984: 212), referem-se, por exemplo, às diferentes conclusões encontradas por pesquisadores como Bayev e Savchuk (1974), Svitalka (1976) e Klimov et al. (1970). Para Bayev e Savchuk (1974), os 'danos causados às células da planta eram causados pela alta corrente elétrica passando pelos seus tecidos'. Entretanto, para Svitalka (1976), 'as altas temperaturas das centelhas elétricas podem causar danos locais ao tecido, destruir as paredes das células e coagular o citoplasma'. Finalmente, para Klimov et al. (1970), 'após a descarga elétrica, a condutividade do tecido da planta aumenta rapidamente, pois suas membranas perdem a semi-permeabilidade e o vacúolo das células da seiva expandem-se para espaços intercelulares' (apud Diprose et al., 1984: 212).

 

Em termos de mecânica, Bayev e Savchuk (1974) chegaram a propor que o equipamento para aplicação de descargas elétricas deveria conter 'um par de pratos arredondados de 3mm ou menos de espessura e 40 a 100 mm de diâmetro, com um entalhe em formato de “V” em cada um dos pratos. Os pratos deveriam ser dispostos face a face, separados por uma distância entre 50 e 100 mm e com os entalhes (em V) em posição oposta'. (apud Diprose et al., 1984: 212-13).

 

O Lightning Weeder LW5 (Lasco SA) é um exemplo efetivo de implementação e funcionamento da mecânica de aplicação de descargas elétricas em plantas daninhas, como pode ser comprovado na descrição abaixo:

 

'um gerador elétrico era acoplado à parte traseira de um trator com um transformador para prover de 12 a 20 quilowatts e promover uma comutação segura. A alta voltagem é fornecida a um eletrodo suspenso acima ou lateralmente às plantas daninha. A destruição das mesmas ocorre devido à alta voltagem das correntes elétricas forçadas a passarem através das plantas, causando rápido aquecimento e estourando suas células' (Diprose et al., 1984: 213).

 

Portanto, nos anos 1980, máquinas com 'vários tipos de eletrodos estavam sendo fabricadas' (Diprose et al., 1984: 215-16). Avaliou-se, entretanto, que: a) equipamentos com altas descargas elétricas (sem contato com as plantas) são mais complexos e sua eficiência constatada especialmente entre plantas de baixa estatura e b) equipamentos onde há contato direto com as plantas daninhas são mais eficientes, pois atingem também espécies mais largas, são efetivos no controle de infestações, além de ser um método mais 'simples e barato' (Diprose et al., 1984: 216).

 

Atualmente, entretanto, é válido notar que a produção de equipamento para capina elétrica tem sido exclusividade da empresa Brasileira SaYYou Brasil, conforme será discutido no item 5 deste estudo.

 

 

3.4) Aplicabilidade:

 

Brighenti e Brighenti (2009) enfatizam que o uso da capina elétrica oferece alternativas sustentáveis aos cultivos em geral. Um dos principais motivos é que a capina elétrica minimiza o uso indiscriminado de herbicidas, que afetam a cadeia produtiva sistêmica e o provocam alterações no meio ambiente. Os autores afirmam ainda que a capina elétrica possui vantagens econômicas e é eficiente no cuidado com culturas orgânicas.

 

Conforme destacam Landers e Challiol (2013: 39), a dificuldade em controlar as ervas daninhas sem o uso de herbicidas tem imposto severas dificuldades aos produtores orgânicos. Os autores citam as dificuldades encontradas por produtores de soja orgânica em território Brasileiro, mas afirmam que o incentivo ao uso do Eltroherb pode significar um grande diferencial no mercado de soja orgânica.

 

O item 4, discutido a seguir, abordará os principais aspectos relacionados ao Eletroherb, de produção e comercialização pela empresa SaYYou Brasil.

 

 

4) O Eletroherb

 

 

4.1) Dados do Fabricante:

 

Fabricante: SAY YOU Brasil - Soluções Efetivas e Ambientalmente Corretas

Web site: http://www.sayyou.com.br

Nome do equipamento: Eletroherb

 

Em Setembro de 2013, a empresa SaYYou Brasil foi a primeira colocada no programa Acelera Startup, durante o Festival de Empreendedorismo da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Dentre os 300 projetos selecionados para a competição, a capina elétrica (desenvolvida pela SaYYou Brasil) conquistou o primeiro lugar. Em declaração à imprensa, o sócio da empresa, Sérgio de Andrade Coutinho Filho, declarou que o equipamento 'é uma alternativa ao uso de produtos químicos para a capina' e que é 'uma alternativa limpa e com custo reduzido'. Após o evento, a empresa diz ter recebido propostas de investidores interessados no negócio (Maradei e Barros, 2013).

 

Landers e Challiol (2013), de fato, citam que a empresa brasileira já conta com o apoio da empresa Suiça, Gebana. A empresa Suiça tem investido seriamente no desenvolvimento da tecnologia, especialmente para aplicação no cultivo de soja orgânica2. Segundo os autores, os resultados têm sido positivos e a tecnologia é efetiva inclusive no combate às plantas daninhas (como a Conyza bonariensis, a Commelina ssp e a Lolium Italicum) resistentes ao herbicida glifosato3.

 

Vale lembrar que, apesar da SaYYou Brasil apresentar o Eletroherb como o 'resultado de pesquisa financiada pela Fundect' e afirmar que 'tudo começou na Eco 92, no Rio de Janeiro, onde foram discutidos meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção do meio ambiente' (SaYYou Brasil, 2015), a tecnologia da capina elétrica não é inédita (vide item 3.2). Considerando-se que estudos e até comercialização de semelhante tecnologia já ocorreram no passado, seria mais apropriado que a SaYYou Brasil apresentasse o Eletroherb como uma técnica aprimorada e pela primeira vez comercializada em território Brasileiro.

 

Conforme esclarece Teich (1996):

 

'o Eletroherb foi desenvolvido por dois pesquisadores do Departamento de Defesa Fitossanitária da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Augusto Ferreira da Eira e Fernando Marques de Almeida, ambos da Faculdade de Ciências Agrárias de Botucatu. O objetivo deles era reduzir radicalmente o uso de herbicidas nas lavouras de cana, café e laranja, as mais indicadas para o uso do aparelho'.

 

A SaYYou Brasil começou a desenvolver e produzir comercialmente os primeiros equipamentos Eletroherb em 1992 (Sepulcri, 2014).

 

 

4.2) Apresentação do Produto pelo Fabricante:

Segundo a empresa fabricante, a tecnologia utilizada no Eletroherb funciona de maneira tão eficiente quanto os agentes químicos, pois ela 'mata tanto o sistema aéreo (folhas e galhos) como o sistema radicular (raízes)' das plantas. A empresa menciona ainda que o intervalo entre as aplicações varia de 30 a 90 dias e que a tecnologia pode ser aplicada em diversas culturas (SaYYou Brasil, 2014).

Dentre as vantagens para o uso sistemático da tecnologia de capina elétrica utilizada no Eletroherb, a empresa fabricante destaca que:

a) é mais economicamente viável do que outras alternativas disponíveis no mercado;

b) é ambientalmente responsável, pois evita os danos ambientais causados por herbicidas;

c) é socialmente responsável, uma vez que não oferece riscos à saúde dos trabalhadores e dos consumidores;

d) não sofre lixiviação, como no caso do uso dos herbicidas;

e) pode ser utilizado a qualquer horário do dia pois não sofre influência, por exemplo, do orvalho;

f) não sofre deriva, ou seja, não há riscos de atingir outros cultivos.

 

4.3) Descrições sobre o Funcionamento:

 

O Eletroherb utiliza-se de tomada existente no trator como fonte de energia elétrica. Possui 'campânulas de aplicação, dispostas em uma barra, acoplada perpendicularmente à parte central do trator' (Brighenti e Brighenti, 2009: 2315). Landers e Challiol (2013: 39) complementam que o Eletroherb consiste de dois geradores de 60 kW de capacidade e uma bateria com pratos achatados e enfileirados por onde os choques são transmitidos. O controle de altura é feito através de sistema hidráulico e possui três níveis de regulação.

 

Segundo apresentação do produto em reportagem televisiva, 'os eletrodos instalados no aplicador disparam o choque elétrico de 5 mil volts. Ele paralisa a condução da seiva e causa a morte da planta dentro de uma semana (...) o mecanismo funciona com a força mecânica do trator' (Jornal Regional Varginha, 2010).Brighenti e Brighenti (2009: 2315) especificam que as descargas elétricas efetuadas pelo Eletroherb provocam alterações na 'fisiologia das plantas de forma irreversível' e causam sua desidratação e morte rapidamente. Por sua vez, Landers e Challiol (2013: 39) concluem que o equipamento conduz corrente elétrica através das plantas e mata suas raízes.

 

No mesmo sentido, Sepulcri (2014) e Teich (1996) acrescentam que:

 

'para o funcionamento e aplicação desse processo, o tamanho ideal das plantas daninhas deve estar entre 20 e 40 centímetros de altura. Os choques de alta voltagem que atingem a planta alteram sua estrutura de forma irreversível, fazendo com que ela perca a capacidade de absorção de água, oxigênio e nutrientes, matando-as em poucos dias. Em torno de 60 dias, novas plantas emergirão no mesmo local e então se deve aguardar o crescimento das mesmas até a altura recomendada para reaplicar o mesmo procedimento' (Sepulcri, 2014).

 

'Os choques são disparados a dez centímetros do solo por uma barra semelhante aos equipamentos de pulverização. Dois discos de contato tratam de fazer a aterragem do solo, para evitar choques em quem opera o aparelho e nas outras plantas. Uma espécie de asa de material isolante suspende a copa das árvores da lavoura e as protege do choque. As descargas ocorrem quando os eletrodos tocam as ervas daninhas' (Teich, 1996)

 

Convém salientar uma vez mais que a tecnologia utilizada no Eletroherb não é inédita (vide item 3.2.). A descrição de funcionamento do Lightning Weeder (Lasco S.A) equipara-se ao mecanismo do Eletroherb, conforme descrito abaixo:

 

'Ele [Lightning Weeder] mata as plantas daninhas em contato, forçando a solução eletrolítica de dentro do sistema vascular da planta a conduzir corrente elétrica. O efeito da máquina é rápido (...) A corrente é tão forte que a água existente no interior da planta imediatamente evapora, rompendo assim a parede de suas células internas e causando seu murchamento e morte' (Farm Show, 1981: 21).



4.4) Exemplos de Experimentos:

 

Brighenti e Brighenti (2009: 2315) realizaram testes do uso da capina elétrica com o Eletroherb (SaYYou Brasil) em cultivo de soja orgânica, no município de São Miguel do Iguaçu (Paraná). As ervas daninhas a serem combatidas no cultivo foram: o amendoim bravo (Euphorbia heterophylla), a corda de viola (Ipomoea ssp), a guanxuma (Sida ssp), o capim marmelada (Branchiaria plantaginea) e o capim colchão (Digitaria ssp). As plantas mediam em torno de 4 a 8 cm e estavam presentes na concentração de aproximadamente 88/m2. Os autores concluíram que a técnica mostrou-se eficiente para o controle das plantas daninhas na cultura estudada, especialmente quando aplicada a rotação de 2200 rpm (Brighenti e Brighenti, 2009: 2319).

 

Confome destacam Landers e Challiol (2013), a empresa Gebana Brasil (filial da matriz Suiça) desenvolveu testes com o Eletroherb na região do Paraná e do Rio Grande do Sul em duas etapas. A primeira etapa (2011/2012) compreendeu 46 fazendas e uma área total de 282,5 ha para capina elétrica. Na primeira etapa o tempo médio da capina foi registrado em 0,8 ha/h e 40 das fazendas tiveram 100% de eficácia na remoção de plantas daninhas. A segunda etapa (2012/2013) compreendeu as fazendas onde não houve registro de remoção completa das plantas daninhas e indicou que áreas onde há maior concentração de plantas daninhas perenes, velhas e lignificadas (como a Sida rhombifolia) requerem repetições de aplicações.

 

O Eletroherb foi também utilizado dia 02.12.2014 no projeto 'Semeando o Bioma Cerrado', em parceria com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV), no município de Alto Paraíso de Goiás (GO). O projeto teve como principal objetivo demonstrar que o equipamento e a técnica da capina elétrica podem contribuir para a recuperação de reservas ambientais degradadas. Esta foi a primeira vez em que a tecnologia foi utilizada no bioma Cerrado, registrando-se como iniciativa inédita no Brasil central. A máquina é um importante aliado na remoção de espécies invasoras que dificultam a recuperação das áreas em questão, uma vez que o uso de agentes agroquímicos (agrotóxicos e herbicidas, por exemplo) é proibido em reservas ambientais. Ao remover as plantas exógenas, o uso da capina elétrica poderá facilitar no processo de reprodução e povoamento de espécies endógenas. O projeto prevê o acompanhamento dos resultados obtidos com a capina elétrica e sua possível implementação na recuperação na área total (cerca de 5 hectares) a ser recuperada (Semeando o Bioma Cerrado, 2014).

 

 

4.5) Exemplos de Implementação Efetiva no Brasil:

 

No Brasil, o Eletroherb já está sendo utilizado em algumas propriedades como em lavouras de soja e de laranja. Em Varginha, por exemplo, o equipamento está em teste em 'lavouras jovens de café'. De fato, a reportagem veiculada pelo Jornal Regional Varginha afirma que a Fundação Procafé indica a técnica para lavouras orgânicas e/ou grandes propriedades (Jornal Regional Varginha).

 

No município de Santo Cristo (RS) a compra de uma unidade do Eletroherb4 contou com o financiamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e foi entregue à Cooperativa dos Agricultores de Santo Cristo (Coopasc). Segundo o autor, 'a máquina dessecadeira elétrica está sendo usada por produtores de soja orgânica para acabar com o inço da lavoura' (Copetti, 2013).

 

O item 5 elenca os principais fatores positivos e de aprimoramento relacionados à tecnologia de capina através de descargas elétricas e/ou eletrochoques.

 

 

5) Avaliação da tecnologia

 

 

5.1) Fatores Positivos:

 

Dentre os principais fatores positivos da tecnologia capina elétrica, cabe mencionar:

 

  • é eficiente no combate a plantas daninhas (como a Conyza bonariensis, a Commelina ssp e a Lolium italicum) resistentes ao tratamento com herbicida glifosato (Landers and Challiol, 2013: 39);

  • os choques elétricos não matam minhocas e formigas (Landers and Challiol, 2013: 39);

  • há mecanismo de segurança contra choque (cinto) para o motorista do trator, porém outros métodos estão em desenvolvimento (Landers and Challiol, 2013: 40);

  • não altera as condições do solo e não espalha sementes de plantas daninhas para outras regiões (Harris, 2014: 4);

  • a tecnologia pode ser aplicada em qualquer tipo de cultivo (Harris, 2014: 4);

  • bom controle das plantas daninhas em linha (Harris, 2014: 4);

  • menor uso de químicos seletivos (Harris, 2014: 4);

  • não há deriva (Harris, 2014: 5);

  • não são deixados resíduos após a aplicação (Diprose et al., 1984: 174);

  • pode ser utilizado sob diversas condições climáticas (Diprose et al., 1984: 174);

  • economiza herbicidas e roçadas, pois só utiliza-se de óleo diesel para o funcionamento do trator (Constantino Schwager, entrevistado no Jornal Regional Varginha, 2010);

  • Eletroherb não oferece riscos ao condutor pois a corrente elétrica é cortada quando o trator não está em movimento (Jornal Regional Varginha).



 

5.2) Fatores para Aprimoramento:

 

Por sua vez, em relação aos fatores de aprimoramento, a literatura sugere os seguintes:

 

  • não é eficiente para a remoção de 'plantas daninhas perenes, velhas e lignificadas' (Landers e Challiol, 2013: 39);

  • não é um processo muito rápido (cerca de 0,7 ha/h) (Landers e Challiol, 2013: 40 e Harris, 2014: 5);

  • há risco de incendiar plantas já secas que encontram-se na região (palha), mas um aplicador de água já está em teste (Landers e Challiol, 2013: 40);

  • alto valor de compra do equipamento (Landers e Challiol, 2013: 40);

  • em países da Grã Bretanha uma das dificuldades em utilizar-se a capina elétrica é a emissão do selo de segurança do equipamento (devido à alta voltagem) (Harris, 2014: 4);

  • para ser utilizado eficazmente precisa de corredores relativamente largos (Harris, 2014: 5);

  • pode vir a destruir plantas do cultivo, uma vez que o método não faz seleção entre os tipos de plantas a serem atingidas (Diprose et al., 1984: 213);

  • o consumo elétrico é alto e aumenta à medida que a concentração de plantas a serem exterminadas torna-se maior (Vigneault et al., 1990);

  • requer mais uso de energia do que tratamentos químicos (Vigneault et al., 1990);

  • é um processo mais lento do que o uso de herbicidas (Vigneault et al., 1990);

  • requer múltiplas aplicações para que seja efetivo (Vigneault et al., 1990).



 

6) Conclusão

 

O estudo demostrou que a técnica de combate a plantas daninhas por meio de aplicação de eletrochoques ou descargas elétricas não é uma novidade. Diversos textos acadêmicos acerca do assunto e o modelo comercializado pela Lasco SA na década de 1980 podem ter contribuído para o aprimoramento e comercialização do Eletroherb, atualmente desenvolvido e comercializado pela empresa SaYYou Brasil.

 

Independentemente da discussão acerca de sua origem, a técnica de capina elétrica tem se mostrado eficiente e competitiva, especialmente para aplicação em cultivos orgânicos e/ou em outros locais onde a aplicação de agroquímicos ofereça riscos ao meio ambiente ou à população local. O Eletroherb tem comprovado ser efetivo na utilização para combate a diferentes espécies de plantas daninhas e adaptável ao uso em diversos tipos de cultura.

 

A tecnologia, entretanto, ainda incipiente, carece de incentivos fiscais e econômicos para uma maior disseminação e uso no país. Para tanto, suas vantagens ambientais e sociais em relação a métodos químicos, mecânicos e/ou manuais devem ser sempre destacados, assim como o uso versátil não somente em lavouras, mas em áreas de recuperação ambiental e até mesmo em superfícies urbanas5. Futuras pesquisas poderão contribuir para elucidar essas questões e ampliar o conhecimento disponível sobre esse relevante tema.

7) Bibliografia:

 

 

Bayev, V. I. e V. N. Savchuk. 1974. The effective factors of electric spark discharge in treatmento f plants. Electrochemistry in Industrial Processing and Biology (1): 73-75.

 

Brighenti, A e D. Brighenti. 2009. Controle de plantas daninhas em cultivos orgânicos de soja por meio de descarga elétrica. Ciência Rural – Santa Maria 39(8): 2315-19.

 

Clementin, N. 2014. Orgânicos apresentam expansão na produção e interesse de consumo. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2014/01/organicos-apresentam-expansao-na-producao-e-interesse-de-consumo.html. Consulta efetuada em: 05.01.2014.

 

Copetti, T. 2013. Máquina que elimina ervas daninhas com choques elétricos vira atração no Interior. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/campo-e-lavoura/noticia/2013/12/maquina-que-elimina-ervas-daninhas-com-choques-eletricos-vira-atracao-no-interior-4374260.html. Consulta realizada em: 24.12.2014.

 

Diprose, M.F, Benson, F. A. e A. J. Willis. 1984. The Effect of Externally Applied Electrostatic Fields, Microwave Radiation and ElectricCurrents on Plants and Other Organisms, with Special Reference to Weed Control. Botanical Review 50(2): 171-223.

 

Dornelles, M. E., Schlosser, J. F., Casali, A. L. e L. B. Brondani. 2009. Inspeção técnica de pulverizadores agrícolas: histórico e importância. Cienc. Rural [online] 39(5): 1600-1605. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84782009000500049&lng=es&nrm=iso. Consulta efetuada em: 13.01.2015.

 

Farm Show. 1981. Lightning Weeder: Kills Weeds With Electricity. Farm Show 05 (2): 21. Disponível em: http://www.farmshow.com/a_article.php?aid=345. Consulta efetuada em: 02/01/2015.

 

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1A discussão acerca da Revolução Verde (Green Revolution) é complexa e extremamente controversa. Desta maneira, o tópico não será objeto de discussão no presente estudo.

2'Atualmente no Brasil cerca de 90% da soja cultivada é geneticamente modificada para a resistência ao glifosato', registram Gazziero et al. (2014: 231).

 

3 Existem atualmente no Brazil cerca de 34 espécies de plantas daninhas resistentes a diferentes agroquímicos agrícolas (HEAP,2015). A resistência específica ao glifosato conta com 31 espécies ao redor do mundo (HEAP, 2015) e seis no Brasil, a saber: Conyza bonariensis (buva), Conyza canadensis (buva), Conyza sumatrensis (buva), Lolium perenne ssp multiflorum (azevém), Digitaria insularis (capim-amargoso) e Chloris elata (sinonímia: Cloris polydactyla) (Gazziero et al. 2014: 231, apud HEAP, 2014 e HEAP, 2015).

4A compra de uma unidade do Eletroherb (em conjunto a um trator) pelo município de Santo Cristo custou, em final de 2013, R$ 245 mil.

5- O uso em superfícies urbanas (como por exemplo em trilhos, rodovias e calçadas) não foi abordado neste estudo, mas recomenda-se investigação futura acerca do tópico. Há indícios, entretanto, de negociações entre a SaYYou Brasil e prefeituras e municípios do Estado de São Paulo.