ALELOPATIA: GENERALIDADES E PRINCÍPIOS BÁSICOS

 

Tarcísio Viana de Lima[1]

 

RESUMO

 

Por serem dotados de imobilidade, os vegetais poderiam ser alvos bastante fáceis para as investidas de diversos predadores em busca de alimentos e/ou se tornarem profundamente susceptíveis aos acirrados processos competitivos estabelecidos entre os indivíduos de uma dada espécie ou de mais de uma espécie de plantas. Mas, graças à capacidade múltipla de processarem metabólitos secundários, os vegetais impõem limites que minimizam, e até impedem, as fortes pressões dos agentes biológicos coexistentes que, direta ou indiretamente, são concorrentes expressivos na busca dos elementos essenciais para atender as demandas do crescimento e do desenvolvimento. Portanto, neste documento, são feitas considerações sucintas a respeito de determinados conceitos que se revestem de singular importância na compreensão desse tema tão atual, apesar de, historicamente, haver registros sobre interferências instituídas pelas plantas entre si que remontam o século IV a. C.

Palavras-chave: Metabólitos primários; metabólitos secundários; aleloquímicos; fitotóxinas; substâncias alelopáticas.

 

1. INTRODUÇÃO  

            Diversas são as teorias sobre o surgimento da vida na Terra. E na incessante procura para encontrar resposta consistente que elucide essa questão polêmica, várias hipóteses já foram propostas, tais como: o criacionismo, a panspermia, a teoria da evolução química ou molecular da vida, esta difundida, na década de 1920, pelo bioquímico russo Aleksandr Ivanovich Oparin e o biólogo britânico John Burdon S. Haldane, credenciada como a de maior aceitabilidade para muitos cientistas da atualidade.

            Independentemente da teoria que procura justificar a existência das bioformas terrenas conhecidas, ou não, a vida borbulha e eclode de forma maravilhosa sobre o orbe terrestre.

            Embora os estudos afirmem que a Terra tenha aproximadamente 4,6 bilhões de anos, as primeiras formas de vida só surgiram aproximadamente há 3,5 bilhões de anos, conforme comprovam as estruturas rochosas dispostas em camadas conhecidas por estromatólitos fossilizados, considerados as bioformas mais antigas do planeta (McGUINNES, 2021).

            Controvérsias teóricas a parte, é fato que a existência da vida, desde seus primórdios, é pautada ao longo da trajetória evolutiva por combinações ou arranjos de seres vivos que estabeleceram, e estabelecem em maior ou menor grau, os processos interativos, sejam eles antagônicos, neutros ou harmônicos.

            Diversas são as modalidades de interações biológicas verificadas nos mais variados segmentos – plantas, animais, micro-organismos e outras bioformas -; cientificamente bem delineadas e descritas na literatura acadêmica, entre as quais, destacam-se a predação, simbiose, parasitismo, competição, mutualismo – obrigatório e facultativo – esclavagismo, sinfilia, comensalismo e amensalismo ou antibiose.

            Nesse contexto diversificado de interações biológicas, o amensalismo ou antibiose vem se destacando, desde a primeira metade do século passado, graças ao maior aprofundamento das pesquisas sobre os efeitos dos aleloquímicos decorrentes das espécies inibidoras sobre os amensais, sobretudo, quando estes estabelecem ações predatórias intensas sobre aquelas, ou quando instituem entre si a alelospolia, denominação dada à competição, seja ela intraespecífica ou interespecífica, independentemente das áreas onde ocorram: silvicultura, agricultura e horticultura.

            Embora seja constatado nas últimas décadas um substancial aumento no número de publicações relacionadas às pesquisas sobre os aleloquímicos e suas potencialidades alelopáticas, ainda há uma forte demanda por novas informações que permitam compreender um pouco mais a complexidade da natureza e do modo de ação desses importantes agentes bioquímicos controladores da dinâmica predatória, competitiva e parasitária dos mais diversificados representantes bióticos estruturadores das teias alimentares dos ecossistemas, em particular os florestais.

Sabendo-se que as pesquisas desenvolvidas no âmbito dos aleloquímicos são cruciais, é notório destacar o grau de importância de se conhecer os conceitos básicos que permitem um maior aprofundamento das análises realizadas sobre o comportamento desses compostos químicos no processo evolutivo do crescimento e desenvolvimento das plantas, sobretudo, quando essas se distribuem densamente em áreas restritas do solo.

Portanto, o presente trabalho teve por objetivo fazer uma breve explanação sobre termos conceituais usados frequentemente em pesquisas que avaliam o processo da alelopatia entre plantas, sejam elas espécimes intraespecíficas ou interespecíficas, uma vez que frequentemente se constata ambiguidade e, por conseguinte, conflitos de entendimentos de significados de determinados termos de uso corrente nessa temática.

 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Breve histórico evolutivo da alelopatia

            As primeiras evidências históricas sobre as influências ou impactos ocasionados por plantas entre si foram relatadas por Democritus, 500 a. C., e Theophrastus, 300 a. C., quando constataram que indivíduos de cevada (Hordeum vulgare L.) e grão-de-bico (Cicer arietinum L) exauriam o solo e eliminavam simultaneamente plantas invasoras (RICE, 1984; GOMIDE, 1993; WESTON, 2005; FRANÇA, 2007; SILVA, 2009).

As constatações e relatos de Democritus e Theophrastus foram fundamentais para que, posteriormente, outros naturalistas passassem a observar o comportamento interativo entre as espécies vegetais. Dentre esses, encontra-se Gaius Plinius Secundus, conhecido também por Plínio, o “Velho”, que, além de oficial, era escritor polimático romano do Século I d. C.; cuja obra de maior destaque foi intitulada de Naturalis Historia, considerada o primeiro gênero enciclopédico da literatura clássica, por conter informações compiladas de uma vasta gama de obras das mais diferentes áreas do conhecimento humano, tais como: cosmologia, zoologia, botânica, geografia, agricultura, farmacopeia, mineralogia... (MENDONÇA, 1996); na qual são registradas informações sobre interações biológicas das plantas, constatadas por outros naturalistas que o antecederam ou coexistiram em sua época.

Não menos importantes foram os trabalhos desenvolvidos por Augustin Pyramus De Candolle, em 1832, os quais possibilitaram averiguar o possível potencial tóxico de exsudatos dos sistemas radicais de plantas sobre o crescimento e desenvolvimento de outros vegetais. Esses ensaios permitiram ao botânico sugerir que a perda da capacidade produtiva ou o “cansaço” das terras agricultáveis era consequência dos exsudados expelidos pelas plantas cultivadas (RICE, 1984; SANTOS, 2012).

Entretanto, o grande impulso verificado nas análises das interações bioquímicas foi dado pelo renomado botânico e pesquisador alemão Hans Molisch, que, em 1937, propôs o termo alelopatia (combinação das palavras gregas: allelon = de um para outro, mútuo; e pathos = sofrer, prejuízo) para justificar os efeitos, sejam eles diretos ou indiretos, benéficos ou prejudiciais, decorrentes dessas interações verificadas entre os vegetais, incluindo micro-organismos, a partir da liberação no ambiente dos compostos químicos ou biomoléculas produzidas por essas bioformas (RICE, 1984).

As importantes descobertas conseguidas na medida em que se verificam avanços das pesquisas nesta importante área das interações bioquímicas, há necessidade de se propor (re)definições para melhor entendimento do processo da alelopatia, a partir do seu significado original: prejuízo mútuo. Na realidade, as lapidações conceituais, grosso modo, começaram a se projetar com o uso da expressão aleloquímicos das plantas, por Whittaker e Feeny (1971), ao enquadrarem os ácido cinâmico, flavonóides, terpenóides, esteróides e alcalóides como os cinco grupos de compostos assim tipificados.

Embora Rice (1984) tenha considerado a alelopatia um processo em que um dado espécime libera substâncias químicas no ambiente com potenciais inibitórios ou estimuladores do crescimento e/ou desenvolvimento de outro organismo; Putnam e Duke (1978), antecipadamente, argumentavam que os efeitos alelopáticos, decorrentes dos aleloquímicos emitidos por plantas de uma espécie doadora, eram prejudiciais à germinação das sementes, crescimento e/ou desenvolvimento de indivíduos das espécies receptoras. Essa assertiva, portanto, deixa evidente que estes autores concordavam em parte com a suposição teórica de Rice (1984).

Ainda que as pesquisas sobre alelopatia sejam predominantemente concentradas no contexto dos ensaios interativos com plantas, sejam elas cultivadas e/ou daninhas, é notório que a abrangência dos estudos desse processo também se estende dentro dos níveis dos micro-organismos e entre os micro-organismos e plantas (RICE, 1984).

2.2. Substâncias do metabolismo vegetal

Fisiologicamente, o metabolismo das plantas envolve uma série de processos ou reações químicas com complexidades variadas que, ininterruptamente, ocorre nas unidades celulares dos vegetais, mediante a ação de enzimas específicas responsáveis pela orientação ou encadeamento, denominado de rota metabólica, dessas reações.

Para melhor compreensão dessa série de reações químicas intracelulares, costuma-se dividir o metabolismo vegetal em primário e secundário (SOUSA e SOUSA, 2017).

Entende-se por metabolismo primário um conjunto de atividades biológicas que desempenham papeis essenciais responsáveis pela condução da sobrevivência dos vegetais. Essas intervenções são impulsionadas por compostos químicos regulados pelo transporte de solutos e pelas vias fotossintéticas e respiratórias, imprescindíveis à vida celular, por conseguinte, processos determinantes na normalização do crescimento e desenvolvimento dos vegetais.  Esses metabólitos primários, relacionados na figura 1, encontram-se distribuídos universalmente, uma vez que são encontrados em todas as plantas, independentemente de suas localizações geográficas na biosfera. Já o metabolismo secundário corresponde às reações anabólicas e catabólicas que ocorrem no âmbito celular, e, supostamente, não apresenta vinculações com o crescimento e desenvolvimento dos vegetais, sendo considerado não essencial. Entretanto, inúmeras pesquisas, historicamente, confirmam a sua relevância nas múltiplas interações desses organismos nos mais distintos ecossistemas (DELBONE e LANDO, 2010; GUERRA et al., 2011; CUNHA, 2016; SILVA, BIZERRA e FERNANDES, 2018).

 

Figura 1. Metabólitos primários que são encontrados universalmente em todas as plantas e que são responsáveis pelo seu crescimento (C) e desenvolvimento (D) no ambiente

 

Considerando-se que os compostos do metabolismo secundário mediam interações entre seres vivos, Nordlund e Lewis (1976) denominaram-nos de semioquímicos, já Dicke e Sabelis (1988), de infoquímicos.

Independente das denominações recebidas, os semioquímicos ou infoquímicos, ao mediarem relações intraespecíficas – entre indivíduos de uma dada espécie -, favorecendo o acasalamento, o agrupamento e, até mesmo, a demarcação territorial ou formação de caminhos, são chamados de feromônios, os quais são categorizados como sendo sexuais, de agregação e de trilha, respectivamente. Por outro lado, quando estabelecem interações interespecíficas - entre organismos de mais de uma espécie -, passam a ser denominados de aleloquímicos (BATISTA et al., 2021; TRIGO et al.; 2012; VILELA e LÚCIA, 2001).

Considerados metabólitos secundários bioativos e tóxicos, os aleloquímicos são produzidos, armazenados e liberados pelas plantas de acordo com as influências das condições bióticas e abióticas (SILVA et al., 2022), que refletirão na potencialização alelopática ou capacidade de defesa desses vegetais, sobretudo, contra investidas desarmônicas de diferentes bioformas  (BALBINOT JUNIOR, 2004).

Devido à flexibilização da produção, intensidade do modo de ação e poder atrativo ou repulsivo apresentados pelos aleloquímicos, esses metabólitos, segundo Trigo et al. (2012) e Silva et al. (2010),  são classificados em:

  1. Alomônios – grupo de compostos usados na defesa de uma espécie que, ao liberá-los no ambiente, afetará negativamente o receptor.  
  2. Cairomônios – grupo de compostos liberados no ambiente por uma dada espécie que a tornam potencial presa para predadores.
  3. Sinomônios – compostos liberados no ambiente que exercem efeitos positivos tanto para o emissor quanto o receptor.
  4. Apneumônios – compostos liberados por hospedeiro não vivo indutores de parasitoides.

Baseado nessa conjuntura teórica, e por dedução, chega-se ao consenso que os aleloquímicos são metabólitos secundários fundamentais, pois desempenham papel crucial no padrão de distribuição espacial das espécies vegetais e, evidentemente por consequência da dependência interativa, dos representantes da fauna e outras bioformas estruturadoras dos ecossistemas. Logo, são fenômenos fisiológicos imprescindíveis para o controle e estabilização do equilíbrio ecológico dos diversos taxa das comunidades, sejam elas florestais ou não florestais.

2.3.  A liberação dos aleloquímicos e sua expansão no ambiente

Os aleloquímicos, também denominados na atualidade como fitotoxinas ou substâncias alelopáticas, são expelidos pelas plantas no ambiente de forma contínua. Entretanto, a maior ou menor quantidade desses metabólitos secundários liberados dependerá da concentração e do estresse ou pressão ambiental sob os quais essas plantas se encontram.

Com base em levantamentos bibliográficos consultados, Pires e Oliveira (2011) comentam que vários pesquisadores defendem a hipótese de que as plantas, em fase de crescimento, elevam a produção de metabólitos secundários quando se encontram sob estresses decorrentes de fatores abióticos, tais como, temperatura, radiação, nutrientes e água; e/ou bióticos, expressos por doenças e pragas.

Tais autores, relatados por Pires e Oliveira (2011), ainda salientam que essas mudanças metabólicas caracterizadas pela maior produção das fitotoxinas são mecanismos de defesa relevantes para as plantas. Em geral, os inúmeros testes laboratoriais têm revelado que os aleloquímicos apresentam maior poder inibitório quando os bioensaios são realizados e conduzidos sob temperatura elevada.

Além desse aspecto, Rice (1984), ao realizar bioensaios com várias plantas, detectou que, além da qualidade e intensidade da radiação, o fotoperiodismo e a deficiência nutricional do boro, cálcio, magnésio, nitrogênio, fósforo, potássio e enxofre aumentaram, respectivamente, as concentrações do ácido fenólico e dos terpenos, em dias longos; e do ácido clorogênico e da escopolina dessas plantas sob condições de déficit de nutrientes.

Pires e Oliveira (2011) pontuam que o estresse hídrico, isolado ou combinado com outros vetores estressantes, potencializa a concentração dos ácidos clorogênico e isoclorogênico nas plantas.

Independente das causas que levam as plantas a biossintetizarem aleloquímicos, é fato que essas substâncias são excretadas pelos tecidos vegetais (Figura 2) por meio da volatilização, lixiviação, exsudação e decomposição de resíduos orgânicos descartados pelas plantas (RICE, 1984).

Figura 2. Principais vias de liberação dos aleloquímicos por volatilização, lixiviação, exsudação e decomposição de detritos orgânicos estabelecidos na serapilheira

Os aleloquímicos liberados por volatilização se caracterizam pela dificuldade em identificá-los, detectá-los e quantificá-los. Geralmente, as plantas que excretam substâncias dessa natureza se enquadram como aromáticas. Destacam-se nesse contexto, várias espécies, dentre as quais, o eucalipto-limão (Corymbia citriodora Hill & Johnson), fedegoso (Cassia  sp, Senna sp), roseiras (Rosa sp), hortelã (Mentha sp), entre outras. Vale salientar que nem todos os aleloquímicos voláteis são nocivos para as plantas circunjacentes. Entretanto, a literatura cita como dois exemplos clássicos de plantas potencialmente alelopáticas as espécies Artemisia californica Less. e Salvia leucophylla Greene, com ocorrência nos chaparrais californianos, cujas fitotóxinas voláteis terpênicas liberadas no ambiente impedem o crescimento e desenvolvimento de quaisquer outras plantas num raio variante de um a dois metros.

Já os compostos metabólitos secundários lixiviados, ao serem excretados nas partes aéreas das plantas, são conduzidos até a serapilheira e, evidentemente, o solo, pelo orvalho, chuva e neblina, conforme mostra o esquema da figura (2). Pires e Oliveira (2011) citam que, de acordo com Putnam (1987), dentre os aleloquímicos mais lixiviados, encontram-se os ácidos orgânicos, açúcares, aminoácidos, substâncias pécticas, ácido giberélico, terpenoides, alcaloides e compostos fenólicos.

Um dos meios mais usados pelas plantas para liberar metabólitos secundários no ambiente, as raízes se credenciam com uma importante via condutora de exsudados fitotóxicos, onde parte apresenta baixo potencial alelopático, outra, um significativo poder de inibição. Entretanto, vários estudos têm demonstrado a imprecisão em se afirmar se tais substâncias de fato provêm direta e exclusivamente das raízes dessas plantas, ou se são excretadas por micro-organismos que vivem na rizosfera, ou resultam do processo de decomposição dos detritos orgânicos que estruturam a serapilheira (PIRES e OLIVEIRA, 2011).

          É óbvio que os aleloquímicos, após serem liberados pelas plantas no ambiente, apresentam mecanismos e modo de ação que, hipoteticamente, determinarão a amplitude dos efeitos ocasionados nos vegetais receptores, conforme as pressões impostas pelas interações predominantemente desarmônicas estabelecidas entre as plantas coexistentes da comunidade.

          Portanto, considerando-se esses mecanismos e modo de ação de metabólitos secundários, Pires e Oliveira (2011), com base em vários autores, especificam que determinados aleloquímicos têm a capacidade de interferir de forma comprometedora as atividades vitais das plantas receptoras, como a fotossíntese, respiração, assimilação de nutrientes, sintetização de proteínas, enzimatizações e permeabilidade plasmática; modificando, por conseguinte, a trajetória regular que orienta o crescimento e o desenvolvimento desses vegetais.

2.4. Tipos de efeito alelopático

            Considerando-se a capacidade dos aleloquímicos induzirem efeitos tóxicos entre os seres vivos, Miller (1996) propôs classificá-los em dois grandes tipos, denominando-os de autotoxidade e heterotoxidade. Segundo o autor, a autotoxidade alelopática é de natureza intraespecífica, pois as substâncias químicas liberadas pelos indivíduos de uma dada espécie agem inibindo ou retardando a germinação das sementes, o crescimento, sobrevivência e reprodução das plantas do próprio taxa. Enquanto, a heterotoxidade, por sua vez, é de natureza interespecífica, devido ao fato de que os aleloquímicos excretados por plantas de uma espécie no ambiente afetam, identicamente, a germinação das unidades reprodutivas, o crescimento, sobrevivência e reprodução dos indivíduos de outro taxa vegetal.

            Deve-se ressaltar que ao se analisar a natureza das substâncias alelopáticas no contexto intraespecífico e interespecífico está se considerando o aspecto da fitoinibição, ou seja, os aleloquímicos tóxicos produzidos e excretados no ambiente estabelecem interações entre plantas emissoras e receptoras, respectivamente. Todavia, inúmeras pesquisas têm comprovado a ação de micro-organismos edáficos que liberam substâncias tóxicas no solo, em geral, para neutralizar ou eliminar ações de outros micro-organismos, mas também se tornam danosos para plantas superiores. Esse processo recebe o nome de saproinibição. Considera-se que essas substâncias excretadas têm função de defesa contra agentes externos, entretanto, só são efetivamente produzidas quando as bioformas edáficas estão sob condições de estresse.

2.5. Principais grupos tóxicos de aleloquímicos

            Vários pesquisadores são unânimes em afirmar que, na atualidade, são conhecidos mais de 10.000 netabólitos secundários com potencial tóxico confirmado. Entretanto, acreditam que haja na natureza mais de 100.000 aleloquímicos distribuídos em vários grupos (Figura 3), cujas descobertas certamente permitirão entender um pouco mais a complexidade interativa que permite a manutenção e o equilíbrio das teias alimentares dos diversos ecossistemas.

Figura 3. Os principais grupos de metabólitos secundários considerados tóxicos para os processos de crescimento e desenvolvimento de plantas receptoras


            Por outro lado, é fundamental ter-se a compreensão que a alelopatia não deve ser confundida com a competição. Enquanto esta implica na retirada de elementos do ambiente, tais como: água, luz, dióxido de carbono e nutrientes (RICE, 1984), para uso em processos fisiológicos que beneficiam o crescimento e desenvolvimento das plantas; aquela visa a introdução no ambiente de substâncias químicas não essenciais as atividades vitais dessas plantas, no sentido de interferir, de forma geralmente negativa, no estabelecimento de vegetais com fortes potenciais competitivos pelos mais variados elementos ambientais, necessários à existência das espécies.

 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Embora a história revele a existência de registros realizados desde o Século IV a. C., com descrições sobre as interferências mútuas entre plantas, na atualidade, apesar da evolução significativa constatada por pesquisas no campo da fisiologia, ainda são incipientes as informações adquiridas a respeito dos efeitos que os aleloquímicos são capazes de provocar no comportamento ecológico das plantas dentro das diferentes comunidades dos ecossistemas. Entretanto, é fato que os conhecimentos resultantes dos estudos desenvolvidos envolvendo os metabólitos secundários tóxicos proporcionam ganhos substanciais no campo agrário, pois os detalhamentos dos mecanismos e das formas de atuação e das reações decorrentes desses aleloquímicos possibilitam a evolução de novas técnicas de manejo que melhoram substancialmente as conduções dos sistemas agrossilviculturais adotados nos diferentes sítios, independentemente das propriedades intrínsecas dessas unidades ecobióticas.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Professor do Departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco.