Podocarpus sellowii Klotzsch: uma conífera no agreste pernambucano

Tarcísio Viana de Lima[1]

 RESUMO

Com distribuição espacial mais abrangente no território brasileiro em relação às duas gimnospermas de maior relevância no cenário nacional, Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze. e Podocarpus lambertii Klotzch, o P. sellowii Klotzsch. é uma conífera que se destaca no contexto fitogeográfico pernambucano, fazendo parte da estrutura da mata serrana conhecida por Serra dos Cavalos, situada em Caruaru, Pernambuco. A presença desta espécie é considerada essencial por contribuir no equilíbrio ecológico da comunidade dessa formação vegetal, uma vez que atrai representantes da avifauna, sobretudo os Thraupidae, agentes de grande importância na dinâmica de dispersão de unidades reprodutivas de várias espécies florestais. Portanto, a proposta deste trabalho revisório é descrever as propriedades ecobióticas gerais de Serra dos Cavalos e as características botânicas e ecológicas mais relevantes de P. sellowii, além de enfatizar a importância das qualidades de sua madeira para diversos usos, caso a espécie apresentasse significativa abundância de indivíduos para fins comerciais.   

Palavras-chave: Podocarpaceae; Serra dos Cavalos; brejo de altitude; ecobiótica; Thraupidae.

  1. INTRODUÇÃO

Considerado fundamental para a existência dos ecossistemas completos da biosfera, o reino Metaphyta ou Plantae é constituído por um enorme contingente de organismos vegetais modulares (TOWNSEND et al., 2006), cujos aspectos fenotípicos são facilmente identificados no contexto da comunidade, tais como: variações de tamanho ou porte, oscilações de matizes e presença ou ausência de flores; além da existência de espécies que apresentam ou não vasos condutores.

Entretanto, mesma com essa pluralidade ou diversidade de vegetais, pelo menos há três características fundamentais e universais, apresentadas pelas plantas, independentemente das suas distribuições espaciais ou geográficas na biosfera; que são:

  1. Formação de órgãos cujos tecidos são multicelulares;
  2. Proliferação de células eucariontes;
  3. Autossuficiência alimentar (fotossíntese).

Evidentemente que há outras propriedades estruturais e funcionais importantes apresentadas e identificadas nas plantas que poderiam ser citadas e explanadas. Porém, essas informações são facilmente pesquisadas com mais detalhes na vasta gama de bibliografias publicadas que tratam dessas particularidades.

                Contudo, há uma particularidade geral dos vegetais fundamental para a análise superficial do grau de complexidade que circunda o reino Metaphyta: a classificação das plantas.

 

Nesse contexto, o reino Plantae, na concepção mais intrínseca da expressão, é classificado, segundo uma hierarquia, em:

  1. Briófitas – denominação dada às plantas que se caracterizam pela destituição de vasos condutores de seiva. Logo, chamadas de “plantas avasculares”. Exemplos: musgos e hepáticas.
  2. Pteridófitas – apesar de apresentarem vasos condutores, não produzem sementes, mas esporófitos, onde são alocados esporos responsáveis pela geração de novos indivíduos. Exemplos: Samambaias e avencas.
  3. Gimnospermas – congregam as plantas vasculares que produzem sementes nuas (não envolvidas por frutos). Exemplos: Pinheiros em geral.
  4. Angiospermas – consideradas como as plantas mais evoluídas por formarem flores, frutos e sementes. Por constituírem o maior grupo de vegetais da biosfera, têm ampla abrangência geográfica, sendo, portanto, encontradas nos mais variados ambientes terrestres (RAVEN et al., 2014).

Devido à expansividade e complexidade dos domínios morfoclimáticos e fitogeográficos brasileiros, decorrentes da imensa extensão territorial do país, é notório que o conjunto dessas classes de plantas se faça presente nessas grandes formações vegetais que ocupam as diferentes regiões nacionais.

Nesse contexto paisagístico bastante diversificado é evidente que, ainda, há um número expressivo de taxa nas diversas modalidades de cobertura vegetacional brasileira que demandam de profundas averiguações, nos campos da autoecologia e sinecologia, que revelem o quão importantes são no cenário das espécies vegetais conhecidas da flora nacional, mesmo que esses taxa sejam restritos a determinadas condições ambientais.

Em função da sua distribuição geográfica e abundância, o grupo das angiospermas é o que desperta maiores interesses botânicos e ecológicos, pois exerce amplo domínio nas diversas paisagens da biosfera. Entretanto, apesar de não ter na atualidade a mesma amplitude, sobretudo territorial, o grupo das gimnospermas apresenta uma substancial e inequívoca importância, principalmente nas regiões onde prevalecem condições climáticas propícias para o seu crescimento e desenvolvimento.

Portanto, o presente trabalho teve por objetivo fazer uma breve explanação sobre a ocorrência de Podocarpus sellowii Klotzsch no estado de Pernambuco, uma das espécies de gimnospermas com distribuição ecogeográfica que, teoricamente, permite enquadrá-la como euritópica e estenoécia no território brasileiro.

  1. DESENVOLVIMENTO
    1. Caracterização ecobiótica do Parque Natural Municipal Professor João Vasconcelos Sobrinho

Localizado na Região Nordeste do Brasil, o estado de Pernambuco situa-se entre os paralelos de 7º 15’ 45’’ e 9º 28’ 18’’ de latitude Sul e os meridianos de 34º 48’ 35’’ e 41º 19’ 54” de longitude Oeste de Greenwich. Em sua superfície territorial, são demarcadas quatro zonas fisiográficas, a saber: Litoral e Mata, ambas situadas na faixa úmida costeira, por conseguinte, apresentam clima úmido e, em conjunto, têm uma superfície de 11.776 km² (12% da área total); Agreste e Sertão, este se sobressai por ser a maior parte territorial do estado, ocupando 68.535 km² (69,7% da área total), caracterizado pelo clima semiárido, onde se destaca a vegetação de caatinga hiperxerófila. Já o Agreste, com uma superfície de 17.970 km² (18,3% da área total), por sua vez, estabelece a transição ou conexão entre as zonas do Litoral e Mata com o Sertão, respectivamente (JACOMINE et al., 1973; CANTALICE et al., 2009).

 A Serra dos Cavalos encontra-se encravada no município de Caruaru, cujo espaço geográfico, situado entre os paralelos de 8º 18’ 36” e 8º 30’ 00” de latitude Sul e os meridianos de 36º 00’ 00” e 36º 10’ 00” de longitude Oeste de Greenwich, assenta-se na zona fisiográfica do Agreste pernambucano (Figura 2). Fisicamente, tem como limites dois riachos: o Taquara, pelo trecho ocidental, e o Cipó, pelo trecho oriental.

Figura 2 (Anexo) Localização da cidade de Caruaru e do Parque Serra dos Cavalos na zona correspondente ao Agreste

Autoria da imagem: Tarciana Cavalcanti de Lima 

Embora se situe no Agreste, onde as condições de semiaridez prevalecem em toda superfície de aplanamento, a área serrana apresenta clima tropical chuvoso com verão seco (As), conforme a classificação de Kӧeppen, com chuvas de outono-inverno.

Circundada por áreas de elevados déficits hídricos, a Serra dos Cavalos é beneficiada pela presença das massas úmidas dos Alísios de Sudeste (Figura 3), sendo, portanto, um mesoclima que, favorecido pela altitude, que ultrapassa 900 m, e posição das encostas a barlavento, apresenta variações térmicas adiabáticas responsáveis na manutenção da temperatura média em torno de 20ºC no interior da formação florestal (SILVA e COUTINHO, 1986).

Figura 3 (Anexo). Vista geral da Serra dos Cavalos, onde se detecta pairando sobre a crista da respectiva serra massas de ar úmidas dos Alísios do Sudeste

Autoria da imagem: Tarcísio Viana de Lima 

O teor higrométrico da atmosfera na área varia de 70% a 100%, durante o período chuvoso, enquanto no período seco, chega ao nível de 45% nas áreas abertas que contornam a serra a 820 m de altitude, permanecendo, entretanto, com valores acima dos 70% nas faixas altitudinais mais elevadas (840 m a 950 m) (LIMA, 1991).

Estudos realizados por Silva et al. (1989) sobre a insolação no altiplano – 950 m de altitude - de Serra dos Cavalos constataram que a sua forte intensidade durante o dia, devido às perturbações antrópicas no interior da vegetação, associada a irradiação verificada pela noite, dá origem a uma camada densa de ar frio que, influenciada pela gravidade, desce para os níveis altitudinais mais baixos, onde se concentra nos vales, produzindo nevoeiros noturnos. Esses nevoeiros, juntamente com a altitude e a influência da exposição das encostas ao fluxo de massas adventícias de ar úmido, controlam a variação térmica, tornando-a mais uniforme na vertente a barlavento, o que, supostamente, favorece a presença de P. sellowii na Serra dos Cavalos.

Considerando-se as características edáficas de Serra dos Cavalos, são identificados quatro classes de solos, a saber: Podzólico Vermelho-Amarelo Distrófico Latossólico com A proeminente, de relevo forte ondulado, encontrado no topo da serra (950 m de altitude); o Podzólico Vermelho-amarelo Distrófico com A proeminente, de relevo forte ondulado a montanhoso, situado na encosta da serra – ambos cobertos pela floresta perenifólia -; os Gleissolos, de relevo plano e que formam os vales intermontanos ou depressões, onde se assentam os campos de várzea; e o Planossolo Solódico, cujo relevo varia de plano a suave ondulado coberto com caatinga hipoxerófila que contorna a área serrana (SILVA e CAVALCANTI, 1988, LIMA, 1991).

Favorecida pela forte influência do relevo, as condições edafoclimáticas possibilitaram a Serra dos Cavalos o desenvolvimento e predominância de uma formação vegetal densa (Figura 4), com porte médio variando de 20 m a 30 m e diversificação florística notória, cuja estrutura e composição estão correlacionadas ao teor de umidade do ar e níveis altitudinais, respectivamente. 

Figura 4. (Anexo) Vista do topo e da vertente a barlavento da formação vegetal de Serra dos Cavalos, Caruaru, Pernambuco

Autoria da imagem: Tarcísio Viana de Lima 

Essa formação vegetal, denominada de mata serrana ou brejo de altitude, na realidade, faz parte dos remanescentes da Mata Atlântica em Pernambuco que, segundo Andrade-Lima (1960), encontra-se subdividida em três modalidades de mata ou subzonas: a úmida, que se caracteriza por ser perenifólia, devido à proximidade do litoral; a seca, situada a oeste, destacando-se pela semideciduidade ou deciduidade; e as serranas, ou brejos de altitude, que, fisiograficamente, são ilhotas de matas sobre cristas isoladas, mais precisamente são disjunções de florestas úmidas a subúmidas localizadas sobre serras, ou adjacentes aos relevos tabulares residuais (ANDRADE-LIMA, 1970).

Estruturalmente, os estratos arbóreos da cobertura vegetacional natural de Serra dos Cavalos se destacam pela boa representatividade taxonômica constatada pelos levantamentos fenológicos das espécies arbóreas, realizados por Locatelli e Machado (2004), que revelaram 58 espécies, 51 gêneros e 34 famílias. Nesses estudos, os três maiores destaques em nível de família foram Fabaceae, Mimosaceae e Lauraceae, com oito, seis e cinco espécies, respectivamente.

Também são bastante comuns no dossel dessa mata serrana as epífitas das famílias Bromeliaceae e Orchidaceae, que se disseminam nas copas de várias árvores em busca de maior luminosidade e umidade atmosférica. Já no estrato herbáceo, sob o sombreamento provocado pelos indivíduos arbóreos, é detectado certo predomínio das Pteridophyta terrestres, enquanto nas clareiras difusas proliferam-se espécies heliófilas, tais como Cecropia sp (embaúba) e gramíneas (ANDRADE-LIMA, 1966; SILVA e COUTINHO, 1986; SILVA et al., 1989; LIMA, 1991; LIMA e BARBOSA, 1998).

 As matas serranas que se distribuem em Pernambuco apresentam, em geral, caraterísticas vegetacionais e climáticas comuns, que podem ser consideradas padrões para essa subzona. Entretanto, no caso específico de Serra dos Cavalos, a ocorrência de P. sellowi, espécie da família Podocarpaceae, torna esse ambiente especial no contexto botânico e ecológico, uma vez que não é registrada dentro do território pernambucano a proliferação da espécie em outras áreas serranas.

Pelo fato de ser encontrada uma espécie Coniferophyta no Nordeste do Brasil, teoricamente algo improvável de ocorrer devido às condições climáticas da região, pois as plantas dessa divisão são correntemente encontradas em áreas de clima frio e temperado, a descoberta de P. sellowii pelo botânico Dárdano de Andrade-Lima em Pernambuco foi fundamental para o campo fitogeográfico, uma vez que abriu novas perspectivas de estudos mais acurados sobre a dispersão de coníferas nas regiões setentrionais do país.

Face ao achado pioneiro e constatação de P. sellowii em Pernambuco, com posterior descoberta nos estados de Sergipe e Ceará (ANDRADE-LIMA, 1971; DUARTE, 1973; FIGUEIREDO et al., 1990), serão enfatizadas as características morfológicas, fenológicas e ecológicas, bem como a viabilidade de utilização da madeira dessa espécie, desde que sob condições controladas de manejo florestal.

  1. Gimnospermas

Consideradas um dos mais importantes grupos vegetais do planeta, as gimnospermas são divididas em dois grandes segmentos: as extintas e as atuais.

No caso das gimnospermas extintas, duas categorias povoaram a crosta terrestre: as Pteridospermales, ou seja, samambaias com sementes, caracterizadas tanto por plantas ramificadas e tênues quanto arbóreas, cuja distribuição geográfica se estendeu durante o Devoniano e Jurássico; e as Cordaitales, vegetais primitivos, que se expandiram durante o Paleozóico, consideradas predecessoras das coníferas (RAVEN et al., 2014).

Com relação às gimnospermas atuais, Raven et al. (2014) salientam que o grupo é constituído por quatro filos, a saber: Coniferophyta, Cycadophyta, Ginkgophyta e Gnetophyta.

No caso específico da Coniferophyta, é constatado que esse filo é o mais expressivo e bem representado no contexto das gimnospermas remanescentes, além de apresentar ampla distribuição geográfica e importante papel ecológico nas paisagens naturais onde ocorre. Na atualidade, esse filo compreende cerca de 70 gêneros, nos quais se congregam em torno de 630 espécies (RAVEN et al., 2014).

Além da sua abrangência taxonômica, geográfica e ecológica, esse filo também se destaca fortemente pelo valor comercial de suas espécies oriundas dos tradicionais pinheiros, abetos e piceas ou espruces, cujas florestas são patrimônios de importantes recursos naturais nas zonas temperadas do hemisfério norte (RAVEN et al., 2014).

Ainda que, supostamente, não alcance o mesmo padrão de destaque constatado para as suas representantes do hemisfério setentrional, o filo Coniferophyta também congrega representantes que desempenham importantes funções, sobretudo a ecológica, na malha vegetal do hemisfério meridional.

Independentemente da projeção alcançada pelos representantes do filo Coniferophyta nas conjunturas vegetacionais da biosfera, é crucial considerar-se que dentro da sua ordem Pinales há sete famílias, contendo entre 60 a 65 gêneros (SIEGLOCH e MARCHIORI, 2015), a saber: Araucariaceae, Podocarpaceae, Pinaceae, Cupressaceae, Cephalotaxaceae, Taxaceae e Sciadopityaceae.

Embora a família Araucariaceae, representada no Brasil pela espécie Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze, tenha, historicamente, maior projeção e importância socioeconômica, devido a sua expressão comercial em relação à Podocarpaceae, o foco será direcionado a esta família, mais especificamente a espécie Podocarpus sellowii Klotzsch, que se expande desde as regiões subtropicais até as equatoriais brasileiras, fazendo parte das Florestas Ombrófilas Mista (Mata de araucária) e Densa (Mata Atlântica e Floresta Amazônica) (INOUE et al., 1984; CARVALHO, 2004; GARCIA e NOGUEIRA, 2008).

Esse centralismo de escolha voltada à P. sellowii tem por base a demanda de se adicionar um pouco mais de informação sobre a distribuição ecogeográfica e a relevância dessa espécie em área de mata serrana no estado de Pernambuco, e, dessa forma, ratificar o importante papel ecológico desempenhado pelo taxon na atração e manutenção de pássaros dispersores de sementes na estrutura florística nessa modalidade de cobertura vegetacional.

  1.  Podocarpaceae

Pertencente ao grande grupo das Acrogimnospermas, ou seja, conjunto de todas as Gimnospermas viventes; a família Podocarpaceae - do grego podos (pé) karpos (fruto) assume relevante papel dentro do reino vegetal por congregar as coníferas, cujas plantas estão entre as mais bem-sucedidas representantes da flora mundial.

Nessa família, atualmente, são registradas e torno de 170 espécies distribuídas em 19 gêneros, cuja maior expansão geográfica ocorre no hemisfério sul.

Dos 19 gêneros mundiais, dois são encontrados no Brasil: Podocarpus e Retrophyllum, este é constituído por apenas uma espécie – R. piresii (Silba) C.N.Page -   enquanto aquele é representado por oito espécies – P. lambertii Klotzsch., P. brasiliensis Laubenfels, P. acuminatus Laubenfels, P. barretoi Laubenfels &Silba, P. roraimæ Pilger, P. aracensis Laubenfels & Silba, P. celatus Laubenfels e P. sellowii Klotzsch (SOUZA, 2013).

2.2.1.1. Podocarpus sellowii Klotzsch no estado de Pernambuco

O gênero Podocarpus, representado por mais de 100 espécies, muitas das quais de grande interesse florestal, enquadra-se como grupo sistemático cosmopolita, pois apresenta ampla distribuição geográfica mundial, sendo registrada sua presença em três grandes áreas de dispersão: Sul do Japão e da China, Nepal, Sumatra até Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia, Nova Caledônia, África do Sul, Madagascar, Ilhas Fidji, Filipinas, Sul da África, Américas Central, chegando as Antilhas, e do Sul (DUARTE, 1973; MAINIERI e PIRES, 1973).

No caso específico da América do Sul, esse gênero é encontrado na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guianas, Peru e Venezuela (MAINIERI e PIRES, 1973).

Apesar da abrangência dispersiva no Brasil, o gênero Podocarpus apresenta distribuição ecológica restrita, que o condiciona a ocupar o espaço geográfico de forma descontínua, sendo, portanto, encontrado em áreas cujas altitudes variam de 400 a 1800 m, com características edafoclimáticas especiais, tais como: solos leves, silicosos, humosos, bem arejados sob condições de baixa temperatura e umidade ambiental elevada.

Dessa forma, em se considerando a ocupação territorial das duas espécies mais conhecidas no contexto nacional, o Podocarpus lambertii Klotzsch predomina nas áreas de clima mais frio do Brasil, restringindo-se, portanto, às áreas serranas das regiões Meridional – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – e Sudeste - São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo e Minas Gerais –; enquanto o Podocarpus sellowii Klotzsch apresenta maior abrangência, ocorrendo nas áreas frias dessas regiões e nas quentes, que caracterizam a parte setentrional do país, ou seja, o Norte e Nordeste – Sergipe, Pernambuco e Ceará - (ANDRADE-LIMA, 1966; DUARTE, 1973; MAINIERI e PIRES, 1973, MATTOS, 1979; VELOSO E GÓES-FILHO, 1982, FIGUEIREDO et al., 1990).

A primeira referência sobre a presença do gênero Podocarpus no Nordeste brasileiro foi feita por Andrade-Lima, em 1962, quando, na ocasião, coletou material de P. sellowii na Serra de Itabaiana, Sergipe. No ano seguinte, 1963, material fossilizado (Figura 1) e de madeira silicificada foram coletados por Beurlen e Osório, em Araripina e São José do Belmonte, Pernambuco (ANDRADE-LIMA, 1966).

Figura 1. (Anexo) Amostra de material fossilizado de Podocarpus sellowii Klotzsch proveniente da região do Araripe, Pernambuco, 1999

Autoria da imagem: Tarcísio Viana de Lima 

A ocorrência de P. sellowii em condições naturais no estado de Pernambuco foi constatada por Andrade-Lima (1966) em Serra dos Cavalos, cuja localização geográfica dista aproximadamente 13 km do “centro” do município de Caruaru e 147 km do Recife, Essa serra, na atualidade, é uma unidade de conservação integral, cuja área abrange em torno de 359 ha, denominada de Parque Natural Municipal Professor João Vasconcelos Sobrinho, nome dado em homenagem ao pioneiro dos estudos ambientais brasileiros e uma das maiores autoridades em ecologia do mundo.

I.  Características morfológicas

A espécie P. sellowii se caracteriza por apresentar hábito arbóreo de pequeno a grande porte (Figura 5), cujos indivíduos desenvolvem gemas vegetativas com escamas longas acuminadas que chegam a 2 cm. Possui folhas de 6 cm – 10 cm x 0,7 cm – 1,2 cm; com nervura central, acima, algo elevada, com sulco entre duas arestas, na página inferior elevada, desaparecendo para o ápice; folha apresentando ápice geralmente não espinhoso; hipoderme contínua acima; esclerócitos presentes acima e abaixo da costa. Cones polínicos finos, cilíndricos, até 35 mm x 2 – 2,5 mm, solitários ou em fascículos, sésseis ou subsésseis (sem pedúnculo). Cone feminino solitário, axilar, com pedúnculo de 5 mm x 12 mm, receptáculo de 5 mm x 8 mm, com 2 – 3 brácteas soldadas. Semente esferoidal alongada de 7 mm – 9 mm x 5 mm – 7 mm, com pequena cresta ou sem cresta (SHULTZ, 1968; DUARTE, 1973; MANIEIRI e PIRES, 1973). 

Figura 5. (Anexo) Imagens de Podocarpus sellowii Klotzsch., onde observam-se: porte de umespécime adulto no interior da mata serrana (I); detalhe do diâmetro do fuste (II); espécime jovem em destaque no centro da imagem (III); três fases (A, B, C) da germinação de sementes da espécie (IV); duas plântulas provenientes de sementes germinadas na serapilheira, em processo de crescimento e desenvolvimento, mostrando em detalhe as folhas definitivas e, sobretudo, a presença de dois cotilédones – par de folhas embrionárias mais estreitas na imagem - distribuídos opostamente, característica incomum em gimnospermas (V)

Autoria das imagens: Tarcísio Viana de Lima

  1.   Características fenológicas

 A produção de sementes por plantas matrizes de P. sellowii em Serra dos Cavalos, Caruaru, atinge sua maior intensidade no período chuvoso, mais precisamente nos meses de maio e julho. Na medida em que as cotas de precipitação vão diminuindo, nos meses de agosto e setembro, essas unidades reprodutivas, conhecidas por diásporos, começam a ser dispersas, acumulando-se sobre o solo onde formam bancos efêmeros, permanecendo aí por aproximadamente nove meses, até a chegada da estação chuvosa (maio), época propícia à germinação e, consequentemente, estabelecimentos das plântulas, garantindo, assim, a sobrevivência da espécie.

  1. Características ecológicas

Espécie perenifólia, podendo ser classificada ecologicamente na fase inicial de desenvolvimento como ciófita facultativa e, na fase adulta, heliófita. Apresenta dispersão descontínua e irregular, pois seus indivíduos se agrupam formando manchas circulares, chamadas de reboleiras, dentro da vegetação.

Estudos realizados por Lima (1991), em duas populações de P. sellowii em Serra dos Cavalos, constataram que o agrupamento dos indivíduos dessa espécie em manchas circulares só ocorriam nas áreas onde, quimicamente, foi observada elevada acidez (pH = 4,0), devido ao alto teor de alumínio e baixas concentrações de fósforo, potássio e magnésio, portanto, indicativo de um solo com baixa fertilidade.

 Em decorrência da grande quantidade de diásporos denominados de pseudofrutos, que, na realidade, são pedúnculos basais carnosos (epimácios) e suculentos, cujo amadurecimento ocorre pela sua intumescência e mudança de tonalidade para vináceo-escuro e sabor adocicado (Figura 6); os indivíduos dessa espécie exercem forte atração aos pássaros, sobretudo às espécies Tangara fastuosa Lesson (pintor verdadeiro) e T. cyanocephala coralina Berlepsch (verde-linho) (LIMA, 1991), ambos da família Thraupidae, considerados os principais agentes dispersores das sementes de P. sellowii em Serra dos Cavalos. 

Figura 6. (Anexo) Diásporos de P. sellowii apresentando porção terminal do pedúnculo amadurecido, tornando-se, portanto, estrutura atrativa aos pássaros responsáveis pela dispersão das sementes da espécie

Autoria da imagem: Tarcísio Viana de Lima

  1. Utilidade da madeira

 

Apesar da madeira de P. sellowii não se destacar economicamente, e isso não se deve às suas qualidades que são praticamente as mesmas da Araucaria angustifolia, mas sim a sua escassez nas áreas de ocorrência dentro do Brasil, as possibilidades de utilização são amplas, pois é apropriada para confecções de compensados, brinquedos, palitos de fósforo, caixotaria, molduras, forros, carpintaria, lápis, instrumentos musicais, entre outros. Por ser uma espécie ornamental, pode ser empregada também no paisagismo. Outra possibilidade de uso é a produção de mudas que visem a recuperação de áreas perturbadas ou degradadas, sobretudo, as que se enquadram como de preservação permanente.

Dessa forma, pode-se concluir que, mesmo com as limitações impostas pelas condições ecológicas de natureza edafoclimáticas e, principalmente, antrópicas para a expansão da ocupação espacial por vias naturais dos indivíduos de P. sellowii, é perfeitamente viável o aumento da densidade populacional dessa espécie em suas áreas de ocorrência natural, sobretudo em Serra dos Cavalos, Caruaru, por meio de produção de mudas que possam ser agregadas às populações originais encontradas na Região Nordeste.

  1. CONSIDERAÇÕES

Apesar da família Podocarpaceae no Brasil apresentar uma importância socioeconômica secundária em relação à Araucariaceae, é fundamental a conscientização de que projetos de pesquisas são indispensáveis para expandir os estudos sobre as espécies daquela família, uma vez que, diferentemente da Araucaria angustifolia, a distribuição geográfica do gênero Podocarpus alcança as cinco regiões brasileiras, indicando que essa gimnosperma exerce papel relevante no cenário ecológico.

Nesse contexto, é crucial a obtenção de novas informações sobre a etologia particular de Podocarpus sellowii no Nordeste brasileiro, pois o aprofundamento desses conhecimentos a respeito dessa espécie trará contribuições significativas que permitirão manejá-la adequadamente para potenciais programas que visem o enriquecimento da formação vegetal tanto de Serra dos Cavalos quanto de outras áreas onde há ocorrência natural do taxon na região. 

 

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE-LIMA, D. Estudos fitogeográficos de Pernambuco. Arquivos do Instituto de Pesquisas Agronômicas. Recife, n. 5, p. 305 – 341, 1960.

ANDRADE-LIMA, D. Flora de Pernambuco. Podocarpaceae. XXI CONGRESSO NACIONAL SOCIEDADE BOTÂNICA DO BRASIL. Revista Ciência e Cultura. São Paulo. v. 23, n. 3. p. 337. 1971.

ANDRADE-LIMA, D. Nota sobre a dispersão conhecida de Podocarpus no Brasil. Boletim Técnico do Instituto de Pesquisas Agronômicas, Recife, n. 8, p.21 – 27, 1966.

ANDRADE-LIMA, D. Recursos vegetais de Pernambuco. Boletim Técnico do Instituto de Pesquisas Agronômicas de Pernambuco. N. 41. 1970. 32p.

CANTALICE, J. R. B.; BEZERRA, S. A.; FIGUEIRA, S. B.; INÁCIO, E. S. B.; SILVA, M. D. R. O. Linhas isoerosivas do estado de Pernambuco. – 1ª aproximação. Revista Caatinga, v. 22, n. 2, p. 75 – 80, 2009.

CARVALHO, P. E. R. Pinheiro-Bravo - Podocarpus lambertii: taxonomia e nomenclatura. Embrapa: Circular Técnica 95, 2004. 9p.

DUARTE, A. P. Tentativa para explicar a ocorrência de duas espécies de Podocarpus no Brasil. Arquivos do Jardim Botânico. Rio de Janeiro, n. 19, p. 199 – 215, 1973.

FIGUEIREDO, M. A.; FERNANDES, A.; NEPOMUCENO, V. A. G. Refúgio florístico de Podocarpus na Serra do Baturité – Ceará. In: REUNIÃO NORDESTINA DE BOTÂNICA,14, Recife, 1990. Anais...Recife, Universidade Federal de Pernambuco. 1990. P. 48.

GARCIA, L. C.; NOGUEIRA, A. C. Resposta de sementes de Podocarpus lambertii e Podocarpus sellowii – (Podocarpaceae) à dessecação. Ciência Florestal. Santa Maria. v.8, n.3, p. 353 – 358. 2008.

INOUE, M. T.; RODERJAN, C. V.; KUNIYOSHI, Y. S. Projeto madeira do Paraná. Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná. Curitiba. 1984. 260p.

JACOMINE, P. K. T. et al. Levantamento exploratório: reconhecimento de solos do estado de Pernambuco. Recife, DNPEA, 1973. 359p.

LIMA, T. V. Aspectos ecofisiológicos de uma população de Podocarpus sellowii Klotzsch, localizada na Serra dos Cavalos, Caruaru – Pernambuco. Recife. 1991. 152p. (Dissertação de Mestrado em Botânica – Universidade Federal Rural de Pernambuco).

LIMA, T. V.; BARBOSA, D. C. A. Levantamento da distribuição espacial de plantas jovens não estabelecidas e estabelecidas de Podocarpus sellowii Klotzsch, em Serra dos Cavalos, Caruaru – Pernambuco. Trabalho Técnico n. 5. Recife: Imprensa Universitária – UFRPE. 1998. 27p.

LOCATELLI, E.; MACHADO, I. C. Fenologia das espécies arbóreas de uma mata serrana (brejo de altitude) em Pernambuco, Nordeste do Brasil. 17. p. 255 – 276. In: PORTO, K. C.; CABRAL, J. J. P.; TABARELLI, M. Brejos de altitude em Pernambuco e Paraíba: história natural, ecologia e conservação. 2004. 317p.

MAINIERI, C.; PIRES, J. M. O gênero Podocarpus no Brasil. Silvicultura em São Paulo. São Paulo: Revista do Instituto Florestal – Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, n. 8, p. 1 – 24, 1973.

MATTOS, J. R. Contribuição ao estudo do pinho-bravo Podocarpus lambertii Klotzsch. no Sul do Brasil. Porto Alegre, IPRNR, 1979. 36p.

RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHHORN, S. E. Biologia vegetal. 8ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koggan. 2014. 876p.

SCHULTZ, A. R. Botânica sistemática. 2. São Paulo: Globo. 1968. 427p.

SIEGLOCH, A. M.; MARCHIORI, J. N. C. Anatomia da madeira de treze espécies de coníferas. Ciência da Madeira (Brazilian Journal of Wood Science). v. 6, n. 3, p. 149 – 165. 2015.

SILVA, S. G. D.; CAVALCANTI, E. R. Características edáficas do brejo da Serra dos Cavalos, Caruaru – PE. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 9. Florianópolis, 1988. Anais... Florianópolis, Departamento de Geociências – Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. p. 468 – 478.

SILVA, S. G. D.; COELHO, M. P. C. A.; COUTINHO, S. F. S.; MACIEL, C. A. A. Especificidade do sítio de Podocarpus sellowii Klotz. na Serra dos Cavalhos – Caruaru – Pernambuco. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 2, Florianópolis, 1989. Anais... Florianópolis, Departamento de Geociências – Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1989. p. 356 – 363.

SILVA, S. G. D.; COUTINHO, S. F. S. Investigações microclimáticas em um sítio de Podocarpus sellowii Klotz. In: CONGRESSO NORDESTINO DE ECOLOGIA, 1, Recife, 1986. Anais...Recife, Universidade Federal Rural de Pernambuco, 1986. p. 91 – 101.

SOUZA, V.C. Podocarpaceae. In: Lista de Espécies da Flora do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 2013.

TOWNSEND, C. R.; BEGON, M.; HARPER, J. L. Fundamentos em ecologia. 2ed. Porto Alegre: Artmed. 2006. 592p.

VELOSO, H. P.; GOES-FILHO, L. Fitogeografia brasileira: classificação fisionômico-ecológica da vegetação neotropical. Salvador, Projeto Radambrasil, 1982. 85p. Brasil: Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Série Vegetação. (Boletim Técnico, 1).

 

[1] Professor do Departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco.