Evaluation of reactive changes and lesions in cervicovaginal smears of prostitutes.
Luiz Ricardo Prado Baston¹, Ana Paula Weinfurter Lima², Alinne Guimarães de Souza³

Artigo Original


Introdução

O exame citopatológico cervicovaginal consiste na análise microscópica de material coletado do colo do útero (ectocervice e endocervice) e da vagina, fixado em lâmina e corado, preferencialmente, pela técnica de Papanicolaou é considerado um método altamente confiável para detecção de lesões cervicais, bem como a sugestão de presença de HPV (Papiloma Vírus Humano), permitindo o diagnóstico precoce de lesões intraepiteliais para se evitar câncer e câncer invasivo, no qual o tratamento pode evitar a progressão a câncer invasor1. A sensibilidade do teste, já foi descrita como sendo próxima de 99,8% 2,3, e a especificidade foi de 99,9%, além de possuir baixo custo e fácil execução, características que o tornam um excelente método de triagem para alterações cervicovaginais4.
O carcinoma de colo uterino ainda apresenta elevada morbiletalidade no sexo feminino, pela ineficácia das rotinas de prevenção e de diagnóstico precoce5. O papilomavírus humano (HPV), por sua vez, é reconhecido como fator etiológico para lesões neoplásicas cervicais precursoras e/ou invasoras6.
As alterações reativas e degenerativas do colo uterino representam uma ampla variedade de alterações morfológicas benignas e inespecíficas decorrentes de injúria celular, inflamação ou infecção. Em contrapartida, as lesões intraepiteliais displásicas ou neoplásicas compreendem um espectro de reações heteroplásicas que se manifestam morfologicamente por alterações de maturação citoplasmática em associação com alterações nucleares7.
As prostitutas apresentam a característica peculiar por manterem atividade sexual intensa, diariamente, com diversos parceiros. Um estudo da Universidade de Brasília mostrou que 74% das prostitutas brasileiras usam preservativos nas relações com clientes8, sendo que algumas ao invés de utilizar preservativos, usam substâncias químicas locais para impedir a penetração do espermatozóide e ainda eventuais microtraumatismos vaginais9, na ilusão de que esses métodos impeçam qualquer problema eventual, mas este parece ser um fator de risco isolado para aumentar a incidência de infecção por HPV10.
Existem ainda, altos índices de infecções (sexualmente transmissíveis ou não) por parte dessas mulheres, que parecem ter maior incidência de infecção pelo HPV. Isto ocorre, provavelmente, pelo aumento da secreção no meio vaginal, que predisporia ao aparecimento de condilomas11. A infecção por Candida spp. por exemplo, tem sido encontrada em aproximadamente 25% das pacientes com infecção por HPV12.
Trabalhos ainda demonstraram índices mais altos de lesões neoplásicas não-invasivas nos exames de Papanicolaou de adolescentes em comparação com mulheres adultas13, 14.
Mesmo sendo um grupo que necessita de orientações para uma prática sexual mais segura, muitas vezes não são sensibilizados com as estratégias oferecidas nos serviços de saúde. Diante desta realidade, interessou-se em pesquisar o comportamento sexual de prostitutas, com o propósito de identificar suas principais vulnerabilidades referentes às alterações reativas e às lesões celulares, compreendendo a realidade na qual estão inseridas e as condições de trabalho a que estão submetidas.
Nesse contexto, o estudo tem como objetivo avaliar esfregaços cervicovaginais de prostitutas, analisando e identificando, as alterações reativas e lesões celulares do colo do útero, em comparação com esfregaços de mulheres atendidas em um laboratório particular de Curitiba, que serão considerados como padrão de comparação de mulheres de vida sexual ativa que não são prostitutas.

Metodologia

População de estudo:
Sexo feminino, prostitutas, com faixa etária entre 18 e 35 anos, de etnia variada e com estado geral de saúde desconhecido, e laudos de mulheres de vida sexual ativa com faixa etária entre 18 e 35 anos, de etnia variada, consideradas como padrão de comparação.
Como norma, este trabalho teve somente o propósito de pesquisa, não sendo divulgado quaisquer resultados ao público em geral, visando somente a analise para pesquisa e posteriormente entregue a cada voluntário da pesquisa, seu resultado. Não foi feita qualquer proporção de quantidade de alterações.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdades Integradas do Brasil, pautado no parecer consubstanciado de protocolo de pesquisa numero 027/2010.

Critérios de exclusão:
- menores de 18 e acima de 35 anos de idade;
- gestantes;
- mulheres em período menstrual;
- mulheres em tratamento para algum tipo de alteração severa ou em tratamento para alguma infecção;

Fonte de material de pesquisa:
Foram utilizadas amostras de coleta cervicovaginal de prostitutas e laudos de exames cervicovaginais de mulheres que não são prostitutas, mas possuem vida sexual ativa, visando analisar as alterações reativas e lesões celulares do colo uterino. Tais amostras foram devidamente fixadas, corado e montado em lâmina de microscopia com auxílio de verniz e lamínula, sendo as lâminas devolvidas às voluntárias após a análise.

Riscos e benefícios:
O método de coleta para material cervical utilizado é amplamente conhecido, descrito na literatura e seguro, não havendo riscos para as voluntárias, as quais poderiam apenas mostrar-se constrangidas com a exposição do corpo necessária à coleta o que não foi mencionado por nenhuma das participantes. Todos os materiais utilizados no procedimento eram descartáveis e foram inutilizados após seu uso.
As voluntárias tiveram acesso a todos os resultados e observações pertinentes ao seu material e foram informadas a respeito de medidas de prevenção, bem como foram instruídas a buscar auxílio médico nas condições em que foram observadas alterações nos resultados.

Coleta de dados:
Foram obtidos dados sócio-econômicos das voluntárias através da aplicação de um questionário com perguntas fechadas acerca das condições de trabalho, escolaridade, frequência de realização de exames e outras características igualmente relevantes. Também foram levantados resultados citológicos de 58 mulheres de vida sexual ativa, porém não prostitutas atendidas em um laboratório particular de Curitiba.

Questionário sócio econômico:
O questionário sócio econômico foi entregue a cada voluntária antes da coleta do material cervicovaginal, com perguntas pertinentes à sua vida pessoal como nome, idade, grau de escolaridade, perguntas pertinentes à área de atuação como tempo de profissão, uso ou não de métodos contraceptivos, condições de trabalho, horas de trabalho por dia, quantidade de clientes diários, condições de trabalho, e perguntas pertinentes à sua saúde como oferecimento de assistência médica, doenças relacionadas a sua profissão e freqüência com que realiza exame cervicovaginal.

Técnica aplicada:
O material cervical foi obtido com auxílio de espátula de Ayre e escova endocervical após a introdução de espéculo para visualização do colo uterino. O material foi corado pela técnica de Papanicolaou, e sua fixação foi realizada com spray próprio para material citológico e a montagem foi realizada com verniz de uso geral para artesanato. Todas as lâminas foram revisadas por dois citologistas habilitados para obtenção do resultado final.

Materiais utilizados:
- coloração para Papanicolaou;
- espátula de Ayre para raspagem;
- escova para coleta endocervical;
- espéculo;
- lâmina de vidro para microscopia;
- Álcool 96% (fixação);
- lamínula.

Equipamentos utilizados:
- microscópio óptico.

Local de pesquisa:
O material cervical foi coletado de voluntárias prostitutas de um estabelecimento cujos freqüentadores tem padrão sócio-econômico mediano, localizado no centro de Curitiba ? PR, próximo a faculdades e shoppings, totalizando 10 amostras. Os 58 laudos de exames foram obtidos de um laboratório particular também localizado na cidade de Curitiba ? PR.

Termo de consentimento:
O termo de consentimento foi obtido primeiramente com a autorização da gerente ou responsável pelo estabelecimento, e posteriormente entregue a cada voluntária que se dispusesse a participar de forma gratuita e sigilosa, constando do mesmo sua assinatura e seu nome.
Após a realização dos exames, foi entregue para cada voluntária o respectivo laudo do exame realizado, contendo descrito de forma técnica e simplificada o resultado do mesmo, e a voluntária foi orientada em caso de alteração a procurar orientação médica.

Resultados e discussão

O grau de inflamação foi baseado na quantidade de polimorfonucleares e acúmulo de alterações celulares observadas nas prostitutas.
Prostitutas:
Componentes inflamatórios discretos: 0
Componentes inflamatórios moderados: 30%
Componentes inflamatórios acentuados: 70%
Lesões: 20% (sugestivo de células em formação de coilócitos e sugestivo de células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US)).
Laudos de exame citopatológico do Laboratório particular de Curitiba:
Componentes inflamatórios discretos: 24,8%
Componentes inflamatórios moderados: 72,2%
Componentes inflamatórios acentuados: 3%
Lesões: 0

Observou-se que 70% dos esfregaços das prostitutas possuíam componentes inflamatórios acentuados, 30% componentes inflamatórios moderados e não houve registro de esfregaços com inflamação discreta. Verificou-se ainda 20% de esfregaços com presença ou indício de lesão intraepitelial. No grupo de não prostitutas, obteve-se 24,8% para componentes inflamatórios celulares discretos, 72,2% para componentes inflamatórios celulares moderados e 3% para componentes inflamatórios celulares acentuados, não havendo ainda resultados positivos para lesão intraepitelial.
Pode-se concluir que as prostitutas obtiveram em comparação às mulheres que não são prostitutas, maior ocorrência de inflamação, alterações reativas e degenerativas intraepiteliais (sendo que as células normais estão confinadas a uma estreita variação de função e estrutura e a identificação desses achados é necessária, uma vez que estes podem mascarar um processo mais sério), bem como de lesões intraepiteliais, provavelmente por terem atividade sexual intensa, diariamente e com diversos parceiros, se expõem à em risco maior de contrair algum tipo de doença sexualmente transmissível, podendo vir a desenvolver futuras lesões cervicovaginais7, 8, 15.

Referência Bibliográfica

1- COELHO, R. et al. Relação entre diagnóstico citopatológico de neoplasia intra-epitelial cervical e índices de células CD4+ e de carga viral em pacientes HIV-soropositivas. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.26 no.2 Rio de Janeiro, 2004
2 - HAAM, E.; A comparative study of the accuracy of cancer cell detection by cytological methods. Acta Cytol., 6(6): 508-11, 1962.
3 - SOOST, H. et al. The validation of cervical cytology: sensitivity, specificity and predictive values. Acta Cytol., 35(1): 8-13, 1991.
4 - PINHO, A. A.; MATTOS, M. C. F. I. Validade da citologia cervicovaginal na detecção de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas de colo de útero. J. Bras. Patol. Med. Lab. v.38 n.3 Rio de Janeiro, 2002.
5 ? De PAOLO G, CHANEN W, DEXEUS S. Patologia e tratamento do trato genital inferior. 1ª ed. Belo Horizonte: Ed. Médica e Científica; 2002. p.96-120.
6 - FOCCHI J, RIBALTA JCL, SILVA LDCG. Câncer de colo uterino: importância, epidemiologia e fatores de risco. In: Halbe H, editor. Tratado de Ginecologia. 3ª ed. São Paulo: Roca; 2000. p.2120-7.
7 ? BIBBO M. Comprehensive Cytopathology. W.B. Saunders Company. 2ª ed. Philadelphia, 1997.
8 - MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de DST e AIDS. Prostitutas debatem profissionalização. Rio de Janeiro; 2003 [citado em 25 set 2004].
9 - GIRALDO P. C; et al. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. Influência da freqüência de coitos vaginais e da prática de duchas higiênicas sobre o equilíbrio da microbiota vaginal. v.27 n.5 Rio de Janeiro maio 2005. [SCIELO].
10 - LEY C, et al. Determinants of genital human papillomavirus infection in young women. J Natl Cancer Inst 1991; 83:997-1003.
11 - ORIEL JD. The natural history of genital warts. Br J Vener Dis 1971; 47:1-13.
12 - VOOG E, et al. Human papillomavirus infection among women attending an STD clinic correlated to reason for attending, presence for clinical signs, concomitant infection and abnormal cytology. Acta Derm Venereol 1995; 75:75-8.
13 - MOUNT SL, PAPILLO JL. A study of 10,296 pediatric and adolescent Papanicolaou smear diagnoses in Northern New England. Pediatrics 1999; 103:539-45.
14 - UTAGAWA ML, et al. Cervical intraepithelial neoplasia in adolescents: study of cytological findings between 1987 and 1995 in São Paulo State Brazil. Arch Gynecol Obstet 1998; 262:59-64.
15 - STEVENS A., LOWE J. Texto y atlas de anatomía patológica.1.ed. Mosby Doyma Libros S.A., 1996.