Trata-se de um estudo sobre percepção violência e as diversas formas que é manifestada no cotidiano escolar da Escola Estadual Mario Barbosa, situada no bairro da Terra Firme, em Belém do Pará, a partir de observações e das entrevistas realizadas na referida escola. Investiga-se a manifestação de diferentes formas de violência dentro da escola associadas a outras situações concretas vivenciadas na vida cotidiana. Conclui-se que, a escola como meio privilegiado transformação de uma dada realidade, não tem conseguido cumprido esse seu papel e tem reproduzido a lógica da hierarquização da sociedade e da reprodução das formas diversas de violência, presentes nos mais diversos setores da sociedade. Portanto, pretende contribuir para a construção de alternativas de combate às formas de violências existentes nas escolas, com medidas objetivas e de caráter imediato.

SOBRE OS CONCEITOS DE VIOLÊNCIA

No mundo contemporâneo, a violência tem se tornado um fenômeno, que em casos mais extremos, fere o mais fundamental dos direitos humanos, o direito à vida, o que amplia a sua incidência e dificulta ainda mais sua compreensão.

Este fenômeno tem se tornado cada vez mais abrangente e atingido todas as classes sociais, gêneros e gerações, ultrapassando diferenças geográficas, étnicas e políticas. A forma como as formas de violência são experimentadas pelos diferentes grupos de indivíduos pode assumir contornos de singularidade ou porque alguns tipos de violências são mais recorrentes a indivíduos de determinada identidade, ou porque se constituem a partir das relações que se constroem socialmente pelo exercício das relações sociais de classe, gênero, geração e etnia, por exemplo.

Desta forma, o conceito de violência deve ser considerado na sua forma mais ampla, não ficando restrito aos danos físicos que podem levar à morte, mas também conjunto de restrições que impedem o gozo dos direitos essenciais. Por isso fatores como exclusão social, discriminação racial, violência verbal devem ter a mesma atenção que a violência física.

É, portanto necessário ampliar e refletir sobre o conceito de violência, levando em conta as várias manifestações sobre a questão, seus atores, suas vítimas, seus discursos, presumindo que a violência além de destruir fisicamente, ela devasta moralmente, mexendo com a subjetividade dos envolvidos.

Os fatores relacionados aos atos de violência atualmente ganharam contorno de uma multiplicidade, as causas estão relacionadas a diversas outras, não podem ser isoladas. Por conta deste fator, existe uma dificuldade em estabelecer relações de causalidade, principalmente quando se observa a pulverização da violência, sua banalização e sua reinserção no cotidiano dos indivíduos em geral.

Segundo Hanna Arendt, a violência caracteriza-se por sua instrumentalidade, distinguindo-se do poder, do vigor, da força e, mesmo, da autoridade. A política constitui-se o horizonte de interpretação da violência que não é nem natural, pessoal ou irracional. Para Arendt, a violência contrapõe-se ao poder de forma que onde domina um absolutamente, o outro está ausente

Nos escritos de Arendt, é possível percebe como o seu pensamento de funda um caminho de ação no campo da educação em vista de uma intervenção na realidade de violência social. Para ela, uma educação que não efetiva o discurso e a ação, onde os sujeitos não são protagonistas, isto é, detentores da palavra e autônomos em seu agir, é uma educação que perpetua e reitera a violência dentro e fora dela.

SOBRE A ESCOLA

A escola deveria ser um espaço que cumprisse o papel tradicional da educação formal e o lugar privilegiado para o desenvolvimento do princípio da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber", e não apenas cumprir um papel reducionista de preparação para uma determinada tarefa. De forma que contribuísse para a construção do caráter formativo visando a ampliação do processo de aprendizagem contínuo e evolutivo, garantindo os preceitos da construção da cidadania.

Entretanto, a escola não tem sido, na maioria das vezes, um espaço que cumpra esse papel mais amplo que o tradicional. Apesar de funcionar como um lugar de inclusão, de convivência, de diversidades, a escola possui seus próprios mecanismos de exclusão e seleção social, escolhendo alguns e colocando para fora outros. Esses "outros", em geral, são os que não conseguem responder às expectativas quanto à aprendizagem, ao comportamento e ao relacionamento com os integrantes da comunidade escolar.

O ambiente existente na escola passou a incluir outros temas como drogas, violência em geral, brigas, entrada de armas, incivilidades, humilhações entre outros, criando um ambiente escolar, muitas vezes, de medo e de insegurança. A escola aparece, portanto como um local que tanto recebe as violências da sociedade como possui os seus próprios mecanismos internos de produção e reprodução do fenômeno.

VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS

O ambiente existente na escola passou a incluir outros temas como drogas, violência em geral, brigas, entrada de armas, incivilidades, humilhações entre outros, criando um ambiente escolar, muitas vezes, de medo e de insegurança. A escola aparece, portanto como um local que tanto recebe as violências da sociedade como possui os seus próprios mecanismos internos de produção e reprodução do fenômeno.

Conceituar violência dentro da escola adquiriu a mesma dificuldade para a conceituação geral deste fenômeno, uma dificuldade de ordem conceitual. É, portanto, um termo polissêmico, cujo significado muda ao longo da história, de acordo com a tradição de cada sociedade.

No Brasil utiliza-se o termo violências nas escolas ou violência escolar, na medida em que os diversos trabalhos realizados, sobre o tema, analisam os discursos dos atores sociais que se encontram na escola, ou seja, considera-se violência aquilo que descreve a vítima, o ator ou o observador.

A literatura especializada desde os anos 90, convergem ao afirmar a que violência escolar consiste em manifestações de agressão contra o patrimônio e contra as pessoas. Pode-se entender por violência escolar a agressão física, a simbólica e a institucional que tenha como alvo a integridade dos indivíduos ou grupos.

A violência nas escolas é um fenômeno complexo e múltiplo. Há violências que são ocasionais e outras que são permanentes e elas dependem de situações externas e internas da escola. Na escola, a violência não é vivida, muitas vezes, como um ato de agressividade, e sim como o modo habitual e cotidiano de ser tratado e de tratar o outro. O fenômeno passa a ser institucionalizado, comum, banalizado, como a violência que entra no nosso cotidiano.

Na verdade se pode afirmar que a escola deixou de ser um espaço protegido e tornou-se um local que reproduz as violências que acontecem na nossa sociedade, a nível macro e ao mesmo tempo, devido as suas especificidades como instituição, fomenta e constrói múltiplos e variados tipos de violências.

A PESQUISA SOBRE VIOLÊNCIA NA ESCOLA MÁRIO BARBOSA

A pesquisa, critério de avaliação da disciplina Antropologia Cultural I, ministrada no curso de Ciências Sociais da UFPA, no ano de 2007, foi realizada em dois momentos: pesquisa e estudos bibliográficos e pesquisa de campo. No primeiro momento, de 24 de abril a 11 de maio de 2007, a equipe realizou a pesquisa documental e se dedicou ao estudo dessa coleta. Com o término dessa fase, embora ainda estudando a temática, iniciou-se em 16 de maio a pesquisa de campo. Esta fase subdividiu-se em observação direta intensiva, realizando observação participante em equipe na própria escola e entrevistas semi-estruturadas com a comunidade escolar (alunos/alunas, professores e técnicos administrativos); e observação direta extensiva, com a aplicação de um questionário aos alunos da 5ª série do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio, do turno vespertino.

Após as primeiras visitas a escola e as primeiras entrevistas com técnicos e alunas, a equipe decidiu focar a pesquisa na 5ª série do ensino fundamental e o 3º ano do ensino médio, ambas do turno da tarde. Essa escolha foi definida para compor nossa análise final sobre o real papel da educação no combate às violências nos estabelecimentos de ensino, além de nos mostrar a relação dos alunos com essas violências quando eles ingressam na escola (5ª série) e quando saem (3º ano). Outro fator determinante para a escolha da 5ª série para essa pesquisa foi a constatação dos altos índices de violências entre os alunos dessa série, detectadas através das entrevistas realizadas.

A VIOLÊNCIA URBANA E SUA RELAÇÃO COM A ESCOLA

No mundo todo, diversas formas de violências tem se tornado integrante do cotidiano das pessoas. No Brasil, nos últimos anos, os dados apontam o aumento dos índices de violências e sua proliferação por diversos setores da sociedade.

Em Belém, essa realidade não é diferente. A inclusão da capital paraense na pesquisa sobre violência urbana constatou o alarmante aumento dos índices de violência na capital paraense. Esses dados foram ratificados com a pesquisa realizada pelo NUMA (Núcleo de Meio Ambiente) e pelo POEMA, ambos ligados à UFPA. Nessa pesquisa, o bairro da Terra-Firme aparece como um dos mais violentos da capital.

Nesse contexto de aumento dos indicadores de violência em todo o país, perceber-se também a sua extensão aos diversos segmentos da sociedade, sendo um dos grupos sociais mais atingidos por essa nova realidade, os jovens, a população que tem entre 15 e 29 anos.

As escolas também foram invadidas pelo fenômeno da violência. Preocupada com essa nova situação, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Culturas), lançou em 2.002 a pesquisa "Violência nas Escolas", em 14 capitais brasileiras, buscando encontrar as causas e as conseqüências e propor mudanças profundas nas escolas.

O termo utilizado no plural, violências na escola, está dentro da compressão das múltiplas manifestações com especificidades espaciais e temporais, que acontecem em estabelecimentos diferentes e por isso variam em intensidade, magnitude, permanência e gravidade. Além do que, a caracterização de uma manifestação com violência varia em função da escola, do status de quem a comete, da idade e até mesmo do sexo de quem a pratica (ABRAMOVAY, 2.002). Portanto, o termo utilizado no plural absorve as diversas manifestações violentas: física, moral, verbal ou simbólica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No momento da pesquisa, ficou constatado que a violência sofrida e praticada na escola Mário Barbosa de apresentava de diversas formas e aspectos como o estrato social, cultural e de gênero mediavam esse fenômeno.

Durante a fase de observação, constatou-se que a rotina da escola se caracteriza por muitos alunos sem aula; alguns professores mal humorados e indispostos; jogos de bola, cartas e outros, na ausência de professores; paqueras; brigas; destruição do patrimônio (quebra de carteiras e mesas etc.); mas também é possível encontrar alunos interessados em aprender, apesar de tantos fatores negativos.

Outra constatação durante a fase de observação foi a presença dentro da escola de Policiais militares, uma equipe voltada especificamente para atuar de forma preventiva e ostensiva nas unidades de ensino, a partir de um quadro de alto índice de violências em determinados bairros da capital paraense.

Estruturalmente, a escola tem aspectos positivos, que não são explorados. O espaço é amplo, possui dezenove salas de aula, uma sala de vídeo, um laboratório de ciências e um laboratório de informática, uma biblioteca, uma quadra para esportes de salão e uma quadra de areia, e um grande estacionamento. Tem, aproximadamente, três mil alunos, sendo que no turno vespertino, no qual foi desenvolvida a pesquisa, a média é de 1000 alunos. Quanto aos recursos humanos, deixa muito aquém das necessidades. Neste turno notou-se uma ausência expressiva dos responsáveis pelos laboratórios e pela biblioteca.

No momento das entrevistas, a divergência sobre a existência ou não de formas de violência marcou este contato com a direção da escola. Enquanto para alguns existiam práticas violentas no estabelecimento, para outros não existia, as manifestações se resumiam ao desinteresse dos alunos por se dedicar a estudar.

Na entrevista com os professores, também foi possível constatar divergências nas análises a respeito da existência ou não de violência na escola, de suas causalidades, dos mecanismos necessários para transformação da realidade enfrentada.

Já na entrevista com os alunos constatou-se a dificuldade na comunicação destes com a direção e professores. E mesmo assumindo os problemas que a escola enfrenta, admitem que é a melhor opção para continuarem estudando O acesso à estrutura pedagógica da escola é dificultoso também, poucas vezes freqüentam a biblioteca e os laboratórios de ciência e de informática.Essa dificuldade no acesso às estruturas da escola e na relação com a direção, pode ser analisada com uma forma de violência, caso consideremos aqui a definição de violência como fator que promove a exclusão de um determinado grupo ou individuo.

No que diz respeito à violência praticada pelos jovens, constatou-se que os atos mais violentos são cometidos por meninos, expressados por roubos ou pequenos furtos, brigas, depredação do patrimônio público, xingamentos e ameaças. Entretanto, entre as meninas também foi possível constatar manifestações de violência. Entre elas, essas expressões de atos violentos estão mais associados às disputas por namorados.

CONCLUSÃO

A pesquisa na escola Mário Barbosa apontou para a constatação de que, de fato, a concepção de violência precisa ser compreendida não apenas como dano físico, mas como forma de exclusão de vivências dos direitos básicos, de imposição e de desrespeito para com a identidade e expressão de um indivíduo ou coletivo.

Nesta pesquisa, constatou-se o despreparo para com os seus alunos, não existe qualquer mecanismo ou prática pedagógica que vá de encontro com a realidade do bairro. Como ela pertence a uma com altos índices de criminalidadee de exclusão social, mereceria ser vista de forma que atendesse as suas demandas sociais.

Os tipos de violências que mais ocorrem na escola são: pequenos roubos, pichações, depredações; atos de incivilidades como humilhações, palavras grosseiras e falta de respeito; violência institucional, simbólica e verbal.

Podemos destacar como causas da violência na escola, fatores externos e internos. Sendo os fatores externos: explicações de ordem socioeconômica, agravamento das exclusões sociais, raciais e de gênero, perda de referencial entre os jovens, tráfico de drogas, desestruturação familiar e a perda dos espaços de sociabilidade. Nesse sentido a escola torna-se vítima de situações que fogem ao seu controle. Fatores internos: a defasagem série/idade dos estudantes, o sistema de normas e regras da escola, a falta de projetos políticos pedagógicos, a quebra de convivência interna, o desrespeito de professores com alunos e vice-versa, a má qualidade do ensino, a carência de recursos humanos e materiais, e ainda, a dificuldade de estabelecer relações entre os alunos, a escola, a família e a comunidade.

Portanto, constata-se que na Escola Mário Barbosa, como em outras realidades, a presença das formas de violência urbana tem se proliferado de forma rápida, e constituído, dentro da estrutura das unidades educacionais, parte do processo violento e hierarquizador e dominador existente na sociedade de forma geral.

Além da necessidade de aprofundar o debate a respeito da violência urbana e da violência escolar, no sentido de alteração da dada realidade, é imprescindível iniciar as mudanças dentro das possibilidades existentes, embora escassas existam, como a abertura dos espaços físicos para acesso dos alunos, incentivo às práticas de lazer e esportivas, e tratamento respeitoso.

*Acadêmica de Ciências Sociais, na Universidade Federal do Pará/UFPa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MITSCHEN, Tomas.Crescimento, pobreza e violência em Belém. NUMA e POEMA/UFPA. 2006.

NJAINE, Kathie. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência na escola: identificando pistas para a prevenção. In: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141432832003000200009&script=sci_arttext&tlng=pt (19/12/2009 – 2h28)

ABRAMOVAY, Miriam."A Violência Urbana e seus Reflexos na Escola".