AS VAIADAS POPULARES E O INTERIM BRASILEIRO

No sistema político brasileiro o vice-presidente é simultaneamente eleito com o presidente para que, em qualquer circunstância, sua ausência não paralise, dificulte e pare o funcionamento da União. Depende do caso, a substituição pode ser direta e automática - por exemplo no caso de  falecimento, acidente ou impedimento - em outros não, por exemplo, no caso de um procedimento de acusação. É exatamente neste caso que intervém o interim. O interim, com efeito, é uma situação excepcional no âmbito de um processo de investigação judiciária ou legislativa que consiste em afastar das responsabilidades legais a pessoa suspeitada de crimes para ser substituída por uma outra, como isso está acontecendo no caso da presidente Dilma Rousseff. Nesse caso, o personagem afastado perde, provisoriamente, seus poderes de decisão. É o seu sucessor - o interino que assumirá a continuidade do Estado  - que vai decidir em seu lugar com seu novo equipe com o qual ele governará. Por conseguinte, isso acaba de mudar completamente a política governamental anterior e afrouxar consideravelmente o ritmo de desenvolvimento e de crescimento do país. 

Brasil recebe, de 5 a 21 de agosto de 2016, uma das maiores, espetaculares, famosas e iluminantes competições do mundo: os Jogos Olímpicos. Durante esse tempo, todos os olhos do mundo inteiro estarão focalizados sobre ele. As cerimônias de abertura ocorreram no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, a cidade anfitriã, em 5 de agosto. O protocolo diplomático quer que seja o presidente em função do país anfitrião que deve declarar, solenemente, aberta a competição. Como todos sabem, desde outubro de 2015, se iniciou um processo de impeachment contra a presidente, democraticamente eleita, Dilma Rousseff. Este processo vem piorando ainda mais as crises políticas, sociais et econômicas profundas pelas quais o Brasil estava passando. Com efeito, afastada pela votação majoritária dos Senadores (55/22), em maio de 2016, Dilma Rousseff foi substituída pelo vice-presidente Michel Temer qui, aguardando a destituição definitiva dela, está assumindo o interim. Foi em esta qualidade que ele era presente nas cerimônias de abertura das Olimpíadas no Maracanã durante as quais devia enfrentar as vaiadas populares. O artigo busca, portanto, analisa vaiadas e interim no contexto político e cultural atual brasileiro.

As vaiadas do Temerno Maracanã

O processo de impeachment é muito debatido, discutido e contravertido na sociedade brasileira. Os partidários de Dilma continuam denunciando um golpe, pois, segundo eles, impeachment sem ter crimes de responsabilidade, como a constituição federal de 1988 do país o defini, é, automaticamente, traduzido como golpe flagrante. Por outro lado, os adversários de Dilma estão reclamando cada dia nas manifestações populares seu julgamento por crimes fiscais cometidos. Todavia, além do processo de destituição de Dilma - ainda em andamento -, a questão de Petrobrás, a operação do Lava Jato, as manifestações estudantis nas universidades paulistas e federais, as greves dos funcionários e professores, tudo isso resume o clima social, político e econômico do Brasil no momento em que todos os projetores do mundo estão brilhados sobre ele por causa das Olimpíadas. Porém, a situação fica mais complicada por Temer no sentido de que ele tem que enfrentar as vaiadas e os xingamentos populares dos partidários de Dilma expressados por: ''Fora Temer'' a cada momento em que ele deve se pronunciar em público. 

Os gritos vaiadantes e xingadantes ouvidos no Maracanã traduziram, com certeza, a recusa do governo de Temer mesmo se for difícil dizer que todos os espectadores que o xingaram foram partidários de Dilma. De fato, não são todos aqueles que vaiam Temer que são, necessariamente, partidários de Dilma e vice versa. Os movimentistas sociais se transportaram até a Maracanã para dizer a Temer que seu governo não é legítimo, mas puramente golpista através das vaiadas. A prática de vaiar os presidentes e outros dirigentes políticos é muito comum não somente no Brasil, mas por toda parte do mundo, e, é amiúde a expressão de repúdio pelo povo ou pela assistência de uma coisa, de um comportamento ou de um indivíduo que ele não gosta e de quem censura as ações negativas. Dilma e Lula, quando forem presidentes, sofreram também vaiadas em muitas ocasiões. Todavia, como vamos desenvolvê-lo mais adiante, no caso de Temer, o contexto é extremamente diferente. Ou seja, o contexto interino defini uma outra realidade socio-política para o país, para os dirigentes e para os indivíduos.  

Como foi previsto pela Folha - um dos Jornais mais famosos do Brasil - Temer foi, efetivamente, vaiado no estádio do Maracanã no dia de abertura dos Jogos Olímpicos, em 5 de agosto de 2016. Portanto, essas vaiadas contra o Temer eram previsíveis nesta ocasião em que várias celebridades do mundo, como François Hollande (presidente da França), Ban Ki-moon (Secretário Geral das Nações Unidas) eram esperadas. Segundo o mesmo jornal, a intervenção de Temer não deveria durar mais que 10 segundos resumindo-se, estritamente, a essas palavras: ''Declaro abertos os Jogos do Rio, celebrando 31ª Olimpíada da era moderna''. Essas palavras não poderiam, tanto no contexto interino como no momento político das vaiadas, ser acrescentadas de jeito nenhum. Podemos dizer que a ampliação e a exageração das vaiadas no Maracanã são devidas ao clima de interim que é restritivo ao exercício pleno da democracia na expressão e na ação. Assim, todo país que precisa construir um sistema democrático forte, eficaz e quase infalível, deveria, de qualquer maneira, trabalhar para evitar um governo interim, porque ele é um obstáculo ao desenvolvimento da democracia.

A inevitabilidade das vaiadas populares em público

Deve ser muito estressante ser vaiado e xingado em público sobretudo em presença de uma assistência tão importante, famosa e imensa que era o público do Maracanã (na presença de acerca 3 bilhões de espectadores físicos e virtuais no mundo inteiro que têm assistido a esta abertura segundo a Folha). Ademais, ser vaiado e xingado no caso de um interim não cria a mesma sensação e reação que ser vaiado e xingado quando estiver num governo normal. Portanto, nesse sentido, é difícil comparar as vaiadas de Dilma e Lula com as de Temer, porque enquanto o segundo está assumindo um interim muito contestado e rejeitado por uma grande parte do povo com veemência, embora previsto pela constituição federal, os primeiros tiraram sua legitimidade das eleições que são a maneira mais democrática para o povo expressar sua vontade.  Portanto, podemos dizer de maneira objetiva que enquanto as vaiadas de um eleito podem afetar seu mandato as de um não eleito questionam sua legitimidade e autoridade. Eu acredito que é mais possível que um governo interim, embora possa ser constitucional, mas para-democrático, tenha a enfrentar, diariamente, as vaiadas do povo. 

As vaiadas populares contra um não eleito podem ser interpretadas como expressão de rejeição da autoridade deste, mas a de uma insatisfação dos serviços a beneficiar se se tratar de um eleito. Quando, por exemplo, Dilma foi vaiada no estádio Mané Garrincha em Brasília, em 2013, no dia de abertura da Copa das Confederações, isso foi visto como um grito de insatisfação popular a respeito dos programas sociais como aquele chamado ''Minha casa minha vida''. As vaiadas de um não eleito se assimilam amiúde à rejeição total do povo do seu governo transitório e da sua autoridade nos quais ele não se reconhece. Esta rejeição e recusa são para denunciar a ilegitimidade, ilegalidade e o caráter antidemocrático deste governo. Nesse sentido, os partidários da Dilma vão continuar a vaiar Temer e seus ministros que eles consideram como golpistas. Mas, aqueles que estão reclamando o julgamento da Dilma não são igualmente em favor do Temer, ao contrário, o governo que ele formou foi severamente criticado por eles porque é constituído de pessoas corruptas e com passados e personalidades muito questionáveis. Os partidários da Dilma assim como alguns dos seus oponentes não gostam deste governo interim conduzido por Temer.

Mas, se qualquer governo, seja eleito e legítimo ou não, não pode se escapar a vaiadas e xingamentos do povo, em que as vaiadas sofridas por Temer no Maracanã poderiam ser uma lição? De um lado, o contexto socio-político não é mesmo, os personagens a serem vaiados não são mesmos, as causas pelas quais o povo vaia e xinga não são mesmas, e, por não serem idênticos, todos esses aspectos podem ter consequências muito diferentes. Com efeito, dominado pelo interim, o contexto socio-político brasileiro atual, que alguns consideram como golpista, está muito transtornado e complicado com este processo de impeachment. Como falei anteriormente, as vaiadas de um eleito não têm as mesmas repercussões que as de um não eleito. O eleito detém, apesar de tudo, um mandato do povo como seu representante legal e exerce sobre ele uma certa autoridade mesmo se não puder lhe impedir esse direito de vaiá-lo, se, apesar dos seus efeitos negativos ou positivos, as vaiadas puderem traduzir um direito da plateia popular para exprimir seus discordos com seus governantes.

Não é possível evitar as vaiadas mesmo previsíveis. Também, não é imaginável chegar a uma sanção de todo um povo que vaia seus dirigentes, todavia, as vaiadas os colocam, geralmente, em situações desconfortáveis. Não há dúvida de que as vaiadas são desastrosamente humilhantes, ofensoras, degradantes e ultrajantes, portanto, ninguém não gostaria de ser vaiado por causa, eu acredito, de traumatismos, frustrações e indignações psicológicas que ele pode provocar no futuro. Porém, no caso de um governo interim - sem, absolutamente, espírito de fanatismo - eu acredito que todos os seus representantes, começando pelo presidente, merecem ser vaiados, xingados, humilhados e tratados sem dignidade pelo povo a fim de combater o interim com seus efeitos e enviar um sinal claro de intolerância a todo governo interim. A meu ver, o interim é sinônimo de regresso e faz nascer um Estado imaturo, pária e para-democrático. Eu acho que é uma situação a ser evitada por qualquer país que procura construir um país com sistemas eleitoral, político, econômico, social, sistemas de saúde e de segurança nacional fortes e em bom funcionamento. Em resumo, um país que quer, verdadeiramente, avançar precisa estabelecer um regime político que fuga a questão do interim.

Alguns dilemas do interim

Paralelamente aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, o Brasil, por causa do interim, está conhecendo situações econômicas e políticas difíceis e regressivas que afetam a maior parte da população. Um exemplo simples é o preço dos produtos alimentares de primeira necessidade, produtos cosméticos, produtos de uso doméstico, produtos de limpeza e de lava roupas que dobrou em menos de um mês após o interim que cria incertezas, confusões e fugas de capitais e de pessoas. As greves dos trabalhadores do setor público que estão piorando por causa de atrasos nos pagamentos salariais; os deslocamentos dos estrangeiros por outros países da América do sul e do norte; os desempregos justificam isso. Além disso, o acesso aos serviços públicos se complicam ainda mais. Um outro exemplo simples para entender é o serviço de atendimento aos estrangeiros na Policia Federal do estado de São Paulo em Campinas. Antes do interim, o processo de prorrogação do visto para estrangeiro detentor de visto temporário - como o visto item IV para estudantes - era fácil na Policia Federal deste estado. Com efeito, para prorrogar seu visto o solicitante não precisava agendar nenhuma data. Era preciso chegar com a documentação exigida e completa, retirar uma senha e aguardar ser atendido. 

Apesar das suas fraquezas e imperfeições, porque as senhas eram demasiadamente limitadas dependentemente da quantidade de pessoas que a Policia Federal pode atender no dia, este sistema de atendimento me parecia mais racional. Agora como é feito o procedimento? Tem que, obrigatoria e exclusivamente, agendar uma data no site da Policia Federal, tal data pode ir muito além (até 2 meses) do prazo de vencimento do visto atual do solicitante a ser renovado. A ideia do agendamento antecipado para evitar, talvez, transtornos e contra tempos é genial, mas quando ela estiver em conflito e em contradição com o vencimento de um prazo, então aí, a metodologia pela qual ela foi criada merece ser questionada. Este novo procedimento, em vez de melhorar o serviço aos estrangeiros solicitantes de prorrogação de visto, vem complicar e piorar sua situação de permanência legal no território nacional correndo o risco de ficar sem documento legal. Assim, estes são alguns exemplos mais simples da problematização do interim, mas ele tem consequências ainda mais profundamente catastróficas sobre o sistema de funcionamento brasileiro.

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