As narrativas se transformavam em realidades, e os limites eram puramente o da imaginação. Tudo se transformava em relações metafísicas, os homens pouco se distanciavam de seus deuses, tendo seus sacerdotes poderes de dominação infindáveis. As criações apocalípticas são oriundas de diversas religiões, mas anteriormente faziam parte da construção das idéias humanas quanto à visão de um provável fim daquilo que foi criado. Não só as visões hebraicas contribuíram com isso, mas seus antecessores babilônicos e outros. Também no Novo Testamento, com o “apocalipse” tratado como algo final, mas que perdoaria os bons, aqueles não pecadores. Já podemos ver citações na religião judaica que narra desde o nascimento de Adão, conforme Eliade (2000 p. 31), “O apocalipse adquiriu formas destruidoras da humanidade não crente, aqueles que não acreditarem serão julgados e jogados na eternidade da infelicidade”.
Teorias se criaram no passado que determinavam os fins do mundo ou as transformações que acarretariam problemas frutos da proliferação humana, para Thomas Malthus (1766) o crescimento demográfico traria problemas para o planeta, já que as religiões preservam o nascimento sem considerar as proporções geográficas, impondo a este a possibilidade de destruição.
Hoje se trabalha o apocalipse dentro das instituições religiosas como uma condenação normal pela qual a humanidade deverá passar. A espera de um cataclismo que anulara toda a humanidade, preparando o caminho para o advento de uma espécie humana nova e regenerada, a ressurreição ocorrerá, subtraindo-se o mal, eliminando-se o demônio, dragões, etc., e haverá um lado de abundância; não haverá mais fome; o mundo será puro, o homem libertar-se-á da oposição (do mau espírito) e será para sempre imortal, é uma tradição que vem desde a babilônia, do dilúvio . Para os semitas as idéias não eram diferentes, também ficava a espera do caos e da modificação deste mundo ruim em outro melhor. Mas em contrapartida não se estimula o controle da natalidade. O crescimento continua dentro de sua anormalidade. Como ratos aumentam e se reproduzem. Já são comprovados cientificamente o fim da água e o fim de muitos minérios e o total afetamento da natureza. Mares e rios se infestam de detritos de todos os tipos de poluição produzidos pelos humanos.
Droguett (2000, p. 83) “A linguagem religiosa é diferente da linguagem da ciência. Nela não se fala de “opinião” – sobre o Juízo Final, por exemplo – nem “de saber” nem de ”hipótese”, nem de “probabilidades”. Fala-se de “dogma”, de “fé””.
A fé cristã em fatos históricos não é a crença que temos nós mesmos ordinariamente. O único sentido da fé é sem sentido.
O comércio está acima de tudo e a produção de alimentos cada vez utilizando espaços maiores. Conseqüentemente a destruição de várias formas da manutenção da vida na terra. Os campos se enchem de produções agrícolas, milhares de animais são mortos diariamente para sustentar a humanidade, veículos são criados dia-a-dia, indústrias de todos os tipos nascem diariamente, sem considerar as possibilidades de sustentabilidade do planeta. Não há necessidade de se acreditar em apocalipses , quando o próprio homem está criando as possibilidades de seu fim. As guerras fazem parte da irracionalidade humana e são as soluções para a busca daquilo que faltam como petróleos, águas, produção de alimentos, necessidades de novos espaços. E o extermínio diário de várias espécies de animais. Não basta se ajoelhar em uma igreja e pedir para que Deus ajude, quando o próprio homem dentro de suas inconseqüências não é capaz de frear seus egocentrismos.
A primitividade humana vinculou o homem aos mitos, para Eliade (2000, p. 32), o homem busca a continuação de sua existência através de símbolos que geram a realidade absoluta, como árvores da vida e da imortalidade, fonte da juventude (...), peregrinação aos lugares santos (Meca, Hardwar, Jerusalém, etc.); peregrinações aventurosas das expedições do Velo de Outro, das Maças de Ouro, da Erva da Vida, etc, prisões em labirintos; todas as dificuldades dos que procuram o caminho para o “si”, para o “centro” do seu ser. O caminho é árduo, semeado de perigos, porque é, efetivamente, um rito da passagem do profano ao sagrado; do efêmero e do ilusório à realidade e à eternidade; da morte à vida; do homem à divindade. O acesso ao “centro” corresponde a uma consagração, a uma iniciação; a uma existência, onde profana e ilusória, sucede agora uma nova existência, real, duradoura e eficaz.
Ainda para o mesmo autor (2000 pp. 36-37) todos os costumes e cerimônias familiares, sociais, nacionais e religiosas devem ser observados segundo (...) os costumes estabelecidos e as leis da tradição oral transmitidas pelos antepassados (...). Entre os primitivos não só os rituais têm um modelo mítico, como toda a ação humana adquire significado na medida em que repete exatamente uma ação realizada no principio dos tempos por um deus, um herói ou um antepassado.
Elementos que produziram na humanidade gestos de buscas de liberdade acabaram-se enquadrando como salvadores, verdadeiros messias e cultuados até hoje sob o jugo da fé, aproveitados pelas instituições com caricaturas capazes de personificação divina. Vemos atos profanos pela linguagem das religiões, mas aceitas por estas, já que espelham os seus mitos e são determinantes das suas realidades enquanto devoradoras das almas pecaminosas.
Mircea Eliade (p. 47) comenta que São Tomás de Aquino constrói o homem a perfeita imagem de Deus. Voltaire diz que é difícil imaginar tão alto egocentrismo, onde o homem entende que Deus sendo a sua imagem deveria ter dificuldades em ver este saindo de uma mulher e por vias tão naturais.
As crenças de que alguns homens eram diferentes e possuíam forças capazes de lutar contra o bem e o mal os tornavam homens semi-deuses gerando a mitologia grega.
As histórias faladas mudam no transcurso do tempo e as instituições religiosas tendem sempre a querer a achar significados e respostas para aquilo que cientificamente não conseguem. A fé se estabelece como força incondicional de respostas. Para Eliade (2000 p. 58) para se criar um herói popular; bastou um acontecimento particularmente heróico para a imaginação coletiva o assimilar e o identificar com o arquétipo tradicional (...).
Para ele a memória coletiva, ou seja;

a memória dos acontecimentos históricos e das personagens autênticas modifica-se ao fim de dois ou três séculos, a fim de poder participar no modelo da mentalidade arcaica, que não pode aceitar o individual e só conserva o exemplar. Esta redução dos acontecimentos a categorias e das individualidades a arquétipos, efetuada pela consciência das camadas populares européias até quase aos nossos dias, processa-se de acordo coma ontologia arcaica. Poder-se-ia dizer que a memória popular restitui à personagem histórica dos tempos modernos o seu significado de imitadora do arquétipo e de reprodutora dos gestos arquétipos – significado esse de que os membros das sociedades arcaicas estavam e continuam conscientes, mas que foi esquecida.

Ficam no folclore e nas lembranças, sendo revividas a todos os anos como agradecimentos pelos bons resultados dos bens recebidos ou por aquilo que poderá ser recebido no ano vindouro. Vários amuletos são construídos, cores de roupas passam a serem importantes, gestos ou atitudes. A expulsão anual dos demônios, doenças e pecados, oferendas para santos ou deuses são jogadas ao mar ou deixados em cachoeiras, florestas, rituais dos dias que precedem o Ano Novo e os que lhe seguem, no capitalismo passarem com dinheiros nos bolsos darão resultados de enriquecimento no ano seguinte. Abençoar carteiras de trabalhos para os desempregados, ter imagens, trevos, ferraduras, pés de coelho e outros significados trarão a sorte. E com símbolos se montam estruturas ideológicas para preencherem e dominarem as mentes ansiosas de soluções.
Eliade (2000 p. 69), diz que:

o ano novo é sempre uma retomada do tempo no seu começo, ou seja, uma repetição cosmogonia. Os combates rituais entre dois grupos, a presença dos mortos, as saturnais e as orgias são elementos que denotam, que no fim do ano e na véspera do Ano Novo se repetem os momentos míticos da passagem do Caos à Cosmogonia .

Estes fatos são comemorados ao passar dos milênios, ainda para Eliade (2000 p.69),

A cerimônia do Ano Novo babilônico é bastante esclarecedora neste aspecto. Podia ser celebrado em épocas de acordos com as plantações, a sua ideologia e a sua estrutura ritual existiam já na época suméria. E foi possível identificar sistemas desde a época acádica. O soberano tinha um papel importante, uma vez encarado como filho e vigário da divindade na terra; como tal era responsável pela regularidade dos ritmos da Natureza e pela harmonia de toda a sociedade.

Casamentos, desregramentos sexuais, purificação coletiva pela confissão dos pecados, expulsão do bode expiatório, consagração da nova colheita, comemoração da vitória sobre a “Morte”, tudo isto eram momentos de um vasto sistema cerimonial.
A história como conhecimento e estudo científico são complexos e deixa feridas profundas na construção de novas relações sociais, o crente não consegue conceber que novidades sejam incluídas no seu formato de pensar. Se aquilo que é descoberto vir de encontro aos mitos existentes é facilmente absorvido, mas se for contra é facilmente esquecido. Barreiras mentais são formadas com o instinto de proteger o que se tem como relações divinas. É inaceitável discordar do existente. Para Eliade (2000 p. 62), “Na medida em que deixa sugestionar pela “história”, o homem moderno sente-se diminuído pela possibilidade dessa sobrevivência impessoal. Como pessoa ele precisa estar afetado pelo sobrenatural”.
O homem arcaico tenta opor-se a história, já que nada pode contra as catástrofes cósmicas, contra as derrotas militares, as injustiças sociais ligadas à própria estrutura da sociedade, ou contra as desgraças pessoais, sendo mais fácil aceitar os mitos.
Entre o fortalecimento dos mitos se construíram os presságios que fazem parte do cerimonial da história do homem, é comum há todos os anos virem a nos dar informações de como será o ano seguinte, fatos bom e mau que ocorrerão. Que estão predestinados as seguintes pessoas a morrerem ou catástrofes ocorrerão. E muitos perseguem como se verdadeiros fossem. No final do ano se avaliam se houveram acertos ou erros e aqueles que mais se aproximaram serão colocados nos tronos da sabedoria. Ganharão para isso, e cobrarão de outros que quiserem ter certezas de como será sua vida.
Para Eliade, (2000, p. 101), 'Tal como o místico e o religioso em geral, o primitivo vive num presente contínuo (E é neste sentido que podemos dizer que o homem religioso é um ‘primitivo’, pois repete os gestos de um outro e, por essa repetição, vive continuamente num presente atemporal)”. Conforme (p. 105), mas temos motivos para acreditar que para os “primitivos”, a nostalgia do paraíso perdido exclui definitivamente o desejo de regressar ao “paraíso da animalidade”. Tudo o que sabemos acerca das recordações míticas do “Paraíso” mostra-nos, pelo contrário, a imagem de uma humanidade ideal, gozando de uma beatitude e plenitude espirituais inalcançáveis na condição atual do “homem pecador”.
O batismo, a transformação do pagão em crente. A liberação do mal em substituição ao bom. O batismo como algo renovador, eliminador dos pecados, a morte do homem antigo, seguindo-se o nascimento do novo homem, adaptado à religião que o está esperando e recebendo, para dar-lhe as soluções necessárias para viver neste mundo, eliminando todos os percalços existentes. E que somente será modificado pelo seu livre arbítrio. Se acertar é porque está junto com Deus e com a sociedade. Se errar, errou porque quis e caminhou contra as imposições sociais e de Deus.
E para tantas outras uma vida cheia de sofrimentos levarão a eternidade os que se limita a não questionar, tendo a aceitação como o ponto forte da subida aos céus.
Criaram-se condutas, mantiveram-se posturas ultrapassadas que impediram o ser humano de raciocinar, mantendo-o desinformado. Desta forma, fazendo com que o ser humano ficasse em total letargia que não consegue ver outros mundos a não ser aquele formado à sua volta.
Mantém-se uma estrutura de dominação muito forte, como uma doença que impregna a mente e o corpo de outras instituições.
Diríamos que todas as religiões possuem os mesmos objetivos, sem demonstrar claramente seus anseios, já que mesmo os seus líderes, entendendo a sua vinculação com deus, acabam por se iludir e iludirem aqueles que os segue em total ignorância a novos conhecimentos.
A forma de dominação se manifesta na sociedade através de pressões com tendências a valorizar o poder central, seja ele político, religioso ou em ambos os casos de governos totalitários e centralizados.
No cristianismo a espera da Ressurreição, dentro do catolicismo estar sentado ao lado direito de Deus pai todo poderoso.
Para o judaísmo a espera de um messias se eterniza.
No mundo islâmico, as benesses de uma vida além túmulo, banhado em todo conforto que não possuiu enquanto vivo.
No budismo, a reencarnação como solução e em todas as religiões “a morte sendo melhor que a vida”.
Muitos jovens intelectuais mais corajosos temem acima de tudo, na medida em que vão sendo reconhecidos, incorporados e utilizados, entregar-se ao mero conformismo, deixando de ser criativos e verdadeiramente úteis (Hofstdter 1967).

Nos dias atuais vivemos também de mitos, de muitos mitos, mas não enxergamos como mitos, mas sim como relações verdadeiras com Deus. Precisamos ter messias e filhos de deuses que convivem conosco, e para isto levantamos igrejas em seus nomes. Passamos nossa vida adorar e a esperar seus nascimentos, suas reencarnações, as suas vindas como se fosse possível homem e espíritos conviverem em harmonia num mesmo espaço. A consciência humana cria relações impossíveis para poder justificar os seus medos.