Elidiane Melo 

Quando me propus a ler o livro, Na Presença do Sentido, não fazia idéia do que essa leitura poderia me proporcionar. No primeiro contato que fiz com as diversas questões trazidas pelo livro, me encantei a ponto de não querer, em nenhum momento, interromper a leitura, queria mais, não podia parar. Qual o sentido da existência? Como existir? O que existir? Foram perguntas que me instigaram a refletir sobre as possibilidades de sentido que o autor quis questionar.

As possibilidades de existir estão relacionadas com a capacidade de sonhar e se dispor a isso. Quando se permite sonhar, se permite existir. A arte é a manifestação dos sonhos daquele que está sensível a escutá-la de um modo bastante subjetivo e pessoal. Perceber a arte além do real, lógico e da “mentira” é estar aberto ao verdadeiro um sentido mais efetivo.

As diferentes tramas artísticas, obras de arte, possibilitam as pessoas, se comunicarem com essa arte que é a fala do próprio homem. O artista não atua como um codificador de mensagens, mas sim como um transmissor de mensagens a ele passadas através de uma “escuta”. O que de fato acontece é essa comunicação do artista com ele mesmo, com a demanda da sociedade, com aquilo que emerge nele e na humanidade. Não são somente seus conteúdos projetados na arte e sim os conteúdos do todo.

O homem é um constante poder ser. Essa possibilidade, quando percebida, permite ao próprio escolher, estar aberto ao recordar, a sonhar.

Sonhar é imaginar o que existe de mais belo em si. Somos o que quisermos e não quisermos ser, o que muitas vezes, na realidade, nos impedimos disso. Ao expormos nossos sonhos para a realidade, estamos sujeitos a aceitação ou repúdio, destruição por parte daquele que o escuta. Na realidade podemos até fazer morrer o nosso poder ser ou encantamento com a coisa desejada porque em nossos sonhos ela é perfeita ao nosso modo.

Os sonhos não são a realidade do mundo, mas sim, sonhos que podem morrer e não deixar feridas que tormentem e aprisionem o homem, elas podem ser fechadas ou resignificadas dando abertura para novos sonhos se constituírem, trazendo peculiares sentidos. Os sonhos esquecidos logo, logo se transformam em mentiras e assim, passamos a ser também mentiras e a vida passa a ser, então, um “verdadeiro” faz-de-conta.

É preciso que enterremos nossos sonhos, no sentido de não nos prendermos ou simplesmente fingir que nada aconteceu, mas fazer valer essas possibilidades um dia imaginadas mesmo que não concretizadas. No entanto, uma nova abertura para novos sonhos nascerem deve se constituir, de modo a permitir que o poder ser reapareça.

O desfecho de uma história não está somente ligado a um final, mas sim, a um começar de novo e não outra vez. O começar de novo remete a idéia de novidade e não de repetição. Ao mesmo tempo em que uma história termina, logo uma abertura se insere, permitindo novo começo (desfecho = des-fecho). Então algo se realiza e não propriamente se encerra, efetiva-se, na verdade, uma nova passagem.

Para que esse novo se constitua, é preciso nascer de novo. Há uma passagem na Bíblia que apresenta essa questão no diálogo de Jesus Cristo com Nicodemos em João 3: 3-5: “...Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer? Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.” Também em 2° Coríntios 5: 16,19: “...Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo..Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.”

Esse trecho da bíblia pode significar a possibilidade do começar de novo, onde os sonhos antes investidos e não realizados podem ser deixados para trás ou morrer para que nos reconciliemos com o nosso natural (poder ser) permita novas formas de existir. É preciso também que o homem vivencie esse luto, a tristeza em se desprender desse algo para que o processo de aceitação do novo vigore.

O processo se inicia na ilusão, finalidade, como condição para o desfecho que não é o fim, mas o início. O reencontro com os significados e significações que vivenciamos passa a então permitir uma compreensão dessas perdas levando a um crescimento de um saber viver de novo.

Na morrer esse sentido está bastante ligado ao sentimento que a pessoa tem por e de sua vida. O sentido é um gesto próprio. A vida é uma contingência que a qualquer momento pode nos ser tirada. A cada dia, minuto, segundo que se passa estamos cada vez mais perto da morte. Se dispor a viver a vida da melhor forma significativa é fazer de nosso morrer um constante viver.

A culpa por não estar vivendo o que se deseja viver está relacionada a não realização de nossos sonhos. Olhar para o que se permitiu ser ou faz e perceber que não condiz com o que realmente gostaria de ser ou fazer faz nascer uma angústia enorme, um sentimento de culpa que desgasta o homem.

O apóstolo Paulo, em Romanos 7:19,  traz: “... Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.” Esse sentimento esteve sempre presente na humanidade. É a culpa por algo que gostaria de ser e não é. O assumir a culpa permite que o homem se desprenda daquilo que não é, mas gostaria de ser para se perceber sujeito ativo de seu próprio destino, criando novos caminhos.

As relações e toda a história do homem vão “direcioná-lo” para um amadurecimento. Não é a idade que identifica o grau de maturidade, mas sim, as significações feitas ao longo do tempo, este pode ser curto ou de fato longo, muito longo, não correspondendo diretamente a idade do sujeito. É preciso fazer valer a existência humana (Dasein: ser-aí ser-no-mundo) para que novos sentidos se construam e um tempo de maturidade venha a se constituir.

Quando se pensa numa terapia, muitos motivos são levantados no intuito de significar esse fazer. O encontro terapêutico não diz respeito a procurar os culpados e tratar deles. É algo que abrange muitas questões. A terapia é um recurso que permite cuidar do sujeito que está arcando com a grande dificuldade sem se afastar também dos sistemas que este está inserido e movimenta.

A terapia vai, então, caminhar para uma procura (pró-cura = cuidar) do sujeito. Esse momento não condena o homem, não critica seus valores, não ensina normas, não fornece dicas de como viver, mas sim, proporciona um espaço onde são construídos novos significados, como também, o sujeito se vê na possibilidade de resgatar seus significados.

Numa situação de psicose, muitos dos sujeitos rejeitam o uso de medicação, não somente pelos efeitos colaterais ou dependência que esses medicamentos podem causar, e sim, pela necessidade do sentido. Quando o paciente ingere algum tipo de antidepressivo ou qualquer outro medicamento e tudo se resolve, o momento de crise que viveu seu sentimento naquela situação se nadifica e sua existência passa então, a não ter significado.

A questão não é eliminar o uso de medicamento em situação graves como nos casos psicóticos e sim agregar a esse uso, que deve ser bastante coerente, a importância de perceber os sentidos dos sentimentos vivenciados pelo paciente, seja em momentos de crise ou não.

É importante também refletir sobre a importância de caracterizar o surto, no sentido e conhecer os contextos e sistemas que articulam as relações do sujeito consigo e com o outro.

O poder se torna um meio para se alcançar a satisfação dos desejos de uma pessoa. Na verdade somos constantemente confusos querer ou não querer o poder no sentido de ausentar de responsabilidades que dizem respeito ao próprio sujeito. O poder ser está relacionado a possibilidades (poder possível).

O brincar sugere uma verdadeira volta ao eu mais íntimo. É um reencontro que possibilita novos contatos.

O livro, de fato, esteve presente como sentido pra mim e agora faz parte de minha história. 

 Referência

POMPÉIA, João Augusto e SAPIENZA, Bilê Tatit. Na presença do Sentido: Uma aproximação fenomenológica a questões existenciais básicas." São Paulo: EDUC/Paulus, 2004.