A REFORMA PSIQUIATRICA NA VISÃO

DE ACADÊMICOS E GRADUADOS EM MEDICINA E PSICOLOGIA 

Samanta Meira ALmeida[1]

Russélia Gody[2] 

Resumo

 

Introdução: A reforma psiquiátrica tem sido uma grande mudança na visão e tratamento dos transtornos mentais. Seu principal objetivo é a inserção do portador de transtorno mental na sociedade, visando resgatar sua cidadania, por meio dos programas psicossociais. Objetivo: Esse artigo tem por finalidade averiguar as concepções de acadêmicos e profissionais da psicologia e medicina a respeito da reforma psiquiátrica, para avaliar se existem adversidades nas concepções. Método: O método utilizado nessa pesquisa foi o qualitativo, por meio de entrevista individual, onde participaram dois estudantes do terceiro ano de medicina, dois estudantes do terceiro ano de psicologia, dois profissionais já formados que atuam na área de psicologia e dois psiquiatras. Resultados: Os resultados apresentaram que os profissionais têm maior conhecimento sobre a Reforma Psiquiátrica em relação aos acadêmicos, mas todos possuem concepções semelhantes no que diz respeito às vantagens e desvantagens dos hospitais psiquiátricos. Discussão: Por meio da análise dos resultados foi possível abordar uma importante discussão no que diz respeito à Reforma Psiquiátrica, como as vantagens desse modelo que são a humanização no atendimento e a inclusão social. E algumas críticas com relação à forma como está implantada.

 

Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica, Fatores associados, Medicina e Psicologia.

Abstract

Introduction: psychiatric reform has been a major shift in vision and treatment of mental disorders. Its main objective is the integration of mental patients into society, aiming to recover their citizenship, through psycho-social programs. Objective: This article aims to ascertain the views of academics and professionals in psychology and medicine about the psychiatric reform, to assess whether there are hardships in conceptions. Method: The method used in this research was qualitative, through individual interviews, where two students participated in the third year of medical school, two third year students of psychology, two trained professionals already working in the field of psychology and psychiatry with an emphasis on mental health. Results: The results showed that professionals are more knowledgeabe about the psychiatric reform, but that all have similar views regarding the advantages and critcisms og psychiatric hospitals talk: Trough analisis of the results was possibile to address an important discussion in concerns the Psychiatric Reform, as the advantages of this model are that the humanization of the attendance and social inclusion. And some criticism about how it is deployed.

 

Keywords: Psychiatric reform Factors associated, Medicine and psychology

 

 

INTRODUÇÃO

 

Ao longo da história, a loucura foi vista de diversas maneiras diferentes. Segundo Moritz (2006), na antiguidade a loucura era considerada uma manifestação divina, de graça ou de castigo. A primeira pessoa a estudar a loucura foi o filosofo Hipócrates, considerando-a uma doença do corpo. Porém, o modelo mítico-religioso acreditava que a loucura tinha causa sobrenatural.

            Focault (2000) explica que na Idade Média e no Renascimento, o modelo religioso ainda era considerado, o louco era visto como um ser “possuído”, sendo ignorado e excluído nos asilos da sociedade, e na maioria dos casos era morto pela inquisição.

A medicina tentou interferir duas vezes antes do século XIX no modelo religioso, tentando provar que a loucura tinha causa fisiológica. Mas foi apenas no século XIX que com o modelo positivista, os médicos Willian Tuke e Philipe Pinel conseguiram comprovar para a igreja que os “ritos diabólicos” ou “manifestações do espírito santo” podiam ser explicados como doença mental (FOCAULIT, 2000).

            O então pai da psiquiatria Philipe Pinel, com seu método “humanitário”, considerava a loucura sinônimo de desequilíbrio das funções mentais e afetivas. Pinel propôs a libertação das correntes, ou seja, os loucos deveriam ficar livres, porém, dentro dos muros dos manicômios. Nestes locais utilizavam-se da tortura para modificar os comportamentos dos doentes mentais. (CHERUBINI, 2006).

Os manicômios instituídos por Pinel tinham função disciplinadora, assim, essas instituições se configuram como a própria técnica psiquiátrica aplicada. Com a especialização do conhecimento médico, o manicômio passa a ser considerado uma instituição hospitalar, porem, com influência da disciplina militar (Vizeu, 2005 apud Foucault, 1992).

Com isso, a ditadura aproveitou os hospícios para castigar os presos políticos fazendo uso da Eletroconvulsoterapia (ECT), uma medida terapêutica que era utilizada como medida disciplinar, tanto para os presos como para os doentes mentais (MELHANDO & CARRANO, 2006).      

Meados de 1950 o psiquiatra Italiano Franco Basaglia, se opôs à institucionalização proposta por Pinel, dando origem ao movimento chamado de Reforma Psiquiátrica, com o lema principal: “por uma sociedade sem manicômios”. (MORITZ, 2006).

O principal objetivo desse movimento é a humanização dos serviços prestados aos doentes mentais, e a inclusão dessas pessoas na sociedade, com uma nova proposta de tratamento.

            De acordo com Ribeiro (2004), em 1986 durante a 8ª Conferência Nacional de saúde, dá-se inicio a discussão de uma nova proposta de tratamento. Essa proposta não se trata mais de melhorar a estrutura dos hospitais psiquiátricos, mas sim propor novas formas de cuidado. O maior objetivo então é romper o modelo sanitarista. Nesse momento os profissionais da saúde começam a repensar em novos serviços, que possam substituir a internação, surgindo então a criação de um novo modelo, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

A reforma psiquiátrica tem sido uma grande mudança na visão e tratamento dos transtornos mentais. Seu principal objetivo é a inserção do portador de transtorno mental na sociedade. Com isso surge uma proposta inovadora e humanizada de atendimento, onde se destaca o resgate da cidadania do doente mental, através de programas psicossociais que vem substituir a exclusão através do internamento.

O presente artigo tem por objetivo avaliar as concepções de acadêmicos e profissionais da psicologia e medicina a respeito da reforma psiquiátrica, para avaliar se existem adversidades nas concepções devido à diferença de formação e experiência na área.

 

 

 MATERIAIS E MÉTODOS

 

O método utilizado nessa pesquisa foi o qualitativo. Nesse tipo de pesquisa, não há necessidade de grande número de participantes, e sim um estudo mais aprofundado sobre o conteúdo pesquisado. O método qualitativo é uma opção do investigador, indicado como uma forma mais aprofundada de estudar um fenômeno social. (DUARTE, 2002)

Participaram dessa pesquisa, dois estudantes do terceiro ano de medicina e dois estudantes do terceiro ano de psicologia de uma faculdade privada do município de Cascavel, dois profissionais já formados que atuam na área da psicologia com ênfase em saúde mental e dois profissionais já formados que atuam na área da psiquiatria.

            A pesquisa teve início após a aceitação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Assis Gurgacz. (Protocolo 031/2010).

Após adquirir a autorização dos responsáveis pelas instituições, a pesquisadora solicitou aos professores dos acadêmicos alguns minutos do fim da aula e no intervalo para uma breve explicação a respeito da pesquisa. Os acadêmicos interessados em participar foram convidados a se dirigirem a uma sala reservada para a realização da entrevista, no horário de intervalo, com as acadêmicas de psicologia e no caso dos acadêmicos de medicina, foi realizada num horário fora do horário de aula, no período da noite.

            As entrevistas foram realizadas em um local adequado aos padrões éticos, ventilado e sigiloso, no ambiente de trabalho dos profissionais, e no caso dos acadêmicos, foi realizada a pesquisa em uma sala reservada dentro da própria instituição de ensino.

Em um segundo momento, foi realizada a apresentação dos objetivos do estudo e também o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisadora explicou de forma clara e objetiva a questão do sigilo ético, garantindo a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa, e que esses dados não serão divulgados, deixando claro que a participação era livre e que a qualquer momento poderiam desistir da pesquisa se preferissem.

Os acadêmicos voluntários da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre, deixando uma cópia com o pesquisador e outra com o aluno, na presença de duas testemunhas, que não estavam envolvidas com a pesquisa. O mesmo procedimento foi feito com os profissionais.

A coleta de dados foi realizada nos meses de Agosto e Setembro de 2010, por meio de um entrevista semi-estruturada, com sete perguntas à respeito da Reforma Psiquiátrica, de acordo com a fundamentação teórica estudada. Que foram: O que você entende por Reforma Psiquiátrica?  Você já foi a algum hospital psiquiátrico, qual foi sua impressão? Em sua opinião, quais as vantagens e desvantagens da Reforma Psiquiátrica? Posicione-se à respeito do ECT (Eletroconvulsoterapia). O que você entende por CAPS? Como Profissional de psicologia como você trabalha com casos de doença mental? Como seria o ideal de atendimento ao doente mental?

É importante ressaltar que a entrevista foi realizada individualmente, com participação exclusiva do pesquisador e do entrevistado, onde todos autorizaram a gravação.

 A pesquisadora deixou clara a possibilidade de a entrevista ser interrompida se o entrevistado se sentir desconfortável, e se disponibilizou para maiores esclarecimentos antes durantes e se necessário, após a pesquisa. Atendendo a todas as exigências da Resolução 169/96 solicitadas na realização do projeto de pesquisa.

 O método de análise dos dados utilizado foi o modelo de Bardim. De acordo com Goldemberg & Otutumi (2008), a analise de conteúdo segundo Bardim é a junção de diferentes tipos de discursos com base na dedução, respeitando critérios específicos caracterizado pelo método qualitativo, que consiste em um método mais aprofundado de estudar um fenômeno social.

 

 RESULTADSOS

 

Foram entrevistadas 8 pessoas, segue abaixo o perfil das mesmas:

Nomes fictícios

Idade

Sexo

Profissão

Maria

27

Feminino

Psicóloga

Joaquina

30

Feminino

Psicóloga

Rute

19

Feminino

Acadêmica de Psicologia

Silvia

20

Feminino

Acadêmica de Psicologia

Sonia

38

Feminino

Psiquiatra

Pedro

29

Masculino

Psiquiatra

Lia

23

Feminino

Acadêmica de Medicina

José

26

Masculino

Acadêmico de Medicina

 

Sete entrevistados entendem que a Reforma Psiquiátrica é uma reforma que veio com a intenção de modificar os atendimentos assistenciais aos pacientes que possuem transtornos mentais, com o foco na humanização.

“Resolveram humanizar o tratamento psiquiátrico através da inclusão dos doentes mentais na sociedade. Com o fim dos hospitais psiquiátricos através da criação das casas de apoio”.

Entretanto, uma das acadêmicas de psicologia entrevistadas demonstrou desconhecimento a respeito do tema, confundindo a reforma Psiquiátrica com a Humanização nos hospitais gerais.

“A reforma psiquiátrica eu acho que é aquela humanização aos pacientes, porque tem muitos hospitais que não tratam bem, tem aquelas filas de atendimento e os profissionais não estão nem aí.”

Um dos psiquiatras entrevistados acrescentou que a Reforma não é benéfica para todos os casos.

“O paciente seria avaliado social e psicologicamente e seria enquadrado em ambientes especializados para adaptação, reabilitação e reintegração na comunidade. Obviamente respeitando os limites de cada patologia.”

Apenas uma psicóloga e os dois psiquiatras já visitaram um hospital psiquiátrico. Os acadêmicos e uma das psicólogas não tiveram a oportunidade de vivenciar a rotina e os cuidados dispensados aos pacientes em um hospital psiquiátrico. Uma acadêmica de psicologia diz sentir vontade de conhecer e a acadêmica de medicina mencionou ter conhecido uma ala do SUS dentro de um hospital geral, onde ficam os dependentes químicos, a percepção dela a respeito desse local foi a seguinte:

“Fomos conhecer a ala do SUS que ficam os drogaditos. É muita medicação! Um excesso muito grande. Falta a parte de psicoterapia, de ajudar a pessoa a buscar uma saída, através da busca pelo motivo que a levou a procurar essa saída”.

A psicóloga teve uma péssima impressão com relação aos hospitais psiquiátricos, segundo ela, este é um tratamento de alienação.

“Quando acadêmica fiz estagio num hospital, confesso que não gostei do ambiente, um ambiente que vemos um outro lado dos seres humanos, como alienados, devido às altas doses de medicamentos”.

Os psiquiatras também possuem uma péssima impressão dos hospitais psiquiátricos. Um deles salientou ainda, que é um ambiente de descaso, onde qualquer pessoa poderia vir a se tornar um doente mental pelo fato de conviver naquele ambiente.

“A impressão foi péssima. A sensação é que qualquer pessoa se tornaria doente mental sendo submetido a esse tipo de ambiente de isolamento e muitas vezes descaso. Tratados de forma generalizada”.

A outra psicóloga complementa:

“Eu acho um caos total esses hospitais. A forma como são atendidos esses pacientes, eu acho assim uma forma totalmente descabida”.

Uma psicóloga e as acadêmicas de psicologia consideram como vantagem da Reforma psiquiátrica a humanização ao atendimento do doente mental.

A outra psicóloga e os acadêmicos de medicina acrescentam que, além da humanização, a maior vantagem da Reforma psiquiátrica é a possibilidade de inclusão social, evidenciando principalmente o contato com a família.

Os psiquiatras acreditam que as vantagens estão focadas principalmente no tipo de tratamento recebido pelo doente como, avaliação individualizada, tratamento especifico e adequado para cada um, adequação ao ambiente familiar e comunitário onde esse doente poderia estar envolvido. E que as desvantagens estão relacionadas às questões políticas, pois existe a necessidade de recursos financeiros para que ela aconteça. Um dos psiquiatras salienta que apesar das vantagens que a Reforma propõe, ela não funciona na prática, ou seja, muitas vezes os serviços oferecidos pela Reforma como o CAPS não estão sendo utilizados por quem realmente precisaria.

“Se a gente for pensar em termos da reforma psiquiátrica no papel, eu acredito muito nela. O que eu vejo na verdade é que a Reforma psiquiátrica não está acontecendo como ela deveria acontecer”.

Uma psicóloga considera como desvantagem da Reforma Psiquiátrica o excesso de medicação. A outra psicóloga e os quatro acadêmicos, de medicina e psicologia acreditam que a desvantagem da Reforma está relacionada à falta de preparação dos familiares para lidar com os doentes mentais. Uma acadêmica de medicina mencionou que a psicoterapia seria um meio para auxiliá-los nessa questão.

“Não sei se a família irá agüentar, e a lidar com esses doentes talvez eles devessem passar por terapia”.

As duas acadêmicas de psicologia acrescentaram que em alguns casos, em momentos de “crise” ou “surto” o internamento ainda se faz necessário.

            Seis dos entrevistados, sendo eles acadêmicas de psicologia, psicólogas, um acadêmico de medicina e um psiquiatra consideram o ECT um método agressivo e cruel ao paciente. Uma psicóloga acredita que pode ser prejudicial à saúde:

“Acho que não traz benefícios para o paciente, pelo contrario são prejudiciais a sua saúde tanto física quanto mental”.

Um dos psiquiatras acrescenta ainda que não tem experiência clínica com ECT, porem não considera um tratamento benéfico, pois nem mesmo ele gostaria de ser submetido a esse tipo de tratamento.

            Não tenho experiência clinica para me posicionar, mas não gostaria de ser submetido a esse tratamento”.

Duas dessas entrevistadas, uma acadêmica de psicologia e um de medicina acreditam que apesar de doloroso, pode ter algum tipo de benefício.

Acredito que seja um tratamento bem doloroso, mas talvez tenha algum resultado, se não, não seria usado”.

            “É usado a tanto tempo, que deve ter um benefício, apesar de parecer um tratamento cruel”.

            Duas entrevistadas, sendo elas uma acadêmica de medicina e uma psiquiatra, consideram o ECT benéfico, que sendo indicado e utilizado corretamente, com moderação, pode ser até menos prejudicial do que muitos outros medicamentos.

Acredito que ao longo do tempo traz muito menos comprometimento pro paciente do que muitas medicações”.

            Seis entrevistados entendem os CAPS como Centros de Atendimento Psicossociais de atendimento multidisciplinar, que presta atendimento aos portadores de doença mental de forma humanizada, sendo eles uma alternativa para os hospitais psiquiátricos.

            Porém, os psiquiatras acreditam que a proposta do CAPS é excelente, mas ainda não está devidamente implantada de forma adequada, faltando principalmente incentivo na parte financeira.

“Poderia implantar todos os novos conceitos do tratamento dos doentes mentais. A implantação desses centros é o primeiro passo prático para se buscar adequação ao novo modelo proposto”.

            “No CAPS onde trabalhei acho que faltava ajustar algumas coisas, que a gente não tinha por falta da parte financeira, equipe, não tinha realmente aquela idéia de um funcionamento dos pacientes que estavam indo lá, impressão é que apenas estavam indo”.

            Dois entrevistados, sendo eles um acadêmico de medicina e um de psicologia, demonstraram não ter muito conhecimento a respeito do tema.

“São aqueles lugares onde buscam tratar melhor os pacientes”.

“É aquela casa que os pacientes se reúnem, com aqueles profissionais, de enfermagem ou outros. Não sei quais são”.

As duas psicólogas e uma acadêmica de psicologia, afirmaram não trabalhar com casos de doença mental. Acreditam que nesses casos deve ser feito o encaminhamento para o psiquiatra, por causa do uso da medicação.

Uma das acadêmicas de psicologia e outra de medicina acreditam que o encaminhamento se faz necessário, porem, o trabalho em equipe é muito importante.

Teria que ter um trabalho em conjunto com os psiquiatras, eles com a parte da medicação e nós com a parte psicoterápica, porque eles tem que ser vistos como sujeitos que podem ter uma melhora, embora não uma “cura específica”.

A acadêmica de medicina acrescenta ainda que junto com o trabalho em equipe do psicólogo e psiquiatra, deve ser levada em conta a terapia familiar, e atividades como música e a terapia ocupacional.

“Associaria o atendimento psiquiátrico e psicológico juntos, a terapia familiar em conjunto. Receitaria a medicação necessária a cada tipo de paciente. Receitar muita música clássica e muitas atividades como pintura, crochê, etc”.

            Um dos acadêmicos de medicina acredita que o atendimento aos doentes mentais deve estar enquadrado na Reforma, com o intuito de inseri-los na sociedade e em contato familiar. Porem salientou o uso da medicação, mas não mencionou o trabalho do psicólogo.

“Levando em conta a reforma, apesar do tratamento medicamentoso, tentaria reinstituí-los na sociedade, não deixaria isolados e principalmente levaria em conta o contato familiar”.

Um dos psiquiatras relatou que a realidade do atendimento do sistema único de saúde muitas vezes adere ao grande uso de medicação e internamento. Considerou importante o uso da psicoterapia, embora tenha se tornado cada vez mais inaccessível aos pacientes, pois, segundo ele o acesso ao psicólogo está cada vez mais difícil, formando assim uma grande fila de espera por atendimento psicológico.

            “Hoje trabalho com a realidade de um sistema antigo: remédio para quem precisa terapia para quem consegue, pela dificuldade de acesso ao psicólogo no SUS, e internação em casos agudos mais graves”.

            A outra psiquiatra salienta que utiliza o internamento apenas em casos que oferecem riscos, e também deve ser levado em conta o suporte familiar e municipal. A mesma relata que faz encaminhamento psicológico apenas em alguns casos.

            “Em alguns casos indico atendimento psicológico, dependendo da necessidade, de risco de vida ou agressão indico internamento, depende da necessidade de cada paciente, e do suporte que cada município oferece e que cada família oferece também”.

Uma acadêmica de psicologia acredita que em alguns casos é necessário o internamento, desde que seja por um período curto e determinado.

“Deveria ter internação, mas só em alguns casos e por pouco tempo também”.

Um acadêmico de medicina salientou a importância da inclusão familiar no processo de atendimento e da inserção do doente mental na sociedade, visando à ocupação como uma estratégia de intervenção.

“Como dito, tentaria aderir a família ao tratamento, reinserir, talvez algum tipo de emprego. Manter eles ocupados”.

Contudo, os psiquiatras acreditam que deve ser formada uma rede de atendimento multidisciplinar para cada caso específico, considerando os aspectos sociais e familiares. Um dos psiquiatras acredita que a Reforma deve buscar melhores condições de internamento nos hospitais gerais, mas por período breve. Acrescentou também a importância de um trabalho social, dentro das escolas.

            “Deve poder disponibilizar o atendimento duma internação dentro de um hospital geral, fazer com que depois disso ele volte às suas atividades o mais rápido possível, oferecer um serviço de emergência quando há necessidade, que pudessem ter o acompanhamento em escolas, em equipe para lidar com esses alunos, essa troca de informação melhor”.

 

 

DISCUSSÃO

 

A Reforma psiquiátrica surgiu com o objetivo maior de promover a reinserção dos doentes mentais na sociedade, melhorando sua qualidade de vida e assim, busca combater até mesmo nos dias de hoje, as más condições de tratamento para aqueles considerados portadores de doença mental, dando origem a uma nova proposta de tratamento.

Atualmente a Reforma Psiquiátrica tem sido foco de grandes discussões no âmbito da saúde, por ser uma proposta inovadora com relação ao atendimento direcionado aos portadores de doença mental. Porem, apesar de muito se falar sobre ela, ainda há desconhecimento do assunto por parte dos acadêmicos, onde uma demonstrou “confundir” a Reforma Psiquiátrica com a prática de humanização nos hospitais gerais.

            Os acadêmicos desconhecem, na prática, o funcionamento do antigo modelo de tratamento, tendo conhecimento sobre o assunto apenas em cima de reportagens de TV, ou até mesmo filmes que mostram os abusos e problemas relacionados ao modelo de atendimento.

            Foi possível perceber que também existe um desconhecimento dos acadêmicos sobre o funcionamento do CAPS, pois acreditam que é um modelo adequado de atendimento, mas desconhecem de que forma é realizado e por qual equipe profissional é formado.

            Apesar do desconhecimento da antiga prática, foi possível perceber que mesmo o novo modelo ainda não atende as reais necessidades, pois, ao visitar a ala de dependentes químicos, dentro do hospital geral, uma acadêmica de medicina percebeu a falta de atendimento multidisciplinar, com excesso de medicação. O que demonstra a importância de uma melhoria no atendimento dedicado aos pacientes psiquiátricos dos hospitais gerais.

            Os profissionais e estudantes conseguem vislumbrar as vantagens para o paciente no novo modelo. Assim os CAPS com o passar do tempo tornam-se dispositivos de bairros, participando do dia-a-dia dos indivíduos. Nos CAPS as antigas práticas hospitalares acabaram ganhando novo significado, ou seja, dá origem a novas cooperativas sociais como a importância do lazer, sendo considerado grande fonte de promoção de qualidade de vida. (FERREIRA, 2006).

            Entretanto surge a crítica dos profissionais referente à implantação desse novo modelo, que na prática não funciona como está previsto na teoria.

Segundo Palhano (2010), inúmeros profissionais brasileiros têm percebido e advertido o governo federal perante a grande desigualdade em termos de distribuição dos CAPS no país, embora existam 1.513 CAPS, muitos estados contam com grande número de centros e já outros não conseguem atender a toda a demanda.

A falta de recursos financeiros dirigida a esses centros, juntamente com a má implantação das alas psiquiátricas nos hospitais gerais mostram que esse novo modelo ainda deixa a desejar (PALHANO, 2010).

Sadigursky & Tavares (1998) ressaltam que o movimento anti-manicomial vem trazendo certa ansiedade aos profissionais da saúde, pois diversos fatores vem interrompendo a implementação da desinstitucionalização no Brasil, ainda nos deparamos com hospitais psiquiátricos que adotam o modelo tradicional.                   

            Uma das psiquiatras e as estudantes de psicologia ressaltaram que o novo modelo de atendimento não dá conta de todos os casos, e o internamento ainda se faz necessário em algumas situações, como nos casos mais agudos. Porem, dentro da literatura é possível perceber que os hospitais psiquiátricos atuais ainda se enquadram ao antigo modelo, e que surge a necessidade de um novo modelo de internamento.

Esses hospitais apresentam péssima estrutura, grande número de pacientes por unidade, alta taxa de permanência hospitalar e uso inadequado de medicamentos, se isentando de promover qualidade de vida aos internos (SADIGURSKY & TAVARES, 1998).

            Segundo Machado & Colvero (2003), Quando a doença mental se manifesta de forma aguda, se faz necessário um ambiente direcionado, com atendimento específico, o que poderia ser buscado através do internamento dentro de um hospital geral. Porem, para que haja um bom funcionamento o atendimento deve ser semelhante aos CAPS em termos de trabalho multidisciplinar.                       

            Uma das psicólogas acredita que aumentou a dose de medicamentos neste novo processo. Porem, Brigagão (2004) através de seu estudo dentro de um CAPS, afirma que é um ambiente acolhedor, com o objetivo de promover a qualidade de vida através de inúmeras atividades, e o uso de medicação é feito, mas de maneira cautelosa e controlada dependendo de cada caso. O que demonstra que a psicóloga possivelmente confundiu o novo modelo de atendimento com os antigos hospitais psiquiátricos.

          No entanto, os entrevistados trouxeram como grande desvantagem do processo Reforma Psiquiátrica, a sobrecarga dos cuidadores dos portadores de doença mental. Para eles os familiares podem não ter orientação adequada para lidar com essas patologias, acarretando numa “sobrecarga “ a esses familiares.

            Bandeira & Barroso (2005), salientam que o processo de desinstitucionalização contribuiu de forma positiva no que diz respeito ao contato do paciente com a família. Porem o impacto da doença mental pode acarretar uma sobrecarga a esses familiares, pois além de colocar as suas necessidades em segundo plano, diversos outros fatores contribuem negativamente na vida dessas famílias, como “perdas financeiras ou perturbações na rotina social”.

            Essa questão da sobrecarga familiar é mais um ponto importante a ser discutido e repensado com relação à Reforma Psiquiátrica, possivelmente deveria promover um atendimento mais focado aos cuidadores.

            Foi possível perceber certo preconceito e desinformação que a maioria dos entrevistados, tem a respeito do uso do ECT.  Com exceção a uma psiquiatra e uma acadêmica de medicina, para eles, esse método é considerado cruel, e de caráter punitivo.

De acordo com Melhado e Carrando (2006), no decorrer da historia, nas instituições manicomiais, o ECT deixou de ser usado como instrumento terapêutico, para ser utilizado como uma forma de castigo ou punição àqueles que não obedeciam às regras. Entretanto, nos dias atuais esse tratamento é realizado com anestesia e com objetivo terapêutico, podendo ter grandes resultados. Para ser realizada a aplicação do ECT é necessária uma autorização por escrito do individuo ou da família, com uso de anestesia, e deve ser acompanhada pela família, e em seguida é servido um lanche aos pacientes. (MELHANDO & CARRANO, 2006). Sendo assim, o ECT precisa ser administrado de acordo com as informações válidas, e acima de tudo com o consentimento do paciente e atendendo a todos os procedimentos de sua administração. (Mohamed Abou Salleh; Loannis Papakostas; Loannis Zervas & George Christodoulou, 2006).

            É importante ressaltar que essa nova proposta de atendimento deve abranger uma equipe multiprofissional formado por psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc. Os CAPS oferecem diversas atividades terapêuticas como oficinas, atendimento psiquiátrico, psicológico individual e de grupo, e feito acompanhamento com os familiares, e é importante ressaltar que os pacientes só permanecem durante o dia. (RIBEIRO,2004).

            Contudo, além do atendimento multidisciplinar, foi ressaltado por alguns entrevistados, a necessidade de se criar uma rede social, onde toda a sociedade deve rever seu posicionamento e tratamento diante dos portadores de transtorno mental.

            De acordo com Amarante (1995), o sucesso da reforma psiquiátrica não depende apenas das práticas assistenciais, e sim no modo com que a sociedade vai lidar com os “diferentes”, portadores de doença mental.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Graduada em Psicologia pela Faculdade Assis Gurgacz.

[2] Psicóloga, mestre em Saúde e Comportamento pela Universidade Católica de Pelotas.