José de Arimatéia Reis

Suely Ramos

Todos os anos, no dia 27 de agosto, é comemorado o dia do psicólogo. Nessa data, em 1962, há quase cinqüenta anos, foi promulgada pelo então Presidente João Goulart a Lei 4.119, que regulamentou no Brasil a profissão de psicólogo e os cursos de formação em psicologia, embora desde meados dos anos 20 e 30 alguns institutos, universidades, faculdades de medicina, ciências e letras, e escolas de filosofia, já viessem formando alguns psicólogos, psicologistas e/ou psicotécnicos, muitos deles pioneiros no desenvolvimento de campos de estudo, técnicas e testes psicológicos até hoje adotados.

De lá pra cá, algumas coisas mudaram muito, outras nem tanto. Pode-se afirmar que mais ou menos cinco décadas é um tempo considerável para uma profissão se consolidar em sua atuação e repercussão dentro da estrutura social. Da mesma forma é possível dizer que as ciências psicológicas e seus recursos no campo da técnica necessitam de um prazo muito maior para alcançar a maturidade, principalmente no caso da psicologia, que basicamente estuda o ser humano e as intervenções possíveis em seu mundo psicológico.

O fato é que no início dos anos 60 os focos de ação predominantes estavam na psicologia educacional ou escolar, psicologia clínica e psicologia aplicada ao trabalho, além da docência no ensino superior para formação de alunos em psicologia. Hoje essas áreas permanecem centrais para a profissão, mas o leque de intervenção do psicólogo se ampliou enormemente, e abrange áreas como a saúde e os hospitais, o esporte, o trânsito, a área jurídico-criminal e forense, a assistência social, a neuropsicologia, e a psicologia social em suas distintas vertentes, o que veio a expandir também os universos das pesquisas e estudos, criando novas possibilidades e metodologias.

Há uma demanda social evidente por parte da sociedade e do cidadão pelos serviços e técnicas utilizadas na psicologia enquanto ciência e profissão. Cada vez mais, as instituições públicas e as empresas privadas, o SUS e os planos de saúde, os governos nas três esferas, os alunos e as escolas, as faculdades e universidades, a família e a comunidade, as ONG's, escolas profissionalizantes, organizações filantrópicas, centros comunitários, associações, enfim, um sem número de instituições, inclusive o indivíduo, têm necessitado e incluído o psicólogo na execução de intervenções diversas à população e à sociedade em geral.

Portanto, há uma repercussão social da profissão, e uma procura por testes psicotécnicos, orientações profissionais e/ou vocacionais, consultórios, clínicas, ambulatórios, hospitais e serviços de urgência emergência, atendimento em psicomotricidade e neuropsicologia, acolhimento em saúde mental nos CAPS, assistência integral à família nos CRAS e defesa e proteção dos direitos violados e atividades sócio-educativas nos CREAS, avaliação psicológica e psicopedagógica, seleção de pessoal, treinamento, desenvolvimento e gestão de pessoas em diversas áreas, entre outras inúmeras atividades realizadas pelo psicólogo.

Porém, não são raras as situações cotidianas em que o cidadão e as instituições demonstram ainda desconhecer com maior profundidade a forma como os psicólogos trabalham e quais são as suas funções, o seu papel, e os resultados de seu trabalho. Isso acarreta alguns equívocos na concepção do que é a Psicologia. Mas é preciso que se diga, tais dúvidas às vezes acometem também àqueles profissionais psicólogos mais desavisados e menos antenados ao crescimento da profissão no Brasil e no mundo, fator este último que traz junto consigo o aumento das cobranças e responsabilidades na prática profissional.

Em parte, essas questões se devem às próprias deficiências na formação acadêmica e nas grades curriculares adotadas pelas instituições formadoras, causa bem conhecida e amplamente divulgada entre todos, e que gerou em 2004 a formulação e aprovação pelo Ministério da Educação das novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em psicologia, ainda não totalmente adotadas em todo o país.

Outra razão, também largamente reconhecida, é a multiplicidade e divisão da própria psicologia em áreas bastante diferentes entre si, que vão desde a pesquisa com animais e seres humanos, passando pelo desenvolvimento de testes psicológicos, campos de estudo em psicologia (social, comunitária, do desenvolvimento, da aprendizagem e outros), e as áreas já tradicionais antes citadas, além daquelas mais recentes surgidas nos últimos trinta anos.

De outro lado, o próprio fazer do psicólogo, o qual sempre tem por finalidade maior o ser humano e seu modus vivendi, também é alvo de polêmicas e divergências, pois muitas questões éticas, técnicas e políticas se colocam para a profissão, tais como o os limites entre ciência e técnica, ideologia e compromisso social, espiritualidade e religiosidade, moralidade e neutralidade, individualidade e coletividade, entre outras.

Apesar da regulamentação cuidadosa pelo conselho federal de muitas das técnicas complementares disponíveis ao psicólogo, e comumente adotadas no Brasil, não há ainda consenso acerca da utilização de muitas delas, tais como a hipnose, as dinâmicas de grupo, o psicodrama, as grupoterapias e grupos de escuta mútua, as terapias que trabalham o corpo (massoterapia, entre outras ainda não regulamentadas), para não falar do dissenso com outras profissões em relação à acupuntura, à psicopedagogia e à seleção, treinamento, desenvolvimento e gestão de pessoas.

Não obstante, através de um trabalho sério, os psicólogos vêm transformando gradativamente essa visão externa e por vezes estereotipada, conquistando o seu lugar e desmistificando conceitos errôneos de sua prática profissional, tal como aquele que diz que quem procura o psicólogo é o "louco", o "diferente", o "esquisito".

Nesses quase cinqüenta anos a psicologia e o psicólogo inegavelmente passaram, em definitivo, a fazer parte do quadro funcional da maioria das instituições brasileiras, ampliando de forma promissora a oferta, tanto à população quanto às organizações em geral, daquilo que a profissão tem de mais refinado: a escuta sensível e diferenciada do ser humano e de seu mundo social.

Por essa razão, não se pode perder de vista a dimensão humana desse profissional em seu trabalho, pois ao lidar com o universo social e institucional, por um lado, e por outro com a subjetividade do indivíduo, imersa na complexa realidade atual, o psicólogo atua promovendo a saúde nos mais diversos contextos da vida, com todos os seus fatos, nuances, dores, dificuldades, problemas e conflitos, mas sempre contribuindo para a reflexão crítica, a compreensão e a busca saudável da resolução e superação das crises, impasses e transições do ser humano.

Assim é que o profissional psicólogo recebe no exercício inerente à sua função cargas psíquicas significativas, e enfrenta tensões emocionais expressivas, necessitando na realização dessa escuta diferenciada, obter por parte das instituições em que desenvolve as suas atividades, o devido respeito para com a singularidade de sua intervenção, em condições de trabalho dignas que possibilitem a otimização de seu desempenho profissional, assim como jornadas de trabalho compatíveis com as peculiaridades de sua atuação.

Nesse sentido, os psicólogos de todo o Brasil, através de sua federação nacional, sindicatos, conselho federal de psicologia e conselhos regionais vêm travando algumas lutas, que devem ser divulgadas à sociedade, que hoje já reconhece o trabalho desse profissional. O ano de 2008 foi escolhido como o ano da psicologia na educação e da valorização do profissional psicólogo, e uma das principais bandeiras empunhadas, entre muitas outras, é a inserção da psicologia como disciplina obrigatória no ensino médio via congresso nacional.

Um tema dos mais relevantes que também está sendo abordado diz respeito à jornada de trabalho da categoria. A Câmara Federal analisa o Projeto de Lei 3.338/08, do deputado federal Felipe Bornier (PHS-RJ), que estabelece em 24 horas semanais a carga horária dos psicólogos nos setores público e privado, ainda que o debate sobre a questão não esteja esgotado.

Outra iniciativa importante é um projeto do conselho federal em andamento, o centro de referência técnica em políticas públicas – CREPOP, o qual busca sistematizar a inclusão da psicologia e do trabalho do psicólogo nas políticas públicas em todos os cantos do país, formulando documentos de referência para os diversos campos de atuação hoje existentes, construindo diretrizes e parâmetros a partir de consultas nacionais sobre o fazer do psicólogo, e de sua participação ativa.

Considerando serem essas, entre outras, as lutas fundamentais de toda a categoria, os psicólogos de todas as regiões do Brasil são convidados a se integrarem a esses movimentos, os quais devem ser permanentes e estar sempre em renovação, tornando necessária a mobilização e a contribuição de todos, aos debates, à concretização das mudanças e ao fortalecimento cada vez maior de nossa profissão, expandindo ainda mais a sua repercussão nos contextos sociais.