A Petroquímica brasileira necessita (merece) nova reestruturação

Fusão Braskem-Quattor é um erro a ser evitado

Paulo Roberto Campos Lemos, Engenheiro, consultor, agosto 2009

O Estado brasileiro tinha, até o início da década de 90, importante participação em setores industriais como o de fertilizantes, o siderúrgico e o petroquímico. Todos foram privatizados de forma equivocada. A filosofia privatista (se é que se pode chamar a idéia por trás das privatizações de uma "filosofia") vigorante na era Collor e posteriormente, era a de vender no menor espaço de tempo, de forma acrítica, sem nenhuma "modelagem" dos setores que resultariam dessas ações precipitadas, todos os ativos que o mercado pudesse absorver.

Collor pegou uma demagógica "carona" na irritação que a sociedade demonstrava em relação aos descalabros administrativos das estatais, em grande parte decorrentes do "fatiamento" do poder entre PFL e PMDB no governo Sarney. No interregno, o governo Itamar limitou-se a dar continuidade, sem convicção, aos equívocos que vinham do governo anterior. Já nas duas gestões sucessivas de FHC, a questão foi ideológica. O objetivo era minimizar, o mais rapidamente possível, a presença das estatais na economia, arrecadar o que fosse possível para o Tesouro, e atrair, a qualquer preço, investimentos externos.

Tal método (se é que se pode chamar o que se cometeu de "método") pode ser considerado como uma aplicação da popular "lei do menor esforço", e, como ressaltei em ensaio anterior, baseava-se em alguns raciocínios viciados do neoliberalismo que então iniciava sua carreira na economia política brasileira.

Um deles, o de que nada era pior do que a "desgovernança" anterior, com as estatais "loteadas" para partidos políticos, e entregues a pessoas despreparadas para o exercício dos cargos de direção, como instrumento de cooptação política. Não se pode discordar do conceito, mas sim de sua aplicação falaciosa que resultou em desnecessária conseqüência prática para as privatizações, ou seja, privatizar poderia até ser bom, mas não da forma equivocada utilizada. Esse primeiro raciocínio viciado foi traduzido, intramuros, pela frase que ouvi muitas vezes dos encarregados das privatizações brasileiras: "isso aí é tão ruim, que dado é bom negócio".

Outro, uma interpretação espúria da idéia liberal de que um mercado livre tem o condão de colocar tudo em seus devidos lugares. Os "pensadores" das privatizações brasileiras respaldavam seu açodamento e sua freqüente recusa em formatar minimamente o setor que ia resultar ao final das vendas. Mais ou menos assim: "posso fazer a besteira que fizer agora, porque a "mão invisível" corrige tudo depois".

No caso da petroquímica, aplicada com esses "cacoetes ideológicos", a privatização cometeu, primeiramente, o equívoco de tirar a Petrobras de um setor afim a sua atividade principal, tornando-a a única petrolífera de porte sem, ou com limitada atuação na petroquímica, para, em seguida, cristalizar os defeitos que a petroquímica brasileira carregava desde seus primórdios. O "método" usado destruiu valor e atrasou por pelo menos dez anos o desenvolvimento da indústria.

Senão vejamos.

A gênese: como era possível

A petroquímica brasileira nasce no final dos anos 50 e início dos 60, com as primeiras unidades da Petrobras, a FABOR, fábrica de borracha sintética de Duque de Caxias, e a FAFEN, fábrica de fertilizantes nitrogenados em Cubatão, e das primeiras unidades privadas (Bakol, Koppers, Solvay, e, posteriormente, Union Carbide, Copebras, Rhodia e Companhia Brasileira de Estireno), em geral empresas internacionais, que se instalaram em torno da Refinaria de Cubatão, para produzir resinas plásticas, fertilizantes, metanol e negro de fumo, a partir de gás de refinaria, e posteriormente, de nafta.

Logo no início do primeiro governo militar criou-se no âmbito do Ministério da Indústria e Comércio, o Conselho de Desenvolvimento Industrial, encarregado de administrar incentivos fiscais para a implantação de indústrias no país. Ao CDI foram subordinados os antigos grupos setoriais criados no Governo Kubitschek, que foram a "mola mestra" do processo então acelerado de substituição de importações.

O Geiquim (Grupo Executivo da Indústria Química) foi o grupo setorial de atuação mais agressiva. Além de examinar as iniciativas de projetos apresentados por empresários privados ou estatais, nacionais ou estrangeiros, tomava a iniciativa de identificar - num mercado em expansão explosiva, com taxas de crescimento que chegaram a atingir 30% a.a. durante os anos do "milagre" - produtos cujo consumo se aproximava da escala mínima econômica de produção para o estado da arte da tecnologia da época, e promovia um leilão para seleção do projeto mais interessante para o país. Em seguida, sugeria, e o CPA (Conselho de Política Aduaneira) – devidamente representado no grupo - adotava sistematicamente, um nível suficientemente alto de proteção aduaneira, capaz de garantir a sobrevivência da indústria nascente. Tal forma de atuação criava mini-monopólios protegidos da concorrência externa por tarifas e pela crônica escassez de divisas, gerando a estrutura oligopolizada que a indústria brasileira veio a ter, e justificava a prática de controle de preços adotada pelos governos militares. Ainda assim, à época, tais práticas eram aprovadas, ou pelo menos não chegavam a "horrorizar", os liberais de então, alguns dos quais foram os inspiradores e se envolveram na administração do processo, embora, na maioria dos casos, tenham feito um mea-culpa posterior. E é inegável que foi uma forma de promovera industrialização do país que trouxe resultados altamente positivos em termos de desenvolvimento industrial. Particularmente na petroquímica.

No plenário do Geiquim, havia uma indisfarçável preferência por empresários nacionais, mas diversas empresas multinacionais (Shell, Dow, Diamond, National Distillers, Bayer, Du Pont) se instalaram no país com a aprovação, o apoio e o nível de proteção aduaneira proporcionados pelo grupo.

Durante o primeiro governo militar, a velha polêmica sobre estatização instalou-se fortemente no panorama político e econômico de então. Discutia-se, sobretudo, se a petroquímica – pelo menos a de primeira geração – deveria estar sob o guarda-chuva do monopólio do petróleo.

As iniciativas mais importantes na petroquímica datam dessa época. As principais foram a primeira central de pirólise de nafta, a Petroquímica União, em Capuava, e a central de fertilizantes básicos, Ultrafértil, em Cubatão.

Ambos eram projetos arrojados para a época. A Petroquímica União, criada em 1966, pretendia implantar a primeira central de matérias-primas do Brasil, o que seria o maior complexo petroquímico da América Latina. Unia a Refinaria e Exploração de Petróleo União, do grupo Soares Sampaio, então uma das quatro refinarias desapropriadas por Goulart e devolvidas à iniciativa privada por Castelo Branco, os grupos nacionais Peri Igel (Ultra) e Moreira Salles, e a petroleira americana Phillips Petroleum. O projeto previa, para atender o suprimento de nafta, o aumento da capacidade de processamento na Refinaria União, então vedado pelos regulamentos do monopólio. Não tendo a Refinaria União obtido permissão para sua expansão, a Petrobras assumiu o fornecimento de nafta para o empreendimento.

A operação exigiu uma definição importante do governo, onde pontificavam liberais como Roberto Campos (à época, um "planejador", ou, pelo menos, um keynesiano, liberal, "ma non troppo"), e militares como Golbery do Couto e Silva no SNI e Ernesto Geisel, na Casa Militar, mas com grande influência sobre a Petrobras, comandada por Ademar de Queiroz e Irnack Carvalho do Amaral. Depois de muitos conflitos internos, foi definido que a petroquímica seria privada, podendo a Petrobras participar com projetos próprios ou em associação com grupos privados nacionais ou estrangeiros. Em 1967, foi criada a Petroquisa, subsidiária integral da Petrobras, para atuar na petroquímica, legalmente habilitada para participar de associações.

Irritada com as idas e vindas, e com as limitações das leis brasileiras, a Phillips Petroleum desistiu do empreendimento, em 1968. Em seu lugar entrou a Petroquisa. O grupo Ultra, por sua vez, com dificuldades no outro empreendimento que conduzia, a Ultrafértil, e às vésperas da inauguração, em abril de 1972, resolveu sair do projeto. Sem condições de assumir sua parte, os grupos Soares Sampaio e Moreira Salles abriram mão de seu direito de preferência, tendo a Petroquisa assumido integralmente a participação. Finalmente, a Petroquisa foi convidada a cobrir o déficit de recursos e assumir o controle da PQU. Processo semelhante ocorreu na Ultrafértil.

É nítido, portanto, que os grandes projetos iniciais da petroquímica, comandados pelo pioneirismo de Soares Sampaio, Peri Igel, e Moreira Salles, foram parar nas mãos da Petrobras porque os grupos privados não conseguiram o funding necessário devido à precariedade do mercado de capitais brasileiro, e às dificuldades trazidas pela inflação.

Em suma, o projeto da PQU era ousado demais para a realidade da economia, do mercado de capitais, e da capitalização do setor privado de então. À medida que os problemas de caixa dos empreendimentos se sucediam, a Petrobras foi assumindo o controle do capital de ambos os empreendimentos, e participando, também, ativamente, dos projetos de segunda geração da PQU.

Posteriormente, já no Governo Geisel, sobretudo visando a definição dos projetos de segunda geração da segunda central petroquímica, a Copene, na Bahia, foi estabelecido informalmente o chamado modelo tripartite, através do qual, as centrais, controladas ou não pela Petrobras, forneciam matérias-primas básicas para um conjunto de empresas de segunda geração, com maioria do capital privado (em geral uma multinacional fornecedora de tecnologia e um bloco de acionistas nacionais, com dois terços do capital votante, sendo a Petroquisa, minoritária, detentora da restante terça parte do capital). A idéia, assim, era que as empresas tinham maioria de capital nacional (Petroquisa + investidor nacional) e privado (investidor nacional + sócio estrangeiro). Esse modelo presidiu a implantação da segunda e da terceira centrais petroquímicas, em Camaçari, Bahia, e Triunfo, Rio Grande do Sul.

A privatização: equivocada

O Brasil nunca foi considerado uma plataforma ideal para a produção petroquímica, pois, ao contrário do setor siderúrgico, apresentava um quadro medíocre de disponibilidade e custos das matérias-primas, nafta e gás natural. Uma "modelagem" adequada como providência preliminar para a privatização era, pois, extremamente importante na petroquímica (mais do que na siderurgia), que nunca foi particularmente competitiva internacionalmente.

O quadro ineficiente resultante do modelo tripartite consistia de três centrais produtoras de matérias-primas, duas das quais controladas pela Petroquisa, que forneciam matérias-primas básicas para um emaranhado de empresas de segunda geração, de controle privado, mas com participações relevantes da Petroquisa. Ou seja, a petroquímica brasileira tinha um controle fragmentado e um perfil horizontalizado, que introduzia três tipos importantes de deseconomias: (a) escala insuficiente devido ao pequeno porte das empresas; (b) oneração da produção pelos custos fiscais de impostos em cascata que sempre caracterizaram nossa estrutura tributária; e (c) custos fixos elevados decorrentes da duplicação de estruturas (manutenção, diretorias e staff, capital de giro). O porte reduzido das empresas implicava na virtual inexistência de atividade de pesquisa, vital para a competitividade e a sobrevivência, no longo prazo, do setor.

Cumpria ao BNDES corrigir as anomalia da estrutura do setor, no processo de privatização, induzindo os grupos privados a se associar no comando de uma única empresa, a central de matérias-primas, e verticalizando parcialmente a produção pela incorporação, à central, de pelo menos algumas das empresas de segunda geração. As vantagens teriam sido a criação de duas ou três empresas de maior porte, verticalizadas e internacionalmente competitivas. Conseqüentemente, tais empresas teriam um poder maior de sustentar investimentos em tecnologia de processo e de produto. Algumas dificuldades decorrentes da existência de restrições constantes de acordos de acionistas poderiam ser contornadas através de negociações. Em caso de resistência dos grupos privados ao modelo verticalizado, a privatização deveria ter sido feita a partir da central, em bolsa, e com a incorporação das participações da Petroquisa nas empresas de segunda geração à central. Com certeza alguns dos grupos privados teriam aderido ao modelo desde o início. Os recalcitrantes, em pouco tempo, seriam forçados a vender suas participações na segunda geração à central, que, a partir daí, poderia proceder à maior verticalização possível da produção.

O BNDES procedeu segundo a "lei do menor esforço", na seguinte seqüência: (a) alienou inicialmente as participações minoritárias da Petroquisa em cada uma das empresas de segunda geração; (b) alienou, em seguida, um bloco de controle das centrais de matérias-primas para essas empresas; e finalmente; (c) pulverizou em bolsa as sobras de ações preferenciais e ordinárias das centrais de matérias-primas.

Sempre que questionado a respeito da fragmentação e ineficiência do setor petroquímico privatizado que estava sendo criado, os encarregados da privatização e dirigentes do BNDES diziam acreditar que a realidade do mercado se encarregaria de induzir os grupos privados nacionais a se combinarem posteriormente, através de fusões e montagens de parcerias estratégicas, de forma a dar racionalidade ao emaranhado empresarial resultante dessa forma de venda, o que, apesar de se tratar de um imperativo de lógica empresarial, não veio a ocorrer dada a falta de espírito associativo dos grupos nacionais.

Estima-se que, se a petroquímica brasileira fosse parcialmente verticalizada (cerca de 50%) a geração de caixa anual do setor aumentaria em aproximadamente US$ 250 milhões. Ou seja, uma perpetuidade cujo valor presente seria da ordem de US$ 1,5 bilhão. Em moeda de hoje, algo como US$ 2,7 bilhões. Nada desprezível se se considerar que o total arrecadado com as privatizações petroquímicas não ultrapassou os US$ 4 bilhões em moeda da época.

Outro aspecto relevante não observado pelo BNDES ao vender o controle das centrais para um grupo de consumidores de seus produtos foi o sério conflito de interesses introduzido na gestão dessas empresas que, pelo menos na PQU, em alguns momentos, chegou a paralisar a tomada de decisões no âmbito da alta administração das centrais. Tal fato, além de comprometedor do ponto de vista ético pelo desrespeito ao acionista minoritário (postura que, aliás, se repetiu em todo o processo de privatização), teve o condão de diminuir a atratividade das petroquímicas como investimento.

Portanto, além da desnecessária, inepta e injusta exclusão da Petrobras de um setor lucrativo e umbilicalmente ligado ao seu negócio principal, a "destruição" de valor causada pela forma com que o governo privatizou a petroquímica foi apreciável. Isso sem contar as perdas macroeconômicas do país (balança comercial, por exemplo).

Uma questão importante: poderia ter sido diferente?

Para responder a essa questão, cabe um preâmbulo. A discussão acadêmica sobre se a privatização induz ou não a uma maior eficiência e performance das empresas, não tem resposta consensual. A maioria das pesquisas, tanto aqui quanto no exterior, aponta para melhoria de performance. Alguns argumentam que a comparação não é justa para com os administradores de estatais, que, via de regra, se submetem a outras prioridades. Em outras palavras, ao contrário das empresas privadas, orientadas prioritariamente para a maximização dos resultados, a estatal, algumas vezes, se move por outros objetivos de interesse público ou social, de difícil mensuração.

De qualquer forma, esse tipo de argumento pode ser usado para explicar pequenas diferenças de performance, como nas estatais européias, mas nunca o descalabro administrativo de muitas estatais brasileiras no passado.

De uma maneira geral, as empresas brasileiras privatizadas reduziram gorduras, cortaram custos, e investiram em expansão, com redução do custo fixo unitário, e em modernização de equipamentos, com substanciais melhorias operacionais.

Particularmente nas centrais de produção de matérias-primas petroquímicas, Copesul e PQU, houve grande esforço de enxugamento de quadros e redução de custos em geral, inclusive com a expansão da capacidade, fundamental para a obtenção de economias de escala, o que levou a uma melhoria de performance nessas duas empresas. No entanto, tais esforços foram inteiramente insuficientes para gerar um setor petroquímico verdadeiramente competitivo, capaz de sustentar expansão acelerada substituindo importações, gerar ou absorver tecnologia, enfrentar a abertura do mercado, e tornar-se plataforma de exportações, com saldo comercial relevante, e, eventualmente, expandir-se internacionalmente.

O principal fator de custo a ser levado em conta na era do capitalismo global, o custo de capital, foi amplamente negligenciado nas privatizações brasileiras.

Muitos argumentam que os privatizadores brasileiros não tinham opção. Ou faziam assim, ou não teriam feito, enredando-se num emaranhado de interesses paralisante. E, ao fugir do embate com os interesses envolvidos e optar pelo caminho de menor resistência, o governo errou e criou um setor nanico e fraco, que só escapou de ser desnacionalizado porque o interesse das grandes petroquímicas multinacionais pelo mercado brasileiro virtualmente desapareceu a partir da segunda metade da década de 90.

Se a pergunta for simplória, por exemplo, se as empresas privatizadas, siderúrgicas, petroquímicas, ou de quaisquer outros setores, ficaram melhor depois de privatizadas do que nos idos dos 80 do século passado, quando grupos políticos dividiam o poder, comandavam concorrências, beneficiavam indivíduos e grupos empresariais "cupinxas" e loteavam cotas de exportação (como nas siderúrgicas no final da década de 80), a resposta, sem hesitação tem que ser que sim, é claro que ficaram. Isso não se discute. Só que essa não é a pergunta certa. A questão real teria que ser: dava para fazer melhor? E aí a resposta é: sim, todas as siderúrgicas e petroquímicas poderiam ter ficado muito melhor.

Os setores petroquímico e siderúrgico brasileiros tinham pontos em comum e pontos muito díspares. Em comum, o convívio de empresas privadas nacionais e estrangeiras, e estatais. Em ambos, grupos brasileiros competiam "pau a pau" com estrangeiros. Na siderurgia, brigavam entre si, na petroquímica, o sistema tripartite de alianças engendrado por Geisel, representou uma solução para manter o setor em mãos nacionais, mas gerou uma estrutura empresarial deformada que acabou por trazer, no longo prazo, mais dificuldades do que soluções. Na siderurgia, toda a fabricação de aços planos era dominada pelas estatais, com pequena participação estrangeira minoritária na Usiminas e na CST. Na de longos, brigavam privadas nacionais e estrangeiras, com participação pequena de estatais. Na petroquímica, as centrais de matérias-primas eram quase que totalmente de nacionais, com controle da Petrobras, à exceção da Copene, cujo controle foi privatizado por Geisel, através do bloco de controle representado pela holding Norquisa. A maior parte da chamada segunda geração era constituída de empresas originalmente tripartite, Petroquisa, empresário nacional e estrangeiro fornecedor de tecnologia. Esse último vinha retraindo sua participação, salvo poucas exceções como a da Dow e da Carbide, hoje uma só empresa, e da Shell, depois Basell, que mais tarde acabou vendendo sua participação paritária no polipropileno para o sócio nacional, a Suzano. Praticamente todos os demais players estrangeiros que participaram da implantação da petroquímica brasileira, teriam interesse, se houvesse oportunidade, de debandar, durante o processo de privatização.

O grande contraste entre os dois setores era o fato de que, enquanto a siderurgia brasileira sempre foi internacionalmente competitiva, em função da excelente qualidade e abundância de matérias-primas baratas, a petroquímica sempre dependeu de algum grau de proteção, exatamente pelo quadro medíocre de disponibilidade de matérias-primas, nafta e gás natural, tanto em termos de custo quanto de disponibilidade.

As únicas coisas que faltavam à siderurgia brasileira para se consolidar como a mais competitiva do mundo, longe da segunda colocada, eram gestão privada, ou eficiência operacional, e custo de capital competitivo. Até mesmo a logística era razoavelmente apropriada. Eficiência operacional foi conquistada com a privatização. Custo de capital, não.

O custo de capital, além do componente de juros altos e risco-país, é severamente afetado por escala. Não escala operacional, porque as usinas de aços planos brasileiras têm dimensões aceitáveis em termos internacionais. O problema é a escala corporativa. Isoladamente, as usinas brasileiras constituem pigmeus corporativos quando comparadas às empresas européias e asiáticas.

As privatizações européias respeitaram essa condição. Os ingleses jamais pensaram em vender isoladamente as usinas da British Steel. Os franceses uniram a Usinor e a Sacilor para privatizar um bloco siderúrgico único. Os espanhóis, que não tinham como, sozinhos, ter escala, procuraram, modestamente, dentro de suas limitações naturais, fazer o mesmo, e incorporaram a Aceralia ao conglomerado europeu (francês, belgo-luxemburguês e espanhol) que passou a se denominar Arcelor. Nos anos que se seguiram às privatizações européias, o processo de fusões prosseguiu. Da Usinor-Sacilor, surgiu a Arcelor, que se tornou a maior empresa siderúrgica do mundo, pela fusão com a Arbed e a Aceralia. Da British Steel surgiu a Corus, pela fusão com a holandesa Hoogovens, gigante de 15 milhões de toneladas. De pés de barro, mas gigante ... A lógica irretocável dessas movidas européias são difíceis de enxergar hoje, já que, de lá para cá, a siderurgia mundial mudou inteiramente de feição, tendo seguido num processo acelerado de concentração. A Arcelor, hoje, é parte da Arcelor-Mittal, absorvida que foi pela gigante emergente construída em poucos anos pelo empresário indiano Lakshmi Mittal, ao passo que a Corus foi comprada pelo grupo indiano Tata.

Toda a siderurgia brasileira tinha capacidade de produção de cerca de 28 milhões de toneladas, das quais as usinas subordinadas à holding Siderbrás (CSN, Usiminas, Cosipa, Açominas, e CST), mais a Acesita, deviam ser responsáveis por cerca de 20 milhões. Ao invés de vender cada uma dessas empresas separadamente, o governo deveria tê-las grupado em conjuntos, com o máximo de sinergias possível (por exemplo, Usiminas+Cosipa+CST, e CSN+Açominas+Acesita), cada um com cerca de 10 milhões de toneladas de capacidade de produção, e vendido seu capital paulatinamente, de forma pulverizada, no mercado, depois de entregar a gestão a diretorias profissionais, sem nenhuma interferência política, de preferência, escolhidas por head-hunters especialmente contratados para essa finalidade, para demonstrar isenção e firmeza na decisão de entrega da gestão a profissionais. A oportunidade, no governo Collor, era excelente, pois, à época, contava-se com o maior estoque de moeda podre jamais acumulado, os cruzados bloqueados, cujo retorno, no início, era muito duvidoso. O governo poderia liberar os cruzados para a compra de ações das empresas a serem privatizadas, diretamente ou através de fundos criados especialmente para isso, o que geraria uma profunda pulverização do capital das mesmas, e, ao mesmo tempo, criado um sistema de governança exemplar, e regras para evitar o takeover posterior das empresas. O resultado seriam empresas capitalizadas, sem grupo controlador, sem conflitos de interesse na gestão, e com porte internacional. Altamente competitivas, portanto.

Ao invés disso, a primeira operação (o leilão da Usiminas) veio a ocorrer a dois meses do inicio da liberação dos cruzados, e quando já não restavam dúvidas de que a devolução seria feita. Essa demora ocorreu em função da discussão prolongada sobre o formato que o programa de privatização deveria tomar, o que acabou gerando um "nada", um programa vazio, sem nenhum ponto positivo que justificasse a perda de tempo. Assim, perdeu-se a oportunidade de inaugurar a execução do PND atingindo os dois objetivos importantes de democratizar a propriedade do capital das empresas e incrementar de forma relevante a liquidez das bolsas brasileiras. Perdeu-se também a oportunidade de gerar empresas de porte internacional e com grande capacidade de alavancar recursos no mercado de capitais.

No restante da gestão Collor, e nos governos subseqüentes, o BNDES completou a venda da siderurgia, que foi totalmente adquirida por grupos de grande agilidade, constituído de bancos, além de fundações de seguridade de empresas estatais, detentores de grandes lotes de moedas podres, que vislumbraram a oportunidade de um substancial ganho patrimonial. Os grupos siderúrgicos privados praticamente não participaram da venda da grande siderurgia estatal. Alguns desses compradores aguardaram apenas a valorização dos ativos adquiridos para vendê-los com a realização de lucros substanciais.

O produto final da privatização das estatais de aços planos, da Açominas e da Acesita, foi um setor com problemas de governança corporativa, com participações cruzadas concentradas principalmente na mão de bancos, como Bozzano, Bradesco, Econômico e Bamerindus, a maioria dos quais já não existe mais por venda ou liquidação, da Vale, ainda estatal na época, e de fundações de seguridade, sem lógica empresarial, e "recheados" de fragilidades e conflitos de interesse, e controlados por acionistas não comprometidos com as perspectivas de longos prazos das empresas. Os resultados são conhecidos: a crise financeira da Acesita, e a conseqüente desnacionalização de seu controle, e, posteriormente, do controle da CST, promovida pela Vale, e uma "quase" desnacionalização do controle da CSN, que chegou a estar vendida para a ARBED, tendo sido resgatada por uma tímida intervenção do governo, temeroso da repercussão negativa que a consumação do fato traria.

Da mesma forma, a petroquímica poderia ter sido privatizada de forma inteiramente diferente.

O reconhecimento do equívoco cometido: necessidade de reestruturação

Em função da inadequada configuração da siderurgia e da petroquímica brasileiras, resultantes do açodado e inepto processo de privatização, o próprio BNDES, co-autor, senão principal agente da façanha, já sob nova administração, passou, a partir dos anos de 1999 e 2000, a tentar induzir os atores a empreender um processo de reestruturação envolvendo troca de posições acionárias, fusões e associações, capazes de aumentar a competitividade dos setores, uma espécie de "modelagem" tardia, reconhecimento tácito da inadequação do modelo de venda adotado.

Na siderurgia, tal reestruturação ("apelidada" de "descruzamento de participações") não chegou a ser feita ou completada, pela superveniência das desnacionalizações citadas.

Na petroquímica a chance era maior: o fantasma da desnacionalização estava mais ou menos afastado, e os grupos nacionais resultantes da privatização, excessivamente endividados, com a situação financeira agravada a partir de 99 pela desvalorização do real, e com geração de caixa insuficiente para as expansões necessárias, recorriam insistentemente ao banco para a obtenção de socorro para o saneamento de seus passivos. Era licito, portanto, ao BNDES, até mesmo para proteger seus créditos, exigir que os grupos se rearranjassem de forma mais racional, através de um conjunto de operações de venda, associações, fusões e alianças.

Em resumo, pelo menos na petroquímica, o BNDES teve a oportunidade de purgar suas culpas e corrigir as anomalias do modelo tripartite, agravadas na privatização, redesenhando inteiramente o setor.

O momento ideal teria sido a privatização: caso houvesse sido realizada dez anos antes, os efeitos positivos teriam sido sentidos fortemente na economia, através de expansão mais intensa da capacidade produtiva, com conseqüente melhoria do balanço de pagamentos do setor.

Em todo o caso, no caso da petroquímica, o redesenho tardio ainda era capaz de "quebrar um galho".

O pecado original do BNDES foi o de se recusar a modelar os setores, promovendo o nascimento de empresas de porte e internacionalmente competitivas como corporações, e não meramente eficientes como unidades produtivas, e com capital pulverizado, aumentando a capitalização dos mercados de capitais. E isso fica claramente demonstrado quando o banco, promotor desse descalabro, passa a admitir publicamente a necessidade de remodelar os dois setores, o chamado "descruzamento" de participações na siderurgia, e a chamada "verticalização" e "agrupamento" na petroquímica. Uma espécie de confissão das besteiras que fizera poucos anos antes. Essa proposta de "modelagem tardia" mostra quanto tempo se perdeu, e quanto que teria sido importante promover a um grupamento racional das empresas na época da venda.

A reestruturação na petroquímica

A reestruturação acabou acontecendo na petroquímica, com tímida e secundária participação do BNDES.

Em 1999, o Banco Central decidiu vender o lote de controle da Copene, como parte do processo de liquidação do Banco Econômico. Juntamente com o BNDES (gestão Calabi), e com o Ultra, desenvolveu-se uma modelagem que permitiria a futura verticalização, pelo menos parcial, da central baiana, e com isso, a correção da principal distorção do setor.

O BNDES passou, então, a apoiar o grupo Ultra para a aquisição dos ativos petroquímicos da Conepar (grupo Econômico), posto à venda pelo Banco Central, juntamente com os ativos baianos dos grupos Odebrecht e Mariani. É que, com a compra desses ativos, o Ultra (o maior consumidor individual de eteno no pólo do nordeste através da Oxiteno Nordeste) passaria a controlar a Norquisa, e, conseqüentemente, a Copene, e se comprometia a implementar a verticalização da central, incorporando as unidades de segunda geração que passaria a controlar (a Oxiteno Nordeste, a Polialden, além das plantas de segunda geração dos grupos vendedores, Odebrecht e Mariani). A solução era atraente, por ser o grupo Ultra o mais bem administrado dos grupos nacionais privados da petroquímica e por ter a tradição de respeito aos acionistas minoritários e manutenção de bons padrões de governança corporativa.

No entanto, excessivamente confiante, e se considerando sozinho no páreo com o recuo da Dow na primeira tentativa de leilão (nenhum outro grupo estrangeiro havia se "assanhado", Unipar, Suzano e Ipiranga não tinham "apetite" nem ousadia para um passo dessa magnitude, e Odebrecht e Mariani encontravam-se na ponta de venda, juntamente com os ativos da massa falida do Banco Econômico), passou a exercer excessiva pressão sobre o Banco Central no sentido de obter preço mais favorável. Como conseqüência, após duas tentativas frustradas de venda, os grupos Odebrecht e Mariani conseguiram apoio financeiro e passaram de vendedores a compradores, arrematando, na terceira tentativa de leilão, os ativos da Conepar.

Uma anotação importante: o grupo Odebrecht havia sido o grande inspirador da forma inepta de privatização da petroquímica, que gerou um setor horizontalizado. Isso porque, com a ousadia que sempre caracterizou sua atuação, pretendia adquirir parte substancial da segunda geração da petroquímica brasileira, e, consciente de que não teria alcance financeiro, à época das privatizações, para adquirir as centrais, optou pelo modelo de tornar essas empresas "centros" de fornecimento de matérias-primas, sem nenhuma autonomia empresarial, e a preços favorecidos. "Inventou", então, a teoria do grande fabricante horizontalizado de resinas: insistia que uma grande produtora de termoplásticos horizontalizada era viável e seria competitiva e capaz de manter o esforço de investimento necessário para desenvolvimento de tecnologia própria. Os exemplos internacionais em contrário eram veementes. Não só não existiam grupos que não fossem verticalizados pelo menos até a central de matérias-primas (com a única exceção do grupo Solvay, o menor e menos eficiente dos global players dos termoplásticos à época), como um grande processo de fusões estava gerando grupos cada vez maiores e mais verticalizados, como a Basell (fusão de ativos da Basf e da Montell, esta última, uma fusão dos ativos de polipropileno da Shell e da Himont, por sua vez, uma joint venture entre Hercules e Montedison).

Não por convicção, portanto, mas por ser inevitável diante do endividamento do grupo Odebrecht, e por imposição dos bancos financiadores, interessados na liquidez de seus créditos, e, conseqüentemente, na geração de caixa da empresa resultante, o grupo Odebrecht, contrariando o que sempre fora sua posição oficial, se dispôs verticalizar a Copene, rebatizada de Braskem, processo até hoje em curso, em ritmo lento.

Recentemente, a Braskem se associou ao Ultra e à Petrobras, para adquirir o grupo Ipiranga, passando a Copesul a ser incorporada pela Braskem, resultando na formação de uma petroquímica de grande porte e crescentemente verticalizada, entre as dez maiores da América em termos de capacidade de produção de resinas.

Mais recentemente, ainda, o grupo Suzano não resistiu a uma proposta irrecusável da Petrobras, vendendo todos seus ativos petroquímicos à estatal, que passou, junto com o BNDES, a controlar a Rio Polímeros.

A Petrobras, impedida de controlar novos ativos petroquímicos, promoveu uma engenharia financeira unindo a PQU e a Rio-Polímeros debaixo de uma única holding (Quattor), criando a segunda empresa petroquímica de porte internacional, controlada pela Unipar.

Por "linhas tortas", portanto, a "modelagem" que o BNDES deveria ter implementado na privatização, começou a ser feita dez anos depois, e com participação passiva e residual do banco.

Além das duas grandes empresas, Braskem e Quattor, cada uma delas com produção entre dois e quatro milhões de toneladas anuais de eteno equivalente, resta o grupo Ultra, maior produtor de óxido de eteno do Brasil e do hemisfério sul, e algumas unidades isoladas de grupos nacionais e estrangeiros, como a Dow, a Basf, e a Solvay.

O Comperj: novos equívocos "ideológicos"

A idéia do Comperj nasceu do grupo "perdedor" do leilão do lote de controle da Copene, o grupo Ultra, que era, sem favor algum, um dos mais bem administrados dos antigos grupos formados pelo modelo tripartite. Apesar de alguns insucessos iniciais, como o projeto de fabricação de melamina na Bahia, na década de 70, jamais deixou de investir em tecnologia, e de procurar um "perfil" adequado para as condições da petroquímica da época. Particularmente, sempre acreditou que a verticalização era desejável, e que algum tipo de parceria com a Petrobras, virtual monopolista no fornecimento das matérias-primas, era, senão inevitável, pelo menos recomendável.

Era claro que a rota mais interessante para o país para a expansão petroquímica era a de maximizar o refino de óleos pesados, abundantes no país, não utilizáveis pelo parque de refino nacional, e fortemente penalizados na exportação, e integrar o refino com a petroquímica.

Assim, a inteligente proposta era a de construir uma refinaria química, que nada mais é do que uma refinaria que maximiza a produção de olefinas leves, integrada a unidades de produção de petroquímicos. Consistiria de uma central de refino e craqueamento do petróleo pesado do campo de Marlin, na Bacia de Campos, através de uma empresa controlada por Ultra e Petrobras, com todas as unidades de segunda geração integradas.

A integração entre refino e petroquímica tem sido um tema recorrente nas últimas décadas, pela tendência à diminuição relativa de oferta de nafta petroquímica em função do aumento da participação de petróleo pesado na produção mundial. As vantagens da integração refino-petroquímica são inúmeras, como ganhos de escala, maior flexibilidade operacional, otimização de processos, otimização do mix de produção, com derivados mais nobres, e economias logísticas (transporte e armazenamento).

O problema tecnológico das refinarias químicas é o de maximizar a obtenção de frações leves a partir de óleo pesado. Uma das tecnologias mais usadas é o craqueamento catalítico fluido, que permite a produção de, principalmente, propeno e eteno, a partir das frações residuais do refino. Essas unidades, conhecidas como FCC Petroquímico, têm o mesmo perfil de uma unidade de FCC convencional, presente na maior parte das refinarias, mas operam em condições muito mais severas de craqueamento.

Quando a idéia foi lançada havia poucos licenciadores de tecnologia, mas hoje, algumas grandes empresas de petróleo e quase todos os detentores de tecnologia de FCC oferecem FCCs Petroquímicos, como as petrolíferas Indian Oil e Sinopec, e as licenciadoras Kellog Brown and Root, UOP LLC, ABB Lummus, e Stone&Webster. As mais antigas e mais largamente utilizadas são as tecnologias da Sinopec, com cinco DCC (Deep Catalytic Cracking) na China e uma na Tailândia, e uma CPP (Catalytic Pyrolysis Process), uma evolução do DCC, na refinaria de Daquing, na China. O CENPES da Petrobras também desenvolveu um sistema inovador de FCC Petroquímico, considerado um dos mais avançados dentre os disponíveis comercialmente, e o primeiro a utilizar carga pesada proveniente de petróleo com características naftênico-aromáticas. Além disso, o CENPES desenvolveu, em parceria com a americana Albemarle e a FCC-Fábrica Carioca de Catalizadores (50% Petrobras + 50% ex-Ultra, hoje Albemarle), o sistema catalítico a ser usado na planta de FCC do Comperj.

Os desencontros do Ultra com a Petrobras começaram cedo. A proposta inicial do Ultra era a de desenvolver um projeto menor, focado na produção de eteno para produção de óxido de eteno. Além de ampliar o escopo do projeto, e a capacidade de produção de eteno e propeno, que passaria a atender outros produtores de termoplásticos, a Petrobras resolveu adotar a tecnologia de FCC Petroquímico do CENPES. Por tudo isso, o orçamento de investimentos do projeto quase triplicou, passando de US$ 3 para 8,5 bilhões.

O rumo dado pela Petrobras ao Comperj desagradou o Ultra, que resolveu abandonar a idéia de um complexo integrado, e se concentrar em uma das unidades de segunda geração, para produção de óxido de eteno.

Na evolução do projeto foram empresarialmente separadas as unidades de produção, passando o pólo, de uma unidade empresarialmente integrada, a ter o perfil tradicional dos pólos petroquímicos brasileiros, com uma central e diversas unidades de segunda geração separadas. Ou seja, o velho modelo desintegrado gerado pelo modelo tripartite e consagrado pelas privatizações.

A única inovação, importante, sem dúvida, pelas economias logísticas e de custos fixos resultantes, é que se juntam na mesma área industrial, a refinaria, a central petroquímica, a segunda geração, e com a possibilidade de se agregarem no mesmo site, empresas de terceira geração.

Mas a idéia da integração vertical foi abandonada.

Desenvolvimentos mais recentes: entendimentos entre Braskem e Quattor

O viés ideológico de que a Petrobras não pode voltar à petroquímica, porque isso representaria um retorno da estatização, introduz sérias distorções na petroquímica brasileira.

Quando a empresa adquiriu os ativos petroquímicos do grupo Suzano, é óbvio, por mais que a empresa e o governo procurassem negar, havia a idéia da volta da Petrobras à petroquímica, passando a controlar a Rio Polímeros, além de aumentar sua participação na PQU.

Uma pretensão mais do que justa para qualquer petroleira de grande porte em qualquer país do mundo ... mas não, por motivos ideológicos, para a Petrobras. Prevaleceu a regra não escrita de que a Petrobras deveria se abster de controlar petroquímicas de porte.

Diante disso, o grupo Unipar assumiu o controle em ações com direito a voto, ficando a Petrobras como sócia importantíssima, mas minoritária, mas para tal, teve fazer um aporte em moeda capaz de equilibrar os valores dos ativos envolvidos.

O grupo tem, historicamente, uma limitação: a dificuldade de se capitalizar por oferta pública de ações, pois a diluição do lote de controle colocaria os majoritários ante o risco de um takeover hostil.

Assim, o aporte foi feito com endividamento, o que, ante uma conjuntura desfavorável do mercado petroquímico, decorrente da crise internacional, tornou recomendável a busca de alternativas.

A alternativa mais óbvia é a de uma fusão com a Braskem. A operação, no entanto, dificilmente seria aprovada pelos órgãos defesa da concorrência. É que a empresa resultante teria o virtual monopólio das duas resinas mais importantes, polietileno e polipropileno, além da posição dominante que a Braskem já detém hoje no PVC.

O argumento de que a indústria petroquímica é regida por preços internacionais e sofreria competição de produtos importados dificilmente seria aceito para fazer com que os órgãos de defesa da concorrência admitam um grau de concentração dessa ordem. Até porque o comportamento tradicional do grupo Odebrecht não o recomenda, haja visto, por exemplo os preços do eteno inteiramente desvinculados da realidade internacional, praticados por sua inspiração pela PQU, durante os primeiros anos pós-privatização.

O velho argumento da formação de um gigante brasileiro não vale desta vez, porque há uma alternativa óbvia: duas "campeãs".

Uma nova estrutura

Desde o início de seu primeiro mandato, Lula se deixou acuar pelo patrulhamento ideológico do "não retorno" à estatização. Isso fez com que empresas estatais competentes e capitalizadas deixassem de desenvolver projetos de interesse para o país.

No entanto, ainda assim fez algumas movidas interessantes em desafio aberto ao patrulhamento. Valeu-se, para isso, do clima criado após a eclosão da crise internacional, quando o "novo protagonismo" dos governos eclodiu em todo o mundo. Os exemplos mais claros foram a autorização para que o Banco do Brasil partisse para uma agressiva corrida de expansão através da aquisições, e a criação da "Super Eletrobrás", autorizada a participar de projetos de geração. Neste último caso, depois de um "fogo cerrado" dos críticos de sempre, o governo desmentiu que a empresa vá fazer investimentos como controladora, a não ser em países vizinhos. Mas é óbvio que em havendo oportunidade (falta de interesse de grupos privados, investimentos para suprir sistemas isolados etc), a empresa fará investimentos também no mercado brasileiro.

A petroquímica pode ser um terceiro exemplo de quebra da absurda regra que "castra" as empresas estatais, ainda que competentes e lucrativas, e não dependentes do Tesouro, que é a virtual proibição de que se expandam, característica atávica e questão de sobrevivência de qualquer empresa, no longo prazo, no capitalismo globalizado.

Está no DNA da Petrobras, participar ativamente do setor petroquímico. É uma das poucas empresas petrolíferas consideradas "majors" excluída (ou pelo menos com participação tímida e "envergonhada") da participação direta no setor, afim ao seu "core business".

O setor petroquímico ficaria melhor se a Petrobras, ao invés da Braskem, adquirisse a participação da Unipar na Quattor, fundindo essa empresa com o Comperj, formando um grupo petroquímico quase do porte da Braskem.

Evitar-se-ia uma situação monopolista, e devolver-se-ia à Petrobras, hoje uma das empresas mais inovadoras do mundo no setor, o direito de otimizar suas correntes de derivados.

Evidentemente, uma operação como essa, teria que ser complementada por um acordo rigoroso com a Braskem, que garantisse inteiramente o suprimento de nafta por parte da Petrobras, em condições justas previamente fixadas. Além disso, seria inevitável, a saída da Petrobras do capital da Braskem, preferencialmente com a venda das ações em bolsa.

À Braskem, empresa competente, inovadora e capitalizada, restaria, para satisfazer seu "instinto animal" de crescimento, procurar expansões de outra ordem. Por exemplo, porque não tentar comprar a Oxiteno, do grupo Ultra, ingressando ativamente no mercado de óxido de eteno, também como monopolista, como é do seu agrado. O Ultra tem diversificado para outros setores, como o de distribuição de derivados, pode se emocionar, ante uma boa e tentadora proposta, a se desfazer da Oxiteno, uma "jóia" de seu portfólio, mas que representa hoje menos de 10% de seu EBITDA, e tem no suprimento de matéria-prima, um ponto fraco. Outro ativo interessante seria a aquisição da central da Dow em Bahia Blanca, que a Odebrecht, via Copesul, lamentavelmente perdeu em 1995. A Dow anda meio desanimada com seus ativos na América do Sul, e, da mesma forma que o Ultra, pode aceitar uma proposta atraente. Porque não entrar na exploração de petróleo? Porque não começar a pensar em montar sua própria refinaria, para garantir suprimento próprio de nafta? Porque não expandir no exterior, por exemplo, no mercado norte-americano, onde certamente haverá ativos interessantes a preços convidativos em função da crise. Enfim, há muitos projetos que podem vir a ser interessantes para a Braskem, que não o de se tornar monopolista no mercado brasileiro, das principais resinas termoplásticas.