A perspectiva historicista da existência humana na filosofia de Dilthey.

O presente artigo tem como objetivo buscar uma compreensão do valor e do significado no uso do conceito de mundividência na filosofia da vida de Dilthey . Tal intento deriva da preocupação acerca do problema da vida ser abordado de modo histórico na filosofia, a partir das concepções do mundo desenvolvidas ao longo curso da história humana; as mundividências diferenciam-se por possuírem disposições vitais que remetem a condições peculiares da existência do homem e do mundo, tanto na estrutura como nas conexões das concepções do mundo frente à diversidade da vida. Religião, arte e metafísica são tratadas como produtos genuínos das manifestações humanas, através de um método comparativo histórico e psicológico, que para Dilthey, resulta na busca de superar os conflitos entre as mundividências e a consciência histórica face ao problema da vida.
Desde tempos remotos, o homem busca dar respostas a questões que coloca acerca da sua própria existência, daquilo que o rodeia. A se ver perante esta situação, procura de maneira incessante solucionar o dilema de saber o que constitui fundamentalmente sua vida. Então, na esteira de Dilthey, nos deparamos com conflitos emergentes na comparação das concepções do mundo, que se ocupam em determinar o conteúdo fundamental constitutivo da vida, principalmente com o propósito de definir a "verdadeira" natureza humana. Porém, o fato é que as diversas mundividências vivem em conflito, no que diz respeito à procedência dos pressupostos que definem como ponto de apoio para se pensar a vida. No processo de comparação das mundividências, segundo Dilthey, se torna insolúvel resolver os conflitos existentes no terreno onde foram geradas; porque a contradição entre as concepções da vida e do mundo e a consciência histórica, impossibilita a pretensão de validade universal das mundividências. Pois a idéia de desenvolvimento da vida diminuiu a firmeza de validade absoluta de um tipo "homem", idêntico a si mesmo, que apreende toda a multiplicidade das formas de vida.
O papel do espírito humano enquanto consciência histórica demarca o âmbito da análise que Dilthey realiza, já que o ceticismo característico no decorrer da história da filosofia gera a mudança constante de sistemas. Além da metafísica, a religião e a arte ocupam também seus lugares no desenvolvimento das imagens do mundo, tais fenômenos contêm referências necessárias das vertentes da existência humana. Portanto, a vida tem na sua constituição íntima características da religião, da arte e da metafísica como suporte das mundividências, e por isso, o caminho que Dilthey percorre para resolver as contradições que brotam desta relação, surge do procedimento de análise heurística do complexo anímico (complexão vital) universal (vital) que é a vida.
A filosofia deve converter em objeto de auto-reflexão suas concepções e ideais, ao considerar sua história frente ao desenvolvimento da vida, portanto, consiste em tomar consciência da articulação da multiplicidade de seus sistemas com a vida. Para Dilthey, a realidade da vida humana é uma teia tecida pelas concepções do mundo, onde por trás da luta entre as mesmas reside a vida em que se encontram radicadas. Por essa razão, somente através da consciência histórica a filosofia pode superar os conflitos que brotam das imagens construídas do mundo. Em tal perspectiva nota-se o caráter simbólico que apresenta a vida em relação ao mundo nela posto, no entanto, cabe apontar em que consiste a mudança operante das mundividências. Com isso, Dilthey propõe uma fundamentação da crítica histórica no campo da filosofia, apesar das complexões de ânimo da religião e da arte influenciarem a estrutura vital da metafísica. Quanto ao monopólio da verdade no saber sobre a vida e o mundo, Dilthey objeta o seguinte:
"Estes sacerdotes de qualquer metafísica desconhecem de todo a origem subjetiva, temporal e localmente condicionada de cada sistema metafísico. Com efeito, tudo o que se funda na constituição anímica da pessoa, quer seja a religião, a arte ou a metafísica, debate-se em vão com a pretensão de validade objetiva. A história universal enquanto juízo universal demonstra que todo o sistema metafísico é relativo, transitório e passageiro". (ver, p-28)

A idéia de desenvolvimento da vida aplicada à análise do homem, implica na dissolução do clássico pressuposto do tipo "homem" no processo da história. Isto quer dizer que religião, arte e metafísica estão condicionadas pela posição da consciência diante da história universal da vida humana? Ora, para Dilthey, a história acaba por torna fato o arcabouço conceptual dos sistemas, os símbolos da religião e da arte, e, consequentemente, promove a secularização das manifestações do espírito humano. A tarefa da consciência histórica consiste em alargar o horizonte da análise sobre o espírito humano, ao buscar compreender a relação dialética entre religião, arte e metafísica, tanto entre si como no interior das mesmas, por meio da correspondência destas atividades que definem visões do mundo, e que se encontram inseridas no todo da vida.
Do ponto de vista psicológico, a consciência sempre encontra diante de si o mundo exterior a qual se relaciona. As condições desta relação repercutem na atitude da vontade humana, pois esta última encontra-se ligada à multiplicidade sensível. O desenvolvimento da vida psíquica se realiza através das conexões do Si mesmo com as representações do mundo (imagens que ganham autonomia como mundividência), contudo, não somente o mundo exterior é objeto da consciência, já que o mesmo sujeito que representa o mundo exterior é objeto do ato de representar. Logo, compreender a consciência como algo que constrói a imagem do mundo, implica em verificar que as mundividências ganham objetividade, somente a partir do nexo ou da resistência entre sentimentos e impulsos da vida anímica com os valores do mundo, a cultura e a civilização. Dilthey define esta tensão de forças que permeia o todo da vida da seguinte maneira:
"Assim como nada sabemos de uma situação espacial que existiria antes da multiplicidade sensível, ou de uma faculdade de ver "azul" antes das afecções, e a estrutura, pelo contrário, se converte em sensação só no estimulo, a natureza da diversidade dos estímulos na vista e no tato só aparece como espacialidade, assim também o sentimento como o impulso só surge com o outro em cuja urdidura aparecem: nada sabemos da estrutura da vida impulsiva antes da multiplicidade dos estímulos; ocorrem ao mesmo tempo. E, por isso, há sempre também conjuntamente multiplicidade sensitiva e realidade sentida, sentimento e valor afetivo do determinante, impulso e objeto do impulso". (ver, p-35)

Assim, a vontade de representar o mundo está para o sentimento, na medida em que a consciência busca determinar o conteúdo que está para a vontade. A essa relação, Dilthey denomina auto-reflexão, pois o todo da vida se realiza efetivamente como imagem do mundo por intermédio da vontade consciente de algo, a intencionalidade, quer seja religiosa, artística ou metafísica. Assim, a vontade se transforma em valor do conhecimento, já que a vida do ser pensante não se separa da vida anímica do ser que sente, ela está radicada nessa complexão vital . Por esta razão, temos uma noção totalizante da vida que não comporta do ponto de vista lógico os conflitos entre as concepções do mundo e a consciência histórica.
A imagem do mundo efetiva-se para o espírito humano, por mais que não seja permanente o substrato de suas vivências. Pois, existe uma relevante diferença no desenvolvimento das concepções do mundo, mas cada uma representa de maneira peculiar sua relação com a vida. A religião aponta como fenômeno da vida dentre as outras mundividências, devido ao homem sentir a necessidade de regular interiormente as disposições anímicas do impulso e da afetividade. O processo consiste em alcançar o que Dilthey designa como a beatitude do ânimo, a partir de um rebaixamento da existência sensível; o mundo nesta concepção passa a ser compreendido como ascensão ao divino, mas, o que acontece a consciência neste processo que representa sempre a partir de símbolos? O intuito da mundividência religiosa funda-se na conexão do sentimento do inapreensível ou indominável com a exteriorização das representações religiosas. Neste caso, se destaca o símbolo do culto nas diversas religiões como referência vital e principal para se elevar ao patamar da perfeição. O fato interessante corresponde à existência de diversas representações míticas sobre a origem da vida, contidas nas religiões, seja o islamismo, judaísmo, ou mesmo em outras religiões. O ponto central desta distinção surge do desenvolvimento da vida e das imagens do mundo, expresso pela expansão do horizonte vital do homem. Esta passagem explicita melhor a questão da religiosidade:
"A realidade independente aparecerá de modo mais enérgico numa figura sensível; por isso, todo ser divino é um símbolo e, claro está, suporte subjetivado de efeitos. A propensão para a personificação é, pois, inseparável do processo fantástico da religiosidade". (ver, p-50)

No caso da arte, entendida como fenômeno da vida, se encontra também uma concepção do mundo peculiar a sua estrutura simbólica. Dilthey destaca a poesia dentre as manifestações artísticas, por confluir outras formas de arte, tanto a linguagem, os gestos, os cantos, etc., mas, o que faz a arte expressar uma concepção do mundo? Na arte também é realçado o caráter típico de sua singularidade, já que o artista vê na fantasia algo que surge como símbolo da realidade. Contudo, o poder de representação da obra de arte confere sentido ao conteúdo da vida, quando se expõe as referências vitais da relação da obra com a mundividência do artista.
A arte possui em cada época propriedades singulares que constroem imagens do mundo, assim como a religião. Mas, é possível que haja também na metafísica um nexo entre suas mundividências e o complexo vital? De início, percebemos que distintas concepções vivem em conflitos, sendo que a auto-reflexão mostrou a historicidade a qual estão mergulhadas; mas, o trágico do problema resulta na impossibilidade de determinar o conteúdo da vida a partir de uma substância imutável e incorruptível. Porque, sendo a vida para Dilthey compreendida como realidade onde radicam as mundividências, torna-se inviável partir de uma relação de identidade lógica do pensamento para definir o mundo e a própria vida, na qual se encontra inserida a mundividência metafísica. Pois como posso atribuir qualidades permanentes a algo que é puro devir? Ao contrário da religião e da arte, a filosofia encerra a representação do mundo a partir de conceitos, que pressupõe comportar o todo da vida. Logo, o que dota de unidade sua imagem do mundo é a conexão lógica dada pela sistemática filosófica.
Mas, já vimos que o ceticismo não salvaguarda a pretensão de validade universal dos sistemas metafísicos, no entanto, como se processa na metafísica a representação conceptual do mundo? A comparação apresentada por Dilthey para a reflexão dos tipos de mundividências no interior da metafísica, tem como enfoque a intenção levada adiante pela metafísica de determinar o conteúdo fundamental da vida. O que singulariza o propósito da metafísica em relação à construção da imagem do mundo, consiste em que a mesma está imersa na própria vida, seja através como expressa o materialismo, o monismo, o racionalismo, etc.; pois, apesar de cada sistema possuir certa autonomia, os mesmos se encontram intimamente ligados por uma relação de parentesco. Esta relação Dilthey define como princípio de progressão dos conceitos, e diz ainda:
"Depreende-se daqui que tem um lugar no tempo uma evolução legal das estruturas das concepções da vida e do mundo dos sistemas que as fixam em conceitos, se se entende, antes de mais nada, de um modo inteiramente formal a esta estrutura". (ver, p-61)

Contudo, como nos diz Dilthey, "... há sempre muros que nos limitam", pois o que impede a validade universal das concepções do mundo surge justamente da historicidade da consciência humana. A irrupção da consciência histórica se mostra fundamental, primeiro na pretensão de encontrar uma conexão interna das concepções do mundo na metafísica; e segundo, depois de realizada à comparação, estabelecer os elos essenciais de parentesco entre as mundividências na metafísica. Por trás da luta entre as mundividências na metafísica, existe como suporte pressupostos e fins que formam sua estrutura, e que encerram o ponto de partida para a construção da imagem do mundo. No entanto, a progressão do Si mesmo não consiste na posição ideal dos sistemas de aproximação de um conhecimento absoluto da vida, nem mesmo da definição empírica de caráter acidental ou composta do mundo. Porque a vida não existe sem objetividade, isto é, sem o que existe exterior ao Si mesmo, pois vive em mútua relação com a realidade exterior. O ato volitivo de "a consciência" representar o mundo, situa-se sempre como condicionado por um mundo exterior que é correspondente à vitalidade. A isto, Dilthey define como invenção, o avanço do espírito humano que toma consciência dos seus próprios atos:
"Chamamos invenção ao ato que é consciente do arbítrio do próprio fazer. A questão é, portanto, em que grau colaboram nestes processos primários a invenção. (ver, p-...)

Os processos primários que Dilthey se refere, fazem parte da composição estrutural das mundividências, seu problema principal é determinar os elos entre os atos primários que cooperam para a formação dos processos. O que acontece entre as mundividências segundo Dilthey, consiste na relação do interior com o exterior no domínio do todo plural da vida. Contudo, os processos primários que operam na arte e na religião, também influenciam as concepções metafísicas do mundo; porque a construção de imagens do mundo passa por metamorfoses, e assim alteram as relações entre as concepções do mundo. Por exemplo, a concepção platônica do mundo se distingue da cristã, por a própria evolução das concepções do mundo ser marcada pela subjetividade da consciência frente à diversidade da vida. A proposta de classificar em tipos as mundividências implica em refletir acerca do princípio de progressão dos conceitos, a partir de um substrato interno que possa assegurar a evolução das concepções do mundo.
A história evolutiva das visões da vida e do mundo surge a partir das mundividências elaboradas na arte e na religião. De inicio, ocorre o aprisionamento a uma visão natural do homem, que reside na representação sensível da sua existência. Mais adiante, surgem concepções marcadas por traços que procuram representar o que vai além do humano; uma imagem do mundo que busca não recorrer diretamente à fonte sensível, mas elevar a consciência humana através da sua relação com a divindade, assim fez a arte religiosa. Em seguida, na reflexão sobre a concepção do mundo dos povos orientais, se verifica como ponto capital da interpretação histórica a ascensão da técnica ético-religiosa. Este processo garante a resistência interior do sentimento vital a partir do culto simbólico da divindade superior, a intenção religiosa renuncia a votar-se ao seu destino externo e cria para si o destino interior.
Religião, arte e metafísica são entendidas como distintas formas de exteriorização das concepções do mundo, no entanto, para a última, somente o conceito define a unidade do todo da vida, e com isso, a metafísica se afasta nestas condições da dominação dos fundamentos da religiosidade. Os gregos são os encarregados de realizar a extraordinária façanha, pois conseguem se emancipar ao refletir sobre toda a vida anímica a partir dos fundamentos autônomos da metafísica. Os ideais de vida da metafísica resultam em realizar no mundo sensível o bem, o belo, o justo, que são idéias supremas; com isso, submetem as imagens do mundo às determinações metafísicas, sustentada pelos fundamentos da geometria, da astronomia, etc. A matemática emerge na reflexão metafísica, apoiada em imagens e fundamentos que direcionam objetivamente para se pensar a vida e o mundo, no entanto, surge entre esta concepção e a consciência histórica conflitos inevitáveis.
Adiante, os romanos nos deram uma imagem do mundo, fundada a partir da representação exterior da realidade da vida. A posição volitiva da concepção romana emana um tratamento naturalista dado à realidade, no qual prevalece à vontade transformadora sobre a natureza, onde a atitude da poesia romana representa o elo da diversidade da vida e do mundo com a expressão dos ideais desta mundividência. Além das mundividências aqui apresentadas, Dilthey discute acerca da mundividência da primitiva arte cristã, que no geral, se fundamenta nos símbolos que posteriormente irão servir de base para a formação do Cristianismo e institucionalização do Catolicismo, seus arquétipos essenciais são Jesus e Maria produzidos pela arte religiosa.
As referências vitais se convertem na possibilidade de emancipação das imagens do mundo, que em seguida se efetivam nos limites das concepções do catolicismo, da arte na Renascença, na reforma protestante que desprende em parte a consciência da hierarquia sacerdotal e a insere na liberdade pelo trabalho. No movimento da Contra-Reforma que busca retomar a dominação da imagem do mundo através dos fundamentos eclesiásticos da religião e da igreja católica.
Todas estas e outras posteriores manifestações do espírito humano conduzem a formação de uma estrutura única encadeada das mundividências, construída em torno dos valores e significados das mundividências. Todavia, as mesmas encerram antagonismos latentes, pois todas buscam determinar de modo permanente o conteúdo fundamental da vida; mas, o arcabouço simbólico ou conceptual das mundividências surge condicionado pela situação presente da consciência perante a história da existência humana. Em oposição a uma imagem estática do mundo, é preciso pensar o ser humano enquanto um devir do espírito. Porém, Dilthey ressalva que a própria idéia de desenvolvimento da vida aplicada pelo procedimento comparativo das mundividências emana contradições, apesar de não desencadear a exclusão lógica dos sistemas que se fundamentam no princípio da contradição. Não obstante, Dilthey aponta a seguinte solução para superar a contradição:
"A vida é pluralidade de aspectos, transição para opostos reais, lutas de forças. Esta realidade de nosso sentimento vital, expressa já no mito, encontra-se deformada e caricaturada no princípio da legitimidade lógica da contradição. Na vida, depara-se com o processo da diversificação, da diferenciação. Reduzimo-la, em última análise, a sujeito, a objeto, mas também isto é uma deformação intelectualista. Mas a vida, embora seja tudo isto, é ao mesmo tempo em si conexão. Não uma conexão que sai da tese e da antítese, da síntese, mas uma conexão originária". (ver, p-...).

O papel exercido pelas mundividências na história remonta a incansável necessidade de apreensão da realidade, de conhecer a si mesmo e o outro. No âmbito da filosofia da vida, este aspecto reside na conexão dos diversos meios de apreensão da pluralidade do vivente. Tanto o que existe fora, como o que existe dentro de nós faz voluntariamente o homem sentir a necessidade de saber o que é a vida. Por isso, temos que estar sempre em busca de compreender os "signos" que rondam a existência humana, tanto do mundo em que se encontra a vida do homem, como da vida do homem que produz o mundo. Portanto, a missão da consciência histórica que reflete as mundividências, carrega a marca da relação entre os componentes que encerram as circunstâncias do desenvolvimento da vida e sua correspondência com as mundividências. Não é nem um, nem o outro por si mesmo, que deve conferir sentido a existência humana, mas a confluência simultânea da vida e do mundo no processo da história, em contraposição a noção de unidade absoluta da vida.