A Mulher Prostituída: Um Estudo de Realidades e Sonhos em Três Atos

José Luiz de Araújo Júnior
Orientador: Prof. Obertal Xavier Ribeiro

Introdução

Ah, se isso é verdade, afaste-se de mim. Só posso oferecer amizade; não sei amar, nem poderia suportar um amor tão heróico.
Eu sou franca, ingênua; deve procurar outra; não será então difícil você se esquecer de mim (VERDI, 2007, p. 40).

C. , 36 anos, nome de guerra Paloma, apresenta-se para o trabalho devidamente caracterizada: roupas justas a fim de realçar suas formas, maquiagem à vontade, uma pequena bolsa a tiracolo, cabelos soltos ao vento, gestos espalhafatosos e uma tatuagem estrategicamente localizada acima do seio esquerdo:
[...] vi entre os simples, descobri entre os jovens um que era carecente de juízo, que ia e vinha pela rua junto à esquina da mulher estranha e seguia o caminho da sua casa, à tarde do dia, no crepúsculo, na escuridão da noite, nas trevas. Eis que a mulher lhe sai ao encontro, com vestes de prostituta e astuta de coração (grifo meu) (PROVÉRBIOS, cap. 7, vers. 7-10).

Prefere a noite, onde representa com maior desenvoltura seu papel. Qualquer um que a observe por alguns momentos é capaz de imaginar o que ela faz para sobreviver, a forma que encontrou para sustentar-se financeiramente, o que ultimamente se convencionou chamar de "trabalho sexual", conforme afirma FIGARI (2007, p. 360).
Entra a madrugada, amanhece novo dia, e Paloma vê-se de volta ao mundo real. Agora é ela quem representa o papel de C. As duas fundem-se e confundem-se em apenas uma mulher. O coletivo atrasa e ela teme não chegar à Praça XV a tempo de pegar o próximo ônibus que a levará à Niterói, cidade onde mora. Precisa estar em casa a tempo de dividir o café da manhã com sua filha, M., de 21 anos, estudante de Direito na UFF. Seu outro filho, J., de 16 anos, vive com o pai. C. vive com a mãe e a filha. Deseja tornar-se cabelereira, e para isso estuda aos sábados, além de fazer um "pé-de-meia" com o intuito de montar seu próprio salão. Queixa-se que já teve alguns relacionamentos, mas nenhum homem compreendia sua profissão. Seu maior sonho é "encontrar uma pessoa bacana quando deixar a vida".
C. e Paloma flutuam dentro desta metamorfose, trocando constantemente de papéis. Habitam um mundo muito particular, onde a certeza não existe. Agarram-se ao presente para preparar o improvável e distante futuro, temem que seu tempo passe depressa demais e carreguem seus sonhos com ele. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman assim apresenta esta existência:
[...] a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. As preocupações mais intensas e obstinadas que assombram esse tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, [...] perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar um caminho sem volta. [...] Entre as artes da vida líquido-moderna e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas tem prioridade sobre adquiri-las (2007, p. 8).

Tal como a "La Traviata" de Giuseppe Verdi, este estudo está dividido em 3 atos: preconceito, cofres e sonhos, e visa revelar que, apesar de viverem em uma sociedade "líquido-moderna" (BAUMAN, 2007), mulheres como Paloma, Kelly ou Carmem possuem dentro de si cofres muito bem trancados, onde guardam os segredos e os sonhos de C., R., ou M., respectivamente.

Objetivos

A ideia fundamental deste artigo partiu da insatisfação gerada após ouvir-se a ópera "La Traviata" (VERDI, 2007), e, ao aprofundar-se na leitura da obra, perceber que Violetta Valéry, aquela mulher que existia apenas nas páginas da ficção, guardava dentro de si algo mais que apenas a concubina que ela permitia-se manifestar. A partir das primeiras leituras de "A Poética do Espaço" (BACHELARD, 1974) e "Introdução à Metafísica" (BERGSON, 1974), ficaram evidentes os conceitos bachelardianos de "cofre" e bergsonianos de "conhecimento absoluto" respectivamente, inspirando assim um estudo mais apurado do universo das profissionais do sexo.
Apresentar-se-á aqui a relação entre a Filosofia e o trabalho sexual feminino realizado no Hotel Paris, localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro (Avenida Passos, n. 7), tomando como ponto de partida a obra literária "A Dama das Camélias" (DUMAS, 1951), ambientada na cidade de Paris, na França do século XIX, a qual serviu de inspiração à "La Traviata", mostrando como a religião, a ciência e a sociedade ajudaram a moldar o olhar preconceituoso lançado à primeira vista a estas trabalhadoras, esquecendo-se das mulheres que existem por trás dos nomes de guerra, suas intimidades e suas vidas fora do ambiente das ruas, incluindo aí a capacidade de sonhar.

Metodologia

De posse dos objetivos previamente definidos, escolheu-se a linha de pesquisa descritiva (GIL, 2002), articulando-se em seguida um formulário composto por 3 questões, semi-estruturado, aparentemente simples de responder: preconceito, cofre e sonhos . A partir daí teve início o estudo de campo , realizado durante os dias 8, 9 e 10 de Novembro do presente ano, no horário compreendido entre 23:00 e 02:00h, aproximadamente, valendo-se do método de pesquisa qualitativo, além de observação sistemática. Todo este procedimento envolveu, além do pesquisador, 10 mulheres, sendo todas profissionais do sexo, com idades variando entre 21 e 52 anos. Todas autorizaram em campo próprio a divulgação parcial ou integral das informações prestadas. Ainda assim, preferiu-se aqui citar seus nomes de batismo apenas pelas iniciais.
A instrumentação utilizada caracterizou-se basicamente pela capacidade de ouvir e pela atenção dedicada a cada uma das entrevistadas, além dos interesses filosófico e acadêmico gerados pelas primeiras leituras sobre o tema. Este comportamento por parte do entrevistador construiu um nível de confiança e segurança tal que permitiu, em uma via de mão dupla, a circulação tranquila de informações. Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, no próprio ambiente do Hotel Paris.
O fundamento teórico desponta principalmente em Henri Bergson, estimulando a busca pelo conhecimento absoluto, apresentado em sua obra como inalcançável, a não ser no campo metafísico (BERGSON, 1974); em Gaston Bachelard, cujo estudo sobre os móveis, especialmente o cofre (BACHELARD, 1974), motivou a compreensão de que algo mais havia naquelas mulheres, além do que elas ofereciam nas ruas; em Zygmunt Bauman e em seus conceitos de vída líquida e sociedade líquido-moderna, ambos aplicados à contemporaneidade do tema (BAUMAN, 2007); e na ópera La Traviata de Giuseppe Verdi, tirando proveito de toda a sua poesia (VERDI, 2007).

Resultados da Pesquisa e Discussão:

Primeiro Ato: O Preconceito

Sara Mara, 35 anos: na rua onde mora, os vizinhos ignoram sua profissão; Ana Angélica, 36 anos, revela: "Há de ter coragem e criatividade"; Carmem, 54 anos, 32 de profissão, esconde dos filhos que moram no Mato Grosso do Sul. Eles pensam que ela trabalha como camelô; Fabiana, 27 anos, cita termos como racismo, nojo e espancamento para exemplificar seu sentimento, e termina assim: "Dói ser discriminado".
Vale ainda ressaltar que todas as entrevistadas são mães e, acerca da relação maternidade e prostituição, ENGEL (1998) menciona:
[...] os estereótipos médicos que opunham a prostituição à maternidade são construídos a partir da associação entre prostituta e esterilidade, concebida esta última não apenas em seu aspecto físico, mas sobretudo moral ? ou seja, eram mulheres incapazes, física e/ou moralmente de exercer o sublime papel de mães (p. 203).

Não se pretende aqui entrar no mérito da imperfeição ou da virtude em que incorre o aluguel do corpo com o intuito sexual, mas abordar o quanto o preconceito impede que se enxergue a possibilidade da existência de uma outra mulher por trás do que nos é apresentado ao primeiro olhar.
Stefano Russomano, no prefácio do libretto à La Traviata, nos revela:
[...] a protagonista da história era uma concubina mantida por um cavalheiro e rodeada de luxo e de festas. E, ainda que o seu sacrifício final por um amor sincero implicasse a redenção, "no final trata-se de uma prostituta", tal como comentou uma senhora ao deixar a noite de estréia da Traviata (VERDI, 2007, p. 23).

A ciência tem importante participação no processo de construção deste preconceito, podendo ser encontrado no trabalho do médico criminologista e cientista italiano Cesare Lombroso quando, no final do século XIX, pesquisando características físicas tais como anomalias na fronte, orelhas anormais, simetria da face, dentre outras, criou arquétipos como forma de diferenciar as mulheres criminosas, das mulheres "normais" e das "degeneradas natas" ou prostitutas (LOMBROSO; FERRERO, 1991, p. 273).
A historiadora Margareth Rago, citada por PEREIRA (2009), apresenta, além da investigação científica, a possibilidade religiosa para o surgimento deste processo. Mostra-nos ainda como ele resiste até os dias de hoje:
O que acontece é que a medicina do século XVIII usa os argumentos misógenos de Santo Agostinho e de São Paulo, e fundamenta cientificamente o preconceito contra a prostituta [...] São pessoas que têm o cérebro um pouco diferente, o quadril mais largo, os dedos mais curtos. Criam toda uma tipologia. A revolução sexual transformou os costumes. Mas a sociedade ainda é conservadora e há forte preconceito contra essas mulheres.

Já o psicanalista Carlos Augusto Peixoto Júnior observa a origem sociológica do preconceito sexual, apontando as ideologias evolucionista e progressista colocadas a serviço das diretrizes políticas da burguesia da Europa oitentista como sua principal responsável (1999, p. 35-36).
Ficou claro durante o trabalho de campo os olhares de reprovação, chacota e desdém das pessoas que passavam enquanto procedia-se o trabalho investigativo, evidenciando-se assim o quanto estas mulheres são expostas, todas as noites, a um ambiente inóspito e degradante onde impera o preconceito. Isto fez aumentar o desejo de abrir estes imensos cofres, carregados de possibilidades, repletos de imagens, apesar da advertência feita por BACHELARD : "[...] haverá mais coisas num cofre fechado do que num cofre aberto. A verificação faz morrer as imagens. Sempre, imaginar será mais que viver." (1974, p. 412)
Neste ponto do estudo chegou-se a seguinte encruzilhada: deveriam-se manter cada um daqueles cofres trancados, ou prontamente arrombá-los, e mostrar que dentro destas mulheres existem diversos outros cofres, cada um guardando uma peculiaridade que faz delas uma mulher normal? Decidiu-se pela segunda estrada.

Segundo Ato: Cofres

Danielle, 21 anos, possui curso de tecnóloga em Petróleo e Gás. Está grávida de 2 meses; Cintia, 31 anos, vende roupas para complementar a renda e entende que possui a vocação para se prostituir; Ana Angélica parou de estudar no 6° ano (antiga 5ª série) do ensino fundamental, e afirma: "dentro de uma puta existe uma ?puta? mulher"; Priscila, 26 anos, é profissional do sexo há 7 anos e adquiriu uma casa própria com seu trabalho.
Cada uma dessas mulheres é como um cofre, trazem consigo a necessidade de segredos bem trancafiados. Cria-se aqui então a dialética cofre-arrombador, compreendendo o primeiro como o objeto a ser estudado e o segundo como o pesquisador, conforme encontrado em BACHELARD:
Os móveis complexos realizados pelo operário são o testemunho sensível de uma necessidade de segredos, de uma inteligência do esconderijo. Não se trata simplesmente de guardar um bem fortemente trancado. Não há fechadura que possa resistir à violência total. Toda fechadura é um apelo ao arrombador. Que umbral psicológico é uma fechadura! (1974, p. 408).

A primeira pergunta realizada a cada uma delas logo revela um primeiro objeto guardado entre tantos outros: o nome, certamente um elemento identitário, seu "eu". Apenas duas não utilizam um nome de guerra enquanto trabalham, ou seja, 80% delas procuram proteger este importante capital simbólico (GOLDENBERG, 2007).
A quantidade de imagens que emergem é impressionante, uma mais surpreendente que a outra, revelando mistérios, desmistificando falsas ideias, contrariando as expectativas de Tomas, personagem de KUNDERA:
Se pudera abandonar para sempre a mesa de operações do hospital, por que não poderia largar a mesa de operações do mundo, em que seu bisturi imaginário abria o misterioso cofre do "eu" feminino para encontrar um ilusório milionésimo de diferença (1985, p. 235).

Estas mesmas imagens desvendam ainda uma outra realidade oculta: a possibilidade de que cada uma destas mulheres seja uma individualidade além do grupo social em que está inserida. Porém, durante o período em que estão trabalhando, trancam-se em seus cofres e transformam-se em apenas mais uma peça na imensa engrenagem das ruas. Matam sua individualidade:
Numa sociedade de indivíduos, cada um deve ser um indivíduo. A esse respeito, pelo menos, os membros dessa sociedade são tudo menos indivíduos diferentes ou únicos. São, pelo contrário, estritamente semelhantes a todos os outros pelo fato de terem de seguir a mesma estratégia de vida e usar símbolos comuns ? comumente reconhecíveis e legíveis ? para convencerem os outros de que assim estão fazendo. (BAUMAN, 2007, p. 26)

Encontra-se aqui espaço para uma segunda dialética em BACHELARD: o interior e o exterior, mostrando quão vivas são as imagens provindas do interior, do desconhecido e do imprevisível. Esta dialética encerra-se quando o pesquisador vence a fechadura e as portas do cofre abrem-se:
[...] no momento em que o cofre abre-se, nada mais de dialética. O exterior é riscado com um traço, tudo é novidade, tudo é surpresa, tudo é desconhecido. O externo não significa mais nada. E mesmo, supremo paradoxo, as dimensões do volume não têm mais sentido porque uma dimensão acaba de se abrir: a dimensão da intimidade. (1974, p. 411)

Esta discussão exemplifica com precisão o dia de C. e a noite de Paloma. O observador incauto tende a agir de maneira distraída e observar aquela mulher simplesmente como ali se apresenta, apenas o seu exterior, incorrendo no erro sabiamente observado por Oscar Wilde: "Definir é limitar" (WILDE, 2007, p. 284).
Neste aspecto específico, percebe-se a proximidade entre Bergson e Bachelard pois, ainda que apresentem entre si considerável distância em termos epistemológicos, podemos unir filosoficamente o conceito de cofre em Bachelard ao do conhecimento absoluto em Bergson, o primeiro carregado de imagens e o segundo repleto de intuição, ambos fazendo-se valer do caminho metafísico para chegar ao íntimo do ser:
Se existe um meio de possuir uma realidade absolutamente em lugar de a conhecer relativamente, de colocar-se nela em vez de adotar pontos de vista sobre ela, de ter intuição em vez de fazer análise, enfim, de apreender fora de toda expressão, tradução ou representação simbólica, a metafísica é este meio [...] (BERGSON, 1974, p.21).

Terceiro Ato: Sonhos

Priscila quer constituir um pequeno negócio ligado à alimentação; Ana Angélica pretende escrever um livro abordando sua vivência dentro da profissão, cujo título previamente escolhido é "O Diário de uma Prostituta"; Kelly, 35 anos, tem como maior desejo conseguir tirar sua carteira de motorista, pois assim poderá passear de carro com seus 3 filhos; Carmem gostaria de encontrar um homem mais velho que pudesse cuidar dela e de seu filho adotivo.
Em todas as 10 entrevistadas observou-se a preocupação em atrair o cliente, o cuidado com a maneira de se vestir, de se maquiar, e até mesmo de caminhar. Elas precisam ser vistas, desejadas, destacar-se dentre tantas outras companheiras de trabalho, sonham com a "fama" dentro e fora do grupo a que pertencem, e, observadas apenas por este prisma, em nada diferem de outros grupos sociais. Nas palavras de BAUMAN:
Nesses sonhos, "ser famoso" não significa nada mais (mas também nada menos!) do que aparecer nas primeiras páginas de milhares de revistas e em milhões de telas, ser visto, notado, comentado e, portanto, presumivelmente desejado por muitos ? assim como sapatos, saias ou acessórios exibidos nas revistas luxuosas e nas telas de TV, e por isso vistos, notados, comentados, desejados... "Há coisas na vida além da mídia", observa Germaine Greer, "mas não muito... Na era da informação, a invisibilidade é equivalente à morte" (grifo meu) (2008, p. 21).

Em nenhum momento negam a sua condição de mercadorias à espera de um comprador, pelo menos no horário de trabalho. Possuem a consciência de que estão ali para alugar seus corpos, por um determinado período de tempo, em troca de um determinado valor monetário. Sabem separar a vida que levam nas ruas da vida de casa: "Numa sociedade de consumidores, tornar-se uma mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fadas" (BAUMAN, 2008, p.22).
Em "A Mulher Eunuco", Germaine Greer (1980) define esta mulher como uma pessoa castrada ao nascer, condenada a viver uma vida inferior devido à ausência do pênis. Analogamente, pode-se apresentar a prostituta, uma mulher sentenciada a não sonhar, a existir apenas dentro do papel que a sociedade lhe impõe, o papel de simples mercadoria, de uso imediato e posterior descarte. Convivem em um ambiente cercado por vícios como álcool e drogas , onde torna-se quase impossível imaginar uma sociedade ou mundo melhores. Vão, paulatinamente, deixando seus sonhos para trás: "Mergulhadas no ópio da rotina, as pessoas negligenciam seus sonhos e vão perdendo a capacidade de sonhar" (SOUZA, 2006).
A preferência do enfoque poético nesta relação, influenciado pelas leituras bachelardianas, tomou como base a seguinte frase: "A certeza de viver é dada pela capacidade de sonhar (...)" (MOISÉS, 1998, p. 209). Provou-se, através do estudo de campo, que, apesar de estarem inseridas na sociedade proposta por Bauman, estas mulheres são capazes de construir sonhos.

Considerações Finais

Seja na leitura de "A Dama das Camélias" e sua protagonista Marguerite Gautier, ou ao ouvir "La Traviata" acompanhando os passos de Violetta Valéry, nota-se que, além do papel de concubinas, existem ali mulheres capazes de amar, de sofrer e até mesmo morrer em nome de um sonho.
A união entre pesquisa bibliográfica e trabalho de campo mostrou-se eficaz, sendo que uma dependeu da outra para que ambas pudessem sobreviver. Apesar da idéia inicial deste estudo ter surgido durante a leitura de uma obra de ficção, a realidade a acompanhou de perto. Trazendo a ficção à realidade da prostituição de rua, constatou-se que o mesmo pode ocorrer na segunda, e realmente é assim que acontece, como apontado anteriormente. Estas mulheres "da vida", profissionais do sexo, que outrora foram consideradas "degeneradas natas", conforme LOMBROSO (1991), são dotadas das mesmas capacidades de viver e construir sonhos que as ditas "mulheres normais", apesar de ainda sofrerem preconceito na mesma medida que sofreram na literatura bíblica.
Buscou-se aqui estabelecer relações entre a realidade em que essas mulheres vivem, tanto em sua vida privada como em sua vida pública, o preconceito e o descaso com que são encaradas por parte da sociedade e como, apesar de todos os obstáculos que enfrentam diariamente, conseguem representar no palco da vida personagens tão distintos com tamanha desenvoltura.
Alcança-se assim a saciedade do objetivo principal deste artigo. Procurou-se e encontrou-se o cofre bachelardiano tão bem guardado dentro destas mulheres. Abri-lo delicadamente ou mesmo arrombá-lo fez-se necessário, permitindo assim a saída de tantas imagens quanto foram necessárias a fim de demonstrar aquilo que já se pressupunha: arquétipos e preconceitos sedimentados na História contrapõe-se a mulheres que desempenham outros papéis além daqueles ao qual a sociedade as relega. Alguns destes são comuns a todas: mães zelosas e cuidadoras do lar; outros mais próprios: potenciais empresárias, futuras escritoras, estudantes, e, acima de tudo, sonhadoras.

Referências Bibliográficas

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PEREIRA, Patrícia. Sociedade ? As Prostitutas na História: De Deusas à Escória da Humanidade. Disponível em <http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/15/-artigo119600-4.asp>.Acesso em 3 nov. 2009.
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