Este trabalho visa confrontar informações já levantadas sobre a leitura em pesquisas anteriores na sua perspectiva existencialista, ou seja, leitura como projeto de existência, com as práticas educativas presentes nas escolas brasileiras. Apresenta-se aqui o objetivo de unir os dados teóricos aos dados da prática para saber qual é a visão e a ação do educador frente a leitura.
Palavras-chave: Leitura. Educação. Escola. Educador.

1 INTRODUÇÃO

Durante o decorrer da história humana, o homem foi desenvolvendo de forma natural e gradual o desejo pela comunicação. Com a complexificação da estrutura da vida humana, o ato de comunicar passou não só a ser um caminho natural do desenvolvimento humano, mas também uma necessidade. Esse movimento resultou no advento da escrita, pois a linguagem oral não mais satisfazia as solicitações da sociedade em busca da informação, do conhecimento.

Por se constituir como uma habilidade primordial para o desenvolvimento contínuo da sociedade, o ato de comunicar é visto dentro do prisma da leitura, competência que se tornou indispensável para a mesma. Pode-se dizer que, nos dias de hoje, não há comunicação sem leitura, pois a forma escrita passou a ser o meio mais importante de obtenção de informações e conhecimentos, alcançando um maior número de pessoas, muito mais do que quando foi inventada, pois além dos livros, jornais, revistas e outros impressos, existe hoje a divulgação de materiais escritos por meio eletrônico, sendo o mais responsável a rede mundial de computadores, a internet.

Depois de uma série de trabalhos que buscaram trazer a tona aspectos da leitura que são deixados de lado, como por exemplo, o principal responsável por ela existir, o próprio homem, reúnem-se aqui todos os pontos de vista a fim de confrontá-los com a atua prática educativa das escolas de nosso país.

Entendendo a leitura como uma habilidade que tem função social e tendo a escola o papel de desenvolvê-la em seu nascimento durante a formação do indivíduo, é necessário que se estabeleça a relação entre educação e o ato de ler de forma mais profunda. Por conta disso, efetua-se uma análise sobre o pensamento do profissional de educação sobre a leitura, estabelecendo relações com a formação, e, principalmente, com o indivíduo que exerce a função de educador, fato que acontece dessa forma para seguir a linha da variável do homem no processo.

2 A LEITURA E A ESCOLA

A escola, na concepção que se conhece, é tida como o espaço em que o indivíduo vai adquirir conhecimentos, sendo estes integrantes da cultura que circula dentro da sociedade, lugar onde esta é formulada, seja como saberes populares, denominado como senso comum, e os saberes científicos, tendo em mente que esses dois ramos do saber dependem um do outro, isto é, possuem uma relação dialética.

O que acontece na escola, sendo traduzido como o objetivo principal da mesma, é o ato de educar. Tendo isso em mente, retoma-se o olhar que foi trabalhado em pesquisas anteriores, colocando a leitura como o caminho pelo qual o homem faz-se existir dentro da sociedade, justamente por essa relação dialética em que se baseia o mundo hoje.

Segundo o conceito colocado acima, tornando o indivíduo uma variante importantíssima no processo de leitura, e tendo esse mesmo como integrante da relação entre escola e leitura, é impossível pensar na estrutura leitura + escola = educação sem colocar o homem e o seu processo de existir, tornando a estrutura um pouco maior: homem + leitura + escola = educação.

Por isso, é importante analisar esse processo através de um olhar existencialista, buscando elucidar a importância dessa estrutura e o seu resultado final, que deve ser a educação. Ao pensar nisso, tem-se a educação como "o projeto de conscientização do mundo, de hominização, mesmo porque homem e mundo são elementos inseparáveis" (SILVA, 2005, p. 77).

Essa idéia de ter a educação como projeto é construída pela relação entre o ato de comunicar e o ato de ler, sendo através desta união que o indivíduo irá buscar sua existência, ou seja, em sua trajetória de vida ele estará constantemente buscando vir-a-ser, marcando sua existência por sua atitude de sujeito-leitor.

O fenômeno da educação ocorre no interior do fenômeno da existência humana, pois a educação somente se concretiza no homem, pelo homem e para o homem que, através dos objetos de sua percepção, mostra (aponta para) um horizonte externo. Esclarecendo: a totalidade dos objetos da percepção está unida ao campo total de percepções e cada objeto surge como uma figura especial no horizonte de significados. A percepção real dos objetos inclui necessariamente, o seu horizonte. Dessa forma, há vários horizontes no mundo para o homem à medida em que vai percebendo os diferentes objetos da cultura (SILVA, 2005, p. 76-77).

Ao analisar essa fala, tem-se presente aqui a visão fenomenológica, onde a educação é tida como um fenômeno que ocorre dentro do fenômeno da existência humana. Por isso, dá-se aqui uma pequena pausa no entendimento do ato de ler dentro da educação para melhor entender o que vem a ser o ato de educar dentro dessa perspectiva.

A educação, exposta aqui, ganha um sentido de "exercício da liberdade do homem para estruturar o seu projeto de existência" (SILVA, 2005, p. 77), o que traz à tona a necessidade de se pensar o que vem a ser a "liberdade" aqui colocada. Pode-se dizer que o indivíduo, na sua busca pela comunicação, vai acessar os conhecimentos que adquiriu e os outros que circulam pelo ambiente, procurar entendê-los usando seu ponto de vista, sua percepção, transformando e comunicando novos conceitos para outrem.

Desse pensamento, surge, permeando esse fenômeno da comunicação, a liberdade que se caracteriza nos acontecimentos como um todo. Isso se dá pelo fato do homem ter autonomia para construir essa relação de acordo com o seu olhar, isto é, sua perspectiva, que aqui são representadas pelos objetos de percepção. É evidente que a partir desse conceito, surgem vários horizontes diferentes, os significados, o que irá caracterizar esse movimento totalmente livre, permitindo a percepção de outros significados dentro de uma mesma cultura ou conhecimento, e, por conseguinte, esse fato se aplica a educação, pois o ato de comunicar está inserido na mesma.

A existência humana se realiza através da dialética homem-mundo. Educação é o resultado dessa dialética; como tal evidencia-se como sendo um projeto através do qual o homem "apreende" os significados que estão em circulação o interior do seu mundo histórico e cultural. Esta "apreensão" é dialética por que o homem somente existe enquanto dialoga – no dialogo recorrente das várias épocas a verdade plena vai paulatinamente abrindo caminho através do choque de posições antagônicas [...] (MERLEAU-PONTY, 1972, apud SILVA, 2005, p.77, grifo do autor).

Como já citado anteriormente e reforçado novamente, homem e mundo tem uma relação dialética, ou seja, para que o processo de existência se desenvolva de forma plena é necessário que esse diálogo aconteça. Partindo dessa interação, o indivíduo será capaz de apreender os vários significados presentes no ambiente em que vive, e a partir disso desmistificar as verdades existentes, possibilitando visões novas, outros caminhos que podem ser seguidos.

Com isso, se torna fundamental salientar o caráter de mundo a que esse pensamento se refere, sendo este um ambiente histórico e cultural. Esse modelo proporciona ao homem o revisitar, isto é, voltar no tempo e trabalhar com as verdades absolutas do seu ambiente e procurar entendê-las, considerando também os aspectos culturais de sua época, o que, sempre vai permitir a descoberta de outros significados para um mesmo significado. Muitas vezes, o diálogo que mais produzirá resultados serão aqueles em que as visões são antagônicas, gerando uma busca mais profunda e consistente sobre essas visões.

Por conta desses fatores, o homem é capaz de firmar sua existência, pois essa dialética homem-mundo possibilita o ato de comunicar, sendo assim que o indivíduo registra seus pensamentos e os transmite, fazendo com que outros pensem sobre o seu pensamento e formulem seus próprios conceitos.

Mas homem e mundo sempre se configuram num contexto histórico e cultural; sendo assim "um" mundo que não esgota ou abarca todos os mundos, isto é, o mundo presente não é a única possibilidade. É por isto mesmo que educação é "projeto" (mais do que processo), pois recuperando os significados em circulação no contexto social, pode propor outros, abrindo perspectivas para novas formas de existência (SILVA, 2005, p. 77, grifo do autor).

A noção de processo usada para a existência e para a educação nesse momento se descaracteriza, pois é possível notar que no olhar fenomenológico, há uma estrutura fenomenal, complexa, que vai interferir em vários aspectos da vida humana e social. Para que haja uma melhor adequação a esse conceito, vê-se a educação como um projeto, e, conseguintemente, a existência também. Isso se dá pelo que acontece dentro da estrutura, como já citado, onde o indivíduo vai propor novos caminhos a partir de outros já existentes na sociedade.

Essa constatação não elimina a noção de processo, pois ele está presente dentro desse projeto, mas é preciso ter uma visão maior, tendo em vista que não ocorre apenas um processo, mas sim vários, que fazem com que o projeto de existência flua de forma satisfatória.

Por conta disso, Silva (2005) não tratada educação como um mero descobrir, mas sim como a transformação do homem e do mundo. Nesse raciocínio também se emprega a libertação, pois o homem é obrigado a movimentar-se, dar um significado para o outro, no intuito de estabelecer o projeto de transformação.

Realmente, se a educação for tomada como "projeto", a importância das mensagens escritas e do ato de ler torna-se bastante evidente. Uma mensagem escrita deixa de ser o mero conteúdo informativo para se transformar no "pretexto" (condição) para a formação da consciência crítica. Mais especificamente: o documento escrito deixa de ser o simples instrumento de produção que o professor fornece ao aluno, para transformar-se num "a partir de", veiculador da tradição histórica e cultural, passada e presente (Idem, ibidem, p. 78).

Analisando essa idéia, a importância da leitura na educação, e, por conseguinte, a sua ligação, é totalmente elucidada. Se o ato de ler é o principal veículo de transmissão de pensamentos e idéias no mundo de hoje, estabelecendo o projeto existencial do autor, têm-se a idéia de que o mesmo caminho que foi percorrido pela pessoa que formulou seja seguido por que está descobrindo essas idéias agora, como leitor. E é através da educação que esse projeto se desenha, pois o indivíduo irá ler, pensar nos significados a partir de suas perspectivas, e após esse processo formular novos significados, o que acarretará em novos conceitos que se aplicam a sua realidade histórico-cultural.

Através da leitura, o homem exercita a dialética da libertação, podendo empregá-la no seu projeto existencial, que terá como conseqüência a transformação do seu ambiente e de si próprio, o que pode ser traduzido como o ato de ler como condição para transmitir tradições culturais e históricas do passado e do presente.

No diálogo educacional e, portanto, existencial, a mensagem escrita assume o papel de um horizonte cultural possível, tendo algo a dizer ou uma idéia significativa a propor. Representa, pois, o "ponto de partida" – a partir dele o professo e o aluno desenvolvem a reflexão para a conscientização. Funciona, metaforicamente falando, como um trampolim para o mergulho no conhecimento; e deixa de ser conhecimento dado ou "pronto-à-mão", verdadeiro ou absoluto (o que poderia caracterizar ou gerar um tipo de leitura mecânica ou decorativa) (SILVA, 2005, p. 78, grifo do autor).

Um ponto de contradição pode ser observado nas ações que ocorrem dentro do diálogo educacional. Para que a leitura seja efetiva e leve o leitor a um ato de transformar-se, e, conseqüentemente, transformar o meio, o modo de trabalhar o ato de ler, levando a reflexão para a conscientização deve ser incorporado ao trabalho do educador. Tendo isso em mente, e ao traçar um paralelo entre o que fazer e o que é feito na educação, estabelece-se uma relação antagônica, onde teoria e prática não se encontram, trazendo prejuízos para a formação do homem-leitor dentro do projeto de existência.

Esse pensamento vai de encontro ao que diz Andraus Junior e Santos (1999), afirmando que a escola não tem colaborado para o encaminhamento dos jovens para a leitura, pois priorizam os textos institucionalizados e acadêmicos, que pelas suas características não contribuem para transformar e prolongar essa atividade em algo prazeroso.

Ao tomar o ser humano como base para o desenvolvimento da leitura, no intuito de formar novos leitores, deve-se considerar as variáveis que serão envolvidas nisso, o que torna essa formação singular, isto é, cada um irá se tornar leitor por um caminho diferente, segundo a sua leitura sensorial, emocional e racional.

Para que as palavras continuem dizendo cada vez coisas distintas, para que uma eternidade sem consolo abra o intervalo entre cada um de seus passos, para que o devir do que é o mesmo seja, em sua volta a começar, de uma riqueza infinita, para que o porvir seja lido como o que nunca foi escrito... tem que se dar as palavras que temos recebido (LARROSA, 2003, p. 117, tradução nossa1).

Por conta desse pensamento, deve-se mudar a atitude do profissional que dirige a educação: o educador. Considerando esses fatores apresentados no decorrer desse trabalho, a leitura não é um caminho único, onde os leitores devem pensar e concluir a mesma coisa, mas sim pensar o que foi escrito e formular o seu próprio significado, o que vai delinear o seu perfil no que diz respeito ao projeto de existência. Nesse ponto o homem e o ato de ler se unem em um constante vir-a-ser através do pensamento.

Ao ver isso, percebe-se que a figura do educador atual se contrapõe a linha de pensamento desenvolvida, pois este é um impositor de idéias, ou seja, aquele que faz o caminho contrário ao projeto existencial, pelo simples fato de transmitir o significado tal e qual foi concebido por ele em seu projeto.

Esse comportamento é destacado por Avelar (2008) como desrespeito ao conhecimento do educando, uma vez que não percebe que todos têm uma bagagem originada de sua vivência diária em comunidade e em família. Pode-se ver que os atos do educador não estão condizentes com o projeto existencial, o que caracteriza um desrespeito ao que o educando já conhece.

Por isso, há a necessidade de mudança dentro do ambiente escolar, para que as exigências da sociedade sejam cumpridas pelo formando, e também pelo próprio formador, que talvez não conheça a leitura a partir desta perspectiva.

2.1LEITURA: UMA NOVA AÇÃO EDUCATIVA

Fica constatado após reflexões continuas sobre o ato de ler, o homem e a educação, que se faz urgente uma mudança de atitude do educador, que não privilegia em sua atuação no âmbito educacional a relação natural e dialética entre homem e mundo. Nesse mesmo caminho, fica ferida também a própria relação entre educador e mundo através de sua prática, já que segundo Freire (1996) a prática educativa deve ser crítica e envolve um pensar dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar sobre o que fazer.

Por conta disso, tem-se uma ligação íntima entre a prática educativa crítica e a educação, pois ambas caracterizam-se por uma estrutura complexa, que implica em relacionamentos, onde cada elemento funciona como variável para o outro.

Ao pensar nesse modo complexo de ver os elementos que levam o ser humano a delinear seu projeto de existência, inicia-se o processo de mudança por um lugar óbvio: a formação do educador.

No geral, essa formação, de uma forma mais profunda, e tida nas universidades, que por sua vez, tem-se inculcado no pensamento como "o lugar onde o leitor se apresenta como uma figura constante: leitura em casa, leitura na sala de aula, leitura na biblioteca" (ANDRAUS JUNIOR; SANTOS, 1999, p. 48).

Esse pensamento é uma verdade, ou até algo maior, uma necessidade do profissional em formação, pois o ato de ler se efetua através da necessidade pela busca de conhecimento para nortear a prática. Isso significa que desenvolver atitude de pesquisador é importante para que o profissional seja bem formado e logo após sua graduação passe a formar com qualidade.

Contudo, sabe-se que há algo mais a ser mudado no profissional, que é exatamente a mentalidade, ou melhor, o "pôr em prática" a prática educativa crítica, elemento que, talvez, não seja só despertado pela universidade, mas sim ao longo da vida escolar do educando.

Foca-se aqui na universidade pelo fato de ser o local responsável pela busca de conhecimento mais especializado, e, por conseguinte, ser o lugar de onde vêm as pessoas com capacidade crítica, ou com maior possibilidade de desenvolvê-la, e ter as ferramentas para a mudança de rumo em sua área de atuação.

Mas novamente se tem a figura da variável humana no projeto, que vai atender na busca profissional aquilo que se acha certo, seja isso bom para a sociedade ou não. Por isso, a mentalidade se torna, às vezes, mais importante que o conteúdo. Freire (1996) cita o comprometimento como fator primordial, pois não se pode exercer o magistério como se nada acontecesse ao indivíduo educador. Seguindo esse pensamento, não só ocorrem coisas com o educador, como também com o educando e com a sociedade.

Ao internalizar isso, o educador estará preparado para assumir as exigências que constituem no cumprimento de um novo papel da educação no que diz respeito à leitura. Estar preparado para uma mudança no olhar sobre o ato de ler exige esvaziamento e consideração ao olhar do educando, abrindo-se a múltiplas vertentes, tornado-se, como exalta Freire (1996), um educando, para vir-a-ser um educador.

[...] Uma primeira diz respeito ao seu criador (emissor): o texto deve ser "expressivo" do diálogo existencial entre o seu criador e o mundo, isto é, "representativo" da sua caminhada para fora de si mesmo, da sua penetração em horizontes da cultura. Sendo expressivo, estará sendo "original". Sendo representativo, estará sendo "relativo": "um" homem, "um" ponto de vista (SILVA, 2005, p. 78, grifo do autor).

Isso pode se traduzir como o respeito ao educando, e, conseqüentemente, a estrutura fenomenal de leitura e educação. Um pensamento nunca irá se tornar único se não for respeitada pelo educador essa exigência. De acordo com Silva (2003), se o educador for adepto do lema que leitura é pura tradução da escrita do autor, ele irá privilegiar isso através de sua prática.

O educador deve se livrar de velhos paradigmas e ter a educação como um fator que influencia a sociedade, e, assim, privilegiar a leitura criativa, sendo esta que estabelecerá a relação homem-mundo através do processo de significação original, ou seja, única, e relativa, isto é, diversificada a partir do olhar do indivíduo que a originou.

A segunda exigência diz respeito ao contexto no qual o documento escrito se insere. O contexto não é outro senão o mundo histórico, cultural e existencial. O documento deve objetivar esse mundo a fim de permitir a "observação" por parte do aluno-leitor; deve, em outras palavras, expressar o mundo em sua significação, simbolizando a sua estrutura (SILVA, 2005, p. 79, grifo do autor).

Para que se entenda de forma plena o documento escrito, o educador deve propiciar ao educando todo um contexto histórico, o que dará as condições de ação por parte do indivíduo, a fim de tornar claras as significações escondidas nas entrelinhas. Todo documento tem conceitos camuflados que podem aparecer à medida que se conhece o que estava ocorrendo na sociedade quando o texto foi redigido, o que ele representou para a época.

Por isso, a leitura criativa é focada novamente em sua significação, onde o indivíduo que efetua o ato de ler "é aquele que interpreta um texto à luz do seu contexto, estabelecendo relações entre as idéias produzidas e a vida concretamente vivida em sociedade" (SILVA, 2003a, p. 41). Esse homem será capaz de visualizar situações na estrutura social, que, como já comentado acima, normalmente estão escamoteadas, o que torna possível que haja contradições na realidade social em curso.

A terceira exigência da mensagem é que ela deve voltar-se ao aluno-leitor. Não basta ao documento escrito ser expressivo do ser-no-mundo, é necessário que ele se constitua numa "tentativa de comunicação com o outro", pois o "texto" só se manifesta à medida em que é lido. Comunicativo é, então, o documento que provoca, questiona, interpela e dá a sua palavra, levando em conta a presença do leitor em situação de aprendizagem (SILVA, 2005, p. 79, grifo do autor).

Nesse caminho, um documento deve suprir as necessidades dos educandos, sendo esse tipo de texto que lhe atrairá e deixará motivado a continuar sua caminhada na busca pelo seu projeto existencial. O desinteresse vai acontecer a partir do momento em que o documento escrito não oferecer significado ao indivíduo, o que pode tornar a leitura improdutiva e, até, prejudicial. Entende-se o prejuízo numa visão micro, ou seja, para o indivíduo, e numa visão macro, para a sociedade, que não se beneficiará de outra significação para produzir o conhecimento.

Andraus Junior e Santos (1999) colocam que o leitor pode exercer o papel de sujeito ou objeto do ato de ler, tendo ligação com a postura crítica ou acrítica que venha a ter frente ao texto lido. Para que o indivíduo não se torne objeto da leitura é necessário que ele não apenas retenha as informações, mas sim as trabalhe para extrair os significados e enxergue se há conexão entre realidade e escrita, expressando-os a sociedade da forma que ele entenda como correta.

A quarta exigência diz respeito à linguagem, código por excelência, através da qual veicula-se a mensagem escrita. Esta deve constituir-se, antes de mais nada, no "campo de compreensão" diálogo. Deve ser "criativa" para o emissor (isto é, permitindo-lhe expressividade máxima) e "simbólica" para o leitor, ou seja, permitindo-lhe a atribuição de significados. Estas são funções que cabem ao código somente por força de expressão, pois na verdade a língua é produzida pelo homem e somente existe através dele (SILVA, 2005, p. 79, grifo do autor).

Retorna-se aqui a origem da escrita e seu principal objetivo para o seu criador, ou seja, o homem. Quando foi criada, a sua função principal era a de comunicar, tornando, assim, possível que os conhecimentos não se perdessem e possibilitassem que as outras gerações também se beneficiassem deles. Hoje não é diferente, e para tornar o olhar mais complexo, a linguagem escrita não só se desenvolveu em sua estrutura como também nos meios de disseminar-se: tornam-se cada vez mais comuns a propagação de textos em modos eletrônicos, além do impresso.

Contudo, essa maior facilidade de comunicar não implicará em qualidade de leitura se o educador não mediar esse processo de maneira adequada. Silva (2003b) apresenta uma visão interessante, em que o profissional de educação deve se colocar como um ouvinte, orientando os educandos no intuito de aprofundamento, questionando e estimulando a produção de novas idéias partindo das significações obtidas pelo indivíduo.

Por conta disso, se torna mais importante o papel do educador, levando em consideração, na escolha dos textos, o que esse material transmite em seu código linguístico, isto é, se ele se comunica com eficácia e permite uma interpretação livre de vícios do emissor. Sua atitude de ouvinte deve estar presente na sala de aula, omitindo-se para melhor orientar, mas não deve omitir-se no momento de escolha, analisando os textos com atenção rigorosa em todos os aspectos.

Uma quinta e ultima exigência diz respeito à própria participação ou presença da mensagem escrita no diálogo educacional. Ela deve ser ABERTA a fim de permitir a concretização do diálogo. Isto é: a presença do documento escrito, na situação em que o homem se coloca para atribuir significados, significa uma QUESTÃO ou DÚVIDA. Como toda questão existe para ser respondida, a resposta à mensagem escrita é o próprio ATO DE LER, o exercício do leitor no diálogo educacional (SILVA, 2005, p. 79).

A leitura dentro do espaço educacional deve ser tratada como um ato de liberdade. Para que se obtenha uma resposta às significações atribuídas pelo autor, é necessário que se busque aquilo que irá satisfazer o leitor. Nesse caminho, o indivíduo participa do dialogo educacional, expressando seus pontos de vista e mostrando os caminhos que o levaram a ter esse posicionamento.

Por isso, Silva (2003a) coloca o dar liberdade aos leitores como o escutar os sentidos dados pelos mesmos e aproveitá-los pedagogicamente, buscando sempre a união entre os significados e a compreensão cada vez mais aprofundada e refinada da realidade em que está contextualizada.

Ao situar a liberdade no projeto de existência, não há possibilidade de cada indivíduo projetar seu vir-a-ser no mundo sem libertar-se dos significados pré-estabelecidos. Isso deve ser internalizado pelo educador, que em sua prática deverá libertar o indivíduo do papel de aluno, apenas recebendo informações e significados, para se tornar um educando, sujeito de sua própria ação educativa, e assim desenvolver seu projeto de existência original e único.

Assumindo ser o ensino um processo diretivo sob a responsabilidade e autoridade do professor, temos que a qualidade das unidades de leitura depende diretamente do conjunto de decisões tomadas antes, durante e depois da implementação delas com o grupo de alunos a serem ensinados numa determinada escola, sob determinadas condições e num tempo curricular normatizado pela rede de ensino a qual essa escola pertence (SILVA, 2003b, p. 20).

Constata-se aqui a importância do profissional de educação no processo de leitura, onde esse indivíduo deve ser capaz de organizar suas ações em benefício ao respeito devido ao educando, possibilitando que tudo o que fora desenvolvido nessas reflexões saia do quadro teórico para o prático.

O educador deve partir do princípio de análise de cada passo em sua prática, norteando suas ações em perguntas aparentemente simplórias, mas que vêm carregadas de significação do seu próprio "eu" e da sua visão como educador: "Por que do meu ensino de leitura?" "Para quem do meu ensino de leitura?" "O quê do meu ensino de leitura?" "O como do meu ensino de leitura?" "De que forma avaliar o meu ensino de leitura?"

Para que as palavras durem dizendo cada vez coisas distintas, para que uma eternidade sem consolo abra o intervalo entre cada um de seus passos, para que o devir do que é o mesmo seja em sua volta a começar, de uma riqueza infinita, para que o porvir seja lido como o que nunca foi escrito... "Há que dar as palavras" (LARROSA, 2003, p. 131, grifo nosso, tradução nossa2).

Aqui surge a grande questão que envolve a leitura. O educador, tendo de respeitar e considerar várias etapas do ensino da leitura como deve ser feita, se vê, talvez, um pouco confuso sobre em que consiste o seu papel dentro da educação, se cada um tem de desenvolver seu projeto de existência e procurar caminhar com as próprias forças.

É justamente nesse momento que o profissional de educação tem de estar presente, não dando o significado pronto, mas sim, dando os caminhos para que cada um encontre o seu significado frente ao texto. Por conta disso, dar-se-ão as palavras, mas o sentido, só o leitor saberá, e assim, a leitura se caracteriza como a resposta aos questionamentos e dúvidas no caminho do indivíduo em busca de vir-a-ser dentro do mundo, e assim firmar sua existência dentro do mesmo.

3CONCLUSÃO

Esse trabalho serviu para constatar que o ato de ler, por ser um projeto de existência, pode ser considerado também um ato de compreensão da vida, onde a relação entre leitor e texto não ocorre mecanicamente e sistematicamente, mas sim de maneira consciente, o que torna cada decisão, ou melhor, cada projeto de existência singular, único.

Por conta disso, coloca-se aqui o objetivo principal do presente estudo, que seria o da análise do trabalho do educador no desenvolvimento do ato de ler dos educandos, que, segundo foi constatado, deve, a princípio, valorizar o ambiente social, refletindo-se nessa ação o respeito ao indivíduo como ser único e integrante de uma comunidade, que embora regida por leis e normas iguais tem suas características, o que dá a cada um essa singularidade.

Esse objetivo foi elaborado a partir da problematização e hipótese, referindo-se a atuação do educador perante a leitura no âmbito escolar. Foi constatado que os educadores, apesar de saberem da importância do ato de ler, pelo fato de terem passado pela universidade, tida como uma casa de leitores, a singularidade do indivíduo que se torna profissional de educação também interfere em sua área de atuação. A mentalidade dogmática prevalece em sua prática, o que não auxilia de forma alguma o desenvolvimento do educando em direção a leitura crítica e criativa, que são utilizadas freqüentemente na universidade e na vida, momento onde se estabelecem os projetos de existência.

Fica comprovada a hipótese de que os educadores não têm dado o devido auxílio aos educandos no intuito de dá-los plena formação e domínio da habilidade de ler, tendo atitudes que levam a crer que há falta de comprometimento e respeito para com os discentes, que desenvolvem, a cada dia, seu vir-a-ser no mundo.

Por conta disso, é necessário que se efetue uma mudança de mentalidade, tornando a prática educativa mais adequada para esse fim, que é o de formar indivíduos que tenham competência no ato de ler para pensar, resignificar e reconstruir os conhecimentos que irão direcionar o seu projeto existencial, firmando sua existência no mundo, e, conseguintemente, atuando de forma plena na sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AVELAR, Rodrigo. Leitura e Autonomia na vida dos educadores e educandos. Revista Enfoque, Nova Friburgo; v. 2, n. 2, p. 46-50, jan. / jul. 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 37 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LARROSA, Jorge. Dar a leer... quizá – Notas para una dialógica de la transmisión. Trad. Rodrigo Avelar. In: OSWALD, Maria Luiza; YUNES, Eliana (orgs.). A Experiência da Leitura. São Paulo: Loyola, 2003, p. 117-131.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. O Ato de Ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

______. Trilogia Pedagógica - Leitura em curso. Campinas: Autores Associados, 2003a.

______. Trilogia Pedagógica – Unidades de Leitura. Campinas: Autores Associados, 2003b.



1 Para que las palabras duren diciendo cada vez cosas distintas, para que una eternidad sin consuelo abra el intervalo entre cada uno de sus pasos, para que el devenir de lo que es lo mismo sea, en su vuelta a comenzar, de una riqueza infinita, para que el porvenir sea leído como lo que nunca fue escrito… hay que dar las palabras que hemos recibido.

2 Para que las palabras duren diciendo cada vez cosas distintas, para que una eternidad sin consuelo abra el intervalo entre cada uno de sus pasos, para que el devenir de lo que es lo mismo sea, en su vuelta a comenzar, de una riqueza infinita, para que el porvenir sea leído como lo que nunca fue escrito… hay que dar las palabras.