A juventude inserida no contexto da violência urbana.

Thalita Coelho*

A violência e a criminalidade, que se tornaram dos mais recorrentes problemas urbanos no atual período é mensurado em inúmeras pesquisas e estudos, que exploram principalmente as transformações urbanas que de alguma forma contribuem para a constituição do cenário da violência urbana. Essas transformações concretizam as cidades como centros de consumo privilegiado, espaço de imposição de uma ideologia de felicidade graças ao consumo e ao urbanismo adaptado à centralização dos meios de poder, como a informação, formação, organização, operação e persuasão (Sánchez, 2003). Neste quadro, as redes sociais de suporte, como definiu Robert Castel, são desconstruídas ou fragilizadas, dando espaço para a constituição de vulnerabilidades sociais, que atingem os segmentos sociais mais marginalizados na sociedade, dentre os quais, podemos citar os jovens, um dos segmentos mais envolvidos pela crescente violência urbana.

A "reestruturação produtiva" da economia capitalista na sua atual fase está ligada à produção do espaço moldado às necessidades da acumulação. Na análise das sociedades urbanas, este amoldamento significa o aumento de fragmentos ou partes da cidade submetidos ao controle, normatização e privatização, de maneira que seu impacto atinja diretamente a vida social (Sánchez, 2003). Esses espaços capturados pelas relações de produção capitalista por meio da reestruturação urbana transformam-se de espaços com valor-de-uso para espaços com valor-de-troca, e destinam-se à produção (obras de infra-estrutura, de modernização tecnológica, dentre outras) ou ao consumo (turismo, lazer e consumo da cidade estimulados pela publicidade). Esta nova forma de acesso ao espaço mediada pelo mercado aprofunda a separação entre espaço público e espaço privado, acentua o processo de comercialização e especulação.

A nova ordem urbana pretende fazer impensáveis e impossíveis outras formas de viver na metrópole que sejam conflitivas com os parâmetros da cidade-mercadoria que busca consolidar. Tudo aquilo que não adere a essa dinâmica é interpretado como ingovernabilidade, como perturbação da ordem urbana que deve ser desalojada do panorama da modernização (Sánchez, 2001).

Entretanto, a cidade nunca está totalmente tomada pelo poder do Estado midiático, processos constitutivos de sujeitos coletivos expressam maneiras de viver e reapropriações da cidade afastadas das previsões da ordem urbana promovida pela imagem oficial.

Na maioria das análises as representações são tornadas dominantes e cuidadosamente desenhadas para mostrar uma cidade homogênea e apagar as diferenças políticas, culturais, de classe ou de origem étnica presentes no território urbano. Deste fato surgem os discursos da cidade-pátria e do consenso-cidadão, da sociedade urbana como um bloco homogêneo sem conflitos de interesses, orientada para um grande objetivo comum, forjados no interior das políticas urbanas, com o apoio incondicional dos meios e o uso amplo de variados instrumentos publicitários que atuam como elementos importantes na regulação social e no controle político da população.

Desta forma, a cidade-mercadoria, padronizada pelos mecanismos de regulação do capital, também padroniza sua atenção a uma população hegemonizada, que internamente apresenta uma série de contradições e conflitos. Desta forma, deixa de atender necessidades essenciais daqueles que não se enquadram no estereótipo de cidadãos da metrópole urbana. De acordo com Sánchez, o city marketing e a imposição de imagens urbanas tornadas dominantes contribui para o exercício da violência, especialmente em sua forma simbólica, pelas vias da comunicação e do conhecimento, violência nem sempre percebida por suas próprias vítimas e muitas vezes expressas de outras formas que não apenas a simbólica.

Quem mais sofreu com essa nova estruturação urbana foram os mais pobres, a população mais desfavorecida econômica e com menos acesso às políticas sociais gerais. Essa população foi cada vez mais realocada para as áreas periféricas dos centros urbanos, marcadas pela escassez de equipamentos públicos que pudessem atender as suas necessidades básicas. E esse ato aproxima ainda mais essa população das diversas formas de violência, desde a violência caracterizada pela negação dos direitos básicos dessa população, seja pela violência física, engendrada a partir de vários fatores resultantes desse modo de vida e das experiências pelas quais são obrigados a passar.

É neste cenário que este artigo busca localizar os jovens contemporâneos, que vivem a fase da vida de definições e tomadas de decisão, e também, a constante tensão entre a busca de sua emancipação pessoal e a subordinação as regras de convivência da sociedade de consumo, principalmente os jovens urbanos que vivem no modelo de "cidade-mercadoria".

O city marketing influencia também a socialização dos jovens. O seu imaginário está impregnado por informações e imagens de juventude veiculadas pelos meios de comunicação de massa, que tantas vezes repetidas incorporam-se na percepção que esses jovens constroem de si próprios e do mundo. Dessa forma são assimiladas muitas das aspirações de consumo e estilos de vida estimulados por essa hegemonização transmitida pela mídia.

No mundo contemporâneo, a violência tem se tornado um fenômeno, que em casos mais extremos, fere o mais fundamental dos direitos humanos, o direito à vida, o que amplia a sua incidência e dificulta ainda mais sua compreensão.

Este fenômeno tem se tornado cada vez mais abrangente e atingido todas as classes sociais, gêneros e gerações, ultrapassando diferenças geográficas, étnicas e políticas. A forma como as formas de violência são experimentadas pelos diferentes grupos de indivíduos pode assumir contornos de singularidade ou porque alguns tipos de violências são mais recorrentes a indivíduos de determinada identidade, ou porque se constituem a partir das relações que se constroem socialmente pelo exercício das relações sociais de classe, gênero, geração e etnia, por exemplo.

Desta forma, o conceito de violência deve ser considerado na sua forma mais ampla, não ficando restrito aos danos físicos que podem levar à morte, mas também conjunto de restrições que impedem o gozo dos direitos essenciais. Por isso fatores como exclusão social, discriminação racial, violência verbal devem ter a mesma atenção que a violência física.

É, portanto necessário ampliar e refletir sobre o conceito de violência, levando em conta as várias manifestações sobre a questão, seus atores, suas vítimas, seus discursos, presumindo que a violência além de destruir fisicamente, ela devasta moralmente, mexendo com a subjetividade dos envolvidos.

Os fatores relacionados aos atos de violência atualmente ganharam contorno de uma multiplicidade, as causas estão relacionadas a diversas outras, não podem ser isoladas. Por conta deste fator, existe uma dificuldade em estabelecer relações de causalidade, principalmente quando se observa a pulverização da violência, sua banalização e sua reinserção no cotidiano dos indivíduos em geral.

Dentro desta realidade, a concentração da riqueza e a dificuldade de inserção remunerada no mundo do trabalho dificultam o acesso desse jovem à renda e, para a maioria dos jovens, a realização das suas aspirações incorporadas. A contradição e o choque que surgem entre os horizontes propostos pela mídia e as limitações concretas da vida real, entre elas a dificuldade de obtenção de renda, condições sociais precárias e inexistência de políticas públicas satisfatórias que promovam a inserção juvenil se posicionam entre os fatores básicos que possibilitam uma explicação dos crescentes riscos de envolvimento com o narcotráfico e com outras formas de delinqüência.

Nesse ciclo é notória a vulnerabilidade em que os jovens se encontram, de formam que passam a ocupar o imaginário social na condição de vítima e de vitimizador.

Os instrumentos existentes de mediação e cultura são poucos e não dão conta das demandas de atendimento aos jovens. Oportunidades profissionais são cada vez mais restritas. Essa situação contribui para a construção da vulnerabilidade desse segmento diante da ação de criminosos, que acabam por buscar ajuda no crime organizado para garantir o sustento da família e de si; tornam-se os "soldados", "aviões", em busca de renda e de reconhecimento social (Projeto Juventude, 2004).

A violência atinge a juventude também a medida que se fortalece o cenário ereforça-se o imaginário coletivo de que todo jovem pobre, morador dos espaços de exclusão é potencialmente vítima ou promotor de violência.

Inúmeros dados têm comprovado que esses jovens, os que moram nas áreas mais periféricas, encontram-se em situação de ainda mais vulnerabilidade à violência e constituem uma das principais causas de morte de adolescentes e jovens.

"Segundo Waiselfisz (2007), a estrutura de mortalidade

é notadamente diferenciada entre os jovens e os

não-jovens. Enquanto as causas naturais (doenças) são

responsáveis por 27,2% das mortes entre os jovens, no

grupo não-jovem representam mais de 90,2% das causas

de mortalidade. Já as causas externas, que na população

não-jovem responsáveis por 9,8% dos óbitos,

são responsáveis por 72,8% da mortalidade entre os

jovens. Essas causas externas englobam acidentes de

transporte, homicídios e suicídios, sendo que estes

últimos, de forma isolada, são responsáveis por mais

de 61,3% das mortes dos nossos jovens."

(LOPES, Sueli. ADORNO, Rubens de C. F. , 2008)

A esse imaginário coletivo que estereotipa os jovens das áreas mais periféricas com potencialidades de criminosos, junta-se outro, o de "correção" através do castigo, através do qual se legitima o uso da violência até mesmo em equipamentos socialmente criados para atendimento dessa população, como a escola, por exemplo.

Essas práticas de violência socialmente produzidas e culturalmente aceitáveis, violam cotidianamente os diretos sociais básicos dos jovens e instituem um viés de classe estabelecido a partir do parâmetro entre periculosidade e classe social, constituindo a cultura que estigmatiza essa população.

Para amplos setores da sociedade e da mídia, as políticas públicas para a população que vive a condição juvenil, ou seja, os indivíduos com idade entre 15 e 29 anos, de acordo com organismos internacionais, devem ser construídas com a perspectiva de controle, seja através da repressão direta, como por exemplo o Toque de Recolher (medida implantada recentemente em algumas cidades brasileiras) ou buscando mantê-los "ocupados", utilizando-se de uma lógica alienante e repressora, pois desconsidera os direitos dos jovens à cultura, ao lazer, ao esporte e ao tempo livre.

Esses mecanismos afastam a juventude da busca e construção de soluções positivas para o enfretamento dessa realidade.

Daí surge a necessidade de pensar em uma política pública que considere esses jovens como protagonistas, com capacidades múltiplas de intervenção na sociedade. E as políticas voltadas para a prevenção das violências devem ser inseridas no marco da inclusão e da universalização dos direitos, implementando-as sem medidas de controle repressivo, e com iniciativas de promoção e garantia de direitos.

Portanto, diante da análise de como se constituem as novas cidades a partir das reestruturações urbanas, as exigências que esse novo modelo estabelece para sua inserção, permite não apenas a exclusão e parcela da população que não se enquadra aos modelos impostos e dominantes, como possibilita a construção de mecanismos que violem os direitos básicos e humanos.

E um os jovens estão entre os segmentos que mais são atingidos por essas reestruturações. O que evidencia a necessidade de construção e o fortalecimento das políticas públicas de juventude que encarem o jovem como sujeteito com capacidades e que promovam a sua inclusão na sociedade e a sua emancipação.

*Acadêmica de Ciências Sociais na Universidade Federal do Pará, do 9º semestre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Projeto Juventude, Instituto Cidadania, 2004.

ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. UNESCO, BID. 2002.

SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003. Pag. 39 a 144.

MITSCHEN, Tomas.Crescimento, pobreza e violência em Belém. NUMA e POEMA/UFPA. 2006.

NJAINE, Kathie. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Violência na escola: identificando pistas para a prevenção. In: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141432832003000200009&script=sci_arttext&tlng=pt (19/12/2009 – 2h28)

ABRAMOVAY, Miriam."A Violência Urbana e seus Reflexos na Escola".

LOPES, Sueli. ADORNO, Rubens de C. F. , Juventude, Pobreza e Violência, São Paulo: 2008.