Para melhor compreensão Buxó relata que mitos é personagem, fato ou particularidade que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma generalidade que devemos admitir os mitos, por sua vez, faz parte das interpretações que cada sociedade tem sobre sua realidade. 1 No caso da maternidade, a elaboração mítica prende-se às diferenças do papel social entre os dois sexos.2 Geralmente, a idéia do rito invoca uma imagem negativa de um ato formal, repetitivo e sem sentido. O cotidiano é marcado por momentos rituais, tais como os cumprimentos ("Tudo bem", "Tudo bom") e as despedidas ("Foi um prazer", "Igualmente") que são gestos externos convencionados e obrigatórios, comunicando pouco além de marcar as vindas e saídas de nossos encontros. Na psicologia e sociologia, o comportamento ritualista é negativamente associado com a repetição e a compulsão vazia. Porém, no campo de antropologia, o conceito do rito é um dos mais antigos e dos mais caros. No seu início, as discussões enfocaram na expressão simbólica dos ritos sagrados, ou seja, nos ritos religiosos como a representação máxima da sociedade. Hoje a noção abrange um conjunto amplo e heterogêneo de eventos presente na vida contemporânea, sejam estes sagrados ou profanos. Podem ser dos mais banais, como as saudações cotidianas que iniciam e fecham os encontros, mas incluem também os cultos religiosos, atos políticos e cívicos, cerimoniais de todos os tipos, processos jurídicos e uma variedade de outros eventos que constroem e expressam a vida social e individual. 2 A gestação é um período de adaptações: físico, emocional, existencial e sexual tanto para o homem quanto para a mulher. Por exemplo, as alterações físicas que acontecem nesse período, como: crescimento abdominal, sensibilidade mamária, maior lubrificação vaginal, vômitos e náuseas (em alguns casos), entre outros ficam evidentes para a mulher. Todas essas alterações podem influenciar fortemente no relacionamento do casal, pois geram desconforto. 3 Com relação ao nascimento, temos rituais tão variados quanto o da "couvade" entre alguns grupos indígenas (após o parto é o homem que fica de resguardo, enquanto a mãe logo já está se ocupando de seus afazeres cotidianos), quanto o da circuncisão de meninos ou a excisão das meninas. A atribuição do nome da criança é outro tema fundamental entre os rituais de nascimento, significado na maior parte das vezes o ingresso ou inclusão desta no grupo. 4 O parto é um acontecimento de relevância na vida da mulher, uma vez que constitui momento único para o binômio mãe e filho, por envolver aspectos psicológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais, é considerado por vários autores um fenômeno complexo. Na história da parturição, o imaginário feminino do parto foi construído a partir dos mitos que permeavam a gravidez, o parto e o nascimento. Os mitos nascem com um evento histórico marcante, que assume características próprias, e pode ser um modo de orientar as pessoas para a realidade. Ainda, representa um modelo de ação por meio do qual o grupo dominante estabelece os conteúdos simbólicos e de dominação para garantir seus interesses. 5 Objetivo Geral. Discutir a partir da revisão sistemática a influência dos mitos e ritos no preparo da mulher para o parto e nascimento. METODOLOGIA O estudo teve uma abordagem qualitativa do tipo revisão sistemática. A pesquisa bibliográfica baseou-se no referencial teórico de Adriana Tanese, sendo realizada uma pesquisa em bancos de dados indexados nas bases do Lilacs, Medline, Bdenf, Ministério da Saúde no período de outubro e novembro de 2010, sendo incluídos de periódicos, resumos de artigos de periódicos, resumos de artigos e livros. O acesso a esses bancos de dados foi via on-line através dos sites: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Ministério da Saúde. Os descritores utilizados para identificar as publicações foram: "Ritos", "Parto" e "Nascimento".6 RESULTADOS E DISCUSSÕES Entre os egípcios a parturição era uma arte sagrada. As parteiras tinham suas escolas nos templos e eram chamadas de mães divinas. Isis, esposa de Osíris, era a Deusa dos Partos. Havia salas de parto nos templos, que evoluíram em templos especiais no período ptolomaico, "Mammisi" ou casa de parto. O parto estava, em todos os seus aspectos, sob a tutela da divindade e pertencia ao âmbito da experiência religiosa. Data-se há mais de três mil anos a.C. a existência da ?pedra de vir ao mundo?, três pedras que formavam um assento sobre o qual a mulher se ajoelhava ou sentava para parir. Esta pedra é que estava nos templos egípcios.2 No Museu do Louvre em Paris, vê-se num vaso Leto, a deusa mãe dos gêmeos Ártemis e Apolo, ao dar à luz: ela está de joelhos, apoiada sobre os cotovelos. Assim era o parto entre as gregas arcaicas, enquanto que as romanas faziam uso de uma cadeira especial e eram acompanhadas por parteiras. 2 Entre os Incas, os partos eram de cócoras ou sobre uma cadeira baixa, como se vê nos vasos de cerâmica. Nos baixos relevos das pirâmides Maias há representações de partos com uma mulher apoiada com um pé no chão e a outra perna ajoelhada. Os Astecas tinham uma Deusa do Parto, Tlazolteol. Uma de suas estatuetas a representa dando à luz o Deus do Milho, Centéol, na posição de cócoras. 2 Licurgo de Castro Santos descreve, na sua História Geral da Medicina no Brasil, o parto das índias: ?Não obstante achar-se grávida, a mulher nativa trabalha de sol a sol... A gestação processava-se normalmente e o parto fazia-se com grande naturalidade, às primeiras dores, onde quer que estivesse, no mato cortando lenha, à beira da água ou no terreno da aldeia, a indígena punha-se de cócoras e o feto descia, seguido das páreas e de quantidade mínima de sangue. A própria parturiente seccionava o cordão umbilical com uma lasca de taquara. 2 O parto está estereotipado dentro das normas obstétricas, e a mulher. Em sua via crucis, ao cumprir todas as etapas previstas pelos protocolos hospitalares, está sendo confinada e rebatizada em seu papel de gênero. Em Birth as an American Rite of Passage a antropóloga americana Robbie Davis-Floyd, movida pela pergunta relativa a como é possível que uma especialidade médica que se diz científica possa parecer tão irracional, estudou os procedimentos rotineiros usados nos partos hospitalares sob a ótica da antropologia. Não há sociedade conhecida, diz ela, na qual o nascimento não esteja rodeado por rituais e tabus. 2 Ao transferir o parto da casa para o hospital, longe de desritualizar o parto, observa-se o proliferar de rituais em torno da fisiologia natural, rituais mais elaborados do que os de outrora. Ela sustenta que os procedimentos obstétricos são rituais racionais de nossa sociedade tecnocrática que servem para exorcizar o medo que esta tem dos processos naturais, dos quais depende para sua perpetuação. O uso excessivo de tecnologia é explicado pela necessidade de enfatizar a superioridade da técnica sobre a natureza e com ela a reafirmação do controle do homem sobre a natureza, assim como o controle do homem sobre a mulher e seu corpo, dada como encarnação humana da natureza. Pois, se a subjetividade consciente das mulheres adaptou-se ao modelo patriarcal masculino de ser, seu corpo continua carregando os símbolos daquela natureza indômita, caótica, misteriosa e assustadora que antigamente ela própria em sua inteireza humana servia para representar.7 Rituais são padrões repetitivos e simbólicos que, pondo em ato crenças, dão suporte à cultura. São instrumentos poderosos e pedagógicos de socialização, seu recado atinge seja os que passam por eles, sejam os que o assistem. Mobilizando o hemisfério direito do cérebro, não necessitam da tomada de consciência, para terem efeito. Sua finalidade é alinhar o sistema de crenças individual com o da sociedade, tornando o sujeito um cidadão, a pleno título daquela determinada sociedade.2 Davis-Floyd enumera algumas das principais características dos rituais: eles não são arbitrários, mas provêm de um sistema coletivo de crenças que lhes dá fundamento e validade; são repetitivos, rítmicos e redundantes, em função da reafirmação certeira de seu conteúdo; são simplificados, do ponto de vista cognitivo, a fim de reduzir durante sua duração, todos os participantes ao mesmo nível cognitivo; produzem uma estabilização cognitiva, isto é, permitem aos indivíduos em situação de estresse manter o controle e sentir-se sujeitos, governando o caos e fazendo a realidade parecer compreensível; promovem a ordem, a formalidade e o senso de inevitabilidade, metaforizando a presença da ordem cultural versus o caos natural; sua atuação é estilizada, como se seguissem um roteiro teatral; envolvem uma grande carga afetiva com experiências emocionais intensas; produzem uma transformação cognitiva semelhante à conversão religiosa, quando os símbolos e a realidade confundem-se numa experiência de indiferenciação; enfim, rituais servem para a manutenção do status, ou seja, para a transmissão do sistema de crenças daquela determinada sociedade. 7 As mulheres ao entrarem numa maternidade fazem experiência de uma série de rituais (o protocolo hospitalar) que visam, por um lado, permitir que a equipe técnica tenha meios para lidar com o mistério do nascimento e vencer o poder da natureza e do caos presentes no evento; por outro, reafirmar a identidade feminina como defectiva, dependente, e a serviço da reprodução do sistema de crenças da sociedade, como a depositária de seu "capital simbólico". 8 Os ritos de iniciação são momentos delicados, difíceis e críticos da vida de uma pessoa. Antigamente, e ainda hoje, entre os povos assim chamados "primitivos", esses momentos são reconhecidos e marcados por específicos rituais. Trata-se de etapas da vida e acontecimentos que merecem destaque e são abordados através de um conjunto de procedimentos cautelosos, a fim de que sua função seja cumprida. O sentido de um ritual é propiciar determinada experiência a um indivíduo, vivência esta que será um marco em sua vida, produzindo efeitos em longo prazo. No rito de iniciação, celebra-se e propicia-se uma passagem; a saída de um universo, como, por exemplo, aquele da infância, e a entrada em outro, rumo à idade adulta. Entre os Xavantes brasileiros, o período de tempo entre estas duas fases da vida, que é a adolescência, é vivido como um longo rito de iniciação que se realiza durante anos marcados pela separação entre meninos e meninas, pela atitude recolhida e introvertida que faz com que cada jovem mantenha um distanciamento respeitoso para com os membros adultos da comunidade, pela proibição das relações sexuais (que só terão início após a passagem, quando for atingida a maioridade) e pela convivência entre jovens do mesmo sexo, que passam a ser sujeitos à tutela de um adulto que os orienta, o padrinho. Esse longo período de passagem culmina ? para os homens ? numa cerimônia que marca a iniciação à maturidade social e sexual, e que se realiza através do ritual furo na orelha. 2 Como em todos os ritos de iniciação, aqui também há uma prova de coragem: suportar a dor do furo na orelha é uma demonstração de força e amadurecimento emocional. Os ritos de iniciação não são privados e individuais, mesmo que aconteçam em solidão e silêncio. Eles mobilizam a comunidade inteira, representando um evento que modifica a configuração social, altera as relações e cria novos sujeitos. O parto e o nascimento têm tudo isso. Os ritos de iniciação requerem um preparo, como bem mostra a experiência dos Xavantes. Este tempo pode ser longo, demorando anos, ou meses, como no caso da gravidez e parto. Principalmente, o rito só cumprirá sua função se a mulher estiver consciente do que está acontecendo, assumindo a gravidez e dirigindo-se confiante e firme, apesar dos medos e dificuldades que sempre podem espreitar rumo a seu desfecho: o parto. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para melhor compreensão sobre as várias formas do parto e nascimento, se fez necessário fazer uma diferenciação entre rito e mito, abordando o ritual como o "modo pelo qual as coisas são ditas". Diante dessas informações percebemos que os mitos e ritos, influenciam no processo de parto e nascimento, e que diferem de acordo com cada cultura por envolver aspectos físicos, emocionais e econômicos. E que apesar da universalidade da presença do mito ele não é em si universal, pois o que é fato para uns, pode não ser para outros. Referências 1. Buxó MJR. Antropologia de La mujer: cognição, lengua e ideologia cultural, Barcelona (ESP) : Anthropos: 1988 2. Silva Adriana T. N. da A Carne se faz verbo o parto de baixo risco visto pela ótica das mulheres Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo 2004. 3. Flores, A. L. G. C. T.; Amorin, V. C. O. Sexualidade na Gestação: Mitos eTabus. Maceió: Revista Eletrônica de Psicologia, ano, 1, n.1, jul.2007. 4. Rodolpho, A.L; Rituais, ritos de passagem e de iniciação: uma revisão da bibliografia antropológica. Estudos Teológicos, v44, n.2.p. 138-146. 2004 5. Study; A. P. A. S.; Progianti, J. M.; Santos, I. Women?s Myth Symbolic Dimension on the Childbirth: Sociopoetic. Revista de Enfermagem UFPE On Line, n.4; v. 1, p.300-310, jan/mar, 2010. 6. Cochrane Library The. Disponível em: http://www.update- software.com/cochrane/. Acesso em: 2010. 7. Davis-Floyd, Robbie E. Birth as an American Rite of Passage. Berkeley and Los Angeles, California: University of California Press, 1992. 8. Bourdieu, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2002. 9. LUZ, A. M. H.; BERNI, N. I. O.; SELLI, L. Mitos e tabus da maternidade: um enfoque sobre o processo saúde-doença. Brasília: Revista Brasileira de Enfermagem, n.1, v. 60, jan./fev., 2007. Disponível em: . Acesso em: 04/11/2010. 10. Eliade M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo (SP): Martins Fontes; 1992.