A identidade do pecado socioestrutural
Joacir S. d?Abadia

As ciências
O próprio da teologia é mergulhar no mistério de Deus e de seus desígnios. Se a teologia quiser manter sua identidade, não poderá distanciar-se da Revelação e da fé. No entanto a teologia não poderá cumprir sua tarefa na atualidade, ignorando as ciências. Pois elas apresentam uma função positiva. São elas que oferecem subsídios para se perceber uma nova consciência de que a história depende de nós. É também através desta consciência que o ser humano passa a se responsabilizar por grande parte dos males que afetam a humanidade. Assim, chega-se ao termo "socioestrutural".

O termo "socioestrutural"
Pela expressão "socioestrutural", quer designar uma realidade tão profunda e misteriosa que nenhum conceito se mostra apropriado. Outro aspecto a ser ressaltado é o da alienação que continua sendo uma das manifestações do pecado; também o pecado estrutural não se configura de um momento para outro: mais do que em nível pessoal, ele é um processo de desagregador.
Percebe-se, pois, que aquilo que se denomina de pecado socioestrutural não se configura em pecado sem pecador. Mas o pecado socioestrutural é o que melhor revela nossa responsabilidade.

Pecado e libertação
O que se afirma do pecado deve-se afirmar também da libertação: a libertação, em primeiro lugar refere-se ao nível teológico, isto é, libertação do pecado, raiz de todo mal. Mas, ao mesmo tempo, terá de ser libertação de todos os males que têm raiz no pecado e que se cristalizam em situações e estruturas de pecado.



Ruptura dos seres humanos com Deus
O pecado atual não se explica sem aquela primeira e decisiva ruptura dos seres humanos com Deus. Com efeito, o pecado original, é uma condição humana que não diz respeito apenas a cada pessoa, mas que se introduz nas engrenagens da história.
E, contudo por mais que devamos aproximar as duas realidades representadas pelo pecado original e pelo socioestrutural, devemos dizer que o primeiro se encontra na raiz de todos os males.

A responsabilidade coletiva do pecado
O pecado é sempre pessoal, mas deve-se admitir que existe uma responsabilidade coletiva. Contudo o pecado socioestrutural traduz um grau de perversidade muito mais generalizado e muito mais entranhado nas engrenagens sociais.
A responsabilidade coletiva e comunitária é uma das características mais marcantes da compreensão bíblica do pecado. O pecado socioestrutural seria, portanto um mal humano que adquire uma existência exterior à consciência dos indivíduos e a ela se impõe.

O que é "pecar" para os profetas?
Pecar é mergulhar na iniquidade ou negar-se a abraçar os projetos salvíficos de Deus que devem concretizar-se na história. Apesar da abundância do vocabulário, seu referencial básico é sempre o da Aliança. A fidelidade ou a infidelidade à Aliança se concretizam na história.
À luz da teologia do pecado, desenvolvida pelos profetas, o mínimo que se pode afirmar é que eles já perceberam o pecado atuando num raio mais amplo do que o dos corações e numa profundidade maior do que aquela que se pode encontrar na pior das pessoas.

O que é o pecado para Jesus
Jesus, a respeito do pecado, trabalha no horizonte sobre o Reino. A proposta de Dele fica mais clara quando se contrapõem os reinos deste mundo com o Reino de Deus.
É no confronto com a proposta do Reino que se percebe melhor o que é o pecado para Jesus. Enquanto o Reino é uma força integradora tanto das pessoas quanto da sociedade, o anti Reino se apresenta como força desintegradora também pessoal e socialmente.

Os três níveis de pecado socioestrutural
O Papa João Paulo II retomou várias vezes a temática do pecado socioestrutural. Para ele há que distinguir três níveis diferentes:
a) uma espécie de comunhão no pecado, contraposta à comunhão dos santos;
b) a violação da justiça e dos direitos da pessoa humana;
c) as várias relações entre as várias comunidades humanas.

A denúncia do pecado
No documento Solicitude Social da Igreja, o Papa João Paulo II não só garante que não é fora de propósito falar de "estruturas de pecado", como assinala que "elas se reforçam, se expandem e se tornam fontes de outros pecados, condicionando o comportamento dos homens" .
Por fim, a Encíclica o Evangelho da vida está toda ela dentro das pressuposições do pecado socioestrutural. Contrapondo frequentemente a "cultura da morte" e a "cultura da vida", lendo questões como eutanásia e o aborto em chave político-social, denunciando a "guerra dos poderosos contra os débeis... numa conjura contra a vida" (n. 12).
Diante de tudo isso, o homem se coloca mais próximo da reflexão teológica do pecado sócio estrutural. Sabendo que é pecador e que precisa sempre da graça de Deus para sair do seu pecado.