1 INTRODUÇÃO

A economia monetária ocupa um papel central nas análises mais modernas de política macroeconômica, sobretudo a partir do debate teórico que se estabeleceu em meados do século XX, com a formulação de modelos mais atualizados de demanda por moeda, tendo como principais referências o britânico John Maynard Keynes e o americano Milton Friedman. No que se refere ao aspecto monetário, especificamente, o objetivo das teorias apresentadas é explicar os determinantes na demanda por moeda da população, assim como as causas e consequências de desequilíbrios entre a oferta e demanda monetária.

No Brasil, essas questões, frequentemente, representam a pauta central do debate econômico, envolvendo, inclusive, conflitos ideológicos, devido às usuais utilizações de política monetária como meio de se atingir determinadas metas, seja em relação ao crescimento da renda, ao combate à inflação, o controle da taxa de câmbio, entre outros. Mais recentemente, no ano de 2015, o risco do não cumprimento das metas de inflação na economia brasileira retoma o debate em torno de desequilíbrios monetários, embora boa parte das explicações se fundamente nas questões fiscais. Inserido nesse contexto teórico e conjuntural, o presente trabalho busca realizar uma estimativa da demanda por moeda na economia brasileira pós estabilização da moeda no Plano Real, mais especificamente de 1996 até 2015.  

O trabalho será dividido em quatro partes além dessa introdução. Apresentar-se-á, na sequência, uma exposição teórica sobre as principais vertentes que explicam a  demanda por moeda; os objetivos do trabalho; a metodologia utilizada, juntamente com a estimativa do modelo; e, por fim, os resultados e considerações finais.     

2 REFERENCIAL TEÓRICO 

A presente seção apresenta as principais vertentes teóricas modernas que buscaram realizar um estudo aprofundado da demanda por moeda. Conforme será apresentado, com o objetivo de aperfeiçoar os modelos antecessores, buscando explicações com maior poder analítico, os teóricos incrementaram novas variáveis independentes à equação de demanda por moeda e, a partir disso, propuseram novas explicações para os desequilíbrios monetários. Assim, embora haja premissas em comum, as teorias apresentam distintas visões e soluções para o mercado monetário. Nesse contexto, buscar-se-á analisar os pontos de convergência e divergência entre as vertentes, apresentando-as em sentido cronológico: 1) a Teoria Quantitativa da Moeda; 2) a Teoria de Keynes; e 3) a Teoria Monetarista de Friedman.

Conforme aponta Cardim et al.(2007), a Teoria Quantitativa da Moeda se popularizou no início do século XX a partir da elaboração do economista americano Irving Fisher, no livro The Purchasing Power of Money, embora sua formulação inicial remonte aos séculos XVIII e XIX. Ao contrário das demais teorias monetárias a serem abordadas neste capítulo, a TQM não se debruça na análise da moeda como forma de riqueza e a relação dessa com os demais ativos, focando, portanto, no papel elementar da moeda como meio de pagamento utilizado nas transações econômicas. Com isso, o objetivo fundamental dessa vertente é estabelecer a relação entre o total de pagamentos em moeda e o total de transações de bens e serviços na sociedade, de maneira que apresenta o modelo com menor número de variáveis explicativas da demanda monetária. Mesmo após a formulação de Fisher a TQM passou por processos de aperfeiçoamento, seja por problemas teóricos ou metodológicos, apresentando versões revisadas da elaboração original.

O pressuposto inicial da teoria pode ser expresso na equação: 

                       (1)

em que,

M é a quantidade de moeda;

V é a velocidade de circulação da moeda;

P são os preços dos bens e serviços transacionados;

T é quantidade de transações de bens e serviços na sociedade.

Posteriormente, por problemas metodológicos – advindos da dificuldade de se medir a quantidade de transações – o lado direito da equação (PT) foi substituído por PY (em que Y corresponde ao Produto Interno Bruto real, medido pelo volume total de bens e serviços produzido em um determinado período de tempo). A premissa, que seguiu inalterada diante dessa modificação, é de que os preços são função direta da quantidade de moeda e de sua velocidade de circulação, e função inversa do volume total de bens e serviço. Aumentando-se a quantidade de moeda ou sua velocidade de circulação, mantendo-se inalterado o volume de bens e serviços, aumenta-se o nível de preços. Por outro lado, aumentando-se o volume de bens e serviços e mantendo inalterada a oferta de moeda e sua velocidade de circulação, reduz-se o nível de preços.

Na dinâmica quantitativista, no entanto, a velocidade de circulação da moeda e a quantidade de bens e serviços representam variáveis relativamente estáveis, que não se alteram significativamente em curtos períodos. A velocidade da circulação da moeda depende, nessa perspectiva, de fatores institucionais e culturais e só sofre mudanças brandas ao longo do tempo. Por sua vez, o volume de bens e serviços dependerá, em última instância, do comportamento de variáveis reais, que independem do sistema monetário[1]. Portanto, conclui-se que o nível de preços passa a depender em maior magnitude da quantidade de moeda na economia. Alterações na oferta de moeda em desacordo com a evolução do produto real recairão sobre os preços, aumentando-os caso a oferta exceda a taxa de crescimento real e reduzindo-os caso a oferta seja insuficiente para determinado volume de bens e serviços.  

Uma terceira versão da TQM, denominada abordagem de Cambridge, partindo do pressuposto que a moeda exerce um papel de transportador do poder de compra entre datas presentes e futuras, estabelece uma forte relação entre a demanda por moeda e o nível de renda. Em outras palavras, a quantidade de moeda que um agente deseja reter depende do volume de transações que ele executa em dado período de tempo (já que nessa vertente a moeda tem apenas a função de meio de pagamentos), o que deve variar conforme o seu próprio nível de renda.  Evidentemente, agentes econômicos com maior renda são propensos a maiores quantidades de transações econômicas. Assim, a quantidade de moeda demandada será determinada por uma parcela da renda (k) que os agentes desejam manter em saldos monetários para realizar as transações. Com isso, a versão de Cambridge pode ser expressa na equação: 

                       (2) em que,

Md é a quantidade de moeda demandada;

k é o estoque de moeda em relação à renda nominal (Py); 

Percebe-se, portanto, que apesar de alterações no modelo, a premissa quantitativista é de que a oferta de moeda deve ser ajustada ao nível de renda. Uma quantidade de moeda além da necessidade real dos agentes econômicos levaria somente a um aumento do nível de preços.

O segundo postulado teórico a ser explorado foi elaborado pelo economista britânico John Maynard Keynes após a crise de 1929, em seus escritos sobre o Tratado da Moeda (1930) e a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), além de outros trabalhos posteriores[2]. O modelo explicativo de Keynes apresenta uma versão alternativa à teoria clássica, considerando outras variáveis determinantes na demanda por moeda. Com isso, o autor desenvolve um modelo teórico mais complexo, partindo do pressuposto – e contrariando os quantitativistas- de que a moeda é mais do que um meio de transação nas operações de compra e venda, e sim um ativo com capacidade de resguardar valor ao longo do tempo.

Nesse sentido, a premissa fundamental da teoria é de que a moeda, além de um facilitador das transações econômicas na sociedade, é uma forma de riqueza – um ativo. O principal atributo da moeda enquanto forma de riqueza é sua alta liquidez, isto é, além da capacidade de reservar valor ao longo tempo, a moeda apresenta um alto grau de flexibilidade e aceitação nas transações entre os agentes, tornando muito curto seu tempo de negociação. Por esses atributos, que Keynes denomina de prêmio de liquidez, a moeda seria o ativo mais atrativo em períodos de incerteza, em detrimento de outros ativos rentáveis.

Assim, partindo da premissa da dupla função da moeda – meio de pagamento e forma de riqueza – Keynes estabeleceu quatro motivos pelos quais os agentes econômicos a demandam: 1) o motivo de transação; 2) o motivo de precaução; 3) o motivo de especulação; e 4) o motivo financeiro. Os motivos transacional e financeiro estão fortemente ligados ao setor real (produtivo) da economia, razão pela qual Keynes denominou-os de circuito industrial. Os motivos precaucional e especulativo, por sua vez, estão inseridos no que Keynes chamou de circuito financeiro, pela alta ligação com o mercado financeiro. Em conjunto, os quatro motivos formam a equação de demanda por moeda formulada na vertente keynesiana.

O primeiro motivo, transacional, refere-se à necessidade dos agentes de reter moeda para executar as transações cotidianas (de compra e venda). Observa-se, especificamente nesse ponto, a moeda exercendo a função de meio de pagamento – assim como afirmavam os quantitativistas. Nesse contexto, quanto maior a intensidade das transações econômicas cotidianas, maior a demanda por moeda para motivos transacionais. Como Keynes aceita que essa intensidade depende do nível de renda da economia, assim como a TQM, aceita-se, na visão keynesiana, a premissa de que parte da demanda por moeda deve ser explicada pela renda – assim, quanto maior o nível de renda maior a demanda por moeda (impulsionada pelos motivos transacionais) e vice-versa. Na realidade, como é plenamente aceita a função da moeda como meio de pagamento, essa premissa é compartilhada entre todas as teorias de demanda por moeda, desde as mais antigas às mais atuais.

O segundo motivo introduzido por Keynes refere-se à demanda por moeda para motivos precaucionais. De acordo com o autor, a alta liquidez característica da moeda a torna ativo preferível em momentos de incerteza[3]. Assim, os agentes retêm moeda para se precaverem em possíveis eventos futuros não calculáveis, como problemas de saúde, perda de emprego, acidentes, dentre outros. Com isso, parte da demanda por moeda deve ser explicada pela variável incerteza, incluída na demanda por moeda elaborada na teoria keynesiana.

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