A DEGRADAÇÃO DA HUMANIDADE NA ERA DA KALI YUGA

Swami Sivananda Maharaj  

SOCIEDADE INTERNACIONAL GITA SANATANA DHARMA

Estudos e comentários do servo e discípulo em Krsna, Mahadeva Sambho Das( Dr.Clazildo Mello)

Considerando que os estudos e a compreensão da filosofia vaishnava vedanta, escrituras sagradas dos grandes santos e gurus da índia, deveria ser de sumo interesse para  todos aqueles que buscam  o auto conhecimento e a luz da auto realização da alma, dado que a maioria de nós(conscientes ou inconscientes)observamos a deterioração que está solapando o moral, a ética, o caráter, a estabilidade ecológica e a natureza externa e interna do homem nesta era de kali yuga. Essa deterioração se faz notar em todos os níveis de atividade materiais, “filosóficas e religiosas”. Em nosso país, principalmente, ela é muito visível - este país que sempre se supôs muito religioso, por tradição, por herança, e pela constante repetição de certas frases e idéias religiosas. Pode-se observar que, aqui, a deterioração é muito mais profunda, mais generalizada e, aparentemente, muito poucos se preocupam em analisá-las com a devida seriedade e conhecimento. Os que se preocupam tratam de ressuscitar o passado, de volver às velhas e venerandas tradições, costumes, hábitos e atitudes de pensamentos arcaicos, aos antigos anti valores - do ganha mais. Ou, ainda, buscam uma solução hipocritamente superficial política, social ou econômica. Como quer que seja, é bem evidente que os que não levam a vida a sério, ou se refugiam no passado, em suas velhas idéias visionárias e ultrapassadas, ou tratam de cultivar um novo conceito político, uma nova fórmula social ou em dogmas falsamente religiosos, sem as bases na Verdadeira Ciência da Consciência de Deus.

Vendo-se nas relações humanas e nas mídias o que se está passando no mundo, e principalmente neste país, parece-nos que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência humana. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças  religiosas ou filosóficas fundamentalistas, idéias e conceitos ultrapassados. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito e degradação do humano e da natureza, sem o supremo conhecimento do Bhagavad Gita, dos Evangelhos do Cristo, e demais livros sagrados; pois sem estes supremos e sábios ensinamentos dos grandes Mestres, seremos levados à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação da falsa moral, porém nunca a enfrentar a Realidade do Creador de Todas as Coisas. O que nos cumpre fazer é, segundo nos parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossas confusões e conflitos, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada de conhecimento superior, para começar a perceber que sem o Supremo Conhecimento de Deus, não existem soluções. Temos de enfrentar-nos assim como somos, indivíduos profundamente ignorantes das ciências transcendentais e não como estamos agindo, segundo um certo padrão de intelectualidade vazia ou ideal sem reais propósitos sobre nossa existência neste planeta. Temos de ver realmente o que somos(corpo físico e alma) e, daí, iniciar a transformação radical, rumo a verdadeira consciência de Deus

Consideramos muito importante compreender que estamos falando de reforma individual, da necessidade de estarmos conscientes da parte em relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo. Quando se considera o que está ocorrendo no mundo, onde a mente dos seres humanos se tornou mecânica, rotineira, onde os povos estão separados em nacionalidades e grupos, divididos pela tecnologia - além das divisões religiosas em hinduístas, muçulmanos, cristãos, etc. - torna-se necessária, a nosso ver, uma ação de caráter totalmente diferente. Devemos descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo promover uma profunda compreensão da alma como fonte da verdadeira vida.

Para nós, o importante não é apenas a imediata "resposta" aos diferentes "desafios" - resposta que deve ser adequada - mas também resposta que seja produto de uma vida profundamente consciente de Deus. Entendemos por “vida consciente de Deus”, não uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão religioso ou sociais, porém a vida consciente resultante da autocompreensão. Porque, sem o autoconhecimento de nós mesmos - o que realmente somos, por mais honestos, e bem intencionados que sejamos - não temos base verdadeira para nenhuma ação ou pensamento efetivo e consciente.

Parece-nos, pois, que todo aquele que esteja real e profundamente interessado, não só na situação mundial, econômica, ecológica ou social mas também em unificar-se com a Verdade Suprema -Deus e descobrir sobre si mesmo,através do auto conhecimento, em descobrir além dos limites da mente ilusória de maya - deve tratar de compreender totalmente a si próprio e somente assim descobrirá Deus. E tal será nosso único empenho no decorrer que está a fonte, o manancial de nosso pensamento, nosso sentimento, nossa ação e de nosso ser. Se não há autoconhecimento, se não há compreensão do Eu verdadeiro - não do "eu inferior ou ego", pois se não há essa compreensão total, completa, de todo o nosso ser, nesse caso toda ação, todo pensamento, todo sentimento, toda idéia só conduzirá a mais confusão, mais angústia e degeneração.

E parece-nos que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige seriedade, devoção e fidelidade. Por estas palavras, entendemos a capacidade de prosseguir até o fim na busca da Verdade Suprema ou Deus, por meio do autoconhecimento divino. Por não sermos verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer apenas os nossos limitados e intemporais sentidos. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade, reflexão e meditação. E isso requer energia superior; ninguém pode ser sério se não tem energia transcendental conectada com o Supremo. Não deve essa energia ser esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato tal como é, sem as distrações da mente inconsciente, e capaz de seguir essa senda até o fim - uma energia divina, tanto corporal, mental superior e sobretudo espiritual.

E, para se ter energia de conexão com o Supremo – Yoga -, não deve haver conflito, já que o conflito é energia da ignorância e o principal fator de deterioração do ser. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito com o mundo material. Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós - com o próximo, com nós mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração da alma.

Ora, a nosso ver, a compreensão desse conflito entre o Ser e o ego, compreensão não parcial, porém total, é a mais importante tarefa da mente consciente humana. Porque só com a completa terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade. E só essa mente consciente é capaz de descobrir o que é o amor e de descobrir a Deus, porque tudo o mais, em qualquer forma que seja, é pura especulação. A mente verdadeiramente religiosa não especula; move-se tão-somente, de fato para fato. E não é possível observar o fato quando há conflito ou tensão de qualquer espécie.

Assim, cremos que nosso problema principal resulta de termos perdido completamente a conexão com a verdadeira religião, o espírito superior religioso. Podeis ter templos, freqüentar o templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero; mas não sois pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto com a compreensão e rendição a Suprema Verdade Absoluta.

Sois moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Vossas crenças, vossa conduta, vossa maneira de pensar, tudo é resultado de vosso condicionamento pela sociedade em que viveis. Este é um fato óbvio, irrefutável. Mas, separamos o mundo material como coisa diferente de nós, porque o mundo externo é forte demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de nós mesmos, refugiando-nos em nossas  supostas crenças, nossas esperanças vãs, temores e falsos conceitos especulativos. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.

É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos esse frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento superficial acumulado e, conseqüentemente, nunca estamos aprendendo, porém apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender e de dar sentido a nossa vida.

Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar - são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não vossas crenças dogmáticas, vossas esperanças vãs, vossos deuses impessoais; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade - eis o mundo a que pertenceis. E a função da mente verdadeiramente séria e consciente é transcender esse mundo ilusório . A mente séria deve observá-lo. Isto é, deveis observar a vós mesmos, porque vós sois o mundo; porque há em vós angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque sois impelido pela ambição, a avidez, a inveja - sois esse mundo ilusório. Não sois o que pensais ser - que sois deuses, etc. Isto é só absurda especulação e a mais profunda ignorância dos falsos religiosos. Tendes de partir dos fatos e tendes de aprender a respeito de vós mesmos.

Há, pois, diferença entre aprender com consciência e sabedoria e acumular conhecimento acadêmico e especulativo. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de Deus e de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo como o divino, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim fizerdes, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos - e isso é possível, através da meditação diária - se vos mantiverdes em constante observação, vereis que adquirireis uma energia divina extraordinária. Porque então a autocontradição do mundo material temporário e ilusório estará sendo compreendida e transcendida.

A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de "cerebração" ou mera operação intelectual. Só podeis compreender verdadeiramente quando lhe aplicais vossas mentes conscientes, vossos corpos sádios, vossos sentidos despertos, vossos olhos vivos, vossos ouvidos atentos, tudo em consonância com a consciência superior. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.

A contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência material diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para nosso desespero; a angústia imensa da alma, mas também a angústia do mundo em que vivemos, e nunca encontrarmos uma saída dessa angustia, sem a devida compreensão de que somos Almas. Eis todos os fatores que geram a contradição - dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente ignorante se acha em contradição, tem de haver conflito dos egos inconscientes.

E, sem dúvida, a mente inconsciente que se encontra em conflito e não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir  que somos almas sedentas por liberdade e liberação, além do corpo material humana. Por certo, esta é a função da religião superior. A função da mente consciente e religiosa é descobrir a Verdade. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerando que seja. Vós tendes de descobri-la rendendo-se ao Absoluto. Não podeis comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, aos conflitos. Com o estar cônscio em consciência superior, deveis observar, escutar os grandes mestres superiores da humanidade. Escutar é uma arte. Se souberdes escutar os ensinamentos sagrados - como vos tornareis extraordinariamente sensíveis. A mente consciente se torna sobremodo alertada quando escutamos a verdade divina - isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos - pois isso nos impede de escutar com sabedoria. Mas, se escutardes os pensamentos dos auto realizados, vossas exigências, o desespero de vossa existência, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta vereis que vossa mente se tornará sobremodo lúcida.

E só a mente muito lúcida, a mente sã, consciente, racional, lógica, devocional, em que não há conflito com o inconsciente do ego - só essa mente pode prosseguir até descobrir, por si própria, a Realidade de Deus. Só essa mente é verdadeiramente religiosa. A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos de nosso próprio ser. E vereis então, por vós mesmos - e para isso não se necessita de provas supostamente cientificas, nem de falsos religiosos, nem de livros de falsas autoajudas - se a Verdade existe, essa Realidade é Deus. E encontrareis, então, um extraordinário sentimento de libertação dos sofrimentos mundanos. Em Deus/Krsna existe toda a Supra Consciência, a Claridade Eterna, a Beleza Infinita, a Bem-aventurança Atemporal e o Amor Pleno e Divino.