Santos. Arquitetura e urbanismo de uma cidade em movimento
Apresentação
Para uma análise crítica da produção cultural da cidade de Santos, seja qual for a baliza adotada, a partir das suas manifestações na arquitetura, no urbanismo e nas artes plásticas, é fundamental uma releitura da trajetória das transformações da malha urbana em conexão com o processo histórico, dialogando com a teoria e os conceitos que passam pela reconstituição do campo social e estético da cidade.
A visão vanguardista para a ideologia da História da Arte, pretende uma diferenciação da sociologia da arte. Isso esbarra em conceitos elitistas em que a teoria, europeizada, universalizou e definiu determinados tipos de objetos como "objetos de arte", quando é fruto de uma produção artística em que a obra deverá ser resultado de uma atividade de gênero - masculino - erudita no que diz respeito à arquitetura, elaborada com materiais nobres: bronze ou mármore para as esculturas e óleo sobre tela para a pintura. O artista, no conceito europeu, é branco e dono de alto grau de erudição, vedada à mulher. Temos uma tipologia privilegiada disseminada pela Europa, transformando em valor universal, uma atitude intelectual. O teor deste "pré" conceito, resulta uma triagem limitada dos próprios vestígios materiais, que podem evidenciar uma interpretação tendenciosa e imprecisa por ocultarem outros elementos, ou fontes, não enquadrados como produção artística, como uma obra de arte. Infelizmente, tal concepção preconceituosa, é aceita desde 1920, legando para o pesquisador mais atento, apenas uma parcela de documentos e obras de arte, tido como representante absoluto de algum estilo ou escola.
A bibliografia específica é vítima maior do relatado. Os monumentos e o patrimônio artístico e histórico, somado aos interesses econômicos e à pouca vontade política, são vítimas freqüentes do descaso cultural.
Trabalhar a cultura material, produto de um fazer humano, no sentido da função social do objeto, exige critérios específicos. As fontes são diversificadas mas dentro de um limite de possibilidades de acesso, porém tratadas com rigor na seleção e interpretação.
A pesquisa elaborada não pretende esgotar o assunto, apenas contribuir para uma nova leitura da cidade, possibilitando novos questionamentos, abrindo campo para novas e futuras pesquisas.
Não é o objetivo deste trabalho um rol de biografias de artistas, autores ou construtores santistas, nem um catálogo de registro de obras ou monumentos abrigados na cidade - isso já temos espalhado em materiais já editados.
A metodologia empregada na pesquisa e as fontes trabalhadas, serviram para redirecionar a interpretação da produção artística da cidade, através da investigação de um número determinado de ícones relacionados ao objeto. Houve a preocupação em não fazer uma análise de elementos isolados, ou uma mera descrição de edifícios e obras de arte já trabalhados na bibliografia sobre Santos. Tampouco, se prender na obrigatoriedade de abarcar toda a produção artística desenvolvida no século XIX e XX.
Antes de tudo, reafirmando, é um processo de análise da produção cultural - arquitetura, urbanismo e pintura - desenvolvida na região, sob a visão crítica, justificando - na medida do possível - sua estética e resultado final, em constante diálogo com o processo de transformação urbana e social.
Dentro do panorama das artes plásticas foram buscados determinados elementos do objeto de pesquisa que pudessem estabelecer uma metodologia coerente de investigação, limitado por fatores operacionais como a dificuldade de interagir, enquanto pesquisador, com instituições, raras bibliografias e documentos disponíveis.
O resultado foi um olhar sobre a cidade em constante movimento, a partir da manifestação arquitetônica e do urbanismo.
A baliza pretende uma pesquisa voltada para o século XIX, nessa primeira parte do projeto, mas é necessário fazer uma volta aos séculos anteriores para a justificativa da conjuntura do século XIX e mesmo do século XX. Outro fator condicionante para o "extrapolar" da baliza, é a questão das "permanências" que, por muitas vezes é passiva da sutil tendência, da historiografia, em trabalhar mais as rupturas, as transformações e reações, abandonando as leituras daquilo que se mantém, que permanece, que se torna tradicional e resistente às metamorfoses. Isso pode e deve nos remeter aos tempos coloniais, extrapolando as pré-determinações da baliza utilizada como elemento norteador do estudo temporal e mesmo espacial, buscando referências, no macro - universo, pertinentes à pesquisa. Não cabe aqui um discurso sobre o tempo histórico e os conceitos de longa ou curta duração, mas é importante notar a preocupação do enfoque na leitura de tais permanências.
Tratar permanências como mera herança de uma postura estática, virando as costas para a dinâmica da história seria uma irresponsabilidade leviana. É preciso traze-las ao campo social, justificando e discutindo seu aspecto e função na conjuntura da cidade. Nessa "praxis", uma série de problematizações poderão ser levantadas como a questão dos elementos e partidos arquitetônicos do mundo rural, presentes em pleno apogeu da nova ordem de modernidade europeizada, quando um pequeno surto de construções de elite, emergia nos novos bairros, abrigando a aristocracia cafeeira com todo seu discurso progressista, esbarrando, já no final do século XIX, nos ideais positivistas.
A produção arquitetônica do século XIX, ainda tímida nas primeiras décadas, manteve o mesmo partido do século XVIII. Esse fenômeno não foi uma característica exclusiva da cidade de Santos. Foi a vinda da corte para o Brasil e a Missão Artística Francesa que colocaram o marco decisivo no comportamento da arquitetura brasileira. O Rio de Janeiro, dessa maneira, foi a primeira cidade do país que passou a irradiar novos aspectos culturais às outras cidades do Brasil. Os reflexos dessa nova ordem, chegam na baixada em meados do XIX. Era o momento do estilo neoclássico como uma postura oficial na arquitetura e pintura no Brasil.
O dinamismo que envolve o objeto de pesquisa e seus sujeitos históricos, está baseado nas características geográficas e na polifonia da "urbes".
O porto com sua atividade catalisadora de recursos humanos e materiais determinava o perfil urbano e novas dimensões, caracterizando o eixo "barra ? centro" como elemento divisor de setores tais como residencial, comercial, popular e de elite, anteriormente concentrados numa região espacial de menor dimensão, desde os tempos coloniais. Esta questão deverá nortear a conjuntura estabelecida no resgate do tema trabalhado, abordando a própria atividade econômica, social e cultural da cidade.
Para situar tais questões, é necessário um levantamento da situação e do "desenvolvimento" da cidade de Santos. Para Anna Lúcia Lanna,
"a compreensão do desenvolvimento e a transformação da cidade de Santos passa pela análise da expansão do porto, da ferrovia e do comércio além da intervenção higienista a partir de fins do século XIX".
A autora reforça sua descrição, lembrando o projeto de Saturnino de Brito com os sete canais de escoamento de águas pluviais, que seguem em direção a praia, cortando a ilha, definindo bairros, sistema viário e até nomenclatura de áreas residenciais que servem para orientar a população na malha urbana, demarcando setores onde valores imobiliários são superiores ou inferiores conforme o canal próximo da localização do imóvel. Esses condutores a céu aberto, margeados pelas principais avenidas da cidade, definem zonas de "elite" ou populares.

O contato com o "internacional", com a pujança da cidade ? ainda tímida ? do litoral paulista, plena de influências européias ? que no período era sinônimo de desenvolvimento, progresso cultural ? a nova mentalidade de "modernidade" e os movimentos gerados pelas relações, que se dão num campo de forças e de poder, as novas classes de trabalhadores, geram um embate entre tradições diferentes.
Ao abordar a questão da imigração no Brasil, mais precisamente em São Paulo, o historiador José Carlos Ferreia Santos deixa bem claro o quanto era reforçada a noção de "modernidade" na valorização do estrangeiro em detrimento aos valores nacionais em sua dissertação . Isso, tanto na tecnologia empregada pelas mãos imigrantes como pelo próprio posicionamento ideológico dos sujeitos, se manifestava no próprio comportamento da sociedade do início do século XX.

A configuração da cidade, da sua arquitetura e a produção nas artes plásticas, são reflexos de uma conjuntura que agrega valores e relações entre os sujeitos e as forças hegemônicas atuantes. Isso vai definir um partido arquitetônico, um estilo formal e funcional para equipamentos urbanos, além da constituição de uma mentalidade norteadora da produção cultural. É a hora de confrontar a arquitetura em diálogo com o urbanismo, o desenvolvimento de uma malha urbana em conexão com o processo histórico dinâmico, os conceitos importados realizando adaptações de interação com o meio físico e humano. Ora, se a complexidade das tendências estilísticas estão em constante movimento, sofrendo ou não adaptações do macro e micro ambiente, isso nos remete à dinâmica das transformações das cidades. É fundamental salientar que os hábitos e costumes, mutantes, que vão interagir com a cultura material, atuam na dialética da sociedade. Em um momento teremos, por exemplo, a arquitetura determinando modos de viver, definindo a concepção de uma edificação. O resultado é uma interação entre homem, costumes e funcionalidade.
Essa dialética vai nortear, não só a função de uma arquitetura empregada na cidade, mas ainda a atuação dos segmentos sociais na organização de novos padrões estéticos, sugerindo, ou não, a necessidade de "profissionais" específicos para atuarem na produção plástica. A pintura, diretamente ligada à arquitetura, num primeiro momento, seguiu quase que anônima. Presa aos ícones edificados das instituições oficiais, públicas, da igreja e na decoração do "pano de boca" de um ou dois palcos na cidade, ou simplesmente na decoração dos tetos e estuques que revestiam a alvenaria de alguns palacetes, a pintura ficou a cargo de padres, curiosos e autodidatas que se tornarão notáveis a partir do final do século XIX e início do século XX - período que deixarei para abordar na próxima fase da pesquisa.










Santos. Arquitetura e urbanismo de uma cidade em movimento.

É no século XIX, ainda no período colonial, que o processo de crescimento das cidades se enquadra nos referenciais estrangeiros do desenvolvimento capitalista. Não só no campo econômico e suas relações, mas também na incorporação de novos valores, cotidiano e mentalidade. São evidentes as novas concepções sobre a polifonia da cidade diante das transformações urbanas, abarcando diferenças no campo da vivência nas relações sociais, estabelecendo novos paradigmas para um novo modo de viver, ler e gerar a cidade.
A arquitetura denunciou a conjuntura da urbes. No panorama da produção cultural, sob a ótica plástica, foi a "arte de morar" que mais representou a transformação da paisagem da cidade, ainda numa escala cromática mais tímida, através dos edifícios e do desenho da malha urbana.
A pintura, presa aos limitados suportes parietais de edifícios religiosos, arriscava uma ou outra pincelada, muitas vezes autônoma, que foram descoradas pelo tempo ou pela ação do homem, na fobia da "modernidade", para dar lugar a outros edifícios, muitas vezes sem qualquer referência de valor histórico ou artístico.
As cidades coloniais eram o resultado da exploração comercial criadas pelos estrangeiros, herança da mentalidade mercantilista que desencadeou o processo de expansão dos séculos XV e XVI. Os novos núcleos, administrados pelas metrópoles, estavam sujeitos às atividades comerciais ditadas pelo processo econômico internacional daquele período: o setor primário e o terciário. Inspiradas no modelo europeu, as cidades não eram um centro industrial, mas sim um núcleo comercial, um entreposto que pressupunha um elo na rede de transportes para a circulação de produtos e gerenciamento de serviços exigidos pela alta concentração de trabalhadores. Eric Hobsbawm e Raymond Willians partilham está mesma análise quando abordam o século XIX nas suas leituras sobre as cidades do período.
A emancipação política não alterou esse quadro no XIX.. Segundo Emília Viotti da Costa , "o crescimento de tais cidades seria fruto da expansão comercial de exportação, integrando o país no mercado internacional". Nessa conjuntura está delineado o caráter exótico das cidades litorâneas, mais integradas com a Europa do que com o interior do país. Essas se tornaram incapazes de exercer uma influencia na modernização mais profunda. M. Castells afirma que as "cidades brasileiras estavam voltadas para a Europa na busca de ideais e modelos, além da organização da produção e dos laços de dependência mantidos". Desta maneira, as elites brasileiras procuravam cidades incrementando formas europeizadas dos modos de viver.
Ao fazer a leitura das transformações da malha urbana da cidade de Santos é, da mesma maneira, relacionar a atividade econômica local com o próspero comércio exportador, dentro daquela estrutura, ainda colonial, através de um elo fundamental: o porto.
Os caminhos percorridos pelo processo de transformação das atividades econômicas, da política de demarcação das áreas rurais e urbanas, o dinamismo da adequação do espaço para a instalação de equipamentos arquitetônicos públicos, edifícios religiosos ou administrativos, sem um partido arquitetônico coerente e de valor artístico duvidoso, durante os primeiros anos de colonização estão coerentes com a leitura que se faz da cidade colonial como prolongamento dos interesses comerciais das metrópoles européias.
Não cabe aqui uma discussão de valores para definir o que podemos, ou não, considerar uma obra de arte. Partimos do princípio que, ao conceituar a arte é preciso passar, no mínimo, pela questão da cultura, do homem em sociedade e o compromisso com o belo. Nessa linha, a produção cultural artística, deverá estabelecer um parâmetro de diálogo com as formas harmoniosas, seja das palavras, dos sons, das cores e das formas, definindo a "obra de arte" da música, da literatura, escultura, pintura e arquitetura.
A expansão da cana-de-açúcar com a instalação de engenhos nas Ilhas de São Vicente e Santo Amaro, além do ancoradouro para naus de grande porte, na entrada do estuário (Porto de São Vicente) estimularam a fixação dos colonos nas bases dos morros, servidos com boas águas. Segundo crônicas do século XVI, quando Brás Cubas, o jovem português da expedição de Martim Afonso de Souza, chegou por aqui já encontrou pontos explorados por colonos, que residiam na gleba à margem do canal, em frente ao lagamar do Enguaguaçu e Foz do Canal de Bertioga. O colonizador se fixou, inicialmente, no morro de São Jerônimo (atual Monte Serrat) e, posteriormente, na Ilha de Barnabé onde passou a cultivar a cana-de-açúcar. É importante lembrar que cidade de Santos está situada na ilha de São Vicente que apresenta um maciço na região central, caracterizado pelas encostas arredondadas dos morros, afastados da Serra do Mar, que são habitáveis.
Ainda não podemos afirmar que esse seria o local do primeiro aglomerado urbano de Santos, já que sua atividade estava presa às necessidades agrícolas, delineando lotes isolados do verdadeiro sítio urbano inicial. O que sabemos é que a cidade de Santos existe como núcleo urbano desde os primórdios da colonização.
Fatores geográficos foram determinantes para a implantação do sítio urbano: um tímido vilarejo em ponto propício para o acesso ao planalto paulista - nessa área a Serra do Mar oferece melhores condições para a sua escalada - e as boas condições do mar para o seu ancoradouro. Frei Gaspar da Madre de Deus em sua obra Memórias para a história da Capitania de São Vicente, aponta a expansão da vila de Santos como uma maneira vinculada ao aumento do contato comercial com a vila de São Paulo e povoações de serra acima.
No início dos anos 40 do século XVI, Brás Cubas transfere o porto para o interior do estuário, junto ao Outeiro de Santa Catarina. No novo porto era possível fundear todo tipo de embarcação, transformando o espaço daquele núcleo urbano. Aos poucos a vila se estendia para o oeste, em direção ao Valongo rumo ao porto de Cubatão, por ser a região onde os paulistas buscavam alugar casas, mais próximas, para negociarem com as primeiras lojas onde achavam os gêneros de que necessitavam.
A progressão econômica passou a exigir melhores condições portuárias e novos acessos.
O crescimento ou a estagnação de Santos estava vinculado à relação da cidade com o planalto. Já que era uma porta aberta para o mar, estava se abrindo para o interior. Na dissertação a respeito da capitania de São Paulo de Marcelino Pereira Cleto em 1782, era abordada a questão do crescimento de Santos como gerador do desenvolvimento de toda a província:
A terra natural e própria da capitania de São Paulo para o estabelecimento do governo, junta da fazenda, casa de fundição, regimento próprio da praça de Santos e ainda Voluntários Reais...é a vila de Santos; porque fica quase no meio da marinha, é o melhor porto e vila da capitania, que a cidade de São Paulo, e aumentando-se, também aumentaria as terras do sertão, que não podem ter crescimento notável, e permanente, sem que a marinha haja uma terra boa e florescente.

Em oposição ao marco terminal da expansão colonial a oeste, no lado leste da ilha, marco inicial onde está o Outeiro de Santa Catarina., foram construídos os quartéis onde as funções militares e administrativas se desenvolveram, abrigando a população mais modesta, constituída de pescadores, gente que vivia da extração de lenha dos mangues, - caboclos e mulatos. Desse modo, no século XVIII, a vila já estava constituída por dois núcleos opostos na sua localização: Valongo e Quartéis. No núcleo do Valongo, mais recente, predominava o setor comercial dos portugueses que resistiam, orgulhosos de seu espírito conquistador, aos intrusos nativos em seus negócios principais. Havia forte competição de origem comercial entre os dois bairros.
Ana Lúcia Duarte Lanna, em sua obra Uma Cidade em Transição Santos: 1870-1913, comenta as tensões que se manifestavam no período entre os 2 bairros, citando um agravamento nos confrontos, chegando a preocupar as autoridades ao ganhar "foros de tradição" e se transformar em luta política. A partir de 1850 houve até interdição ao acesso às missas no Santo Antonio pelos quarteleiros e às da Matriz pelos valongueiros. Foi preciso a convocação da cavalaria do governo provincial para cessar os tumultos. A cavalaria foi derrotada pela população que teria trançado a rua com fios de arame.
Com o crescimento da exportação do açúcar , meados do XVIII, é que a cidade tomou novo impulso, com o aparelhamento do porto e a consolidação de uma classe de comerciantes. No governo de Bernardo José de Lorena, pela sua ordem, o porto santista se consolidou em monopolizador do comércio exportador da capitania.
A grande produção açucareira e de aguardente sempre esteve centralizada no litoral, principalmente na região da baixada santista para o norte.
A produção para a exportação surge por volta de 1780, progredindo até 89 quando começou a decair. O governador Lorena queria incentivar o comércio direto da Capitania com a Metrópole, atraindo um número crescente de navios no porto de Santos. Para tanto, havia necessidade de maior volume de produtos. Com o incremento, favorecendo o comércio de Santos, os agricultores de "serra acima", entusiasmaram-se com o cultivo da cana. Pôr outro lado, os cultivadores do litoral norte ( Ubatuba, São Sebastião e Paraty ) entraram em crise. As reclamações contra o monopólio santista foram tantas que o Reino mandou apurar. Dentro das medidas de favorecimento estava a construção da Calçada do Lorena, um caminho de pedra entre Santos e São Paulo, e a ligação terrestre com Cubatão agilizando o comércio de açúcar feito por tropas de muares. Novas atividades paralelas e profissões urbanas surgiam vinculadas ao comércio do produto. Era necessário um novo impulso nas construções para as edificações que deveriam abrigar as atividades emergentes. Novamente, as características formais daquela arquitetura estavam mais presas ao funcional que ao estético harmonioso.
Em 1798, o decadente porto de Ubatuba voltou à livre exportação, assim como São Sebastião que logo reagiu à crise.
Em 1846-1847, a exportação de cana-de-açúcar alcança o elevado número de 597.551 arrobas. É o ano que marca o ponto culminante da exportação de açúcar por Santos. Nesse mesmo ano, o porto registrou a venda de 236.737 arrobas de café. A partir de então, os produtores do interior paulista resolvem abandonar o cultivo de cana-de-açúcar para se dedicarem ao café.
A transformação tímida da cidade, vinculada aos fatores determinantes de sua geografia e do crescimento econômico, permitido pela sua condição portuária, já demostrava, em tempos coloniais, um certo dinamismo que se refletiu mais na malha urbana. Nesse primeiro momento, a cidade ainda mantinha a concentração de serviços, comércio e residência num mesmo limite urbano.
A primeira manifestação para a setorização do sítio urbano, dividido em dois núcleos, não vai ser a definitiva. Uma questão emergente, ligada ao desenvolvimento do interior, a expansão agrária e a dependência da capital de província - no caso São Paulo - sugeria a expansão urbana com um breve aspecto de zoneamento da cidade, rumo ao oeste - bairro do Valongo - mas que será, no século XIX, inibida pelas novas necessidades internas de uma rede de transporte local, o desenvolvimento de um pleno de saneamento básico, uma política de saúde contemporânea ao investimento da malha viária urbana e a própria questão da elite, tentando adotar modos de vida e um novo gosto estético mais condizentes à sua condição financeira, buscando novos espaços para habitação, um novo partido arquitetônico, novas formas e novo comportamento . Esse aspecto é importante por determinar um cotidiano que vai emergir nas primeiras décadas do século XX.
O partido arquitetônico parte de alguns princípios básicos, intimamente ligados aos fatores geográficos, climáticos, de técnica construtiva e materiais, o qual, tantas vezes, até meados do século XX, foi importado, descaracterizando as condições naturais do sítio e do cotidiano da sociedade, principalmente da elite.
O que fica claro é o dinamismo que a economia nacional provoca na transformação e desenho da cidade. Estamos definindo a cidade de Santos, de localização costeira com uma tímida tradição pesqueira, como uma cidade "cafeeira", não como produtora, evidentemente, mas como fortemente vinculada às questões agrárias que, num primeiro momento, esteve voltada para o açúcar. Um momento que a arquitetura trouxe a questão das permanências, quando nos deparamos com a planta da residência urbana, resgatando elementos do rural.
Não se pode desvincular a importância do contato com o interior, seja ele mais lento nos tempos dos muares, ou mais de acordo com a pujança econômica através das redes ferroviárias. Já nos tempos coloniais, o fator de proximidade com a capital favorecia seu desenvolvimento econômico. Desse modo, está armada a rede que poderá, com o contato internacional via porto de exportação, ou como porto de recepção imigrante, ser definitivo aos padrões estéticos e de comportamento, que em breve iriam desenhar a cidade e os modos de viver. A transformação, quase que deixa de ser espontânea, natural, passando a obrigatória.
A cidade não é uma árvore que cresce e lança seus galhos e ramos numa tendência natural sobre o espaço. Ela acontece propondo rupturas em vários momentos, apelando para novos espaços ou novas funções. Podemos notar que os limites de Santos, ou seja, o sítio urbano inicial estava preso aos maciços, ribeirões, mangue e o mar. Tais elementos puderam, naquele tempo colonial, definir seu aspecto linear e pouco ramificado a partir de um eixo principal que se estendia na direção leste-oeste.
Santos precisou passar por quatro séculos, praticamente, a partir de sua fundação, para que, com o crescimento econômico nacional, a abertura dos portos e o advento do café, pudesse transpor seus limites iniciais e tirar partido de seu terreno, rumando para a orla marítima oposta ao eixo Outeiro (quartéis) - Valongo. Esse maior dinamismo, teve a efetiva participação e determinação da elite santista, num processo de reorganização de modos de viver e na busca de seu espaço físico em conexão com o "novo gosto".
Num relato de viajante é apontada a falta de pousadas, a pouca hospitalidade do santista e uma breve descrição do espaço como tendo apenas uma rua ao longo do rio.

...Bem que se note muito pouca atividade na resumida população, é esse porto o mais importante de toda a província e o entreposto exclusivo do comércio de importação e exportação que busca a parte setentrional de São Paulo .


Como sabemos, no final do século XVIII o café já figurava como produto de exportação do porto de Santos.
Até aquele momento a vila não teve grande expressão. Sua terra para o cultivo de cana-de-açúcar não era apropriada e sua distância da região mineradora contribuíram para a cidade cair no marasmo.
Ao analisar as transformações da malha urbana da segunda metade do século XVII da Santos colonial em confronto com as plantas do início do século XVIII, percebemos a mesma rede urbana. A vida urbana continuava mais densa nas proximidades do porto.
No início do século XIX os terrenos à beira - mar (área portuária), são disputados pelos construtores de trapiches e negociantes.
Arquitetura: um estilo na cidade
A vida religiosa e a presença da Igreja com seus mosteiros, capelas, conventos e outeiros também marcaram de forma decisiva a paisagem da cidade. A arte colonial no Brasil cresceu sob a proteção da Igreja. A vila de Santos não fugiu à regra, pois em 1585 os jesuítas chegaram à vila, fundaram o colégio que teve o projeto elaborado pelo irmão Francisco Dias, em 1598, mestre de obras da Igreja dos Jesuítas em Lisboa, enviado ao Brasil para desenvolver projetos dos colégios da Companhia. É de sua autoria os colégios de Salvador no ano de 1577, Rio de Janeiro ( 1585 ) e Olinda ( 1592 ). No final do século XV, Santos recebeu os frades carmelitas que construíram a igreja do Carmo. Em 1640, ano da expulsão dos jesuítas, os franciscanos se instalam no Valongo - marco terminal da cidade colonial - fundando o Convento de Santo Antonio. Os monges beneditinos chegam em 1650 quando fundam o Mosteiro de São Bento, tendo sua construção marcada pelos três arcos na fachada - elemento típico da arquitetura beneditina.
Notáveis exemplares da arquitetura colonial, alguns preservados, se alinham rumo ao sul da costa brasileira , tendo em Paraty, no estado do Rio de Janeiro e nas cidades de Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião - litoral paulista - muito mais evidenciado que na Baixada Santista, um conjunto arquitetônico daquele período, com características próprias de um barroco mais pobre, quando comparamos com o estilo desenvolvido na costa do nordeste, com suas cidades prósperas como Recife, Olinda e Salvador. Isso se deve ao fator sócio-econômico da conjuntura colonial que despertava, na costa do nordeste brasileiro, uma arrancada gerada pela produção do açucar, do fumo e da madeira entre os séculos XVI e XVIII. A questão religiosa é outro fator que justifica a exuberância barroca. Esse estilo, herdeiro do "maneisrismo", se firmou no desenvolvimento das construções feitas pela Companhia de Jesus, onde se implantariam a glória e a exaltação de Deus através da suntuosidade das linhas barrocas esvoaçantes, exprimindo a espiritualização da fé e revestimentos dourados em suas curvas movimentadas. Alegar que o estilo Barroco exprime o espírito da Contra - Reforma, usando sua estética do exagero para indicar poder, pode ser um pouco perigoso. Em 1600 a Igreja Católica já havia concluído seu trabalho na Contra - Reforma. Por outro lado, o norte europeu, região de grande difusão do protestantismo, rapidamente adotou o estilo. A atmosfera religiosa não poderia ser separada da questão financeira. O europeu que chegava à América, vinha com os olhos carregados de ícones barrocos, vislumbrados na Itália, Holanda, França e mesmo em Portugal com seu estilo manuelino, pretendendo aplicar essa emoção estética nas construções religiosas do além mar. É preciso lembrar que o esplendor do ouro brasileiro, o sonho do "eldorado", só se tornou real por volta do século XVIII nas Minas Gerais.
O Brasil sendo colônia próspera pela produção e comércio do açúcar e a mineração, reproduziu um barroco rico na sua máxima expressão com as talhas poliformes recobertas de ouro, arquitetura imponente com volutas gigantes, cornijas, portadas com o predomínio da curva sobre a reta em ornatos, torres e cúpulas, retábulos com talhas e colunas salomônicas, folhas de acanto da Grécia e flores de lótus, turbilhão de frutas, anjos, cariátides e esfígies bem representados nas construções de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia. Mas nem sempre, no Brasil, o barroco foi representado dessa maneira.
O partido arquitetônico adotado para as construções, poderia variar de uma região para outra, já que as condições climáticas, geológicas, tipos de solos diferentes, técnicas e materiais construtivos, mão de obra - menos ou mais especializada - determinavam a estrutura, estética, acabamento e função das edificações.
O desenvolvimento econômico da cidade, provocou evidentes transformações no setor urbano e social de Santos, porém sem mudar o aspecto da cidade colonial no início do século XIX. Mesmo com a expansão da cana-de-açúcar, a vila, contava com pouco mais de 4000 habitantes. Escravos e mestiços deveriam fornecer a mão-de-obra para as construções, decorações e pinturas das edificações do período, sem qualquer tradição nas técnicas construtivas ou pictóricas necessárias para a valorização dos edifícios. Fica claro, nesse sentido, que a produção cultural, no campo das artes plásticas, estava absolutamente legada à planos secundários. O que nos resta é a pobre arquitetura e tímidas pinceladas na pintura religiosa, presa aos limites arquitetônicos da instituição e a decoração de seu interior, sem a pujança barroca, tão evidenciada nas Minas Gerais.
Algumas considerações devem ser levadas em conta quando adotamos a terminologia "barroco", exclusivamente para a arte brasileira colonial daquele período. O termo, muitas vezes, leva o leitor ao contexto estético do período da mineração na região de Minas Gerais, lembrando aquela arquitetura ornada com muito ouro, as obras de Aleijadinho, as pinturas parietais e o "trompe l'oeil" - termo usado no estilo barroco, cujo significado é "engana a vista", o qual se refere a ilusão de ótica produzida pela precisa perspectiva empregada na pintura dos tetos das igrejas ou palácios, que seguia as linhas da arquitetura empregada no edifício, resultando numa cuidadosa integração pintura-arquitetura que faz o observador não identificar onde termina uma e começa a outra.
É preciso lembrar, para um confronto com a arte desenvolvida no litoral paulista no mesmo período, que na região mineradora, houve um fator que incrementou a arte, desde o início do século XVII: o crescimento das fortunas em virtude das descobertas das jazidas de ouro e pedras preciosas.
O luxo começou a vigorar sobre uma aristocracia emergente na sociedade. Tal processo é determinante para os "arraiais" transformarem-se em cidades prósperas, abrigando a riqueza e o exagero das formas barrocas revestidas de ouro. Como podemos perceber, o processo de desenvolvimento econômico e social da cidade de Santos, esteve muito longe do arrojo daquela conjuntura. Por lá, os templos acanhados e pobres se engalanaram, despontando o barroco jesuítico lusitano.
Os vestígios do estilo manuelino, estão manifestados sob as formas barrocas em suas curvas multiplicadas paralelamente, nas voltas ornamentadas das abóbadas, nos torcidos e espiralados das molduras, balaustres e frisos. Elementos encontrados nos frontões, fachadas, volutas e platibandas, atestam a herança manuelina, assim como as colunas retorcidas como serpentes e os elementos marinhos.
Chegando ao Brasil, o Barroco português sofreu fortes transformações. Os jesuítas levantaram templos mais simplificados, adotando um partido mais econômico para a construção simplificada de igrejas, capelas e escolas. As torres eram quadrangulares nos dois lados e o frontão na fachada ornada de arabescos e volutas. O litoral carioca e paulista guardam ricos exemplares desta ordem. Empregavam como material de construção vários tipos de madeiras como o jacarandá, a braúna, o cedro e a canela preta.
Está claro que os portugueses não vieram com o objetivo de difundir as várias manifestações de arte e cultura da Europa, diferente dos invasores árabes, com seu caráter humanístico, na Península Ibérica até o início do período das Grandes Navegações, que divulgaram seus conhecimentos ecléticos, gerando uma forte influência cultural sobre os europeus no tempo da ocupação moura. Era primordial, para os colonizadores do Brasil, defender a terra da cobiça estrangeira e devastar, comercialmente, e colônia do Novo Mundo. Não existia um efetivo interesse, nem dos portugueses, nem dos nativos, em desenvolver as artes por aqui. Os poucos artistas nacionais tinham que se colocar à sombra da Igreja, única instituição que incentivou a produção da escultura e pintura na colônia. Essa conjuntura permitiu o surgimento de muitos santeiros e uma vasta produção do imaginário.
Num primeiro momento parece muito distante estabelecer as relações do chamado estilo Barroco e sua origem nos princípios renascentistas, quando nos deparamos com a arquitetura barroca desenvolvida no litoral paulista, mais precisamente na região da Baixada Santista. Isso pode gerar uma insegurança, quando pretendemos situar o Renascimento como aquele estado de espírito do humanismo, impondo uma nova concepção estética e de vida que pôde desencadear o espírito renovador no Barroco com toda sua teatralidade. Mesmo com os artistas do Barroco se proclamando herdeiros do Renascimento, as regras eram violadas. O Renascimento era equilíbrio, razão, medida, sobriedade e lógica. O Barroco era emoção, movimento, curvas, ânsia de novidade, culto ao infinito e exuberância, apelando para o instinto e fantasia.
Mas, o olhar atento sobre as formas movimentadas do Barroco, seja nas volutas, portais ou cimalhas com seus brasões da Casa do Trem Bélico - construída para guardar armas e munições em 1734 - , ornamentação externa da pequena e atarracada Igreja de Jesus, Maria, José - já demolida - ou ainda no frontão do Colégio Jesuíta, podemos observar alguma sugestão ao Renascimento. Se pudermos arriscar uma interpretação mais atenta, a fachada do mesmo colégio (1598), oferece mais um elemento típico do renascimento: a sobreverga angular em pedra, localizada acima do portal, encimando uma janela central de verga arredondada. Um elemento estrutural aparente, o contraforte em pedra, é uma solução gótica para a sustentação do edifício. No caso do colégio, o contraforte maciço, sem pináculos ou outros elementos decorativos, está edificado na lateral do prédio.
O século XVI, no Brasil, ainda precisava do embasamento nos princípios e partidos renascentistas, por questões lógicas e funcionais. A mão-de-obra disponível não era especializada para inovações e criações de soluções arquitetônicas. Os projetos já vinham pré-concebidos da metrópole.
Apesar do porto ser um fator facilitador para o intercâmbio cultural, nos século XVII e XVIII, a dificuldade de comunicação com a Europa e o contato com as novas informações sobre a produção artística do Velho Mundo, foi mais um fator que retardou a adoção do estilo Barroco na região e sua própria difusão no território nacional. Deste modo, o estilo chegou atrasado e, por outro lado, perdurou por mais tempo, bastando notar as várias igrejas mineiras que só foram concluídas no século XIX.
Politicamente, o Barroco serviu ao absolutismo monárquico na centralização de poderes no monarca e, na religião, como já observamos, foi a arte da Contra Reforma. A hegemonia do Estado e da Igreja, atuando na condução do homem, comunicando, ensinando e doutrinando.
É fato que São Paulo não possuía uma riqueza colonial em suas igrejas, escolas e conventos. Apesar dessa aproximação com a capital, a cidade de Santos teve alguns exemplares bastante significativos de opulência barroca. Retábulos, portais e decorações, sem a exuberância e os transbordamentos do Barroco mineiro de Aleijadinho, mas com fortes características do estilo da Contra Reforma. As edificações do Convento de Santo Antônio do Valongo e do conjunto do Carmo, as linhas precisas do Mosteiro de São Bento com sua capela e altar preciosos, atestam o barroco na cidade, mais rico e cuidado do que o de São Paulo. Essa diferença se explica pela pujança da vila de Santos no século XVIII.
Na verdade, o Barroco brasileiro foi bastante recriado. Em Santos, está trabalhado sobre as características difundidas na colônia. O uso de elementos antropomórficos, as folhas de acanto e de parreiras, tradicionais na decoração e talhas, o cacho de uvas, representando o sangue de Cristo, os girassóis, representando a Virgem, lírios, o pelicano como símbolo de Nazareno, anjos, conchas, e pérolas brancas numa simbologia requintada que vai dos tempos pagãos mitológicos ao sensualismo das formas típicas do período. Todos os elementos recebem tratamento sofisticado com dourados e guirlandas.
Por vezes notamos a tentativa de o artista trabalhar elementos novos, buscando a recriação do barroco, evitando a cópia. A Igreja do Valongo com seus três arcos e a guirlanda na fachada mais limpa, simples, demonstrando iniciativa de algo novo para o Barroco do litoral paulista.
A Ordem Terceira foi fundada, como de costume, assim que os franciscanos se estabeleceram na vila de Santos. A pedra fundamental da obra foi colocada a primeiro de julho de 1641. O material de construção era a base de pedra e argamassa com a cal dos sambaquis e óleo de baleia. A fachada está composta dos três arcos romanos, sustentados por colunas com base de pedra, formando uma galeria fronteira à porta de entrada para a igreja, feita em madeira almofadada com, aproximadamente, tres metros de altura. Encimando os arcos, uma seqüência de três janelas obedecem o rítimo do pavimento inferior, traduzindo uma simetria harmoniosa com o conjunto. Uma torre, ligada ao corpo da igreja pelo lado esquerdo, sustenta dois sinos de bronze. A capela da Ordem Terceira foi construída depois da Igreja, abrigando um altar com ricos elementos da talha barroca, incluindo colunas salomônicas e decoração dourada sobre branco. Uma postura estética bastante característica do estilo daquele período. O conjunto da edificação mantém um claustro quadrangular no pavimento inferior, sustentando várias dependências no andar superior.
Na Igreja da Ordem Primeira do Carmo podemos observar a fachada simples com a torre azulejada, servindo para igreja ao lado da Ordem Terceira numa postura de parcimônia. O uso do granito nessas igrejas representava um refinamento ímpar com preocupações artísticas de resultado bastante harmonioso. Esses exemplares da arquitetura sacra santista tinham um reduzido porte mas com grandes manifestações estéticas no seu interior.
Os autores são, na sua maioria, anônimos. Com o passar dos anos é que vão surgir os primeiros nomes de artistas, os quais, muitas vezes, eram sacerdotes ou irmãos leigos. Homens sem instrução, sem erudição, mas com talento artístico construíam, talhavam, esculpiam imagens e decoravam as igrejas do período. Os padres eram os artistas santistas. Depois, esses mesmos mestres passaram a ensinar a outros padres, seus alunos, e mesmo aos escravos. Muitos artistas brilharam vindos dessa escola "sacra" informal. Não possuímos os nomes desses homens das artes e da Igreja. Sumiram no anonimato.
Entretanto, um nome foi guardado: Frei Jesuíno do Monte Carmelo. O padre nasceu em Santos, em 1764 e aqui iniciou sua vocação artística como músico, pintor, arquiteto e entalhador. Pobre e mulato, com instrução quase nula, logo foi trabalhar para viver. Muito religioso, sempre pensou em ser padre. Dedicou-se à pintura mas não temos referências de seu mestre. O mesmo acontece quando estudamos outro nome: José Patrício da Silva Manso. Os dois famosos pintores da capitania são os nossos representantes identificados. Jesuíno era grande observador das pinturas de santos do Convento do Carmo. O padre-mestre que tomava conta do coro iniciou o menino na música. Parece que sua primeira atividade na pintura, foi com imagens de madeira de santos. Em Itu, começa a ajudar José Patrício, outro pintor, que o toma como ajudante nas obras da Igreja da Ordem do Carmo. Logo seu protetor encaminha algumas encomendas de quadros para Jesuíno. Sua produção em Santos está na talha, atribuída a ele, do altar-mor do mosteiro de São Bento, encarnação, douração e pintura de três imagens de Nossa Senhora da Conceição, Sant'Ana e São Joaquim do Convento do Carmo, a construção de um órgão para o mesmo convento, além de algumas pinturas a óleo sobre madeira. Muita coisa de sua obra acha-se espalhada, sem registros. A maior parte de sua produção pictórica está em Itu e São Paulo. Para muitos, sua pintura é de qualidade duvidosa. Percebemos uma tendência ingênua na composição e detalhamento dos desenhos, com bastante deficiência nas proporções do físico. Arrisca alguns elementos da perspectiva renascentista com posturas estáticas bem pouco originais. Nota-se a ausência de erudição nas suas obras. Relevante o aspecto decisivo da vontade de pintar, harmonizar formas e cores, compor espaços com poucos elementos alegóricos, resultando numa pintura limpa, inspirada, de alguma maneira, em elementos do Renascimento rafaelista, traduzindo leves movimentos e formas ingênuas. Sua obra denuncia suas condições de devoção, de mulato humilde e de persistência.
Foi no século XVIII que algumas transformações da arquitetura brasileira se iniciaram, culminando com a vinda da corte para o Brasil, em 1808, e os reflexos da Missão Artística Francesa de 1816 no século XIX.

Santos: uma cidade em transformação
Como já é sabido, a situação privilegiada de seu ancoradouro levou a vila de Santos ao rápido desenvolvimento, definindo uma nova paisagem urbana com suas edificações públicas, religiosas e residenciais no estilo "colonial" ? uma denominação mais ligada à situação de dependência política da nação do que propriamente aos elementos estéticos evidenciados na construção o que temos é uma "ordem", empobrecida do Barroco emergente nas Minas Gerais e litoral nordestino, já transfigurados de sua escola européia original onde os artistas barrocos eram bastante engenhosos em despertar emoções e transmitir estados de espírito. A mesma história era contada de diferentes maneiras por diferentes artistas. O Barroco europeu do século XVII se manifestou como um apogeu da produção cultural com raros e belos resultados estéticos. Uma época que havia patrocinadores, permitindo, ao artista, a possibilidade de pensar em escala grandiosa. O resultado era o "agir" monumental. Entretanto, essa arte não foi, de todo, homogênea. Nem mesmo no Brasil, do século XVIII, houve a rigidez na estética do Barroco. As variações de linhas adotadas são claras quando comparamos as formas e partidos desse estilo colonial do litoral paulista em confronto com as obras do nordeste ou de Minas Gerais. Cada grande mestre possuía seu próprio estilo. Tais diferenças individuais de estilo refletiam-se em diferenças ainda mais amplas entre as artes de diferentes países e regiões. Na Europa, os artistas mantiveram-se em contato com os de Roma, e todos compartilhavam um profundo interesse pela arte do Renascimento. Isso significa que também havia importantes semelhanças. Mais uma vez, fica claro que as condições econômicas, seja do além mar ou da própria Itália, eram norteadoras dos partidos arquitetônicos adotados naquele período. É essa variação de postura iniciada no século XVII, com fortes influências no futuro, que nos faz remeter o leitor à baliza histórica dilatada, para justificar a estética do início do século XIX na Vila de Santos.
A arte Barroca originou-se em Roma, assim como a arte renascentista se iniciara em Florença. Como preferem alguns autores, começou a serviço da Igreja Católica e dos abastados príncipes da igreja. É conhecida como o "estilo da Contra-Reforma" , já que seu aparecimento coincide com o período de efervescência religiosa. Também é designada como o estilo do absolutismo, pois na vigência do barroco prosperaram as monarquias absolutas da França, da Espanha, de Portugal, assim como o domínio inconteste do papado na Itália.
Não podemos esquecer que no Brasil, tivemos a influência decisiva dos construtores das ordens religiosas como a de Inácio de Loiola, Jesuíta, recém fundada, por isso com grande impulso para o trabalho, além dos franciscanos. Ambas fazendo seus mosteiros, colégios, definindo seus partidos arquitetônicos que influenciariam, ainda, nas construções laicas urbanas. É importante lembrar, que os jesuítas enviados ao Brasil, na sua maioria portugueses, a arquitetura tinha influência italiana. A sede da Companhia de Jesus era em Roma e aquela arquitetura feita em Portugal foi levada pelos profissionais italianos trazidos pelos reis, tanto os Filipe do tempo da dominação espanhola como os outros monarcas portugueses. A partir do Renascimento temos grande número de arquitetos italianos trabalhando em Lisboa e outras cidades do reino lusitano. Com isso, herdamos, no Brasil, a arquitetura nova praticada pelos italianos. Os primeiros reflexos estão nas igrejas de Olinda, mais precisamente na nova igreja Nossa Senhora das Graças do Colégio de Olinda com seu estilo maneirista, abrindo as portas para o estilo barroco.
O termo barroco pode ter origem no nome que se dá a uma pérola de superfície irregular. Suas principais características são: a busca de planos grandiosos, o triunfo da linha curva, exuberância de ornatos e tendência para a escultura de movimentos. O uso da luz e sombra permite a atmosfera de grande dramaticidade na obra onde a perspectiva é valorizada na ilusão de profundidade.
Para Victor Tapié, historiador da arte, o Barroco, tal como reinou na Europa dos séculos XVI ao XVIII, é a expressão de uma ordem religiosa, social e política, "porque a tônica dominante é o esforço de criar o sentimento do infinito ( ordem religiosa ) do inexaurível (ordem social) e do inatingível (ordem política)".
O barroco exprime o imponderável, visando ao infinito, pois nem os tetos das igrejas limitam o espaço, quando decorados com pinturas que os projetam para as nuvens, representando a assunção da Virgem a ascenção do Senhor ou a corte celeste.
É importante notar que Santos e outras cidades do litoral paulista abrigaram uma tendência característica, da costa brasileira, onde o Barroco se manifestou sem suas dramáticas e exuberantes formas revestidas de dourado, definindo um estilo muito menos rico, esteticamente falando, e pouco elaborado. Esse fenômeno está diretamente ligado às questões culturais, econômicas e da própria utilização de material para a construção.
Partindo da análise de mapas e plantas da cidade de Santos, confrontando-as com a iconografia e alguns relatos de viajantes e historiadores, percebemos uma estrutura linear rígida, na malha urbana da cidade, determinada por fatores geográficos e econômicos, já comentados anteriormente, definida por um eixo principal que unia os dois pontos principais da cidade - dois ancoradouros - através de uma rua. Os terminais eram o ancoradouro do Enguaguaçu ( fronteiro ao outeiro de Santa Catarina ) e o do Valongo. Essa via principal - Rua Direita - além de ligar os dois pontos, dividia o sítio em duas partes: a do lado do mar, ou seja, do porto e a parte do lado do Campo, isto é, área que estava ao longo das encostas dos morros. Alguns obstáculos eram encontrados pelas ruas que rumavam para o oeste - Valongo. Ribeiros nascidos nas encostas dos morros do Maciço de São Vicente atravessavam a planície, terminando nas águas do porto. As ruas não eram impedidas pelos ribeiros. O primeiro foi o do Itororó, nascido na fonte do mesmo nome que inspirou a música folclórica conhecida em todo o Brasil: "Fui no Itororó, beber água não achei..." O segundo foi o ribeiro de São Jerônimo que atravessava a via, sinuosamente, passando por um laranjal que, provavelmente, pertencia aos sesmeiros Domingos Pires e Pascoal Fernandes. Um documento de 1554 menciona que havia um laranjal antes da capela da Graça, em que dois sesmeiros moravam pegados com o rio desta Vila onde estão as laranjeiras. O último ribeiro, de São Bento, nascia onde estava o mosteiro beneditino ( hoje Museu de Arte Sacra ), costeando o morro seguia para o largamar numa curva que o tornava paralelo aos outros dois ribeiros. Esses cursos de águas dificultavam a comunicação e obrigavam as construções de pontes.
Várias construções civis poderiam ser identificadas no sítio urbano como a Casa de Câmara e Cadeia, a Alfândega velha e a nova. As construções religiosas eram em grande número por volta de 1750. Algumas ainda se encontram preservadas, pela sua arquitetura feita para durar séculos, de uma época em que se desprezava o consumismo, como o conjunto do Carmo, o Santuário de Santo Antônio da Ordem de São Francisco no Valongo, Capela do Mosteiro de São Bento.
Em 26 de Janeiro de 1839, Santos foi elevada à categoria de cidade. Nessa época, sua edificação, ainda tímida, não contava com nenhum prédio de vulto. As pinturas de dois artistas ingleses, do início do século XIX, Landseer - que integrou a comitiva de Charles Stuart para as negociações do reconhecimento da Independência e Burchell, que residiu por dois meses na cidade, botânico e desenhista, traduzem o aspecto da cidade como documentos iconográficos preciosos.
Podemos localizar o Outeiro de Santa Catarina com sua capela, a Casa do Trem, Mosteiro de São Bento, a igreja do Monte Serrat, o convento de Santo Antônio do Valongo, Convento e Igreja do Carmo da ordem 1ª e 3ª, com a única torre em comum às duas igrejas, como a existente em Moji das Cruzes no estado de São Paulo. O conjunto do Carmo, em Santos, recebeu um tratamento uniforme em seu estilo. De aspecto bastante realista nos detalhes desenhados, o trabalho de Charles Landsser, mostra os sobrados existentes na época (1825 ), em estilo colonial que, naquela época, era comum o uso de pedras e argamassa fina para a edificação das paredes, vazadas pelas janelas e portas de madeira almofadadas, em disposições simétricas, encimadas por vergas e ombreiras de pedras ou madeira. Os desenhos do botânico Burchell, foram feitos em 1826, entre os meses de outubro e dezembro. O desenhista produziu uma aquarela, retratando a Rua Direita com seus sobrados coloniais que, por vezes, sustentavam sacadas corridas, guarnecidas por grade de ferro fundido, ou isolada.
A arquitetura colonial dos sobrados recebia cobertura de quatro ou duas águas, sustentadas por largos beirais que poderiam ter frisos simplificados ou apresentarem uma cornija lisa, sem detalhes. Em suma, a edificação da cidade era pobre. Os casarões, ainda nos padrões coloniais, eram bastante primitivos.
Se a produção artística desses estrangeiros nos serve como documentos iconográficos para a leitura da cidade, a segunda metade do século XIX pode contar com outra obra de expressão no registro fotográfico de Militão de Azevedo, dono de um ateliê na cidade de São Paulo, autor de um rico acervo fotográfico que inclui o seu "Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo 1862 - 1887". Na mesma linha e qualidade, o fotógrafo trabalhou as imagens de Santos, com os logradouros públicos, de forma a preservar o rigor do registro, sem artifícios ou efeitos especiais, permitindo uma leitura bastante realista dos elementos fotografados. O resultado é um rico documento para pesquisas e resgates de imagens da cidade de Santos. Construções como a do Mosteiro de São Bento, na sua forma original, sem as alterações posteriores, a imagem da Igreja de Jesus, Maria, José - demolida em 1902 - e o próprio Colégio dos Jesuítas, permitindo uma reconstituição do passado. Da mesma maneira, a litografia pode contribuir para os estudos e resgate da memória da cidade. Ainda no século XIX, o litógrafo Jules Martin, reproduziu o mapa de Santos com seus monumentos e edifícios indicados sobre a malha urbana, caracterizando um mapa turístico que hoje, nos serve como referência histórica.
O precário sistema viário tinha seu calçamento empedrado vítima de constantes inundações pois não havia sistema de drenagem ou coleta de esgoto e de lixo. Num depoimento do médico sanitarista Guilherme Álvaro, podemos constatar uma breve colocação alarmante das condições da cidade: "...uma povoação colonial sem fortuna e as praias lodosas do porto (...) freqüentadas por bandos de urubus, davam a nota característica local..."
A cidade estava em região pantanosa, construída sobre terrenos de antigos mangues, clima quente e úmido, criou ambiente favorável à propagação das epidemias. O clima e o terreno úmido, formado pelos vários rios que cortavam a ilha, inundando o sítio urbano sem os serviços básicos de saneamento, o ar abafado e a larga faixa de mangue que envolvia todo o porto de Santos, contribuíram para que Santos fosse uma terra rejeitada. O porto de Santos estava, até os últimos anos do século XIX, muito aquém das necessidades da crescente economia agroexportadora do Estado de São Paulo.
Atraídos pelos serviços de transportes, emergentes na região, os carroceiros abriam grande número de cocheiras para abrigar os animais. O tipo de alimento oferecido e o tratamento precário das tropas, produziam uma sujeira muito grande que favorecia a proliferação de ratos, transmissores da peste bubônica e insetos que causaram inúmeras epidemias na cidade.
Na segunda metade do século XIX, a parte mais rica da cidade continuava sendo a área do Valongo pelo seu movimento comercial, localização dos armazéns, melhores hotéis e residências dos mais importantes da cidade.
O sítio urbano se estende em direção ao Bairro dos Quartéis (Paquetá) e a Barra (Vila Mathias; Macuco) áreas ocupadas pela classe trabalhadora ligada às atividades portuárias.
A monocultura do café consolidou-se no território paulista, tornando o Porto de Santos, de porto de açúcar para porto de café. Essa transformação obedeceu aos fenômenos sociais comentados anteriormente.
Depois de 1867 ( ano da conclusão da estrada de ferro Santos - Jundiaí), com o aumento da movimentação do porto, os problemas se agravaram. Devido às condições precárias, as embarcações ancoravam a mais de 100 metros dos trapiches. A ligação entre a embarcação e os trapiches era feita por pequenas pontes de madeira por onde circulavam os carregadores de café, escravos e outros trabalhadores do porto, transportando nas costas todas as mercadorias que eram exportadas entre as milhares sacas de café.
A construção do porto e o saneamento eram obras urgentes. As reclamações dos comerciantes eram muitas. Um relatório da Comissão de Vigilância Sanitária de Santos, de 17/03/1889, destinado ao governo da província de São Paulo continha o seguinte parecer:
As condições higiênicas dessa cidade são piores possíveis e muitas, senão tudo há de fazer para torná-la apta repelir o inimigo traiçoeiro que aparecendo entre nós aniquila milhares de vidas preciosas trazendo ao mesmo tempo, o terror e com ele avultado prejuízo ao comércio.

A falta do cais, as epidemias e a alfândega desequipada, sem guindastes ou armazéns para receber ou guardar as mercadorias, configuravam uma situação calamitosa. A mão de obra era insuficiente para descarregar, conferir ou carregar as mercadorias para os navios, obrigando a tripulação a aguardar meses para seguirem viagem, ficando contaminada pela febre amarela, varíola ou outras doenças que proliferaram na cidade, tendo grande número de mortes entre os trabalhadores e marinheiros das embarcações. A baía ficava congestionada de navios e as ruas e praças atulhadas de mercadorias sujeitas ao tempo e aos roubos. Tais condições projetavam uma imagem da cidade bastante desoladora.
A situação se agravava a medida que o movimento não parava. Mesmo com as péssimas condições, o porto via seu entorno em constante ebulição. A população se aglomerava enquanto cortiços iam sendo construídos às pressas para albergar a imigração em quintais, pátios e prédios com folhas de zinco ou caixotes e madeira. Segundo estudos realizados em 1893, Santos teria 30.000 habitantes alojados em 3.234 casas, casebres e cortiços. Guilherme Álvaro, nota que tais alojamentos somados às cocheiras que existiam em grande número até a vinda da estrada de ferro, eram locais de fácil proliferação das epidemias daquele período.
O porto com suas instalações precárias passou a ser um entrave para o desenvolvimento de suas atividades e, consequentemente, para a cidade. O movimento do café crescia em proporções generosas. Esse desacerto já estava gerando preocupação nas autoridades e empresários da cidade. A Câmara foi palco de vários debates sobre o tema. A imprensa denunciava a necessidade de reformas urbanas.
O quadro revelado por todo o processo de transformação da cidade, diante do crescimento econômico e suas conseqüências, implicava a necessidade de uma infra-estrutura na trama de comercializações e exportações como o sistema ferroviário, complexos para o atendimento da demanda de bens de consumo e equipamentos urbanos. Essa nova estrutura se deu, ainda, a partir da fixação das elites em residências urbanas com as emergentes transformações espaciais e comportamentais, buscando a afirmação de valores e o modo de vida burguês, negando o passado colonial da e na cidade.
Até meados do século XIX, o porto de Santos era servido por pontes e trapiches. Não havia cais. As maiores pontes avançavam 20 a 30 metros, na direção do mar, onde navios atracavam. Foi construída, em 1857, uma ponte flutuante com material importado, mas sendo de poucos recursos, não agüentou o peso de guindastes para carga pesada. Os navios eram obrigados a usar o guindaste da Estrada de Ferro ou de trapiches particulares sem resolver o problema da grande movimentação já existente. Os trapiches que haviam eram armazéns para estoque de mercadorias a serem exportadas ou importadas que se localizavam na Rua da Alfândega, no Beco do Arsenal, na Onze de Julho, rua da Praia, do Consulado, da Capela, do Sal e Estrada de Ferro e Banca - conforme levantamento feito por Betralda Lopes (1). Visconde de Mauá, em 1861, requereu a concessão de um cais particular no Valongo. Construiu uma ponte de madeira e uma pequena rampa de pedra solta. O governo Imperial concedeu ao conde Estrela e a Francisco Pertence o direito para a realização das obras do porto em 1870. Os empresários nada fizeram. Consta que em 1882, nova concessão para a exploração foi aprovada ao Governo da Província de São Paulo que também nada fez. Retomando o direito, o governo Imperial concedeu a um grupo de empresários cariocas, Gaffré, Guinle e Cia. liderados por Cândido Gaffreé e Eduardo Palassin Guinle, o privilégio das obras e exploração do cais do porto de Santos. Conforme os termos do acordo, a obra começou imediatamente, no ano de 1888. Novas dificuldades apareceram. A empresa esperava dragar uma faixa de lodo estimada em 105.933m3 mas na realidade tiveram que extrair quase 5 vezes mais. Em 1889, 23 pontes já existiam no porto; 2 pertenciam à alfândega e outras duas à Estrada de Ferro São Paulo Railway. Os investimentos eram altos, as dificuldades eram grandes, as pontes eram mal construídas, a mão-de-obra era pesada. Nas antigas pontes, trabalhadores em constantes riscos, sofriam as más condições de trabalho. A empresa entrou em litígio com os donos das 23 pontes e trapiches do local. Novos conflitos e processos surgem no período, atrapalhando o desenvolvimento das obras. Em 1892, foi constituída a Cia. Docas de Santos, sociedade de capital aberto, responsável pelo gerenciamento dos negócios do porto. É inaugurado, no mesmo ano, o primeiro trecho de cais construído a partir do extremo da ponte velha da São Paulo Railway. A conclusão do projeto original só se deu em 1909.
A construção da linha férrea São Paulo Railway, achava-se estrategicamente localizada monopolizando o transporte do interior a Santos, inaugurando uma nova era para o Porto de Santos, o que foi bastante importante para a transformação da cidade. O trecho ferroviário do caminho do mar era monopólio dos ingleses Na época de sua inauguração, 1867, Santos era um núcleo urbano modesto no meio de brejos, ribeirões e mangues. A ligação com São Paulo foi fator desmembrador para a conexão da cidade com o interior. Isso não representou, de pronto, o incremento do setor turístico para Santos. Por estar com baixo nível de salubridade, as primeiras praias a serem freqüentadas foram as de Guarujá e São Vicente.
A chegada da linha férrea em Santos permitiu novas perspectivas de empregos para a cidade. Formaram pequenos núcleos de comércio, de convivência e local de encontro da população local, definindo uma nova trama urbana pela sua ligação com o porto. Por outro lado, a substituição das tropas de muares pelas ferrovias, interligando o interior - pólo da produçào de café - com o porto de Santos, levou o sistema de transporte que vinha dos tempos coloniais ao colapso. O transporte por mulas e toda a rede de serviço subsequente desaparecia, levando as cidades - pontos de paradas - que surgiram com esse sistema, como Cubatão e São Bernardo, ao estancamento. A ferrovia fez aparecer e desaparecer cidades e vilas e, ainda configurou uma crise nos vários portos da província de São Paulo, já que Santos monopolizou as atividades portuárias. Essa ferrovia foi uma concessão ao Barão de Mauá, ao Marquês de Monte Alegre e a Pimenta Bueno. A conclusão de suas obras já foi sob o comando da firma inglesa que ficou até 1946. O ponto terminal, próximo ao porto, ficava no bairro do Valongo. Esta área da cidade ficou definida como zona comercial que ainda abrigava os trabalhadores do porto, da ferrovia, dos armazéns e depósitos de carga, fazendo o deslocamento da elite para áreas novas da cidade ou mesmo para o planalto, ficando em Santos o local para cuidarem dos seus negócios.
A cidade do café ficou bem caracterizada como local das oportunidades para se ganhar a vida. Um ponto de passagem e não para morar. A elite, agora, podia fugir das epidemias e da morte.
Em 1897 aconteceu a duplicação das linhas de trem na serra, causando um novo impulso na cidade. Ficou famoso o trem dos comissários que saía de São Paulo às 10h30 para Santos e retornava no final da tarde. O alto padrão de serviços da empresa ferroviária era combinado com a bela vista do trajeto da serra.. Esse prazer contrastava com o transtorno de espera na estação de Paranapiacaba quando era feita uma nova composição de vagões para a viagem em pequenos grupos pelo sistema funicular. A estação de Paranapiacaba era confortável e ampla, tornando-se um espaço de convivência social confortável.
O fenômeno ferroviário produziu, por outro lado, o colapso nos portos litorâneos deixando Santos como monopolizador de todo tráfego com o planalto substituindo as tropas de muares - sistema de circulação que vinha da época colonial, desaparecendo por completo em fins do século XIX.
Estava consolidado o elo de estreitamento entre o desenvolvimento da produção do café, as ferrovias, o porto e o crescimento populacional da cidade onde se afirmava a hegemonia dos grupos cafeicultores que mantinham relações com o exterior.
Em 1822, ano da emancipação política do Brasil e ano da visita do imperador a Santos, a planta da cidade evidenciava a expansão urbana causada pelo crescimento econômico de Santos, com seu porto como espelho do desenvolvimento da Província de São Paulo.
Na segunda metade do século XIX, o chamado centro de Santos, já não tinha mais condições de abrigar o grande número de moradores, empresas e estabelecimentos comerciais. O espaço vago entre entre a vila colonial e os morros não mais existia. Uma planta definida em xadrez, com suas quadras urbanas era surpreendida pelo geometrismo do jardim público, buscando uma nova perspectiva urbana, pontilhada por construções sacras. O conceito de moderno, de progresso já se iniciava no santista. Um novo conceito laico, ou anti-clerical, se agregava às novas concepções de modernidade na mentalidade urbana de Santos. O convento franciscano do Valongo foi comprado e derrubado pela Estrada de Ferro inglesa. No lugar do convento colonial português, uma estação inglesa em estilo vitoriano. Neste conflito que resultava a disputa entre as tradições e rupturas irmanadas dos conceitos europeizados de modernidade, as evidências de uma dependência econômica internacional, a concepção de um novo gosto emergente no campo estético, a igreja de Santo Antônio do Valongo, por pouco, se salvou da demolição. Um conflito que envolvia questões locais, curiosas, entre os "quarteleiros"- população que habitava o núcleo inicial da vila, onde estavam localizados os quartéis militares- e os valongueiros - povo residente na região do bairro Valongo, por ocasião da demolição do convento, para dar lugar às obras da estação de passageiros da San Paulo Railway. Em 1642 foram iniciadas as obras de construção da igreja e capela anexa ao convento. Em 1860 a San Paulo Railway Co. comprou a área do convento sob protesto da população.
Os quarteleiros não suportavam a hegemonia econômica e social do valongueiros, conforme já mencionamos. A demolição iniciou com os golpes das picaretas que iam derrubando as paredes do convento, mas interrompidas quando chegaram no altar que estava guardado pela pequena imagem de Santo Antônio. A imagem resistia aos golpes das picaretas e ao esforço humano. Tentaram reforçar a equipe de demolidores, mas tudo foi em vão. Temerosos, os trabalhadores se ajoelharam e começaram a rezar diante da imagem inabalável. Por determinação e Aviso Imperial no. 513, foi determinada a permanência da imagem de Santo Antônio no seu altar. O evento serviu para o final das hostilidades entre os dois bairros que se uniram diante do "milagre" de Santo Antônio, conforme relatou Olao Rodrigues em sua obra "Cartilha da História de Santos".
O processo de transformação da cidade trouxe a valorização da faixa junto ao porto que justificava investimentos. O trecho de mangue próximo ao Valongo foi aterrado para edificações. O comércio de café cobiçava espaços. A cidade, ainda comercial, determinava a retirada da população, comprimida, entre o porto e os morros para além dos maciços. Uma considerável parte da população menos privilegiada habitava os cortiços que emergiam naquela região. A situação dessas unidades residenciais era tão precária que ficaram conhecidas como "viveiros da morte". A "cidade" tornou-se inadequada à função residencial. Mesmo com a demolição das antigas cocheiras para dar lugar aos armazéns e as construções de sobrados nos dois pólos do centro ( Paquetá e Valongo), não foram suficiente para atender as necessidades dos habitantes de Santos. O novo aspecto da cidade como setor específico para as atividades portuárias e as obras de construção do cais e seus novos equipamentos de suporte, incomodavam as famílias que passaram a possuir um aumento no poder aquisitivo. Aquela Santos vila do açúcar, agora emergia como a cidade do café.
Uma nova transformação urbana emergente e significativa, mudava o panorama da cidade. Destino: praia.
Santos era, naquele momento, mais uma vez, uma cidade em movimento.
O deslocamento, rumo aos bairros da orla (Boqueirão, Gonzaga, etc.) aconteceu sem traumas ou rompimentos definitivos com a estrutura secular estabelecida no contexto urbano. O setor empresarial e comercial, continuou no centro da cidade, arredores do núcleo inicial de Santos
No final do século XIX, as áreas entre o que hoje chamamos de antigo centro e a orla da praia estavam sujeitas a inundações e representavam uma ameaça à saúde pública por ser uma região de foco de doenças, como a febre amarela.
O visual arquitetônico colonial, com a busca de um partido arquitetônico mais próximo à realidade do litoral brasileiro (apesar de firme influência européia desde o século XVI), com suas primeiras tentativas de uma postura estética nacional, se rende, quase totalmente, ao formalismo europeu. O resultado está no chamado estilo "eclético", uma mistura de formas e elementos decorativos que, em determinado momento se inspira na arte renascentista e, em outros momentos, no sóbrio estilo neoclássico - que no Brasil havia sido difundido pela missão francesa e pela Academia Imperial, restrito aos meios oficiais e da burguesia.
Na concepção da arquitetura residencial colonial na baixada santista, até a difusão do estilo neoclássico do século XIX, a casa popular se diferenciava da elite no tamanho. Tanto a classe menos favorecida como a aristocracia, vivia sob o mesmo partido adotado na arquitetura, diferenciando, uma construção da outra, o tamanho final do edifício. A quantidade era o elemento diferenciador e não a qualidade. A casa do rico, teria mais cômodos que a casa do pobre. O rico poderia morar no sobrado e o pobre na térrea. O material, a dimensão dos cômodos e a falta de elementos decorativos era um padrão de unidade de uma mesma linguagem arquitetônica Todos moravam com o mesmo desconforto.
Uma nova postura, que abandonou o colonial com suas paredes, cimalhas embasamentos e ombreiras de pedra, o uso da argamassa mista, as portas almofadadas e com bandeiras em volutas, realçando a simetria do edifício e os detalhes típicos da presença portuguesa colonial, vai ser admitida na arquitetura do século XIX.
O estilo neoclássico, empregado no Brasil via Missão Francesa, trouxe novas técnicas construtivas que exigiam uma mão de obra especializada. O uso "racional" da alvenaria de tijolos, conforme observa Carlos Lemos, foi um fator importante na estrutura das edificações, por conseguir maiores vãos, dando um novo ritmo na fachada das casas. O uso da madeira para os telhados foi racionalizado, sugerindo novos cortes para diferentes soluções nas coberturas, traduzindo um novo partido na arquitetura.
Na região do Valongo, os casarões guardam elementos diferentes, mesmo pelas suas finalidades e estruturas específicas do período em que foram construídos. É nessa área que se encontra o principal conjunto arquitetônico neoclássico Conservam os requintes característicos da segunda metade do século XIX, com imponência representativa do período do café em Santos.
Dois pavimentos assentados sobre armazéns ou depósitos conforme o uso. Suas portas eram encimadas por bandeiras em ferro forjado, com desenhos e data da construção. O pavimento térreo, também foi usado para abrigar os escravos domésticos e os ligados ao trabalho nos trapiches. Era comum as cimalhas saliente, portas altas, grades nas fachadas frontais e laterais na formação do alpendre, as platibandas, arcos romanos sobre as portas, balcões artísticos de influência lusitana. Todo o lote urbano era utilizado formando um pátio interno e com partes revestidas de azulejos. No pavimento superior estava residência do proprietário do comércio que se achava instalado no térreo da mesma edificação. Tais transformações podem ser observadas, seguindo a mesma proposta em outras cidades do litoral. A nova mentalidade estética e funcional propunha o fim daqueles balcões de madeira, das treliças e dos toldos das fachadas de pedra, vindo ao encontro dos interesses comerciais da Inglaterra que pretendia oferecer seus produtos da indústria e metalurgia (a imposição comercial inglesa sobre o império brasileiro era de tal ordem que uma enorme quantidade de pregos e outros materiais chegaram a apodrecer, no cais do Rio de Janeiro, pela ferrugem denunciando um exagero ou má política de distribuição desses produtos importados pelo Estado. Outras mercadorias importadas tiveram o mesmo destino, como por exemplo, um grande lote de urnas funerárias e até trenós para serem usados na "neve"). É o espaço para o uso dos vidros nas janelas, substituindo as tábuas, grades de ferro no lugar da balaustrada torneada, a chapa de cobre, de chumbo ou de ferro, os pregos, os serrotes e tantos outros materiais e ferramentas. Os beirais, agora, receberam calhas e gárgulas de metal. De Portugal, permaneciam as pinhas de pedra, as estátuas, os vasos e outros elementos de decoração em cerâmica do Porto.
Na verdade, esse elementos determinantes de um novo partido arquitetônico são conectados ao neoclássico - um estilo que já teve alguma manifestação no país nos últimos anos do século XIX, evidentemente, sem os critérios trazidos pela Missão Francesa e sim como uma tentativa de europeização autônoma, buscando um modismo que, já se sabia, estava em voga, há tempos, no Velho Mundo. Conforme lembra Carlos Lemos:
o neoclássico ortodoxo, depurado da França de Napoleão (...), onde o frontispícios eram divididos em grandes painéis delimitados por pilastras e cimalhas, acolhendo envasaduras bem ritmadas e todo o conjunto coordenado visualmente pelo centro de interesse maior que era o frontão triangular diretamente filiado aos tímpanos gregos, foi introduzido no Brasil (...) pela Missão Francesa.

Na verdade, os lugares mais pobres não puderam adotar o novo estilo. São Paulo, por exemplo, só vai ganhar alguma notoriedade com o estilo eclético, um desdobramento do neoclássico, firmado com a riqueza proveniente do café, apenas no final do XIX com a inauguração das primeiras estradas de ferro entre 1868 e 1875. Além do impulso cafeeiro, São Paulo passou a contar com o processo de industrialização que exigia um novo tipo de mão-de-obra mais específico. Em 1860, já estavam na cidade os imigrantes, trabalhando no comércio, na indústria e na construção. Pessoas com sua especificidade em ofícios diferentes tais como arquitetos, construtores, engenheiros, pedreiros, carpinteiros e pintores. Em Santos não foi diferente, várias nacionalidades povoaram a região como alemães, argentinos, austro-húngaros, franceses e britânicos. Os portugueses eram maioria. Desembarcavam do vapor na ponte do Consulado, por onde passava o café que era levado a bordo. Entre os imigrantes que chegavam nos navios europeus era fácil destacar o português com seus chapéus de aparar água, calças de veludo e jaquetas curtas de tecido preto envivadas de verde-claro. A colônia portuguesa criou uma série de instituições próprias na cidade e raramente permitia a participação dos brasileiros nas suas diretorias.
Outras colônias, também fundam suas instituições na cidade como o Centro Hespanhol (1895), a Sociedad Española de Socorros Mutuos y Instrucción (1900), o Centro Italiano Umberto I (1897) e outras. Vieram com os imigrantes seus costumes próprios. Santos chegou a ter uma "plaza de toros" que promovia touradas em 1907, sendo logo desativada por não entrar no gosto e nem no clima tropical da região. O espaço foi convertido em cinema ao ar livre no ano seguinte, depois de inúmeras tentativas do proprietário em promover seu espetáculo típico que passou a ser intercalado com apresentações de ginastas, cavalhada entre outros eventos menos característico da comunidade espanhola.
Com o imigrante e o crescente desenvolvimento da atividade portuária em Santos, várias profissões vão contar com a participação do europeu: operários, carpinteiros, comerciantes, empregados do comércio marítimo, pedreiros, sapateiros, artesãos, pequenos industriais, prestadores de serviços ligados ao ramo de importação e exportação de café. A construção absorve sua parcela de mão-de-obra imigrante aos vários segmentos para a edificação e projeto das residências santistas no novo gosto. As ruas recebem as casas alinhadas com as fachadas ornadas em estuque, alguns moldados no local e uma grande maioria pré-moldada. As residências eram erguidas sobre porões habitáveis com respiradouros, as janelas abrindo para fora, platibandas, cimalhas com iniciais ou datas em relevos. Santos, pela sua mão-de-obra, predominantemente portuguesa, mantinha as mesmas características do Rio de Janeiro, diferenciando de São Paulo, onde a imigração italiana foi mais absorvida na construção.
Esse olhar sobre a arquitetura da cidade, constatando o neoclassicismo e o seu desdobramento traduzido no comentado estilo eclético, parte da análise de alguns ícones representativos que se mantém erguidos ou de registros iconográficos de edifícios que, um dia, marcaram a paisagem urbana de Santos. O Valongo com seu destacado conjunto arquitetônico, conforme já mencionamos, é formado pela Estação Ferroviária no estilo inglês, estabelecendo um modelo de desenvolvimento urbano, contrastando com as linhas barrocas da Igreja de Santo Antônio em diálogo com os edifícios neoclássicos, erguidos pelo Senhor Joaquim Ferreira Neto, no mesmo Largo Marquês de Monte Alegre e na Rua do Comércio, onde um grande sobrado que abrigou sua residência e comércio, com fachada suportando um frontão triangular e paredes revestidas de azulejos esmaltados em relevo se destacavam paisagem.
Essa nova postura estética vinda com a construção da estação para a estrada de ferro no Valongo, propunha a transformação da estrutura urbana com a construção de uma nova cidade sobre a existente, causando a destruição da cidade colonial.
Do médico italiano João Éboli a casa construída em 1884, destaca-se por sua localização e arquitetura. Situada sobre a rocha remanescente do antigo Outeiro de Santa Catarina, sua característica está nos moldes acastelados do edifício com suas ameias e aberturas ogivais.
A Casa de Câmara e cadeia na Praça dos Andradas, embora com aparência colonial, é uma construção do mesmo período do desenvolvimento do neoclássico na cidade, guardando elementos deste estilo francês como a cornija, os cunhais e embasamento. O projeto é de 1836, mas sua construção só foi concluído em 1860 pela falta de verbas. O partido adotado estava coerente com as propstas de economia na obra pública da Escola Politécnica de herança da engenharia militar em oposição ao partido da Escola de Belas Artes de Grandjean Montigny. Os ornamentos da sobre-verga e esquadrias em vidros com caixilhos desenhados na fachada foram retirados, dando um aspecto colonial diferente do projeto original. As paredes são de pedra e argamassa mista, suportando janelas que ladeiam a porta central, almofadada com bandeira de ferro, realçando a simetria do edifício. Na elevação de fundo, notamos a diferença de altura. No bloco térreo, acontece a repetição de um conjunto formado por uma janela maior e duas menores nas laterais, de forma ovalada, gerando um ritmo diferente harmonioso.
Essa construção, seu entorno com sobrados da rua Amador Bueno e o teatro Guarani, formam um conjunto arquitetônico neoclássico de grande representatividade no panorama urbano de Santos. A outra construção do estilo oficial deste conjunto é o Teatro Guarani, de 1882, nos moldes do teatro São João do Rio de Janeiro de 1810 e do antigo teatro São Carlos de Lisboa de 1792. Hoje em ruínas, traduzindo um aspecto doloroso para a cidade, sua fachada, já alterada do original de Manuel Garcia Redondo, engenheiro fiscal das obras da alfândega, ostentava um frontão no centro, hoje com características do ecletismo adotado na reforma do início do século XX. Entretanto, é no relatório do construtor, engenheiro Joaquim Velloso Tavares, um memorial descritivo, publicado nas edições do Diário de Santos do período de 23 a 30 de maio de 1880, que encontramos características para um projeto arquitetônico do teatro Guarani. O engenheiro destaca sua preocupação em obedecer as leis de "optica" e acústica para um projeto perfeito. A descrição prossegue observando o caráter monumental pretendido na obra, após o autor observar antigas obras gregas de onde retirou a estética das ordens jônica e coríntia, atitude típica para o período da arquitetura neoclássica oficial. Para o capitel jônico uma adaptação original, substituindo as típicas volutas pelos bustos de mulheres gregas. O mármore colorido a ser empregado na obra, foi uma inspiração no edifício da Ópera de París, após observar as orinetações registradas pelo autor parisiense para dar nobreza ao edifício. Duas ordens de arcadas e pórticos superpostas, eram ornadas de colunas no primeiro pavimento e pilastras no segundo. Essas arcadas estavam sobre sapatas de granito. Esse memorial descritivo não está de acordo com a estética registrada pela iconografia que nos chega na atualidade, sugerindo uma outra concepção para o partido adotado no original e as fortes alterações formais por força das reformas do edifício. A construção do Teatro Guarany foi fruto de uma proposta de cidadãos, através de uma comissão que se transformou numa sociedade de cotas, constituída juridicamente. Imprensa e população não pouparam apoio à iniciativa. Adquirido o terreno em 1881, foi aberta a concorrência para a apresentação do projeto e sua construção. Em tempo récorde, foi inaugurado o teatro em 1882 com a peça "Mario" e "Lucrécia" pela Empresa de Recreio dramático da Corte. O maestro Luiz Arlindo da Trindade executava o Guarany, ópera de Carlos Gomes, na abertura do espetáculo. O artista plástico Benedicto Calixto, ficou com a decoração do edifício.
Até o final do século XIX, a Barra era onde existiam chácaras de moradia e recreio. Entre esses dois pólos (Centro-Barra), uma vasta área de baixa vegetação se mantinha vazia. Os bairros populares estavam edificados com casas de madeira - os famosos "chalés"- de trabalhadores. Esse tipo de habitação popular teve início, na realidade, no fim do império e se manteve até a Primeira República. Surgem por vários fatores como a necessidade de moradia para os operários que não podiam pagar os altos aluguéis cobrados no centro. Uma grande pressão da Comissão Sanitária estava ocorrendo no sentido de acabarem com os cortiços que já estavam infectados pelas epidemias da época.
A construção deixou de ser escrava e passou a ser fruto de uma mão-de-obra remunerada dos imigrantes, que trazem um serviço técnico especializado e qualificado conforme já comentamos.
As construções se libertam do limite do lote, tentando recuos laterais mas, conservando o alinhamento com a via pública. O espaço criado nos lados é destinado ao pequeno jardim.
Em 1845, a maior abertura como saída para a Barra, era o "boqueirão", trecho final do Caminho Velho da Barra que iniciava na Vila Matias, atravessando a rua Otaviana (atual Conselheiro Nébias) e seguindo o traçado da atual rua Oswaldo Cruz. O caminho que "desembocava" na barra batizou o bairro tranqüilo de belas chácaras como "Boqueirão da Barra", que mais tarde ficou apenas Boqueirão.
Em 1864, foi inaugurada uma linha de transporte facilitando o povoamento da área. A chácara de propriedade do senhor Carneiro Bastos é comprada por Júlio Conceição, criador do Parque Indígena naquele local -uma área de 22.000 metros quadrados frente ao mar no final da avenida Conselheiro Nébias. O novo proprietário, de idéias vanguardistas, simples e caridoso, dedicou-se ao comércio santista, elegendo-se vereador e presidente da Câmara Municipal. Apoiou os movimentos abolicionistas e transformou a chácara que comprou em um verdadeiro jardim botânico: o Parque Indígena. Na área, uma sofisticada residência foi mantida com seus seis quartos, três amplos salões, cozinha equipada com fogão a lenha, terraços, escadarias em mármore, porão alto, sala de jantar mobiliada com mesa para vinte e quatro lugares e quadros retratando suas fazendas. O palacete comportava, ainda sala de jogos com mesa de bilhar, living, chalés para os vinte criados e hóspedes, garagem com trilho de bonde guardando um desses exemplares puxados por burro e cabinas de banho ao fundo. A decoração contava com mobiliário sofisticados como cristaleiras, espelhos, tapeçarias de parede, piso em tábua corrida, panôs portugueses, retratos de família, relógio, camas com "docel" e cortinados para a proteção contra os insetos. Entre as aves, os peixes, plantas e seu orquidário, Júlio Conceição preservou um local especial com plantas típicas da economia agrária do Brasil. A bonita mansão, cercada pelo verde de nossa flora e o colorido de nossa fauna, lembrava o "Petit Trianon" de Paris. Sua coleção deu origem ao Orquidário Municipal de Santos.
Os novos tempos trouxeram um novo gosto e uma nova concepção estética para a cidade que teve seu acervo e estrutura urbana contruído com o desenvolvimento econômico cafeeiro. É muito difícil buscar um homogeneidade estética na cidade durante o predomínio do café. A conjuntura de transformações tecnológicas, desde o advento da Revolução Industrial e a hegemonia inglesa sob o Brasil daquele período, desencadeou um processo de fenômenos políticos, culturais e econômicos que afetaram o processo de produção da arquitetura urbana, passando as linhas tradicionais da arte colonial por profundas transformações e seguras permanências até o que se passou a chamar arquitetura moderna. As transformações nas técnicas construtivas, no emprego de novos materiais, na ideologia iluminista e nos anseios da Revolução Francesa que puderam se expressar na independência política da América, trouxeram o neoclássico como um estilo da burguesia revolucionária que lutou pelos direitos humanos e pela democracia política. As raízes deste neoclassicismo estão na Grécia, berço da democracia, de onde veio a nova linguagem para a arquitetura da nova sociedade, traduzindo o funcionalismo e a separação da engenharia e da arquitetura. O dinamismo é de tal expressão, que o ecletismo pairava sobre toda a produção cultural, definindo um estilo que vigorou no final do século XIX e início do século XX na arquitetura urbana. É claro que sua origem está na Academia e na Escola de Belas Artes com o estilo neoclássico oficial, trazidos com a Missão Artística Francesa e o arquiteto Grandjean Montigny, traduzido nos seus elementos característicos como as platibandas camuflando os telhados, portas e janelas com vergas e arco pleno, frontões triangulares no centro das fachadas, sistematizando, no Brasil, a fusão com a tradição colonial. Surgia uma arquitetura peculiar no setor urbano brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do grande número de ícones da arquitetura ter se perdido no dinamismo das transformações urbanas em nome de uma "modernidade", questionável, vitimada pelo descaso e desrespeito ao patrimônio cultural, a interpretação da malha urbana da cidade de Santos merece, uma análise criteriosa que pode levar o leitor aos vários momentos históricos que marcaram o panorama da urbes. A arquitetura, intimamente ligada à trama urbana, denuncia os caminhos percorridos pela economia, política e modos de viver da sociedade. A produção cultural, tantas vezes anônima, reflete a pujança e o marasmo, alternando significados, conceitos e padrões estéticos num processo quase lúdico. Ora estamos diante de um conjunto colonial, onde o barroco de raízes jesuítas nos transporta para a atmosfera austera e sólida dos tempos da colonização, ora estamos diante do ecletismo formal de esferas inovadoras num complexo de linhas e formas a serviço de um novo gosto para uma sociedade emergente do período do café. Esse dinamismo permite uma leitura bastante precisa sobre o processo histórico da cidade. Nenhuma escola ou movimento artístico foi sediado na região, até o final do século XIX, que permitisse um arrojo na sua estética de caráter próprio com sua especificidade, geradora de novos conceitos ou pioneira em estilos diferenciados, mas a adoção de linhas e tendências arquitetônicas vem certificar partidos arquitetônicos coerentes com o comportamento dos vários períodos analisados ao longo da história. A Santos do açúcar e do café, da praia e do porto, dos morros e dos mangues, soube abrigar ares espanhóis nas suas fortificações e mão-de-obra, atmosferas lusitanas com suas linhas herdeiras do estilo manuelino, os movimentos italianos nas voltas e curvas do barroco original, o esplendor francês dos elementos ecléticos e do rococó dourado sobre o branco, ainda as imposições inglesas na tecnologia de materiais. Todo esse "multinacionalismo" nos ares que envolviam a arquitetura esteve, mais uma vez, de acordo com a âncora que sedimentou a cidade: o porto.
Carlos Eduardo Finochio.
FONTES
Depoimentos em entrevista:
Sra. Helena Ferreira da Silva Carvalhaes ? esposa de corretor de café, atuante na cidade de Santos; filha de comissário de café e construtor. Ex moradora de um dos palacetes do período.

Sra. Valentina Rezende ? Família Souza Aranha, produtores e comissários de café, descendente de Barões do café da região de Campinas do final do século XIX. Herdeira de acervo do "Palacete Aranha" na cidade de Santos parte do qual doado para o Liceu Santista.


BIBLIOGRAFIA
ABREU, Maurício. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

ARAÚJO Filho, José de. A Expansão Urbana de Santos. In: A
Baixada Santista. São Paulo: Ed. Usp, 1965. v.3.

__________. Santos: o porto do café. Rio de Janeiro: IBGE, 1969.

ÁRIES, Philippe et DUBY Georges (dir.). História da Vida
Privada. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991. v.3.

ARTIGAS, José Batista Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Lech, 1981.

ASSECOB - Associação do Empresários da Construção Civil da
Baixada Santista. Introdução à Formação Econômica da
Baixada Santista. Santos: Assecob, 1984.

AZEVEDO, Aroldo. A Baixada Santista. São Paulo: Edusp, 1965.
ETZEL, Eduaro. O Barroco no brasil. São Paulo: Edusp, 1974.
FRANCO, Jaime. A Beneficência - Memória Histórica da
Sociedade Portuguesa de Beneficência e Contribuição para a
História de Santos. São Paulo: Gráfica da Revista dos Tribunais
Ltda, 1951.

FREYRE, Gilberto. A casa brasileira. Rio de Janeiro: Grifo, 1971.

FREITAS, Maria Aparecida Rezende Gouveia de. Bananal
Cidade Histórica Berço da Café. São Paulo: Massao Ohno
Roswitha Kempf Editores, 1981.

GITAHY, Maria Lucia Caira. Ventos do Mar. Trabalhadores do Porto, Movimento Operário e Cultura Urbana em Santos, 1889-1914. São Paulo: Unesp, 1992
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Trad. Carlos Nelson
Coutinho et Leandro Konder. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
HOLLOWAY, Tomas H. Imigrantes para o café. Trad. Egle
Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

HOMEM, Maria Cecília Naclério. O Palacete Paulistano e Outras
Formas Urbanas de Morar da Elite Cafeeira: 1867-1918. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.

LANNA, Ana Lúcia Duarte. Uma Cidade na Transição. Santos: 1870 ? 1913 . São Paulo: Hucitec, 1996.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Trad. Carlos I. da Costa. Rio de Janeiro: 34 Letras, 1994.

LEMOS, Carlos A. C. História da casa brasileira. São Paulo:
Contexto, 1989.
___________. A República Ensina a Morar (melhor). São Paulo:
Hucitec, 1999.

___________. Alvenaria Burguesa. São Paulo: Nobel, 1989.

LEVI, Darrell E. A Família Prado. São Paulo: Cultura 70, 1974.

PEREIRA, Maria Apparecida Franco. O Comissário do Café no
Porto de Santos (1870 - 1920). São Paulo: Ed. USP, 1980.
Dissertação de mestrado; datilografado. 238p.

RYBCZNSKI, Witold. Casa - pequena história de uma idéia.
Trad. Betina von Staa. Rio de Janeiro: Record, 1996.

SANTOS, José Carlos Ferreira. Nem Tudo Era Italiano ? São Paulo e
Pobreza ( 1890 ? 1915). São Paulo: Annablume, 1998.

SOBRINHO, Costa e Silva. Santos Noutros Tempos. São Paulo: 1953.

TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: 3 cidades em 1 século.
São Paulo: Duas Cidade, 1981.

WILLIANS, Raymond. O Campo e a Cidade. São Paulo: Cias. Das Letras, 1989.


B- Periódicos

ANDRADE, Wilma Therezinha F. De. Santos: urbanismo na época
do café. In: Santos, Café e História. Leopoldianum. Santos,
p.107-120, ago. 1995.

FRUTUOSO, Maria Suzel Gil. O Café e a Imigração em Santos.
In: Santos, Café e História. Leopoldianum. Santos, ago. 1995.

ODALIA, Nilo. O saber e a História ? Georges Duby e o pensamento
historiográfico contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1994.

SANTOS, Maria Izilda. História, Memória e Cotidiano
Privado. O feminino e o masculino no porto do café (1890-
1930). In: Santos, Café e História. Leopoldianum. Santos,
p. 67-88, ago. 1995.

__________. Na Trama do Cotidiano. In: Cadernos Ceru, n. 5, série 2, 1994, p. 13-27.

SERRANO, Fábio. Aspectos da Arquitetura em Santos no ciclo do
café. In: Santos, Café e História. Leopoldianum. Santos, p. 107-
120, ago. 1995.

Revista FLAMA. Vários números; 1828-1936.

AB - Arquitetura do Brasil - Patrimonio 1. v.19. Rio de Janeiro, 1992.

Jornal A TRIBUNA. Várias edições; 1928-1940.

Fotos e álbuns de famílias da elite cafeeira de Santos.

ÁLVARO, Guilherme. A Campanha Sanitária em Santos. São Paulo: Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, 1919.