A estética, a arquitetura e o ambiente.    

Víctor Michel Tomé Sales 

Farias Brito – Ceará

Maio –      2021 

RESUMO 

Este artigo pretendeu fazer uma breve síntese do aspecto estético e seus qualificadores no projeto de arquitetura, a partir de uma leitura do que alguns autores falaram sobre este tão relevante assunto. Este trabalho se configura no tipo revisão bibliográfica, pois seu propósito foi fazer um breve apanhado na literatura escolhida, para assim, apresentar o que é descrito na mesma.

Ao fim deste trabalho foi possível compreender como ela, a estética, se dá e as variáveis que afetam nossa avaliação a seu respeito na plástica das edificações, como a ordem da composição, para torná-la entendível e legível, e uma dose de complexidade ou desordem, para torná-la interessante visualmente. 

Palavras chave: Urbanismo; estética; ordem; arquitetura.


ABSTRACT 

This article intended to make a brief synthesis of the aesthetic aspect and its qualifiers in the architectural project, from a reading of what some authors have said about this very relevant subject. This work is configured in the bibliographic review type, since its purpose was to make a brief overview of the chosen literature, in order to present what is described in it. At the end of this work it was possible to understand how it, the aesthetics, takes place and the variables that affect our assessment of it in the plastic of buildings, such as the order of composition, to make it understandable and readable, and a dose of complexity or clutter, to make it visually interesting. 

Keywords: Urbanism; aesthetics; order; architecture.


SUMÁRIO

 

1. Introdução………………………………………………………………………………...4

2. Desenvolvimento………………………………………………………........................5

3. Conclusão………………………………………………………………………………...8

4. Referências Bibliográficas……………………………………………………………10


1.Introdução 

A criação de um projeto arquitetônico é algo que demanda muita complexidade, e essa complexidade pode variar a depender do seu tamanho, das problemáticas a serem solucionadas, de seu orçamento, entre outros fatores. São muitas questões que devem ser levadas em consideração no momento da criação, a exemplo: orientação solar, custo, conforto ambiental e eficiência energética. Questões essas que são necessárias para se chegar a um bom resultado final. Dentre todas estas, há ainda outra que não pode ser negligenciada, mas ser objeto de reflexão e interesse, que é a questão estética. Porém ela não deve ser considerada apenas em relação ao profissional criador, em sua avaliação, mas há outros lados que devem ser considerados, a exemplo de: qual será o impacto estético desse edifício no contexto em que está inserido? como sua aparência será avaliada pelas pessoas? Sua plástica atrairá ou afastará as pessoas de si mesmo? o ambiente será impactado positiva ou negativamente por sua plástica?

A estética é algo de suma importância e que possui o seu lugar na arquitetura. Na verdade, já existe uma expectativa que recai sobre os arquitetos, no momento da contratação, a expectativa de que suas obras sejam “diferenciadas”. Há um anseio de que seja feito algo que, além de confortável e funcional, também seja agradável aos olhos. E essa é uma necessidade humana. Em conjuntos habitacionais a beleza é uma das coisas que está associada com a sensação de satisfação de seus residentes, e é elencada como algo importante, tanto para a realidade brasileira, como em países europeus (REIS, 1992; REIS; LAY, 2003).

Entretanto, o equívoco não está, muitas vezes, na ausência da qualidade estética, mas especificamente para quem ela foi direcionada, de quem foram as expectativas consideradas no momento de criação, de onde ou de quem vieram os parâmetros para determinar se o prédio estava ou não esteticamente agradável.

Sobretudo em obras de caráter público, são as pessoas que ocuparão e que terão seu ambiente e vizinhança diretamente alterados pela presença da nova construção que devem ocupar este lugar para julgar a beleza das ideias apresentadas nos projetos, e aprová-las ou rejeitá-las. Segundo as cortes americanas, falando sobre o impacto visual causado no ambiente, a beleza ambiental não deve ser fundamentada nas preferências de funcionários do governo, mas, como é algo de interesse do público, interesse esse que é legítimo, devem ser as preferências destes que devem ser buscadas e consideradas (REIS; LAY, 2003, 2006; SANOFF, 1991; STAMPS, 2000).

Vimos então, que a beleza ambiental não deve estar orientada para ser agradável somente ao autor do projeto. Tampouco, apenas aos funcionários do setor público: prefeitos, governadores, e demais cargos. Mas sim, ou também, ao público propriamente dito, ou seja, seus usuários.

 

2. Desenvolvimento

Preocupar-se em dotar os espaços e construções de beleza faz parte do ofício de arquitetos e urbanistas. São muitos os impactos que isso gera no ambiente ao redor, a exemplo, de tornar aquela edificação um ponto de referência permitindo aos moradores, e desconhecidos, se localizarem melhor na cidade, utilizando a presença de tal construção, chamativa e bela, para se localizarem no ambiente urbano e determinar a localização de outros pontos.

O filósofo e escritor Roger Scruton assinalou, em um documentário exibido pela BBC, 2009, que:

Em qualquer época entre 1750 e 1930, se você pedisse às pessoas cultas para descrever o objetivo da poesia, da arte ou da música, elas teriam respondido: a Beleza. E se você perguntasse pela razão disso, você aprenderia que a Beleza é um valor, tão importante quanto a Verdade e o Bem. Depois, no século XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, cada vez mais, concentrou-se em perturbar e em quebrar tabus morais. Não era a beleza, mas a originalidade, conseguida por qualquer meio e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios. Não apenas a arte fez um culto à feiura; a arquitetura também se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso ambiente físico que se tornou feio. Nossa linguagem, nossa música e nossas maneiras estão cada vez mais rudes, egoístas e ofensivas; como se a beleza e o bom gosto não tivessem nenhum lugar real em nossas vidas. [...] Eu acho que nós estamos perdendo a beleza e há um risco de que, com isso, nós percamos o sentido da vida. (SCRUTON, 2009)

 

Ele vai além, pois, para o filósofo a ausência dela pode fazer com que a vida perca o seu sentido para nós. A arquitetura, bem como as outras artes, mudou muito e vem sofrendo grandes transformações ao longo do tempo. Contudo, é de conhecimento geral que, algumas obras foram feitas apenas para servirem como grandes “esculturas”. Uma escultura não abriga! Seu propósito não é gerar um espaço para as pessoas conviverem e trabalharem. Não é incomum vermos formas que não apresentam nenhum propósito aparente, ou onde a função perde seu lugar, e a forma se torna o ídolo dos arquitetos, ficando para segundo plano noções como conforto, ergonomia, eficiência energética, dentre outras. Toda a comunidade perde na ausência da beleza, visto que não será beneficiada como seria se esta estivesse presente. Mas ela também perderá quando a beleza for considerada em detrimento dos outros princípios projetuais.

Entretanto, em se tratando da beleza, nós temos alguns questionamentos a se fazer diante de tudo o que foi exposto, que é: é possível determinar o que é o belo? Ou: é possível encontrar certos padrões em diferentes obras arquitetônicas que explique porque sua aparência foi avaliada positiva ou negativamente pelas pessoas? Além desses, temos outro que fala da natureza daquilo que está sendo tratado. Estamos lidando com "beleza" enquanto “valor”, ou seja, algo moral. E, portanto, não pode ser “calculada”, nem pode ser averiguada através de métodos científicos (LANG, 1987).

A possibilidade de se fazer essas análises, e utilizar de métodos científicos, e encontrar as características presentes na composição arquitetônica que irão conferir agradabilidade, está na abordagem da estética empírica. Através desse método é possível identificar as características compositivas que despertam reações semelhantes em diferentes pessoas, podendo-se dessa maneira, averiguar que características são essas, e que efeito foi produzido. Ou seja, trata-se de uma teoria positiva (LANG, 1987). Logo, será possível avaliar e recolher os dados advindos dessa avaliação e aplicar esses conhecimentos adquiridos em outros edifícios, de modo a qualificá-los esteticamente.

Entretanto, não se pode desprezar o valor subjetivo e simbólico que pode estar presente nas obras construídas. Esse aspecto também pode influenciar no julgamento e experiência dos usuários, fazendo-os gostarem, ou não, de algo devido aquilo já lhe ser familiar, ou por ter feito parte de sua vida em algum momento. E não somente isso, mas se esse “algo” tem alguma relação com o contexto, como já foi colocado anteriormente, então o resultado final deve estar alinhado com suas preferências (do usuário), mantendo a relação com estes e com contexto onde se está.

Como dito por Amedeo (1999) a percepção dos elementos da composição, que compõem a forma, está relacionada com as relações internas entre esses elementos, por outro lado, as associações que são feitas estão relacionadas com o que está externo, com o meio externo, a história, a cultura, etc. Para além de uma plástica visualmente interessante, existir na arquitetura algum tipo de conexão com a vida, com as memórias, a cultura, seja de uma pessoa, um povo, ou comunidade, representa igual peso projetual e qualificativo para uma obra, lidando diretamente com as emoções e com a memória afetiva das pessoas.

Sabe-se que, quando se está diante de algo que não entendemos, ou que o cérebro não consiga encontrar uma correlação lógica e satisfatória entre os objetos, seja equilíbrio, ordem, ou outras maneiras com que os elementos podem ser dispostos entre si, tendemos a nos sentirmos incomodados, e às vezes perturbados com a obra. Megahed e Gabr (2010, p. 3- 4) colocam que: “as características de ordem, muito provavelmente, produzem sentimentos positivos enquanto ambiguidade, repetição indevida, e imperfeição produzem sentimentos negativos [...]”.

Se a presença da ordem em alguma composição transmite sentimentos positivos, positivos quanto ao estado em que a pessoa se encontrará quando posta em contato com determinada obra, e positiva em sua particular percepção da obra em si, é possível entender, a partir daí, que a ordem é uma necessidade fisiológica humana. Demonstrando que a busca natural dos seres humanos, quanto à aparência e estética de algo, é pela ordem e por encontrar um sentido em sua composição. Como bem salientou o psiquiatra Viktor Frankl, em seu livro Em busca de sentido (2019), onde demonstra que todo ser humano possui o anseio por encontrar o sentido nas coisas para as quais se direciona e para as que vivencia. Entretanto, como essa ordem pode se apresentar arquitetonicamente? Ela é, em si mesma, suficiente para qualificar esteticamente alguma construção, ou algo mais é necessário?

Como já colocado anteriormente, uma repetição indevida pode gerar sentimentos negativos no observador (MEGAHED; GABR, 2010). Uma composição repetitiva, monótona, com excesso de ordem, ou possuindo somente ela, não trará benefícios para o ambiente que a envolve. A arquitetura também é um trabalho artístico, é um tipo de arte que ficará exposta, muitas vezes, para toda a cidade e por várias décadas. Por isso, o compromisso dos profissionais da arquitetura também será o de transformar positivamente o contexto local pela presença daquela construção, por meio de seu funcionamento e por sua qualidade plástica, promovendo o embelezamento do bairro e da cidade.

Herzog e Shier, (2000), defendem que o aumento do interesse por dado edifício, na sua estética, relaciona-se com um aumento da complexidade de sua composição, a composição de seus elementos, contanto que seja preservado, em certa medida, a legibilidade e coerência da composição. Ou seja, mantendo um nível satisfatório de ordem nesta.

O autor está colocando que o que permite que a obra tenha suas expressões entendidas é a ordem, e que a confusão é o resultado da ausência desta. Isaacs (2000, p. 147) coloca que:

[...] ordem é fácil de perceber e lembrar, mas pode se tornar monótona, mesmo percebida automaticamente. Entretanto, ruptura e variação excitam a mente. Portanto, estética é um balanço entre ordem e confusão [Ou melhor, entre ordem e estímulo]. (ISAACS, 2000, p. 147)

Assim, o arquiteto deve buscar o equilíbrio entre o ordenamento e a complexidade, entre a ordem e sua ruptura, de forma a conferir beleza e interesse por sua obra.

 

3. Conclusão

 

Concluindo, portanto, a composição formal não pode ser excessivamente ordenada e sem complexidades, sem estímulos visuais, pois esta tenderá a gerar impressões e avaliações ruins, diminuindo a satisfação de seus ocupantes, gerando pouca relevância da construção em seu ambiente, e o sub aproveitamento de todo o potencial estético que a mesma possuía, dado que se tratava de algo a ser feito a partir do zero. Mas, um excesso de estímulos visuais e de complexidades, sem uma ordem lógica que a organize, e que torne possível sua leitura e compreensão, também irá gerar sensações de inquietação, perturbação, confusão e/ou ambiguidade. Isso repete a mesma resposta e o mesmo padrão que encontramos para quase todas as coisas, o equilíbrio e o balanceamento. A questão chave para qualificarmos algo esteticamente está no equilíbrio, no caso, entre o ordenamento e complexidade, ou estímulo visual.

Não obstante, é necessário recordar que cada caso e contexto exigirá uma abordagem ímpar do arquiteto. Há situações onde a inquietação será bem-vinda, outras, a ordem, em outras, uma outra sensação e atmosfera será requerida. Assim, cada contexto e situação particular devem ser os norteadores no processo criativo, tornando cada projeto único e específico. Naturalmente, nesse processo o usuário e/ou cliente deve ser buscado, pois serão os interesses e os anseios deste que deverão ser satisfeitos. A sua cultura, contexto histórico, gostos pessoais, e, a depender do caso, a sua história familiar, também devem ser alvos de estudo por parte do profissional, tendo em vista que a dimensão subjetiva igualmente concederá valor ao objeto edificado, e aos espaços habitados.

 

Referências Bibliográficas

HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. 2. ed. – São Paulo: Martins Fontes,1999.

Reis, A. et al. Composição arquitetônica e qualidade estética. 2013

REIS, A.; LAY, M. C. Habitação de Interesse Social: uma análise estética. Ambiente Construído. Porto Alegre, v. 3, n. 4, p. 7-19, out./dez. 2003.

REIS, A. Mass Housing Design, User Participation and Satisfaction. Oxford,1992. 361 f. Tese (Doctor of Philosophy in Architecture) – Post-graduate Research School, School of Architecture, Oxford Brookes University, Oxford, 1992.

REIS, A.; LAY, M.C. Avaliação da Qualidade de Projetos: uma abordagem perceptiva e cognitiva. Ambiente Construído. Porto Alegre, v. 6, n. 3, p. 21-34, jul./set. 2006.

LANG, J. Creating Architectural Theory: the role of the behavioural sciences in environmental design. New York: Van Nostrand Reinhold, 1987.

AMEDEO, D. External and Internal Information in Versions of Scenic-Quality Perceptions. Journal of Architectural and Planning Research, Chicago, v. 16, n. 4, p. 328-352, 1999.

ISAACS, R. The Urban Picturesque: an aesthetic experience of urban pedestrian places. Journal of Urban Design, Florence, v. 5, n. 2, p. 145-180, jun. 2000.

MEGAHED, Y. S.; GABR, H. S. Quantitative Architectural Aesthetics Assessment: applying Birkhoff’s aesthetic measure in architecture. In: INTERNATIONAL ASSOCIATION OF EMPIRICAL AESTHETICS CONGRESS, 21., Dresden, 2010. Proceedings... Dresden: IAEA, 2010

FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 47. ed. - São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2019.

HERZOG, T. R.; SHIER, R. Complexity, Age, and Building Preference. Environment and Behavior, Thousand Oaks, v. 32, n. 4, p. 557-575, 2000.

Ching, Francis D.K.  Arquitetura: forma, espaço e ordem. ed. 3ª. Martins Fontes. São Paulo, 2002.

SCRUTO, Roger. Por que a beleza importa? Vimeo, 13 fev. 2021. Disponível em:< https://vimeo.com/512027224 >. Acesso em: 19 de maio. 2021.