GRUPO DE DANÇA EMOÇÕES: PARA ALÉM DA PERFORMANCE

 

Roberto Carlos Farias de Oliveira

 

RESUMO - O artigo apresenta a história da constituição do Grupo de Dança Emoções, de Cachoeiro de Itapemirim, que trabalha com mulheres da terceira idade há 12 anos. Por meio de entrevistas com as professoras responsáveis e de depoimento de integrantes, analisou-se o potencial que dança tem de atuar como um elemento terapêutico para todas as envolvidas no grupo. Para essa análise foi levada em consideração a subjetividade das respostas, em que se fez uma aproximação desse trabalho de dança em grupo com a arteterapia gestáltica: uma proposta terapêutica que busca a interação entre o interno e o externo do indivíduo, para desenvolver o autoconhecimento e o crescimento enquanto ser humano. Como resultado percebe-se que, mesmo não sendo uma atividade desenvolvida por especialistas da arteterapia, e mesmo não tendo esse único objetivo, o grupo alcança resultados de cunho terapêutico no campo da saúde física, emocional e social de todas as mulheres – que ensinam lições de superação, de perseverança e de força de vontade.

 

PALAVRAS-CHAVE: Arteterapia. Dança. Terceira idade. Gestalt.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A arte, em toda a extensão do sentido da palavra, deve ser sempre um elemento constante em nossa vida. Independentemente do tipo – se plástica, dança, cênica, performativa e tantas outras nomenclaturas – ela faz parte do ser humano. Quase é possível afirmar que ninguém vive sem arte. Seja criança, jovem, adulto ou idoso sempre há uma preferência por essa ou aquela arte. Fato é fruir arte, produzir, degustar, apreciar faz a vida mais leve. Menos confortável, mas instiga o pensar, o criticar, o discutir: tantas são as funções da arte.

No contexto atual das discussões acerca da função da arte e de sua real necessidade, enquanto arte, convém destacar a relevância do Grupo de Dança Emoções. Eis o objetivo deste artigo: registrar a história desse grupo de dança e analisar os impactos socioemocionais sobre todos os envolvidos nele, com base nas seguintes questões: O grupo funciona como terapia? Há interações capazes de comprovar isso? Que tipo de terapia as mulheres que participam são capazes de reconhecer? A dança coletiva é uma modalidade de terapia? Essas e outras questões, abordadas nas entrevistas, foram capazes de colher respostas afirmativas e ricas de conteúdo e significado.

Assim, é perceptível que a atuação no grupo, seja como membro ou como professora, tem reflexo direto nas vidas cada um. O grupo, os ensaios, as reuniões para cumprir tarefas, as apresentações, as viagens, tudo funcionando perfeitamente como uma atividade terapêutica – ainda que o grupo e suas professoras não tenham essa intenção clara – porque são efeitos imensuráveis, mas que podem ser percebidos qualitativamente nas conversas feitas com as entrevistadas e também observadas nas apresentações do grupo.

Realizar uma pesquisa com essa abordagem é importante para dar mais visibilidade ao grupo, além de provocar outros pesquisadores a falar das atividades com arte realizadas em suas comunidades. Tais pesquisas demonstram o respeito e a seriedade com o trabalho realizado neles, trazendo-os para o centro das discussões acerca da relevância do trabalho por eles realizado e seus resultados cujos efeitos refletem-se nos aspectos da saúde social e emocional, num contexto acertadamente terapêutico. 

A metodologia usada para o trabalho foi a pesquisa de campo, com entrevistas com as coordenadoras do grupo, a pesquisa de registros documentais do grupo e a tomada de depoimentos das mulheres atuantes no grupo. A reunião desses materiais permitiu a comparação e a análise com base nas teorias estudadas, especialmente o nas aproximações com o trabalho realizado pela Gestalt-terapia.

 

2 GRUPO DE DANÇA EMOÇÕES: REGISTRO HISTÓRICO

 

O grupo de Dança “Emoções”, de Cachoeiro de Itapemirim, foi criado em 2008, com o objetivo inicial de representar a cidade na primeira edição dos Jogos Estaduais dos Idosos. Nesse evento, o grupo foi Campeão em Coreografia em homenagem ao município com o tema "Elas dançam Roberto” – coreografia que o grupo apresenta até hoje e premiada em todos os Festivais de que concorreu.  A partir daí, o grupo se fortaleceu e ampliou seu objetivo, almejando participar de festivais de danças no Brasil e no mundo. Mais que isso, o objetivo maior a ser alcançado com as coreografias apresentadas, era o de elevar a autoestima e melhorar a qualidade de vida de suas participantes.

O Grupo é composto por “meninas” da Terceira Idade, residentes na cidade de Cachoeiro de Itapemirim – ES, cuja média de idade é de 70 anos, de diferentes classes sociais, credos e etnias.

As apresentações artísticas envolvem a performance e a coreografia, pois cada dança apresenta, na verdade, é uma representação. No seu repertório o grupo homenageia a cidade natal, com destaque para a superação de indivíduos da terceira idade, além de divulgar o folclore do estado do Espírito Santo. Ou como sempre afirma, Márcia D’Oliveira, coreógrafa e diretora do grupo “Fazemos questão de divulgar de onde viemos e a riqueza da cultura da nossa cidade e estado”.

A trajetória do Grupo, desde a sua criação, contempla viagens, premiações e muitas vitórias, por exemplo, o grupo é pentacampeão estadual em Coreografia nos Jogos Estaduais dos Idosos (2008, 2009, 2010, 2011 e 2012). Também representou o estado na Conferência Nacional dos Esportes, em Brasília/DF (2010) e participou do Dança Pará (Belém/PA), conquistando o primeiro lugar em Coreografia Livre na Categoria Terceira Idade (2011). Entre os outros feitos do grupo, destacam-se:

  • Menção Honrosa em Danças Populares no Festival Internacional de Dança da Terceira Idade de Piratuba/SC (2012);
  • Participação da Mostra de Dança no Norte Festival (Festival Internacional de Dança), em Porto/Portugal (2015);
  • 1º lugar em Coreografia livre, e 1º e 2º lugares em Danças Populares no New Fest Dance (Festival de Dança em Campos do Jordão/SP), na Categoria Terceira Idade (2016);
  • 1º lugar em Coreografia Livre, 1º e 2º lugares em Danças Populares na Categoria Master e um Prêmio Especial como Coreografia Destaque entre todas as apresentações do FENDAFOR (Festival Internacional de Dança em Fortaleza/CE, em 2017);
  • 1º lugar em coreografia da Melhor Idade no XXVII Dança Pará (Belém/PA – 2018);
  • Convidado Especial na abertura do Festival Internacional do CBDD (Conselho Brasileiro de Dança) em Vitória/ES (2019) e participação da 3ª Mostra Comentada de Dança da TV Record em Campos – RJ;
  • Foi o grupo organizador do 1º Fest Dance Cachoeiro (Primeiro Festival de Dança Não Competitivo da cidade), com o apoio da Lei Rubem Braga, em 2019

Um dado importante é que o Grupo se apresenta gratuitamente em Comunidades, Lares de Idosos, Centros de Convivência, Festas Religiosas e Escolas do município e dos municípios vizinhos de Cachoeiro, sempre que convidado e dentro de suas possibilidades.

Como se trata de uma instituição sem fins lucrativos, o grupo é mantido por atividades executadas pelas próprias integrantes –  venda de rifas e de pratos prontos, organização de barracas em feiras, produção de artesanato próprio – além das apresentações realizadas no teatro municipal Rubem Braga, bem como com a contribuição por meio de mensalidades de associados e de doações de amigos do grupo. Tudo isso, objetiva arrecadar fundos para viabilizar a participação de todas nos eventos.

Esses recursos arrecadados são destinados à confecção de figurinos, ao pagamento de hotéis com café da manhã e traslados terrestres para todas as integrantes do grupo, quando em viagens. Mas quando são participações em Festivais, as despesas (passagens aéreas, hospedagem, alimentação e inscrição individual) ficam por conta das integrantes

Para dar um suporte administrativo ao grupo, em 08 de Junho de 2011, foi constituída por pessoas que fazem parte do Grupo de Dança Emoções a Associação de Dança, Esporte e Lazer da Terceira Idade (ADELTI): uma entidade civil, de direito privado, sem fins econômicos e lucrativos, de fins esportivos, culturais, sociais e de promoção da saúde e qualidade de vida da terceira idade.

A ADELTI desenvolve todas as atividades burocráticas que envolvem o grupo, observando os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade, razoabilidade, ética e da eficiência e não faz qualquer discriminação de raça, cor, sexo, gênero, credo, classe social ou religião. Com isso, visa a garantir que todos os recursos arrecadados sejam revertidos em sua totalidade para benefício do próprio grupo.

 

3 COM A PALAVRA, AS PROFESSORAS

 

Por meio de um contato virtual[1] e usando um questionário com questões objetivas e subjetivas, foi possível recolher respostas significativas para compreender o alcance do trabalho com o Grupo Emoções, que foi respondido pelas coordenadoras/professoras Marcia Teixeira Rocha D’Oliveira e Marilei Daves de Jesus Pupim Zucoloto, ambas professoras de Educação Física licenciadas pela Universidade do Espírito Santo (UFES).

O Grupo Emoções, atualmente com 20 membros, é composto de mulheres com idade a partir de 50 anos e tem uma parceria com a Academia Estação Saúde que cede o espaço sem custos para os encontros e ensaios que acontecem duas vezes por semana, com 2h de duração. No caso de estar preparando para alguma apresentação, os ensaios são intensificados e podem acontecer diariamente. Além desses encontros para ensaios, o Grupo também se reúne devido à demanda de assuntos e atividades da associação (ADELTI), tais como decidir as ações a serem feitas para a arrecadação de recursos, a escolha de figurinos e a organização de eventos. Fora do grupo, elas mesmas produzem artigos de artesanato, costura e bordados, em grupos menores a serem comercializados em função do grupo.

As coordenadoras do Grupo são as responsáveis por criar ideias e coreografias (“muitas vezes em noites de insônia”, segundo a profa. Márcia). Elas, no processo criativo, pensam no geral e depois iniciam o trabalho de composição das coreografias, pensando nos deslocamentos, na exploração espacial, nos passos e na formação coreográfica. Trata-se de um trabalho complexo. Mas atentando sempre para um pequeno/grande detalhe: “tudo tem de ser pensado para as possibilidades das que participam do grupo”, pois entre as participantes existem algumas com dificuldade de memorização e de assimilação das coreografias, bem como as limitações rítmicas por conta da idade – algumas estão acima de 70 anos. Há, portanto, “um cuidado em criar algo que seja inclusivo a fim de que todas tenham condições de participar, ainda que em pequenas partes”, reforça Márcia.

Em relação aos figurinos, também são as professoras quem pensam, mas sempre promovem uma conversa com as demais integrantes que entendem de costura e se disponibilizam para ir às compras e escolher tecidos que funcionem bem para a proposta coreográfica. Todas têm direito de opinar e cabe às coordenadoras chegar a um consenso porque é preciso criar algo que atenda aos mais diversos biotipos. Também é preciso pensar nos calçados que vão compor o figurino, pois devem ser confortáveis e seguros para zelar pelo bem-estar delas nas apresentações. Assim como os acessórios que precisam ser idênticos, em caso de participação em festivais, e coerentes com a coreografia e cena apresentada.

Há sete anos, o Grupo promove um evento cultural chamado Noite de Talentos da Terceira Idade, no Teatro Municipal Rubem Braga. Durante dois meses, o grupo fica envolvido com coreografias, ensaios de teatro, de música, declamação de poemas com o tema terceira idade. “É um evento feito com irreverência e diversão”, para apresentar um outro lado dessa etapa da vida. Uma noite com convidados dos grupos de convivência, com a participação especial de alunos das escolas públicas, de projetos sociais e de amigos. O objetivo é valorizar os talentos da terceira idade do município, trazendo para a plateia os familiares do grupo, promovendo integração e prazer em estar ali e em participar de algo muito significativo para cada um.

Quando questionadas em relação ao aspecto social da participação das mulheres, as coordenadoras relatam que, em anos de convivência com o grupo, algumas pessoas, mesmo com as “pancada da vida”, não conseguem se despegar de alguns preconceitos. Mas também que, felizmente, aprenderam que “existem pessoas que nasceram para agregar e manar coisas boas e harmonizar um grupo”. E que, apesar disso, elas se percebem como uma família em que todos se ajudam e que “ninguém fica para trás”, pois prevalece a solidariedade. Como se trata de pessoas com uma idade considerável, quando se trata de corrigir algo para o bem da apresentação, quem faz isso é a prof. Márcia, considerada a mais rígida. Isso impacta no emocional, o modo como se corrige e quem corrige, por isso ela sempre reforça a necessidade de concentração do grupo – fator importante para o desenvolvimento da dança em grupo.

 Elas reforçam que as mulheres do grupo são apoiadas por membros da família (filho, netos), mas que algumas que ainda têm marido, nem sempre as coisas são fáceis, afinal de contas “criar asas incomoda os homens, não é mesmo”? Assim, elas se importam umas com as outras, procuram estar sempre juntas nas viagens – em que só estão felizes se todas estiverem – e não aceitam desculpas para não ir, pois uma regra entre todas é “ninguém fica para trás”.

O trabalho em equipe é importante e produz resultados surpreendentes. Há fatos no grupo que significam muito para todas elas, por exemplo, “uma merendeira comendo sanduíche embaixo da Torre Eiffel”, ou “uma dona de casa, sem renda própria, passeando no Palácio de Versailles”, ou “um grupo de terceira idade de Cachoeiro, participando de um Festival em Porto, Portugal”. Tudo só foi possível graças ao trabalho em equipe.

Assim, participar do grupo é considerada uma terapia, não é trabalho, não é obrigação. Para as coordenadoras, o grupo tem como objetivo fazer com que as mulheres tenham seus objetivos, propósitos para acordar e ativar o cérebro, fazê-lo exercitar. Essa mudança de foco, aliada à superação dos desafios propostos com as coreografias, fazem com que a vida tenha um novo sentido. “Quer terapia melhor que dar um sentido à vida nessa idade?”.

No que tange à dança, é preciso salientar que quem não dançava antes passou e (ainda passa) por um processo de aprendizagem mais complicado, visto que “a falta de vivência na dança é um fator que faz o processo mais demorado”. Até mesmo as que dançavam antes nunca haviam experimentado um trabalho de aprendizado de passos, técnicas e formas coreográficas, pois geralmente sua dança era livre, com parceiros e totalmente diferente do universo da dança em conjunto. Assim, pode-se perceber que o nível de dificuldade é grande para todas elas. Mas que pode ser superado a cada dia, a cada ensaio.

Os sentimentos são muito trabalhados antes, durante e depois de cada apresentação. Sempre há o nervosismo e a insegurança antes, que é transformado no palco. “Elas ficam livres, cantam, durante a apresentação, se divertem”, reforça a profa. Marilei, “parece que vejo a luz que cada uma delas emana”, acrescenta a profa. Márcia. Para elas essa é a maior recompensa do trabalho com o grupo. Quando há algum erro trabalhamos com elas no intuito de reforçar a importância de elas acreditarem nas suas capacidades, porque elas já são vencedoras por terem superado a elas mesmas. Aí encontra-se um ponto importante desse trabalho com elas: elas acreditam nelas mesmas. E, com isso, têm a liberdade de se expressarem por movimentos. E adotam uma convivência mais amigável com o tempo, “que deixa de ser um vilão, porque elas não pensam nisso”. Há um forte teor terapêutico quando se arrumam, se maquiam e dançam. E mais que isso: “são aplaudidas, têm o trabalho reconhecido, são queridas por onde passam, recebem o carinho de todos... sentem-se vivas”

Enfim, o trabalho com o grupo e com a dança também se apresenta como uma terapia para as que coordenam. Segundo elas, “é sério como trabalho e lazer poque diverte”, e faz uma terapia reversa ao sentirem que fazem o bem na vida das mulheres, isso também se torna terapêutico para as que coordenam.

Na verdade, é uma prova de que a arte pode transformar vidas, porque proporciona encontros e experiências enriquecedoras na vida de quem participa. As coordenadoras se sentem amadas, queridas, nos pequenos gestos de cada uma: “um bolinho de chuva feio com zelo”, “um colinho na van”,” um remédio para enjoo nas viagens”, “no abraço depois das férias”, “ no segurar na mão quando o avião decola” e, “nas orações por alguém”... enfim, são muito os ganhos. Especialmente a lição de perseverança que dão todo ensaio, em não desistir de ensaiar a mesma coisa por seis meses, para apresentar em quatro minutos. O que se percebe é que as professoras se sentem orgulhosas e realizadas pelo trabalho. Isso é visível a cada resposta, a cada frase, a cada pergunta e lembrança.

 

4 COM A PALAVRA, AS MULHERES 

 

Uma segunda parte da entrevista foi feita via WhatsApp, pela professora Márcia, com algumas mulheres integrantes do Grupo Emoções. A professora enviou questões abertas que tinham como foco o grupo, abordando a importância social e emocional dela para cada uma delas. Também puderam relatar se a dança e o grupo podem ser considerados terapêuticos, seus sentimentos quando envolvidas no processo da dança e que mudanças isso já operou nelas. As integrantes do grupo que responderam foram Iolanda, Solange, Beth, Jocenir, Lúcia Helena e Marisa.

 

a) Para você, participar do grupo funciona como uma terapia?

Para todas elas a resposta foi sim, cada uma entendendo a seu modo o sentido da palavra terapia. Assim, Iolanda diz que é uma “terapia intensiva” porque “quanto mais as professoras exigem, mais eu gosto. Já Solange considera que como terapia funciona maravilhosamente pois “tenho um horário a cumprir, rir bastante e saber das fofocas”. O que acontece no grupo é muito relevante, de acordo com Jocenir além de dançar “nos ensaios conversamos, trocamos ideias e tem algumas que são psicólogas. Adoro. Saio de lá renovada”.  “Para mim é uma terapia sem dúvida. Se não fosse o grupo, acho que estaria de molho o dia todo, sem disposição, um marasmo”, respondeu Lúcia Helena e para Marisa foi importante porque quando ela ficou viúva “me puxaram para esse grupo e foi uma terapia, não tive tempo de ter depressão”.

Em termos conceituais, terapia etimologicamente

 

vem do grego THERAPEIA, que significa “o ato de curar” ou “ato de reestabelecer”. Já este vocábulo grego tem origem em um verbo THERAPEUEIN, que significa “curar” ou “realizar tratamento médico. Outra palavra da mesma linha é THERAPON, que tem o significado de “aquele que serve, atende alguém”.

 

Pode se perceber, que mesmo intuitivamente, elas aproximam-se do conceito, cada uma a seu modo. Ou seja, terapia enquanto cura por meio de uma ocupação, diferente das ocupações rotineiras. Acredito que é por meio da interação, do encontro, do estar junto, que elas concebem o sentido de terapia, em que o apoio mútuo, vale como tratamento.

 

b) Como foi o seu processo de aprender dança em grupo?

Entre elas há as que sempre dançaram e têm prazer em dançar. Nesse processo novo, de dançar coletivamente, com coreografia determinada e movimentos pré-definidos, as respostas se complementaram.

Jocenir “já dançava antes” e Iolanda, que sempre dançou, relatou que apenas se “aprimorou com as coreografias”. Solange e Beth afirmaram que foi um processo divertido, prazeroso. Imaculada, que se aposentou em 2013 e ingressou no grupo, considera-o sua segunda família. Ela relata: “Sempre amei a dança, me realizava acompanhando minha filha nas apresentações nos festivais!” Sou feliz dançando!!

Lúcia Helena, sentiu-se desafiada, porque “cada coreografia que nos era apresentada, eu pensava e às vezes chegava até a falar: não vou conseguir. E conseguia. Maravilhoso!!!”

Já Marisa, que nunca havia dançado antes, considerou que “Foi uma libertação”. Para ela, fazer novos amigos e poder trabalhar juntos em organização de feiras para angariar ‘dindin’ para nossas viagens e passeios, foi uma experiência rica e desafiadora.

 

c) Você poderia/saberia relatar momentos em que o grupo ajudou em aspectos diversos às mulheres integrantes?

Em relação a essa ajuda, as respostas foram dos mais diversos sentidos (emocional, financeiro, familiar, social). Iolanda relatou que no grupo existem mulheres que são “do lar...totalmente dependentes do marido...especificando mais financeiramente” e quando isso ocorre, e precisa de um suporte “...então junta-se àquelas mais chegadas e banca-se o que ela necessitar...passeios, vestimentas, viagens mais longas”. Isso é feito porque “somos um Grupo financeiramente heterogêneo nos ajudando mutuamente! Trabalhamos unidas para que todas usufruam igualitariamente dos eventos e viagens!!”, afirmou Imaculada.

Além disso, o grupo “ajuda mulheres com percas de familiares a não entrar em depressão”, segundo Beth. O apoio é tanto emocional quanto econômico (Jocenir), desde a o controle da ansiedade com apresentação, e “depois que danço fico muito orgulhosa de mim por ter conseguido”, disse Solange, e até mesmo conversando “em alguns momentos de dificuldades financeiras (raras), incentivando a não deixar o grupo” (Lúcia Helena) e “umas dando força para outras, não deixando a peteca cair e levantando o astral da outra”, ressaltou Marisa.

 

d) Como vocês se sentem antes, durante e depois das apresentações? Qual a relevância para suas vidas?

Iolanda: “Antes...é como fôssemos dançar pela primeira vez...como se nunca tivéssemos pisado num palco...o estômago encosta lá nas costas...sim.

Durante: a gente não vê nada e ninguém...simplesmente dança-se a coreografia como ela foi ensaiada...dando todo o nosso máximo...mas a gente tem a convicção que sempre tem alguém que vai errar em algum momento...mas é tão rápido...que só nós é que sabemos quem e quando errou...o público nem percebe...só as professoras.

Depois: A sensação primeiro do dever cumprido e de tê-lo feito e bem feito e também a sensação da euforia, alegria e bem estar por ter conseguido mais uma vez colocar o nosso corpo em sintonia com o ritmo e música...e conforme for a aceitamento da plateia com urros, gritos e palmas...dá uma tremedeira danada e aí vem o choro...de felicidade.”

E qual a relevância para sua vida? “O amor, a gratidão, o bom relacionamento que a gente pratica intensivamente no meio de todas nós e principalmente a cumplicidade, a harmonia, a humildade e a amizade cultivada dia a dia, faz o nosso viver mais livre, leve e solto!!!” Além disso, há uma palavra muito importante, para mim no "viver com" ou "conviver" ela é essencial: "respeito mútuo", ele é tudo...e por aí já vamos para os nossos 12 anos...com a Graça de Deus!!!”

 

Solange: Salientou que “para minha vida a relevância é que posso viajar, me divertir e aprender mais. Era muito ligada só no serviço. Após a viuvez sei que posso contar com as amigas”

 

Imaculada: Resumiu o antes quando “sinto ansiedade pela expectativa da apresentação” e o depois quando se sente “feliz e realizada!! A dança funciona como um elixir da vida!!!”

 

Beth: “Antes o nervosismo, durante felicidade, depois ainda mais feliz por agradar muitas pessoas e nos agradar” e acrescenta que esse agrado se estende “principalmente a nossa querida Márcia e Marilei”, considerando que “é uma das experiências mais incríveis vividas por nós”

 

Jocenir:  Diz que se sente realizada. E isso é visto pelos outros.“Como minha irmã fala: Estou mais feliz. Auto estima lá em cima”.

 

Marisa: “Antes acontece tudo: ansiedade, nervosismo, o medo de dar tudo errado (aí já viu né), mas depois é só festa. Sem contar com o número de vezes em que fomos premiadas.

 

Lúcia Helena: “Para nossa vida sempre foi um desafio maravilhoso. Só deixo o grupo quando não puder mais me locomover ou ele acabar. Já faz parte da minha vida.”

 

5 DANÇA COMO TERAPIA: APROXIMAÇÕES COM A GESTALT

 

            Sempre é tempo de procurar entender a importância da arte, seja de qual modalidade, para o ser humano. Ela tem a capacidade de questionar, de recriar, de reinventar, de fazer pensar. Isso é o que se percebe nas respostas do Grupo Emoções, que faz da dança a sua terapia. Ainda que não haja esse objetivo explícito naquilo que o grupo pretende alcançar, mas percebe-se que ele é totalmente alcançado. Não pode ser mensurado, como os prêmios e títulos conquistados por elas, mas pode ser percebido nas falas, nos gestos e no compromisso de todas com a dança. Com elas mesmas.

            Embora não sejam as professoras formadas em Arteterapia, elas parecem aplicar muito bem o conceito de Arteterapia, porque se utilizam de recursos artísticos – expressão corporal, dança, teatro, movimento do corpo, leitura, interpretação e compreensão das letras de música e das cenas – com finalidades imediatas como a ludicidade, o prazer, a ativação do cérebro, a quebra da rotina, mas atingindo também, e principalmente, a valorização do ser mulher e estar na terceira idade. São ganhos terapêuticos. Afinal na definição da Associação Brasileira de Arteterapia, a Arteterapia é um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da comunicação entre os envolvidos, e tem em sua essência a criação estética e a elaboração artística em prol da saúde. Assim, o trabalho pedagógico feito com as integrantes – uma educação corporal, por meio da dança – promove o desenvolvimento interpessoal através das atividades realizadas em grupo.

            As professoras são as mediadoras entre as mulheres e a dança. Interagem, explicam, apresentam, corrigem. Promovem a integração entre elas e a arte. Durante a apresentação elas são as responsáveis por desempenhar com destreza tudo o que foi ensinado e aprendido ao longo de meses de ensaio. E nesse processo há a oportunidade da expressão de cada uma: no gesto, no figurino, na repetição do passo, no detalhe. É por meio dessa atividade artística que é facilitado o contato delas com suas próprias questões – sejam emocionais, limitadoras, econômicas, cronológicas – mas feito pelo viés criativo. Quando dançam, não dançam apenas: elas ressignificam a si mesmas, adquirem novos sentidos. Enfim, estar em contato com essa atividade criadora, com a arte e a dança possibilita abrir caminhos para uma transformação subjetiva. Não mensurável, como já foi dito. Mas visível, vivo.  Eis o ganho maior de todo o processo que envolve estar nesse grupo: compreender que a arte promove o autoconhecimento e potencializa a criatividade, habilidades essenciais ao desenvolvimento, tanto de um indivíduo como de um grupo.

            Pode-se afirmar que essa atividade com a dança se aproxima, ainda que não tenha essa intenção, da abordagem Gestáltica em arteterapia, desenvolvida por Janie Rhyne, mais especificamente no que tange ao trabalho com indivíduos ou grupos. O principal conceito da gestáltica é o da teoria da percepção, cujo objetivo é ampliar a percepção que a pessoa tem dela mesma a partir da vivência artística.

Gestalt é uma palavra de origem germânica, com uma tradução aproximada de “forma” ou “figura”, que se baseia na ideia da compreensão da totalidade para que haja a percepção das partes. A teoria da Gestalt, também conhecida como Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Boa Forma, faz parte dos estudos da percepção humana, que começaram a se desenvolver entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX.

Janie Rhyne, por sua vez, defende que a pessoa ter contato com a percepção que ela tem dela mesma na sua totalidade, entendendo totalidade não como a simples soma das partes, mas da configuração resultante dessas partes. A função terapêutica então, é fazê-la perceber tanto a si mesma quanto o mundo em que vive, por meio de insights. E para isso, a arte entra como um elemento que potencializa essa percepção, fazendo com que ela se dê conta ou perceba-se (o termo usado no original é awareness) quando vive um momento. Isso leva-a a um ganho de consciência mais amplo, conforme define Rhyne:

 

A experiência gestáltica de arte, então, é o seu eu pessoal complexo fazendo formas de arte, envolvendo-se com as formas que você está criando como fenômenos, observando o que você faz, e, possivelmente, espera, percebendo por meio de suas produções gráficas não apenas como você é agora, mas também modos alternativos que estão disponíveis para que você possa se tornar a pessoa que gostaria de ser (2000, apud REIS, 2014, p. 154)

 

É nessa vivência com a arte que ela pode descobrir sentimentos e qualidades novos, num processo que auxilia o maior desenvolvimento do seu potencial. Por isso, a atividade artística é vista como um modo consciente de integração entre a fantasia e a realidade, e ambas se encontram de maneira construtiva na obra criada (Rhyne, 2000). A obra, então, configura-se como uma ponte entre o que as realidades interna e externa, por onde é capaz de transitar  mensagens enviadas por ela para ela mesma e que, para serem compreendidas, ela deve perceber as interrelações existentes entre a forma da arte e os processos subjetivos do ato criador.

Assim, é preciso que a pessoa experimente um evento. Envolva-se nele pessoal e emocionalmente, vivendo o aqui-agora como protagonista e, ao mesmo tempo, como observador desse acontecimento. Para a arteterapia gestáltica, a vivência de arte é um meio para o contato do sujeito consigo mesmo, definindo-se no conjunto formado por:

                          a) fazer formas artísticas;

b) estar emocionalmente envolvido nas formas que estão sendo criadas como um evento pessoal;

c) observar o que está sendo feito, e

d) perceber através das produções realizadas não somente como a pessoa está neste momento, mas também maneiras alternativas possíveis para desenvolver-se seguindo modelos mais desejados por ela mesma (Andrade, 2000, p.131, apud REIS, 2014, p. 154)

 

Essa vivência artística permite ao sujeito, então, dois atos: o de desvelar-se nas formas criadas, em modos que ele mesmo ignorava saber; e o de revelar-se, em que ele se projeta em formas diversas que possibilita a ele novos modos de ser-no-mundo.

Tudo isso, ainda que instintivamente, pode ser percebido nos processos pelos quais as mulheres integrantes do Grupo Emoções, tanto pelas análises de suas respostas, quanto pelo que pode ser percebido em suas apresentações: mulheres simples, comuns, com suas vivências particulares, transfiguradas em dançarinas, empoderadas, mulheres de força, superadoras de obstáculos internos e externos. Há muito que se considerar nesse trabalho com a dança porque potencializa a vivência com o coletivo, a memorização, a respiração, a concentração, o ser-estar no ato do palco.

 

 

 

6 CONCLUSÃO

Em anos de sua existência, o grupo já se apresentou, viajou, emocionou e fez a plateia emocionar-se a cada dança, a cada performance. Um sorriso, um passo, uma voz cantando a canção e levando aos demais exemplos de força, de conquista e de superação.

Na verdade, quando estão no palco (que pode ser também uma quadra, um espaço preparado, um clube...), elas não apenas dançam, mas buscam alcançar o máximo de suas capacidades tanto expressivas, quanto rítmicas, levando ao público passos e músicas de “sua geração”. Além disso, extrapolam qualquer limite entre idade, cor, classe social ou outros rótulos. São mulheres, empoderadas, cientes de seu papel e livres de julgamentos e opiniões. São mulheres em ação de arte.

Os efeitos dessa participação são notadamente positivos em todas elas. São terapêuticos porque curam todos, artistas e plateia, fazem vibrar as energias positivas de que a arte é capaz de ressignificar nossas vidas. Em tempos obscuros, de problemas de solidão, de tristeza, de abandono, de depressão, elas vêm com suas cores e risos, com seus passos e movimentos, dizer que a vida começa sempre. Pode durar uma dança, um congresso, um ensaio, uma viagem ou um fazer bolos e doces. Mas, e principalmente, que é preciso agarrar essa vida, puxá-la para o centro e dançar com ela. É um convite que se pode traduzir na música e refletir no dia a dia de cada um.

Assim, conforme As Frenéticas cantaram em 1978, é importante que cada um “Abra suas asas / solte suas feras / caia na gandaia / entre nessa festa / E leve com você / os seus sonhos mais loucos”. E que o mais importante é dançar, bem ou mal, sem parar e até mesmo sem saber dançar. Tudo se aprende. Elas com as professoras, e nós com elas.

 

 

Referências

 

Associação Brasileira de Arteterapia. Arteterapia. São Paulo. 2009.

 

Gestalt. Disponível em: < https://www.todoestudo.com.br/filosofia/gestalt>. Acesso em: 22 de maio de 2020.

GESTALT: conceito, princípios e exercícios usados na terapia. VittudeDisponível em: https://www.vittude.com/blog/gestalt/> Acesso em 18 de jun.de 2020.

 

GESTALT. Significados. Disponível em: < https://www.significados.com.br/gestalt/>. Acesso em 10 de fev. de 2020.

 

GUIMARÃES, A. C. A., SIMAS, J. P. N. e FARIAS, S. F. Dança como uma contribuição para a qualidade de vida. Cinergis, Santa Cruz do Sul, v.4, n.1, p.29-37, jan./jun. 2003.

 

REIS, Alice Casanova dos. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. PsiBr, 2020. Disponível em: < https://psibr.com.br/leituras/psicologia-clinica/arteterapia-a-arte-como-instrumento-no-trabalho-do-psicologo > Acesso em 25 de fev. 2020.

 

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[1] Todo contato foi feito via telefone e, depois, usando o aplicativo de mensagens WhatsApp, em função de estarmos em isolamento social devido ao COVID-19, e atendendo às recomendações do Ministério da Saúde.