Resumo: “A alma ouviu muitas palavras maravilhosas e santas de tal forma que não convém a nenhum homem dizê-las” (VISIO TNUGDALIE, 1895, p. 118). O cavaleiro de repente “acorda”, após três dias no Além-túmulo, quando, então, pede para tomar a hóstia e se confessar. Logo depois, faz doações à Igreja e aos pobres, pede para colocar a cruz em suas vestimentas e conta o que havia se passado para outras pessoas. Desta forma, este nobre se torna um exemplo a ser seguido, o que contribuiria para a ida ao Paraíso após a morte. O ideal, em suma, é compreender o que os medievos entendiam por visão do além-mundo, ao se realizar uma reflexão sobre a nossa própria sociedade moderna. Palavras-chaves: Além-mundo, medievo, paraíso, inferno, modernidade. Abstract: “The soul, so many wonderful and holy words that it is not fit for any man to say them” (VISIO TNUGDALIE, 1895, p. 118). The knight suddenly “wakes up” after three days in the Otherworld, when he asks to take the host and confess. Soon after, he makes donations to the Church and the poor, asks to put the cross on his clothes and tells what he had passed through to other people. In this way, this nobleman becomes an example to be followed, which would contribute to going to Paradise after death. The ideal, therefore, is to understand what the medievals understood by a vision of the beyond, and also to reflect on our own modern society. Keywords: Beyond-world, medieval, paradise, hell, modernity

Presença da temática do além-mundo em nossa sociedade O presente artigo visa trazer o impacto da literatura bíblica que permeia, por séculos, o imaginário ocidental, acompanhando a história e sua evolução, a partir da descrição do mundo dos mortos com os vivos, e como sua jornada em vida eleva a crença no divino e na vida após a morte. Os castigos que esperam aqueles que pecam – ou que se submetem a crimes e momentos de neutralidade em situações de injustiças – são narrados em textos apocalípticos judaicos, cristão-primitivos, e, em sua recepção, nos relatos visionários medievais. Assim, é estruturada a forma como a sociedade ocidental imaginava as moradas dos mortos, suas recompensas e punições, sobretudo os seres angélicos e demoníacos que administravam essas esferas, bem como as passagens da alma ao além. Nesse sentido, a temática do além-mundo foi bem fundamentada pela religião e, assim, propagada aos que acreditavam que seus pecados, em terra e em carne, representariam a um só tempo a chave de entrada para o reino dos céus ou a sua ruína para as esferas do inferno. No estudo dessa narrativa, logo, podemos encontrar os ecos da oralidade e dos questionamentos religiosos do homem, por meio da forma como grandes civilizações antigas se ergueram com base nessa ideologia. Isto posto, ao comentar a relação entre tempo, narrativa e dialogismo em Bakhtin, Machado (1998, p. 33) observa que: [...] tanto a experiência como a criação são manifestações marcadas pela temporalidade. Apesar da importância do tema, não é de modo sistemático que se pode ter acesso às formulações de Bakhtin sobre o assunto, visto estas se encontrarem disseminadas ao longo de seus estudos sobre os géneros, o cronotopo, a polifonia. A falta de sistematização, contudo, não é fortuita. O tempo na teoria do dialogismo não é um constituinte estrutural da narrativa, pelo contrário, a narrativa e, consequentemente, os gêneros, são instâncias estéticas de representação do tempo. Visto por esse viés, a noção de tempo distancia-se das abordagens mais divulgadas sobre o assunto, sobretudo porque desconhece as fronteiras entre a ética e a estética. A temática elucidada, portanto, permite o diálogo entre a cultura, a narrativa e o homem imerso nela, criando uma interação e uma resposta ao tema em sua origem e sua finalidade. Em outras palavras, a intenção é suprir o desconforto da incompatibilidade entre as duas temporalidades da vida e morte. Na realidade, essa literatura visionária trouxe um conjunto de fatores, que influenciaram o desenvolvimento das culturas espalhadas pelo mundo, o qual foi de forte influência para o rumo da história. No meio atual, no qual se insere nossa sociedade, ainda consiste, a exemplo, a crença dos bons valores e das práticas da distinção do “homem de bem”, isto é, aquele o qual utilizaria do mecanismo da fé para propagar suas mensagens e repassar informações com a ajuda dos ensinamentos condizentes à visão do além-mundo, sobre o que viria a ser o castigo a todos aqueles que fossem considerados pecaminosos e, por sua vez, opositores de suas ideias. Essa convicção, ressaltamos, ainda está muito presente nos dias atuais, de forma que elementos do cristianismo oral e letrado, sem ser eruditos, foram assimilados em diferentes culturas europeias, promovendo a recepção e a transformação dos elementos bíblicos antigos. Nesse ponto de vista, na literatura latinoamericana, os enredos e relatos do além-mundo se apresentaram apropriados para se falar sobre o presente, sobre as tensões sociais, permitindo compreender como o mundo dos mortos, de forma ambígua, é capaz de lançar luz ao mundo dos vivos. Para o homem, nos antigos tempos, após a morte, a ida ao paraíso era, então, o principal objetivo, a grande utopia. Por excelência, configurava o lugar de descanso eterno, espaço para o qual sua alma seria diretamente elevada ao bem-estar e à felicidade espiritual, contudo, para alcance dessa meta, as pessoas deveriam abster-se dos pecados terrenos e da carne, caso contrário, seriam conduzidas ao inferno por seus pecados em punições eternas. Nessa perspectiva, é comum observarmos como as viagens literárias ao além-mundo trazem claramente essa película dos elementos do paraíso, purgatório e inferno com analogias à representação cristã, através do Paraíso representado como espaço utópico. Além disso, as distopias da atualidade ainda auxiliam a refletir sobre a sociedade melhor e mais justa que desejamos ter. [...]