UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ-UVA

CENTRO DE LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS- HABILITAÇÃO EM LÍNGUA INGLESA 

ANTONIO RONDNEY MOUTA XAVIER

PERSPECTIVA HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 

SOBRAL - 2013

ANTONIO RONDNEY MOUTA XAVIER 

PERSPECTIVA HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 

Artigo apresentado à Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA como requisito parcial para obtenção do título de Graduado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa, sob a orientação do Professor Francilei Araújo.

Sobral – 2013

Artigo apresentado como requisito necessário para obtenção do grau de Graduado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa, da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

PERSPECTIVA HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

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Antonio Rondney Mouta Xavier

 

 

Artigo aprovado em _____/_____/2013

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Prof.Esp. Francisco Francilei Bezerra de Araújo

Orientador

 

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Prof. Esp. Francisco Eduardo de Mesquita Cavalcante

1°examinador

 

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Prof. Dr. Raimundo Francisco Gomes

2° examinador

 

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Prof. M. Sc. Elisalene Alves dos Santos

Coordenadora do Curso de Letras da UVA

Dedico este trabalho a minha mãe Clêda, a minha filha Adna Kayla e a minha esposa Ligerdane, por serem as rosas que perfumam o jardim do meu existir.

Ao meu grande amigo, irmão de coração e incentivador, Carlos Jânio Alves Gaspar por ter acreditado que me era possível cursar uma faculdade e ter dado substancial apoio, não apenas moral, mas também financeiro quando foi preciso.

E também aos meus colegas do curso de letras que tanto colaboraram para a minha formação com as nossas conversas diárias e trocas de conhecimentos e experiências.

Ao amigo Arlindo Moreira pelo apoio nas horas difíceis no decorrer do curso quando o trabalho me sufocava a vida acadêmica.

 A minha prima Andrea Xavier que tanto me auxiliou neste processo de conclusão da graduação.

Ainda aos professores do curso de letras que tanto contribuíram para meu aprendizado e dedicação ao curso, mesmo diante das dificuldades.

Ao meu orientador professor Francilei Araújo pelo auxílio imprescindível na confecção deste trabalho e por me motivar na realização do mesmo ao ponto de tornar sua realização algo simples e prazeroso.

A palavra, depois de dita, não volta mais.

Horácio (Arte Poética, v. 390)

RESUMO

 

O presente artigo traz um breve relato histórico da língua portuguesa desde sua origem no latim e formação pelo contributo de diversos povos até a publicação da obra ‘Os Lusíadas, ’ seu marco histórico na fase moderna. Este estudo de caráter bibliográfico trará a colaboração de autores renomados no trato da história da nossa língua como os professores Gladstone Chaves de Melo (1967), Ismael Lima Coutinho (1958) e Rodolfo Ilari (2002), dentre outros que contribuíram para o conhecimento da trajetória da língua portuguesa. Primeiramente, discorreremos sobre a filologia românica e portuguesa, sua delimitação e seus conceitos. Trataremos as línguas que compreendem a românia antiga e a românia atual bem como o universo de falantes das atuais línguas românicas. Em seguida, traçaremos um panorama da história externa da língua portuguesa, com sua origem no Latim Vulgar e consolidação na Península Ibérica após a retomada do território português do domínio Mouro e ainda a sua divisão nas fases arcaica e moderna. Para a finalização deste artigo, traremos um último capítulo denominado: História Interna da Língua Portuguesa, em que se apresentam as transformações internas da língua, suas modificações fonéticas pela ação das leis fonéticas, do vocalismo e consonantismo, além das alterações morfológicas do latim com as perdas e fusões dos casos latinos. Concluindo a nossa breve análise histórica, pudemos perceber a riqueza lingüística e a importância cultural, social e econômica da língua portuguesa no mundo ao longo de sua trajetória e seus movimentos de evolução e consolidação enquanto idioma independente.

Palavras – chave: Língua Portuguesa. Filologia Românica. Relato Histórico. Latim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

This article provides a brief historical account of the Portuguese language from its origin in Latin and formation by the contribution of many people until the publication of the book ‘The Lusiads,’ his landmark in the modern phase. This study of bibliographical character bring the collaboration of renowned authors in dealing with the history of our language, how teachers Gladstone Chaves de Melo (1967), Ismael Lima Coutinho (1958) and Rodolfo Ilari (2002), among others who contributed to the knowledge of the trajectory of Portuguese language. First, we will discuss about the romanic philology ​​and portuguese, its delimitation and its concepts. We will treat languages ​​that comprise the ancientromaniaand currentromaniaas well as the universe of speakers of the current romanic languages. Then we will trace a panorama of external history of the Portuguese language, with its origins in Vulgar Latin and consolidation in the Iberian Peninsula after the resumption of the Portuguese territory of Moorish domination and yet its division into phases archaic and modern. For the completion of this article, will bring a final chapter called: Internal History of the Portuguese Language, which presents the internal transformations of language, their phonetic changes by the action of phonetic laws, vocalism and consonantismo, besides the Latin morphological changes with loss and mergers of Latinos cases. Concluding our brief historical analysis, we realize the linguistic diversity and cultural, social and economic importance of the Portuguese language in the world throughout his trajectory and his movements of evolution and consolidation as an independent language.

Key - words: Portuguese Language. Romance Philology. Historical Account. Latin.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................09

 

2 FILOLOGIA(LINGUÍSTICA) ROMÂNICA E PORTUGUESA................................10

2.1 România Antiga...................................................................................................10

2.2 România Atual.....................................................................................................12

2.3 Filologia Portuguesa............................................................................................15

 

3 HISTÓRIA EXTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA.............................................18

3.1 Chegada Romana à Península Ibérica................................................................18

 

4 HISTÓRIA INTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA...............................................22

4.1 Leis Fonéticas......................................................................................................26

4.2 Metaplasmos........................................................................................................30

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................32

 

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................33

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve princípio na nossa curiosidade, enquanto acadêmico, pela história da língua portuguesa e fora motivada nas aulas da disciplina de latim do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA. Foi naquele momento diante do latim, com suas alterações lingüísticas que resultaram no nosso idioma, que crescera o nosso interesse.

Este artigo foi realizado em três capítulos a partir de uma pesquisa bibliográfica, que teve como principais referências o professor Gladstone Chaves de Melo, que na sua Introdução à Filologia Românica fez uma excelente exposição da história da língua portuguesa, bem como o professor Ismael de Lima Coutinho o fizera com semelhante maestria em sua obra Pontos de Gramática Histórica.

A fim de traçar o perfil histórico da língua portuguesa, o primeiro capítulo, dividido em três partes, sob o título de FILOLOGIA (LINGUÍSTICA) ROMÂNICA E PORTUGUESA, trará na primeira delas a definição científica da lingüística românica e as línguas nela compreendidas, como o francês, o espanhol, o italiano e o português. Na segunda parte do mesmo capítulo, traremos as causas da romanização superficial de algumas regiões sob o domínio de Roma, bem como os números atuais do universo de falantes das línguas românicas, dentre elas o português. Na última, abordaremos a filologia portuguesa e os fatores importantes para sua propagação e dos dialetos portugueses. No segundo capítulo, intitulado HISTÓRIA EXTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA, será exposta a história externa da língua como o relato dos seus acontecimentos políticos, sociais e culturais, bem como a divisão da história do idioma nas fases arcaica e moderna. Por fim, no último capítulo, sob o título de HISTÓRIA INTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA, nos deteremos sobre as alterações que a língua portuguesa sofreu ao longo de sua evolução e a motivação destas. Abordaremos as leis fonéticas e os metaplasmos como forma de mostrar o desenvolvimento do idioma e quais fatores contribuíram para tal.

Assim, pretendemos expor a história da língua portuguesa de modo breve e claro, sem deixar de citar seus acontecimentos sociais, políticos e culturais, para que seja possível a quem interessar, conhecer a língua através de um estudo sintético e objetivo.

Esperamos que o presente estudo nos possibilite ampliar o reconhecimento da língua portuguesa e auxilie outros interessados na sua história a conhecer a importância e riqueza do idioma, que hoje é forma de expressão de várias nações no mundo e é de modo único, a língua de toda a nossa extensão territorial.

 

2  FILOLOGIA (LINGUÍSTICA) ROMÂNICA E PORTUGUESA

2.1 România Antiga

 

Para traçarmos um perfil histórico da românia antiga, é importante que citemos, ainda que brevemente, o caminho científico percorrido para sua boa compreensão. A linguística românica enquanto ciência teve inicialmente o nome de filologia românica, sendo então uma disciplina de orientação puramente histórica. Posteriormente, a novel ciência veio a imbuir-se de maior rigor técnico graças aos trabalhos de Friedrich Diez, em sua Gramática das Línguas Românicas, de 1836 e seu Dicionário Etimológico das Línguas Românicas, de 1853.

Assim como a Filologia no seu aspecto puro de ciência é “Qualquer estudo feito no sentido de reconstituir textos antigos de uma língua, de corrigí-los quando errados, restituí-los a sua genuinidade quando interpolados, consititui trabalho de filologia.” (COUTINHO, 1958, p. 20). Podemos dizer então que a filologia românica ou linguística românica vai ocupar-se do estudo das línguas que representam continuações historicas do latim, uma vez que não houve um marco final deste para o início dos romances[1].

 Adentrando à Linguística Românica, consideremos que as línguas compreendidas no mundo latino tiveram como ponto de partida o Latim Vulgar (sermus vulgaris), o qual era a língua viva entre o povo romano e povos romanizados. Apesar de ser o instrumento de comunicação diária entre aqueles indivíduos, o latim variava em decorrência dos elementos geográficos, sociais, econômicos e temporais.

Apesar das diferenças citadas anteriormente, houve compreensão entre os falantes do latim àquele momento, fato que foi ao longo da romanização desaparecendo, à medida que as modificações linguísticas se acentuavam. É exatamente sobre estas modificações, causadoras dos dialetos, que pairam as inquietações de como o latim fragmentou-se em vários romances, idiomas, como o francês, português, espanhol, italiano, romeno,etc.

Gladstone(1967,p.104), nos traz interessante  argumentação sobre este embrolho linguístico, da qual compreendemos que:

a) os povos sujeitados politicamente a Roma acabavam por esquecer a própria língua e a absorver o latim, embora esta fosse inicialmente uma língua tosca e rude da região do Lácio na Itália, onde posteriormente foi erigida roma;

b) a existência de diferentes “latins,” pelo aspecto cronológico, dado que a expansão de Roma levou séculos para acontecer e isto trouxe por exemplo para a Sardenha, uma língua mais conservadora do que a levada para a Dácia em sua conquista, que só ocorrera quatro séculos mais tarde, o que fez com que a região absorvesse naturalmente um latim mais evoluído;

c) os indivíduos que passavam a falar o latim, traziam consigo uma carga linguística, ou “sotaque” da sua língua materna, seu substrato[2]. Consideremos aqui, que em cada região havia um sotaque peculiar daqueles indivíduos, dado seu diferente substrato.

Nas palavras de Gladstone(1967, p.105), “Podemos imaginar como se terá passado a coisa, por comparação com fenômenos atuais:um francês, um italiano, um polonês, um inglês, um alemão, estabelecidos no Brasil, não falam o português do mesmo modo.” Desta maneira, e devido às persistências das marcas iniciais no falar dos povos romanizados, bem como as tendências e divergências surgidas na linguagem, é que se formaram os diversos dialetos[3] do latim nas regiões da Gália, Hispânia, Dalmácia, etc.

Contudo, os dialetos românicos não se modificaram livremente de início devido a unidade política e cultural do império e o modus vivendi romano, com suas escolas, artes, filosofia, elites prestigiosas e ainda o fato de diversos povos de língua latina se sentirem por muito tempo diretamente integrados a civilização romana e politicamente ligados à metrópole, o que provocava uma força centrípeta em oposição as divergências linguísticas surgidas. Assim, embora a língua latina estivesse dialetada, por todo o império permanecia praticamente a mesma.

Entretanto, com o fim do Império Romano, de suas escolas, de suas elites prestigiosas, findou também a consciência de solidariedade que sustentava a unidade do latim e se opunha à expansão dos dialetos. A partir deste momento, cada dialeto pôde desenvolver livremente traços e caracteres linguísticos próprios.

Por fim, entre o quinto e o sétimo século da era cristã, as modalidades de latim se diferenciavam mais intensamente, segundo suas próprias tendências e superestratos[4] de outros povos, nestas introduzidos, o que veio a dar origem às línguas românicas.

 

2.2 România Atual

 

Conhecemos por România atual a área ocupada por línguas de origem latinas ou neolatinas. Os limites hoje ocupados por estes idiomas pouco faz lembrar o território da antiga România, na época do Império Romano.

Mesmo na sua melhor difusão, com as constantes invasões romanas e conquistas de povos, o latim não conseguiu se fixar em todos os mandos do império. Embora politicamente aqueles territórios estivessem sob domínio de Roma, alguns fatores impediram a perpetuação do latim como idioma.

Várias foram as razões que impediram a abosorção da língua romana pelas colônias, porém, entre as principais podemos citar: a romanização superficial de alguns lugares; a superioridade cultural dos vencidos e ainda  a superposição de populações não romanas.

A romanização superficial ocorreu devido a pequena densidade demográfica e às dificuldades de comunicação de algumas regiões como a atual Escócia,  a Germânia, em boa parte dos países danubianos e  nas regiões montanhosas da Europa continental e mediterrânea, como os Alpes e a Albânia. Estes fatores impediram a formação de grandes cidades, o que fez com que em alguns pontos deste território tenham sobrevivido línguas ainda pré-românicas, dada a superficialidade da colonização.

A expressão cultural dos vencidos foi outro importante fator de impedimento ao latim. Em lugares onde havia uma cultura profundamente impregnada, a exemplo da Grécia e do mediterrâneo oriental, nem mesmo vários séculos de dominação romana foram suficientes para sobrepor a língua latina, pois mesmo a Igreja, manteve na Grécia, o grego como língua coloquial e culta.

Sobre este ponto, observemos o que nos traz Rodolfo Ilari(2002,p.48).

O latim não suplantou as línguas indígenas[5] em todo o território do império: impô-se como língua falada no mediterrâneo ocidental e na europa continental, mas teve sempre em condição de inferioridade na Grécia, na Anatólia, e no mediterrâneo oriental.

O mesmo autor acrescenta ainda o fracasso do imperador Constantino ao tentar tornar o latim a língua da administração do Império Romano do Oriente, nestes termos:

A tentativa realizada por este mesmo imperador, de fazer o latim a língua da administração no Império Romano do Oriente, que poderia ter transformado Constantinopla num centro irradiador da cultura latina, não teve êxito, apesar de ter sido deslocada para o oriente uma verdaderia multidão de funcionários públicos. Ilari(2002,p.48).

Com a dominação árabe no sul da Península Ibérica, a superposição maciça de populações não-romanas colaborou também como fator de resistência ao latim. Outro ponto que chama a atenção nos atuais limites da România, é o resultado dos movimentos colonialistas do século XVI, pois em virtude destas aventuras marítimas e dos movimentos de propagação do catolicismo, os novos continentes absorveram as línguas românicas, tanto através do repasse cultural, como adotaram-nas como línguas oficiais.

Deste modo, temos hoje dez línguas que podemos chamar de românicas: o português, o espanhol, o catalão, o francês, o provençal, o italiano, o reto-romano, o dalmático, o romeno e o sardo. Devido a posição política, cultural e econômica além do importante número de falantes, quatro delas se destacam como principais línguas romanicas faladas em terras desconhecidas pelo velho continente à época do antigo império: o português, o espanhol, o francês e o italiano.

Falam a língua portuguesa os povos de Macau, Timor, Goa, A Península da maláia, na Guiné- Bissau, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Ilha da Madeira e São Tomé e Príncepe.

O espanhol é falado em toda a américa do sul, exceto Brasil, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Falado também na américa central, com excessão do Haiti e Jamaica.Já nos Estados Unidos, o espahol é uma das línguas dos estados bilíngues da Califórnia e Texas.

O francês é a língua de Quebec no Canadá, da Lousiana, da Guiana Francesa, do Haiti, Senegal e Madagáscar. A Eriteia, Somália e a Líbia, tiveram desde o fim do século passado e início do atual, o italiano que lhe foi trazido como idioma.

Em dados atuais, as línguas românicas estão entre as que detêm maior número de falantes no mundo. Segunda língua mais falada em número de falantes nativos e segunda língua de comunicação internacional, o Espanhol é a língua europeia com maior difusão, contabilizando mais de 495 milhões de falantes que o ultilizam como  língua materna, segunda língua ou estrangeira, de acordo com o anuário 2012 do Instituto Cervantes publicado em seu site: http://www.cervantes.es.

De acordo com a Academia Brasileira de Letras, em publicação no seu site: http://www.academia.org.br, temos como sexta língua mais falada no mundo, o Português, que entre seus falantes como língua mãe e estrangeiros contabiliza mais de 240 milhões de indivíduos.

Ocupando o nono lugar na lista dos idiomas mais disseminados no globo, de acordo com a OIF(organização internacional da francofonia) em seu site: www.francophonie.org, o francês detém a soma de mais de 200 milhões de falantes e é a única língua, ao lado do inglês a estar presente nos cinco continentes.

Por último, entre as línguas românicas, de acordo com a sociedade linguística internacional em publicação em seu site: www.ilaword.org, atualmente 66,5 milhões de pessoas falam o idioma italiano no mundo.

 

2.3 Filologia Portuguesa

Assim como o latim ao longo de sua disseminação pelo Império Romano e mais notadamente com o fim do mesmo, sofrera modificações linguísticas que o fizeram ir  transformando-se em dialetos, os quais originaram posteriormente as hoje conhecidas línguas românicas, a língua portuguesa também experimentou sua dialetação nos domínios do reino português, tanto  no continente europeu, como nas ilhas que Portugal conquistou nos territórios além-mar.

Fator importante para a propagação da língua portuguesa foi a grande aventura marítima de Portugal ao longo do século XV, o que fez com que a língua, em contato direto com substratos de línguas indígenas, sofresse profundas transformações, sem deixar porém, de se implantar solidamente.

A princípio, o português foi falado nos novos domínios do reino com fidelidade à língua da metrópole, tanto nos prova o relato de Duarte Nunes Leão citado por Coutinho(1958,p.62):

A qual (refere-se a língua) tam puramente se fala em muitas cidades da África, que ao nosso jugo são subjectas, como mesmo no Portugal, e em muitas pronúncias da Etiópia, da Pérsia e da Índia, onde temos colônias, nos Sionitas, nos Malaios, nos Maluqueses, Léqueos, e nos Brasiis,[...].

Entretanto, foi devido o contato com o clima, topografia, costumes e crenças diferentes dos lugares em que se implantou a língua portuguesa, que as transformações linguísticas ocorreram e a impediram de manter sua uniformidade. É diante de uma nova realidade social, com suas peculiaridades, que o português desenvolveu múltiplas formas nominadas dialetos.

Em muitos lugares o português sofreu profunda transformação  e simplificação do seu mecanismo gramatical. Recebeu ainda volumosa e estranha contribuição no seu vocabulário, devido ao contato com as línguas de populações transplantadas, vindo a originar os conhecidos “dialetos crioulos”, na África, Ásia e Brasil.

Espalharam-se os dialetos portugueses pelos Açores e Ilha da Madeira, chamados então de insulanos. Há outros dialetos bem afastados do português padrão falados na Ásia, também chamados de crioulos, como os dialetos crioulo de Diu, crioulo de Damão e crioulo Norteiro, falados respectivamente em Bombaim Caul e Baçaim.

Para discorrer de forma mais objetiva sobre os diversos dialetos existentes do português, tomamos de empréstimo neste momento a classificação de Leite de Vasconcelos, trazida por Coutinho (1958,p. 64), o qual define os dialetos em três grande grupos:

I) CONTINENTAIS, os existentes no continente europeu:

1)interamnense(Entre-Douro-e-Minho);

2)transmontano(Trás-os-Montes);

3)beirão(Beira-Alta e Beira-Baixa);

4)meridional(Sul de Portugal).

II) INSULANOS, os que são falados nas ilhas européias:

1)açoriano(Açores);

2)madeirense(Madeira).

III) ULTRAMARINOS, no ultramar:

1)dialeto brasileiro;

2)indo-português, que compreende:

a) dialeto crioulo de Diu;

b) dialeto crioulo de Damão;

c) dialeto crioulo Norteiro(Bombaim, Baçaim,Caul, etc);

d) português de Goa;

e) dialeto crioulo de Mangalor;

f) dialeto crioulo de Cananor;

g) dialeto crioulo de Maé;

h) dialeto crioulo de Cochim;

i) português da costa do Coromandel;

3) dialeto crioulo de Ceilão;

4) dialeto crioulo macaísta ou de Macau;

5) malaio Português:

       a) dialeto crioulo de Java;

       b) dialeto crioulo de Malaca e Singapura;

6) português de Timor;

7) dialeto crioulo do arquipélago de Cabo Verde;

8) dialeto crioulo da Guiné;

9) dialetos crioulos do gôlfo da Guiné (ilha de S. Tomé, Príncepe e Ano-Bom);

10) português das costas d’Africa(Angola, Moçambique, Zanzibar, Mombaça, Melinde, Quíloa).

Além dos diversos dialetos, podem ser observados dentro de um mesmo grupo dialetal, a manifestação de subdialetos, como por exemplo o alentejano (Alentejo), o estremenho(Estremadura) e o algarvio(Algarve), manifestados na área compreendida do dialeto meridional.

Por fim, cabe nos abordar o “dialeto brasileiro”, assim chamado por Leite de Vasconcelos (GLADSTONE,1967, p.128), definição esta que suscitou critícas por não ser a língua culta do Brasil, que oficialmente adota o mesmo português de Portugal, sendo o dialeto apenas língua popular.

É possível que o dialeto brasileiro seja um dos que mais contribuições de substratos recebeu, dadas as diversidades de línguas indígenas existentes nos primeiros anos  de implantação da língua portuguesa por estas terras, além de influências linguísticas externas. Muitos foram os povos que depositaram nesta variante o seu contributo, desde crioulos bantos, crioulos sudaneses e crioulos Iorubas, com seus dialetos das senzalas, aos índios com o seu crioulo do tipo tupi. Acrescentemos ainda, as influências linguísticas dos superestratos europeus como espanhois, holandeses e franceses que por aqui aportaram durante certo tempo.

Em razão de toda esta mistura, há quem faça hoje, divisões do dialeto brasileiro em dois grupos, sendo estes o dialeto brasileiro do norte e  dialeto brasileiro do sul. Deste modo, o amazônico e o nordestino estariam no primeiro grupo, enquanto o baiano, o mineiro, o fluminense e o sulista comporiam o segundo grupo. Esta é a visão de Antenor Nascentes(ILARI,2002, p.247).

3     HISTÓRIA EXTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

 

3.1 Chegada Romana a Península Ibérica

Comprendemos por história externa da língua portuguesa o relato dos seus acontecimentos políticos, sociais e culturais com repercussão ou consequências linguísticas no decorrer de sua evolução histórica. Para Gladstone(1967, p.109) é ainda “a história cultural de um povo (ou povos que se sucedem numa região),[...]”.

A Língua Portuguesa(LP), provinda do Latim Vulgar(LV) e introduzida pelos romanos na lusitânia, tem sua história diretamente ligada à  história geral da Península Ibérica, que recebeu este nome em função dos seus mais antigos habitantes, cantabro-pirenaico e mediterrâneo, que falavam línguas conhecidas como basco e ibero, fato que levou os gregos a batizarem a região de Ibéria.

Muitos povos habitaram a Península Ibérica antes dos romanos e a razão desta sucessão de civilizações foi a grande riqueza mineral da região, citada inclusive por Heródoto e pela Bíblia, que motivava constantes batalhas por seu domínio.

Fenícios e gregos disputaram a posse da Ibéria, porém, com a derrota grega e decadência de suas colônias, os fenícios fixaram- se no ano de 1.100 a.c na costa meridional da península, fundando Gadir, atual Cádiz. Fundaram também na região costeira Málaga e Abdera, atual Abdra. Como navegadores e comerciantes que eram, os fenícios não permaneceram por muito tempo, pois seu povo não penetrava no interior da península para sua exploração e expansão de um governo, vindo então a ruína fenícia quando seu poderio marítimo se enfraqueceu e suas colônias acabaram absorvidas pelos indígenas, desaparecendo.

Não desistindo da conquista da região, apesar da derrota no sul para os fenícios, os gregos, mantidos no levante, fundaram feitorias que deram origem as atuais Alicante, Denia, Rosas e Ampúrias, na faixa leste. A civilização da península acabou por absorver a experiência de gregos e fenícios para o desenvolvimento de sua notável arte.

Ambrólios e Lígures invadiram o centro e o noroeste da península, onde situam-se Leão, Astúrias, Galiza e norte de Portugal. Os Celtas por sua vez, transpondo os montes pirineus, vindo da Alemanha e das Galias, fixaram-se no sul de Portugal, nas terras altas do centro e na Serra Morena, por volta do século VIII a.c. A mistura dos povos Árico de língua indo-européia com a população preexistente na região resultou nos conhecidos povos Celtíberos.

Todas as disputas e invasões do território ibérico no seu período pré-histórico fizeram com que os romanos, quando da sua chegada à Hispânia, após a guerra contra os fenícios de  264 a 146 a.c, se deparassem com um conglomerado de povos, os quais vieram a dominar a princípio militarmente e culturalmente em seguida. Com excessão do povo Basco, que mantém seu idioma até hoje, a romanização da Ibéria fez com que o latim se tornasse a língua de quase toda a região, vindo a expraiar-se nela não só o latim coloquial, como também o literário.

Alguns fatores concorreram para a unificação do latim ibérico, apesar de sua subdialetação e das peculiaridades linguísticas de cada povo que ali habitava, como as escolas, o poder do império, a unidade cultural e o prestígio das elites. Gladstone(1967, p. 111) acrescenta entre estes fatores,

[...] o serviço militar, a rede rodoviária de primeira ordem, que facilitava as comunicações com a metrópole e, por fim, a pregação cristã em língua Lhana e boa, a conclamar os homens a uma união superior de fé, justiça e caridade.

Dentre os povos que dominaram a península, passagem marcante tiveram no século V, os povos bárbaros: vândalos; alanos;  suêvos e os visigodos(ou godos do ocidente). Apesar de terem transposto as fronteiras pacificamente, recebendo terras para cultivar, a permanência dos mesmos foi marcada por disputas assim como a de outros povos.

Os vandalos, primeiro povo bárbaro na região, depois da parada na Bética(Andaluzia), sob o comando de Genserico, passaram à África em 429 e lá fundaram uma monarquia que se extendeu por um século. Os Alanos foram rapidamente exterminados, deixando pouco em nenhum rastro histórico;

Fixados na Galiza e em parte da Lusitânia, os Suêvos foram absorvidos no século VI pelos Visigodos, comandados por Ataulfo, que puseram fim àquele reino, no território onde mais tarde constituiu-se o romance galego-português, que recebera certamente impregnações deste superestrato bárbaro. Foi após derrota recente para os francos com a perda de seu reino tolosano, que se deu a vitória dos visigodos sobre os suevos, vindo aqueles a fundar o mais duradouro reino bárbaro de que se tem relato, com sua capital em Toledo.

Povo guerreiro e rude, a princípio, os germânicos evitaram contato com a população romanizada, mas acabaram convertendo-se ao catolicismo e irmanando-se com os vencidos, absorvendo-lhes a cultura e imprimindo também suas marcas linguísticas no latim hispânico daquele povo, como as designações das coisas bélicas, instituições políticas e jurídicas.

A permanência germânica na Ibéria, tricentenária, findou com a chegada dos árabes, vencendo o último rei Visigodo, Rodrigo. Os Árabes haviam dominado o norte da África sob o comando de Tarique e Musa e imediatamente, após atravessarem o estreito de Gibraltar, chegaram à península. O combate entre os dois povos ocorrera as margens do rio Críssus, no ano de 711, vindo o reino Godo a tombar pelo poderio  Mouro.

Sendo os árabes uma civilização cultural e cientificamente mais evoluída que a existente em solo ibérico, por seu culto a áreas como a medicina, a filosofia e a matemática, além do domínio das ciências e apreço às artes e letras, muitos hispanogodos absorveram seus costumes e até a sua língua, uma vez que esta fora adotada como língua oficial da Ibéria.

Não se submetendo à dominação árabe, uma parte da população cristã, liderados pelo nobre Pelágio, refugiou-se nas montanhas das Astúrias, de onde organizava cruzadas, batalhas constantes e estimuladas pelos papas, com o fim de retomar o território perdido.

No entanto a permanência árabe em solo ibérico durou aproximadamente oito séculos, quando então, os reis católicos Fernando e Isabel, apoderando-se do último reduto mouro, Granada, puseram fim à dominação semítica. Vários foram os fidalgos que contribuíram para esta vitória e dentre eles se destacou o conde de Borgonha, D. Henrique, vindo a receber em sinal de gratidão do rei de Leão e Castela, a mão de sua filha D. Tareja e a outorga do Condado Portucalense, território compreendido entre o minho e o mondego.

Por dois anos, D. Henrique administrou o Condado Portucalense sob a tutela de D. Raimundo, seu primo, que recebera a Galiza também como recompensa pelo empenho na batalha contra os árabes e era casado com D. Urraca, filha de D. Afonso VI. Quando então se liberta desta tutela, passa a obedecer diretamente ao rei de Leão.

Quando morre D. Henrique, D. Tareja assume o governo do condado e consegue ampliar seus domínios, porém, envolvida amorosamente com o conde de Trava, da Galiza, acaba por motivar um partido de descontentes. Seu filho, D. Afonso Henriques, assume a causa rebelde e trava luta contra D. Tareja e seu amante no campo de S. Mamede em 1128, vindo a derrotá-los. Bate os infiéis em Ourique no ano de 1139 e se proclama rei de Portugal, dando início a nacionalidade portuguesa. A Igreja, só em 1179 reconhece a coroa do novo rei, ratificando o que o rei de Leão, Afonso VII o fizera em 1143 na Convenção de Zamora.

Por fim, a luta contra os mouros, apesar da independência de Portugal já concretizada, tem seu termo em 1250, quando D. Afonso III conclui a conquista do Algarve, fixando os atuais limites de Portugal e expulsando os últimos mouros do solo português.

A ocupação do territorio Ibérico pelos mais diversos povos, ao longo de séculos de batalhas e disputas, fez com que o latim da região apresentasse tratamentos diversos quando se comparam as regiões, principalmente os falares da Hispânia.

É no norte da Hispânia Ocidental que surge o dialeto galaico-português, que se expande até a parte meridional sobrepondo-se ao falar existente e penetra no algarve em 1250. Com a independência de Portugal, começam a surgir diferenças dentro do mesmo dialeto(galego-português), o que faz com que no correr do tempo o que era apenas um falar, divida-se, e o português ganhe sua autonomia do galego, caracterizando-se como idioma.

Leite de Vasconcelos(GLADSTONE,1967, p. 114) divide a história da língua portuguesa em três períodos: pré-histórico; proto-histórico e histórico. O pré-histórico vai do início da língua até o século IX. Estão compreendidos neste período, documentos do latim bárbaro em que já se encontravam formas vulgares venáculas, o que comprova que o galego-português já existia à época.

O proto-histórico vai do século IX ao século XII, com sua documentação indireta de palavras portuguesas em latim bárbaro. Neste período ocorreram diversas traduções de obras latinas, francesas e espanholas para o português.

 Entretanto, é no período histórico que a língua portuguesa tem sua época de ouro, dada a rica literatura surgida no período. A fase histórica da língua portuguesa está dividida em arcaica e moderna. A fase arcaica é marcada com o surgimento dos primeiros textos redigidos inteiramente em português, no fim do século XII e vai até meados do século XVI, tendo seu termo no ano de 1536, mesmo ano em que morre Gil Vicente e aparece a primeira gramática da língua portuguesa de autoria de Fernão de Oliveira.

Por sua vez, a fase moderna da língua tem como marco inicial a publicação da obra ‘os Lusíadas’ de Luís de Camões em 1572 e se estende até os nossos dias. A obra tratou da epopeia nacional portuguesa, do espírito de aventura daquele povo, da resistência ao sofrimento e de seu heroísmo. O assunto é a história de Portugal, em que o herói é seu próprio povo.

4     HISTÓRIA INTERNA DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

Traçaremos agora uma síntese da evolução da história interna da língua portuguesa em seu sistema gramatical, pontuando as contribuições tanto do latim clássico(LC) como do latim vulgar(LV), posto que nestas reside o nascedouro da nossa língua. Não adentraremos a todos os pormenores da história interna da língua por não ser objeto deste trabalho a abordagem analítica da mesma, mas apenas um relato abreviado do tema.

Desde os primódios, que na língua latina  prevalecia a tendência à redução dos casos e empregos de preposições devido a causas fonéticas e sintáticas, até restar apenas o caso acusativo. Caso este que em português equivale ao objeto direto [e adjunto adverbial(de causa,lugar, tempo)]. O acusativo, auxiliado por preposições desempenhava todas as funções sintáticas na frase no LV da Península Ibérica.

Morfologicamente, é do acusativo que se derivam três vogais temáticas nominais da LP: -a,-e,-o, que correspondem a 1ª(fem), 2ª(masc) e 3ª(masc e Fem) declinação do LV. Como exemplo tomemos os nomes: rosa(m)>rosa,lŭpu(m)>lobo, valle(m)>vale e ponte(m)>ponte.Do acusativo, também recebeu a língua portuguesa, as desinências de gênero feminino(-a) e de número plural(-s): lŭpa(m)>loba, lŭpas>lobas.

A língua portuguesa conserva ainda vestígios dos outros casos latinos: nominativo, genitivo, dativo,vocativo e ablativo. Do nominativo temos os pronomes pessoais retos: ego> eu, tu>tu, ille>ele, nos> nós, vos>vós e ainda os pronomes demonstrativos: ǐste>este, ǐpse>esse, acc+ille>aquele, além de nomes próprios: Cícero, César, Nero, Marcos e etc, e nomes comuns: júnior, sênior, sóror, deus. É atribuída a Igreja a preservação destes nomes.

Do genitivo, os vestígios que restam são os patronímicos do tipo  fernandice >fernandes, antonice>antunes e os nomes compostos: aquae+ductu>aquedutu, terrae+motu>terremoto, agri+cultura>agricultura. Temos ainda os pronomes oblíquos tônicos como o que restou preservado do dativo na língua portuguesa: mihi>mi(arc)>mim, tibi>sibi>ti,si e ǐlle>lhe(átono). Das formas átonas do português arcaico ti e si, vieram te e se no português contemporâneo.

Do vocativo porém, a única marca conservada no português moderno é a saudação litúrgica ‘ave maria’. Já o ablativo forneceu a nossa língua vários nomes próprios de lugares: “sagres(sacris), chaves(flavis); advérbios: agora(hac+hora), talvez(tali+vice)” (COUTINHO,1958,p.251). Encontramos ainda a presença do ablativo latino em orações reduzidas participiais e gerundiais, de que segundo Coutinho(1958,p.251) são exemplos: feitas as partes(partibus factis); fundada a cidade(condita civitate) e nascendo o sol(oriente sole).

Outro traço do LC na língua portuguesa é o gênero neutro, que apesar de não existir na nova língua, deixou seus contributos em situações específicas como: pronomes demonstrativos: aquilo, isto, isso; pronomes indefinidos: tudo, nada, algo; certas palavras de sentido pluralício: vestimenta, ferramenta, lenha, braça; adjetivos na forma não marcada de masculino, como determinantes de substantivos usados em sentido geral: é proibido entrada, é necessário paciência, fruta é bom para a saúde. Adjetivos neutros(masc) de um infinitivo: é doce e honroso morrer pela pátria.(dulce et decorum est pro patria mori. Horacio)

Do material sonoro da língua lusitana podemos dizer que este muito se assemelha ao latim imperial, por tão bem ter conservado o seu vocalismo. É o que nos assegura Gladstone(1967, p. 143) ao afirmar que, “no vocalismo, marca-se o português pelo seu conservadorismo: foi a língua que manteve com maior fidelidade o vocalismo do latim vulgar do império[...]” e o mesmo autor complementa em relato posterior: “com efeito, nenhuma língua latina conservou tão bem como o português o vocalismo da época imperial[...]”

O português, apesar da fidelidade vocálica citada, carrega hoje importantes alterações em seu arcabouço sonoro,  sobre as quais agora nos deteremos.

O LV do império já havia substituído as vogais longas e breves do LC, por vogais abertas e fechadas, além dos ditongos ae e eo que foram reduzidos a /e/ aberto e /e/ fechado. Somando a esta alteração vocálica, o português traz o fenômeno do nasalamento, produzido pela vizinhança de uma consoante nasal, característica única da língua em relação as outras da família românica, resultando nos seguintes ditongos nasais (/ãu/,/ãi/,/õi/,/ẽi/ e /ũi/), encontrados nas palavras: pão, mãe, razões, tem e muito e ainda o i nasal ( ĩ) de sim e palavras com igual terminação.

Outras características que vem a ter o vocalismo da LP são seu grande número de ditongos e frenquente oscilação da gama vocálica, pois é impossível estabelecer regras de pronúncia do /o/ e do /e/ abertos ou fechados, como nos seguintes exemplos da obra de Coutinho: caneta, pateta,estafeta,perneta e esteta. As ocilações de pronúncia dos fonemas apresentados se devem tanto pelo conservadorismo antes tratado, como por inúmeros fenômenos de metafonia ou oposição fonética.

Podemos dizer também que o destino das vogais na evolução do LV para o português, dependeu da sua posição na sílaba. As vogais tônicas permaneceram: mare>mar, secretu>segredo, vita>vida. As vogais átonas pré-tônicas estabeleceram-se do seguinte modo: I) iniciais - conservaram-se: amare>amar; II) mediais – sofreram síncope: honrare>honrar, veritate>verdade. Já as vogais pós-tônicas, resultaram: I)mediais- por síncope:calidu>caldo, lepore>lebre; II)finais- conservaram-se: rosa>rosa.

Acrescentemos a isto, que o /e/ final do LV sofreu apócope quando precedido de /l/, /n/, /r/, /s/, /z/: male>mal; bene>bem; amare>amar; mense>mês; vice>vez. Por sua vez, os ditongos latinos passaram para o português da seguinte forma: a) -ae- tônico>-é-: saeculo>século; -ae- átono>-ê- ou -i-: aestimare>estimar, aetate>idade; b)-oe->-ê-: poena>pena, foedu>feo(arc)feio; c)-au->-ou-(criação românica): auru>ouro, causa>cousa>coisa. Além destes, o português herdou os ditongos de criação românica: a) por vocalização:-ei-:lacte>leite, regnu>reino; -oi-: nocte>noite; -ou-: alteru>autru>outro; b) por síncope da consoante medial: -aõ-:manu>mão; -ães/ões: panes>pães, leones>leões; -ai-: vanitate>vaidade; c) por epêntese de uma semivogal: -ei-: credo>creio; d) por oclusão: -éu-: velu>veo>véu; -ou-: malu>malo>mao>mau; e) por metátese: -ai-: rapia>rabia>raiva.

Ainda no vocalismo português, encontramos os hiatos, embora a tendência da língua tenha sido evitá-los. Surgidos por síncope de uma consoante medial, /l/ e /n/ (este a partir do século XI), eram comuns na fase arcaica do idioma. A crase, oclusão e ditongação têm sido formas de evitar os hiatos, como nos exemplos: colore>coor, dolore>door;          ego>eo>eu, caelu>celo>céo>ceu; avena>avẽa>avea> aveia, foedu>fedo>feo>feio.

Das repercussões do /n/ para a fonologia portuguesa temos as vogais nasais de palavras como vi(n)u>vĩo>vinho, la(n)a>lãã>lã, matia(n)a>maçãã>maçã. No concernente a morfologia, a queda do n trouxe-nos os ditongos –ão(gra(n)u>grão) e seus três possíveis plurais: -ãos(gra(n)os>grãos); -ães(pa(n)es>pães) e
–ões(leo(n)es>leões).

Enquanto no vocalismo, o português é a mais latina das línguas, no consonatismo seu apanhado fonético pouco segue esta tendência e o isola na família românica, pois de acordo com Gladstone (1967,p. 144), “se no vocalismo o português é tão latino, já não se pode dizer o mesmo do consonantismo, em que a língua se mostra divergente.”

A debilidade das consoantes no idioma lusitano, como a perda de /l/ e /n/ intervocálicos, síncopes ocorridas entre os séculos XI e XII, são características que diferenciam a evolução fonética da mesma em relação as línguas coirmãs. Resumidamente podemos dizer que as alterações sofridas nos termos do LV e do LC na passagem para o português, ocorreram nas consoantes iniciais, mediais surdas e sonoras, finais e ainda nos grupos consonantais iniciais, mediais e disjuntos daqueles vocábulos, de modo que em detalhes temos:

I - Consoantes iniciais do LV se conservaram, com raras alterações;

Ex: bucca>boca, cabbalu>cavalo, dare>dar. Cattu>gato, vessica>bexiga,           pallore>bolor.

II - Consoantes mediais surdas passaram a sonoras;

Ex:sapere>saber, vita>vida, pacare>pagar, facere>fazer, profectu>proveito.

III - Consoantes mediais sonoras sofreram três fenômenos;

1) síncope: crudu>cruu>cru, gelare>gear, granu>grão, lana> lãã>lã.

2)permanência: paganu>pagão, amare>amar.

3)alteração: dubitare>duvidar(degeneração de -b->-v-).

IV - Consoantes finais;

1)todas sofreram apócope, exceto o -s-.

Ex: Deus>Deus, Marcus>Marcos, amas>amas.

2)o -r- permaneceu sofrendo metátese.

Ex: semper>sempre, quattor>quatro, super>sobre.

3)o -m- final permaneceu na escrita para indicar a ressonância nasal.

Ex: cum>com, quem>quem.

V - Grupos consonantais iniciais terminados em:

1- -r- se conservam.

Ex: cruce>cruz, dracone>dragão, gradu>grau.

2- -l- sofrem palatalização ou modificam o -l- para -r-.

Ex: clave>chave, flama>chama, pluvia>chuva. clavo>cravo, flaccu>fraco,         placere>prazer.

VI - Grupos consonantais mediais:

1) de consoantes geminadas sofrem simplificação.

Ex: sabbatu>sábado, bucca>boca, additione>adição.

2)formados pela síncope de uma consoante medial sofrem:

a)palatalização(dígrafos).

Ex: occ(u)lu>olho, tegu(u)la>telha, rocla>rolha.

b) conservação.

Ex: membru>membro, nigru>negro, intrare>entrar.

c) alteração.

Ex: lacrima>lágrima, duplare>dobrar, lepore>leb(o)re>lebre.

VII - Grupos consonantais disjunstos(em sílabas diferentes). A segunda consoante assimilou a primeira(assimilação regressiva).

Ex: ipse>esse, persicu>pêssego.

Manifesta-se também conservadora a língua portuguesa no que tange aos verbos, pois esta manteve o sistema verbal do LV, incorporando criações românicas e se enriquecendo das importações eruditas. Também aqui se destaca o português por maior semelhança com o latim do que outras línguas dele oriundas.

Entretanto, como frisado no início do presente tópico, não abordaremos todos os pontos de relevância gramatical trazidos pelo LC e LV ao português, pelo motivo também antes citado. Deste forma, não adentraremos no cerne do arcabouço verbal e de outras classes gramaticais herdadas da língua latina para não corrermos o risco de ser vagos, imprecisos ou incoerentes com o enfoque deste relato, que se propôs a ser breve.

4.1  Leis Fonéticas

 

Dentre os elementos responsáveis pela evolução fonética, como o estado político e social da comunidade linguística, sua raça, clima, solo e latitude, embora não haja consenso entre os estudiosos sobre a absoluta efetividade destes, foram as leis fonéticas, segundo Coutinho(1958, p. 144), a partir dos neogramáticos, que vieram a dar valor preciso e científico à linguística, igualando-a as outras ciências da natureza.

As leis fonéticas são princípios absolutos e de rigor científico facilmente observados, no moderno conceito dos neogramáticos em Coutinho(1958, p. 144). As discordâncias em relação a elas, são atribuídas ao instinto imitativo do homem, que através de analogias entre os vocábulos, desvia-lhes de seu ciclo natural de evolução.

As modificações fonéticas apresentam caráter inconsciente, constante e gradual. Inconsciente porque ocorrem alheias a vontade do povo. Gradual por que se apresentam como elos de uma cadeia evolutiva, tanto que Vendryes apud Coutinho(1958, p. 146), diz que as alterações de um estado posterior da língua são encontradas em germe nos estados anteriores da mesma. São constantes por que um fonema posto em determinada circunstância, modifica-se do mesmo modo.

Observamos que três são as leis fonéticas  que regem a evolução das palavras portuguesas: lei do menor esforço; lei da permanência fonética da consoante inicial e a lei da persistência da sílaba tônica.

A lei do menor esforço ou da economia fisiológica é inerente a vários ramos da atividade humana. É uma lei universal. No que diz respeito à linguagem, ela busca tornar mais fácil aos órgãos da fala a articulação das palavras,  simplificação dos processos de sua  produção. É a lei do menor esforço que prova a transição dos fonemas. Busca ainda a eufonia e ao ritmo da fala.

Nela se alicerça o princípio de transição que assim se pode enunciar: as consoantes intervocálicas surdas latinas sonorizam-se, em português, nas homorgânicas, e as sonoras geralmente caem.(1) _______

(1)  As surdas são também chamadas fortes e as brandas, sonoras.(Coutinho,1958,p. 147).

De acordo com a fonética histórica, a evolução das consoantes depende da posição que elas ocupam na palavra. É neste achado que se apoia a lei da permanência da consoante inicial.

Com a excessão de alguns vocábulos, as consoantes iniciais passam integralmente ao português,  enquanto as mediais e finais sofrem sonorização ou queda. Com base em Coutinho(1958,p.148) o acento de intesidade do antigo latim, que punha em evidência a sílaba inicial da palavra e a atenção especial que damos ao seu início, o que possibilita determinar seu sentido exato antes de tê-la completamente transmitida, concorreram para a permanência da consoante inicial das palavras.

Pela lei da persistência tônica é que se guardou a unidade das palavras. Para Diomedes (apud COUTINHO,1958, p.148), o acento tônico é a alma da palavra. Foi a pausa mais demorada da voz na sílaba sobre a qual incidia, que fez com que aquela viesse a resistir.  Acrescente-se a isto o fato de o português conservar a mesma acentuação tônica do latim, o que acreditamos tornar ainda mais presentes as influências da lei acima tratada diante do vasto apanhado que nossa língua herdou.

Em oposição a lei da persistência tônica, temos as causas fonéticas, morfológicas e analógicas,  com seus exemplos que remontam ao LV. É portanto em decorrência de causas fonéticas que o deslocamento do acento tônico em português, ocorre em palavras latinas com /i/  ou /e/ tônico em hiato. Devido a tendência do LV a evitar o hiato, o acento tônico foi deslocado para a última vogal, vindo a ser esta a única restante em virtude da crase, como nas palavras: mulíere(LC)>muliére(LV)>mulher(LP); lintéolu(LC)>linteólu(LV)>lençol(LP); paríete (LC)>pariéte(LV)>parede(LP).

Ocorreu também deslocação de acento tônico nos polissílabos latinos que continham vogal em “posição débil”, ou seja, que eram seguidas de grupo consonantal formado por /p/, /b/, /t/, /d/, /c/, /g/, /l/ e /r/. A sílaba que continha vogal nesta condição, no LC, podia ou não receber acento tônico, de acordo com a necessidade do verso. A mesma sílaba na prosa era átona.Tal alteração foi trazida para o português, como se observa nas palavras: íntegru(LC)>intégru(LV>inteiro(LP); cáthedra(LC)>cathéra(LV)>cadeira(LP) e cólubra(LC)>colóbra(LV)>cobra(LP).

Ainda das causas fonéticas, da deslocação do acento tônico, de acordo com a etimologia, algumas vocábulos deveriam terminar em /â/ tônico final fechado. O português porém não absorveu este ponto. Como vemos  em quinta, campa e venta que no período arcaico eram quintãa, campãa e ventãa.

Quanto as causas morfológicas, observamos que o LV deslocou o acento tônico para o segundo elemento das palavras compostas, pois neste residia a ideia principal,como nos vocábulos seguintes: óbligo(ob+ligo/LC)>oblígo(LV)>obrigo(LP); rénego(re+nego/LC)>renégo(LV)>renego(LP); ímplico(in+plico/LC)>implíco(LV)>em- prego(LP).

Por fim, das causas analógicas, compreendemos serem estas a influência que algumas palavras exercem sobre outras. Como exemplo tomemos os nomes judice,varice e cytisu, proparoxítnos do LC, que influenciados pela terminação īce, os dois primeiros tornaram-se paroxítonos. O último por sua vez, também tornou-se paroxítono, mas por analogia com a palavra cupressu. Em português resultaram juiz,variz e codesso.

Algumas palavras tiveram ainda pela ação da analogia, acentuação ao invés de latina, grega: aconítum(latim)>akônitun(grego)>acônito(LP). Os verbos também sujeitos a analogia, modificaram suas conjugações. A terceira conjugação do LC (ĕre), passou por analogia a (ēre) da segunda conjugação no LV, como nos verbos dícere(LC)>dicére(LV)>dizer(LP), sápere(LC)>sapére(LV)>saber(LP). Alguns verbos da segunda conjugação (ēre) passaram à quarta(ire) no LV, tal nos mostram os verbos ridére(LC)>ridire(LV)>rir(LP), complére(LC)>complire(LV)>cumprir(LP) e lucére(LC)>lucire(LV)>luzir(LP).

Por último é possível também vermos a influência da acentuação das três pessoas do singular, na 1ª e 2ª pessoa do plural do imperfeito, mais que perfeito do indicativo e imperfeito do subjuntivo como no exemplo seguinte:  

INDICATIVO

Imperfeito   

amábam>amáva

amábas>amávas                                     

amábat>amava

amabámus>amávamos

 amabátis>amáveis

Mais que perfeito

lé(g)eram>lera

lé(g)eras>leras

lé(g)erat>lera

le(g)erámus>lêramos

le(g)erátis>lêreis

SUBJUNTIVO

Imperfeito

puni(ví)ssem>punissem

puni(ví)sses>punisses

puni(ví)sset>punisse

puni(vi)ssémus>puníssemos

                                  puni(vi)ssétis>punísseis. (COUTINHO, 1958, p. 152).

4.2 Metaplasmos

Os fonemas estão sujeitos a modificações, pois cada geração inconscientemente provoca alterações no idioma de que faz uso, embora estas só possam ser percebidas ao longo de certo tempo. A tais modificações, segundo Coutinho(1958,p.152), chamamos metaplasmos.

Observemos que as modificações ocorridas nos vocábulos tem quatro diferente motivações, que podem vir a constituir-se por troca, acréscimo, supressão ou transposição de som ou acento tônico. Classificam-se portanto os metaplasmos por permuta, aumento,subtração e por transposição.

Os metaplasmos por permuta na verdade são trocas de um fonema por outro e podem ocorrer, dentre outras possibilidades (COUTINHO, 1958,p.153, p.154), por sonorização,vocalização e consonantização.  A sonorização ocorre com a permuta de um fonema surdo por um sonoro homorgânico, das letras p, t, c, f em b, d, g, v, ex: lupu>lobo, cito>cedo, acutu>agudo, profectu>proveito.

Temos a vocalização pela conversão de uma consoante numa vogal, fato ocorrido com a primeira consoante dos grupos ct, lt, pt, lc, lp, bs, gn que vocalizam-se em i ou u, ex: factu>feito, alteru>outro, cap(i)tale>caudal, falce>fouce, palpare>poupar, absentia>ausência, regnu>reino.

A consonantização por sua vez consiste na transformação de um som vocálico em som consonantal. Eis o que ocorreu com as vogais /i/ e /u/, que se tornaram j e v, ex: iam>já, ieiunu>jejum, hierarchia>jerarquia, uiuere>viver.

Nos metaplasmos por aumento acontece adição de fonema à palavra. Nesta classe estão incluídas a prótese, epêntese, araptixe e a paragoge. Quando o acréscimo sonoro ocorre no início do vocábulo, temos então o fenômeno da prótese ou próstese, ex: stare>estar; scribere>escrever; scutu>escudo; nanu>anão. Na língua portuguesa, a prótese é decorrente em muitos casos da aglutinação do artigo, ex: phantasma>abantesma; minacia>ameaça; mora>amora.

A epêntese por sua vez, decorre do acréscimo de um fonema no interior do vocábulo, ex: pign(e)ra>pendra(arc);>prenda; um(e)ro>ombro; área(>arena)>areia; sim(u)lante>sembrante(arc)>semblante. Outro tipo de epêntese, também conhecida como epêntese especial, é a araptixe ou suarabácti, que se caracteriza por desfazer um grupo de consoantes com a intercalação de uma vogal,
ex: brata>(<blatta)>barata; fevrairo(<febrariu)>februariu>fevereiro; grupa>garupa. Acrescente-se que no Brasil, a forma atual de caranguejo, veio de cangrejo, ainda falado em Portugal, tendo por base câncer, com metátese da letra r.

Por último, nos metaplasmos por adição, temos a paragoge ou epítese, que ocorre com a adição de som ao fim da palavra, ex: ante>antes. O acréscimo deste s é analógico, assim como nos advérbios anvidos (arc), prestes, entonces (arc), algures, alhures, nenhures, sòmentes.(sic)

Metaplasmos por subtração, como o próprio termo sugere, são os que diminuem fonemas das palavras. Nesta classe encontramos a aférese, síncope, haplologia, apócope, crase, sinalefa ou elisão.

Se a perda do fonema se dá no início da palavra, temos aférese neste vocábulo, ex: attonitu>tonto; epsicopu>bispo; acúmen>gume; hebdomada>doma (arc), inamorare>namorar. De acordo com Leite de Vasconcelos nos relatos de Coutinho, a queda da vogal inicial, resultante de confusão com o artigo, chama-se deglutinação, como nos vocábulos: (h)abitacula>bitácula; (h)orologiu>relógio; apotheca>bodega ou botica. Também é deglutinação a queda do d, quando este se confunde com a preposição, como em: dalmática>almática; damascena>ameixa.

A síncope, por sua vez, traz a perda de som no interior da palavra, ex: Malu>mau; médio>meio; rivu>riu> (>rio); lepore>lebre; veritate>verdade. Ocorre ainda a síncope especial, chamada haplologia, quando ocorre a queda de sílaba medial, por ter a palavra, sílaba idêntica ou quase idêntica na sua estrutura, ex: rodador>(<rotatore)>rodor(arc)>redor;1perdeda(<perdita>)perda;1Vendeda(<vendita>)Venda.          

Há apócope em um vocábulo pela supressão de som no seu final, ex: amat>ama; amare>amar; atroce>atroz; guttur>gato; regale>real; mense>mês. No que se refere à crase, podemos dizer que esta é a fusão de dois sons vocálicos contíguos, ex: pee(arc)>(<pede>)>pé; avoc(arc)>(<aviolu>)>avô; door (arc)>(<dolore>)>dor.

Em português moderno temos crase apenas pela fusão da preposição ‘a’ e os demonstrativos ‘aquele,’ ‘aquela,’ ‘aqueles,’ ‘aquelas,’ ou ainda diante de um artigo feminino a, com a mesma preposição.

A sinalefa ou elisão ocorre pela queda da vogal final de uma palavra, caso a seguinte, também comece por vogal, ex: de+intro>dentro; de+ex+de>desde>; de+um>dum; de+este>deste; de+aquele>daquele.

Por fim, trataremos agora da derradeira motivação das modificações sofridas pelas palavras ao longo do tempo, a saber, os metaplasmos por transposição. Consiste tal fenômeno na deslocação de som ou de acento tônico da palavra. A transposição de fonema na mesma sílaba ou entre sílabas, também é chamada de metátese, ex: semper>sempre; inter>entre; super>sobre; rabia>rabie>raiva; pigritia>pegriça(arc)>preguiça.

Se a transposição do fonema recair sobre o acento tônico, leva o nome de hiperbibadismo, que se divide em sístole e diástole. Temos sístole quando a transposição do acento tônico é feita de uma sílaba para a sua anterior, ex: erámus>éramos; benção (<benedictione>)>bênção; patánu>pântano. Será diástole, o fenômeno exatamente inverso a sístole, ou seja, a deslocação do acento tônico de uma sílaba para a sua posterior, ex: océanu>oceano; júdice>juiz; gémitu>gemido; arbítru>alvedrio; mulíere>mulher. A partir de Coutinho, vemos que ocorrera deslocação de acento tônico em palavras como ídolo, acônito, fígado, nível e míope.

5     CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvidas de que a epopeia marítima portuguesa foi a grande responsável pela difusão da língua portuguesa no século XV pelos quatro cantos da terra, levando não só a língua mas também as crenças, cultura e literatura do povo português mar a fora.

Sabemos que a língua portuguesa herdou imenso aporte gramatical e fonético do latim, além das formas vocabulares, que por contarem com o contributo de vários povos, tanto no período latino da língua quanto ao longo do seu desenvolvimento como idioma independente, faz com que o nosso idioma seja cheio de expressões, significados e vocábulos, mas ao mesmo tempo repleto de peculiaridades.

Contudo, vimos que a língua portuguesa tem tão rica história que não seria possível discorrermos neste breve relato sobre todos os pontos e acontecimentos que lhe são inerentes. Escolhemos, porém, o que julgamos mínimo e necessário para seu conhecimento e compreensão da sua história e importância.

Esperamos, com este trabalho, contribuir para o conhecimento e discussão da história da língua portuguesa e as transformações por que esta passou, que a fizeram enriquecer-se e ao mesmo tempo espraiar-se além-mar.

6     REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. 4ª edição. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1958.

DUBOIS, et al. Dicionário de Linguística. 9ª edição. São Paulo. Editora Cultrix, 1993.

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MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação a Filologia Portuguesa. 3ª edição. Vol. 12. Rio de Janeiro. Livraria Acadêmica, 1967.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 3.0. 2ª edição. Rio de Janeiro. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia, 2009.

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[1] Romanço ou romance se chamam as variantes locais do latim vulgar, constituídas entre V e o IX séculos. [...] do advérbio romanice, em romanice loqui “falar à moda romana” [...] (GLADSTONE, 1967, p.120).   

[2] Designa toda língua que, numa região determinada, por várias razões, foi substituída por outra língua, cumprindo tomar em consideração a influência que a língua anterior pôde ter sobre a língua que a sucedeu: [...] (DUBOIS, 1973, P. 573).

[3]  O dialeto é uma forma de língua que tem seu próprio sistema léxico, sintático e fonético, e que é usada num ambiente mais restrito que a própria língua. (DUBOIS, 1973, p. 184).

[4] Superestrato designa toda língua que é introduzida largamente na área de outra língua, [...]. (DUBOIS, 1973, p. 576).

[5] De acordo com dicionário Houaiss, compreende-se por língua indígena a língua de população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador.