OBSERVAÇÃO DE AVES EM ÁREAS URBANAS: RELATO
DE UMA EXPERIÊNCIA
Foi-se o tempo que quando se pensava em aves urbanas,
lembrava-se de pardais, pombos e urubus. Hoje o número de
espécies de aves que estão habitando áreas urbanas é muito grande e
em alguns lugares chegam a surpreender pela diversidade. As
supostas razões são diversas que vão desde o desmatamento de áreas
verdes devido o crescimento populacional como também em contrapartida,
um maior cuidado com o plantio de mais árvores pela
cidade. Por uma razão ou por outra, o fato é que as aves estão por aí
encantando aos mais atenciosos e de ouvidos aguçados.
Hoje é possível encontrar com certa facilidade na cidade de
São Paulo aves que a bem pouco tempo não se via como por
exemplo: sabiás-laranjeira (Turdus rufiventris), saíras (Tangara
seledon) , sanhaços (Thraupis sayaca ), tico-ticos (Zonotrichia
capensis), periquitos- verde (Brotogeris viridissimus), cambacicas
(Oereba flaveola), beija-flores (ordem Trochiliformes), papascapim
(Sporophila caerulescens) , além das já conhecidas rolinhas
(Columbina talpacoti), pombo-doméstico (Columba livia), pardais
(Passer domesticus ), bem-te-vis, ( Pitangus sulphuratus ), sabiásdo-
campo (Mimus saturninus) e corruíras ( Troglodytes aedon ).
As aves sempre
fascinaram o ser humano,
seja pelo canto, beleza ou
pela serventia ao homem e
no Brasil não poderia ser
diferente, dada a extensão
territorial e a grande
variedade de ecossistemas,
temos aqui uma enorme
variedade de espécies de
aves a serem observadas.
Algumas fáceis de serem
observadas, outras nem
tanto e outras ainda muito
difíceis e raras. Isto faz da
observação de aves um tipo
de pesquisa fascinante. A
exemplo disso temos como exemplo Johan Dalgas Frisch, que no
início da década de 60, conseguiu gravar o canto do Uirapurú, fato
que o tornou conhecido mundialmente pelo fato de seu trabalho ter
sido gravado em disco com o título de: "Vozes da Amazônia com o
lendário canto do Uirapuru", sendo este vendido no mundo todo. As
aves são animais fáceis de serem identificados. "Todo mundo pode
reconhecer uma ave. Tem penas, asas, pernas e penas. Tem espinha
dorsal, são de sangue quente e põe ovos. Nem todas, porém algumas
podem voar" (Grzimek, B; 2003, p-3).
As aves são seres que estão presentes em praticamente
qualquer lugar do mundo. " Estes animais são capazes de sobreviver
na terra ou na água, sob as mais variadas condições climáticas,
porque a forma de seus corpos, sua fisiologia e seu comportamento
lhes possibilitam adaptar-se às exigências dos diferentes tipos de
meio-ambientes". (Broom, D; 1977, p-6)
Bandeja com alimento oferecido as aves
Sou Biólogo e Professor de Ciências e Biologia na Rede
Pública Estadual de Ensino e também em escola particular e meu
filho Carlos H. Biagolini Junior, Estudante de Biologia na
Universidade Federal de Lavras-MG, e estamos desenvolvendo a
algum tempo um trabalho de observação de pássaros na cidade de
S.Paulo. Este trabalho consta no ato de oferecer alimentação para as
aves, através de uma bandeja próxima ou fixada a uma árvore. O
propósito desta pesquisa tem sido identificar o crescimento do
número de determinadas espécies, hierarquia entre as aves, rituais
que algumas possuem, preferências alimentares e a possível
existência de aves exóticas.
O tipo de alimento oferecido é o mais natural possível e a
interferência no meio ambiente deve ser também a menor. Assim,
alimentos industrializados não fazem parte do cardápio. Utilizamos
frutas como mamão, banana, laranja, tangerina, carambola e maçã.
No caso de sementes, oferecemos alpiste, girassol, painço ou quirera
de milho, bem fininha.
Fato observado durante a pesquisa é que os animais que
pousam na bandeja simultaneamente e se alimentam em grupos,
raramente demonstram reação de incômodo diante de espécies
diferentes comendo no mesmo local, confirmando teoria encontrada
em livros. "Os animais não são ávidos por território. Em um mundo
ideal, seus territórios seriam estabelecidos só para satisfazer suas
necessidades alimentares. Não há sentido em despender energia para
defender um território maior que o
necessário. Quando isso ocorre é sinal de que
há escassez de alimentos naquela área"
(Birkhead, T. 1998, p-86).
Este trabalho foi iniciado no ano de 2002
com a colocação da bandeja em minha
própria residência e em 2006 foi levado a
uma das escolas em que trabalho. A pesquisa
naquele ano foi desenvolvida com a
participação de alunos do ensino fundamental de 6a e 7a séries que
da janela da escola, tinham acesso a bandeja com alimentos
oferecidos preso na copa de uma das árvores plantadas na calçada da
escola e assim da sala de aula era possível observar flagrantes das
visitas constantes dos pássaros e aves da região do bairro de Cidade
Patriarca, Zona Leste de S.Paulo. Diversas aves visitaram o local
durante a realização dos trabalhos com os alunos. Porém entre os
maiores freqüentadores podemos citar: Sabiá Laranjeira (Turdus
rufiventris), Sanhaço (Thraupis sayaca) e o sempre presente
Cambacica (Oereba flaveola). O trabalho encantou os alunos, no
entanto no início a curiosidade levava-os a ficar na janela, para ver e
fotografar as aves, o que acabava afugentando-as. Com o passar do
tempo, os alunos entenderam melhor os objetivos e passaram então a
participar da pesquisa de forma mais objetiva, desenvolvendo tarefas
tais como: pesar os alimentos antes e depois das refeições das aves,
pesquisar origem dos animais ou ainda nomes científicos e
populares, anotando o tempo ou intervalo das refeições como
também aprenderam a observar de forma mais discreta, sem assustar
as aves que por ali passavam. A pesquisa nesta escola foi encerrada
no ano de 2007 com a apresentação de um relatório final,
descrevendo todos os visitantes, hábitos alimentares e outras
informações que para os alunos foram descobertas importantes
realizadas na prática.
As observações continuam em São Paulo e meu filho que
estuda em Lavras-MG, tem a vantagem de poder observar outras
espécies que quase não aparecem em S.Paulo-SP, como por
exemplo, algumas espécies de Tucanos, principalmente o Tucanuçu
(Ramphastos toco) que lá, é muito mais comuns do que se imagina.
De Lavras-MG a caminho de S.João Del Rey-MG ou até Tiradentes-
MG é possível observar revoadas de tucanos pela estrada, fato que
dá um charme especial a quem viaja por aquelas estradas. Também
no trecho de estrada entre Três Corações-MG e São Tomé das
Letras-MG não é fato raro observar tucanos voando ou nas áreas que
margeiam o caminho. Estas aves já tiveram papel ligado a história
do Brasil. "As penas dos tucanos sempre mereceram a especial
atenção dos indígenas brasileiros, constituindo importante fator na
confecção de enfeites pessoais. Entre os escalões mais civilizados da
sociedade do Brasil, os ornamentos de papos de tucano atingiram
seu ápice como adereços dos mantos utilizados nos grandes
cerimoniais da corte, pelos imperadores D.Pedro I e D.Pedro II "
(Frisch, J.D. 2001, p.7).
Atualmente o projeto está sendo
implantando em uma escola da rede
estadual de ensino no bairro de Cidade
A. E. Carvalho, periferia de São Paulo.
Lá, a bandeja com alimentos também
foi instalada e 10 dias após a
colocação, os primeiros resultados
começaram a aparecer tendo sido
observado a presença de sabiás
-laranjeira e bem-te-vis. Por outro lado
meu filho estudante de biologia da UFLA,
continua seus trabalhos de pesquisa, observando e fotografando aves
para futuramente publicar um livro neste segmento, publicação esta
que poderá ajudar aqueles que desejam seguir esta linha de pesquisa,
sendo que nos períodos de férias escolares me ajuda no
desenvolvimento deste trabalho de observação de pássaros em
S.Paulo, fotografando e registrando informações de aves em
parques e outras áreas da capital paulista.
Saliento ainda que em relação a alimentação das aves, se
houver área suficiente, pode-se melhorar a alimentação dos animais
fazendo o plantio de árvores frutíferas ou floríferas no local que se
pretende fazer a observação de pássaros. Desta forma a alimentação
oferecida poderá ser ainda mais natural e mais diversificada,
considerando que muitas aves não se alimentam apenas de frutas
mas também de pequenos insetos que vivem na vegetação.
Como sugestão de plantio temos:
Pinheiro, Pinheiro do Paraná ou Pinheiro do Brasil (Araucária
angustifólia). Atrai: Papagaios, periquitos, jandaias, gralhas-azuis
entre outras.
Mamão (Carica papaya). Atrai: Tucanos, sabiás, sanhaços,
gaturamos, tiés, saíras, pica-paus e outros.
Açaí (Euterpe oleraceae). Atrai: Jacus, inhambus, mutum,
urus, periquitos, jandaias, sabiás, jacutingas, araçaris, tucanos,
surucuás, galos-da-serra, anambés e outros.
Jenipapo (Genipa americana). Atrai: Emas, papagaios e
outros.
Figueira (Fícus guaranítica). Atrai: Juritis, tucanos, araçaris,
periquitos, jandaias, pombas, jacus, mutuns, urus, inhambus,
sebinhos, bem-te-vis, tiés, sanhaços, besourinhos-de-bico-vermelho,
sabiás, tico-ticos, tangarás e outros.
Jatobá (Hymenala courbaril). Atrai: Periquitos, papagaios,
jandaias, araras e outros.
Uva-do-Japão ( Hovenia dulcis). Atrai: sabiás, sanhaços, saíras
e outros.
Acerola (Malpighia glabra). Atrai: Sanhaços, gaturamos,
sabiás e outros.
Amoreira (Morus nigra). Atrai: Sabiás, sanhaços, tiés,
gaturamos, bem-te-vis, saíras e outros.
Jabuticaba-sabará (Myrciaria jaboticaba). Atrai: Periquitos,
jandaias, sanhaços, sabiás, saíras, tiés e outros.
Araçá (Psidium cattleianum). Atrai: Rolinhas, tuins,
periquitos, papagaios, jandaias, sanhaços, sabiás, gaturamos, saíras,
tiés, macucos, inhambus, jacutingas, japins, ciganas, beija-flores e
outros. Goiaba (Psidium guajava L.). Originária da América tropical,
principalmente Brasil, é um arbusto grande que pode se tornar uma
pequena árvore. (Andersen, O; et al p.112). Esta fruta atrai diversas
aves, principalmente periquitos que consomem o fruto mesmo verde,
antes do amadurecimento.
Pitanga ( Eugenia uniflora L. ). Atrai: Sabiás, sanhaços e
outros.
Estas são apenas algumas das centenas de espécies possíveis de
serem utilizadas para atrair aves de um modo geral. Saliento ainda
que para quem tem preferência exclusiva pelos colibris ou beijaflores,
há outra infinidade de espécies, mas existe uma em especial
que é recomendada, dada a facilidade do plantio, pela oferta de
flores praticamente todo o ano, por ser arbustiva e assim de pequeno
porte podendo até mesmo ser plantado em vasos e pela variedade de
cores, este vegetal é o Hibisco (Hibiscus sp). Com grande variedade,
pode ser um excelente aliado na intenção de atrair aves de pequeno
porte, além de trazer beleza ao jardim.
A importância deste trabalho não está só no fato da simples
observação da ave em si, até mesmo porque muitas observações
feitas neste trabalho já estão descritas em inúmeras publicações, mas
principalmente na possibilidade de se trabalhar com jovens e assim
conscientizar para que um dia, quem sabe, se consiga acabar com o
péssimo e egoísta hábito de se engaiolar as aves para monopolizar
seu canto.
Acredito que está na hora das pessoas entenderem que existe uma
relação entre os seres vivos chamada de cadeia alimentar, sendo ela
responsável pela continuidade da vida
no planeta e que as aves precisam estar
livres para cumprirem seu papel nesta
cadeia. Não esquecendo ainda que
muitas espécies vegetais e o controle
das chamadas pragas urbanas,
dependem destas aves em condições de
liberdade.
Acreditamos que é importante a divulgação deste tipo de
trabalho seja ele feito individualmente ou com alunos pois pode
servir de inspiração para outros professores de ciências e biologia
que queiram descobrir o quanto é agradável a observação de aves ou
ainda implantar pesquisas como método de ensino, afinal quando se
pesquisa, não só o aluno aprende como também o próprio professor.
Carlos Humberto Biagolini, Biólogo formado pela Universidade
Cidade de São Paulo, formado também em Administração de
Empresas pela Universidade Capital e em Pedagogia pela
Universidade Nove de Julho-UNINOVE
Contato : [email protected]
[email protected]
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