Resumo: O presente artigo visa a criação de uma análise teatral partindo da apropriação do silêncio na obra “O pai”, escrita em 1887 pelo dramaturgo sueco August Strindberg e o Silêncio da personagem “Mae” na encenação da obra teatral, Mosca de fogo em: Não caibo em mim, de cunho colaborativo, encenada pela CONCAFÉ Cia Inquieta de Idiotas ao ano de 2014. Para tal, abordaremos questões como o uso do silêncio metafórico e sua relação com a dramaturgia e ênfase na criação cênica.

Palavras chaves: Teatro, siêncio, Augsut Strindberg, dramaturgia.

 

 

Aspira-se salientar um maior entendimento sobre o uso deste para a criação de um espetáculo partindo da premissa contraditória de, ser o silêncio, o combustível para a construção e identificação da condição humana que, da abjecção e degradação, da insociabilidade e violência, de uma primária e limitada existência. Também nestas peças perpassam sentimentos que em silêncio melhor se revelam: a solidão, a angústia, o desespero... (Botelho, 1989). No entanto, o equívoco do silêncio físico, s.m. Ausência de qualquer ruído, sob este prisma, deve ser desfeito e melhor compreendido na experimentação teatral, tanto convencional quanto contemporânea, uma vez que, trata-se da subjetividade de elementos cênicos, assumindo, desta forma, um caráter metafórico. Há ainda a intenção de explorar os desdobramentos deste silêncio nos elementos plásticos desta perspectiva de confecção que, como vamos atentar-nos, se apresentam como uma extensão do ator e da fabula. Estimulando e criando funcionalidade a um determinado texto e/ou ação cênica.

Neste aspecto, os estímulos proposto pela dramaturgia de August em 1887, funciona como geradora de signos que reforça a estética do realismo psicológico convencional, antigo paradigma do fazer teatral ocidental que vigora desde o século XIX, acreditando-se, fazer-se possível suscitar uma reflexão entre o silêncio encontrado em “O pai” e o silêncio vivo que é abrigado na obra “Mosca de fogo em:Não caibo em mim”, ainda que esta, seja uma montagem contemporânea encenada pela primeira vez ao ano de 2014, que tem como conceito de criação a hibridação de alguns elementos encontrados no sistema criado pelo teórico russo Constantin Stanislavski e o método desenvolvido pelo alemão, Bertold Brecht.

Neste primeiro momento, baseando-se em A Poética do grego Aristóteles, podemos compreender dramaturgia, como o ofício de elaborar um texto cujo objetivo seja transpô-lo para o teatro, apresentando diante de um público as ideias contidas nesta obra. Ainda nesta premissa, podemos subentender, esta arte como a estrutura dos atos humanos logicamente organizados, visando despertar paixão, identificação, repulsa ou até mesmo uma condição de extremo êxtase. Este conceito de dramaturgia criado pelo filósofo grego se manteve como base para a criação dramatúrgica durante muito tempo. Apesar da escrita de August, mesmo figurando o século XIX, já apontar novas características como forma de construção e organização de diálogos, sua escrita não foge tanto da estética grega e podemos ainda observar na própria fabula a organização cronológica e a presença de um possível herói, ainda que, não estejamos falando de uma tragédia tipicamente aristotélica. “O Pai” é uma peça intimista, quase confessional, que gira em torno de uma disputa entre cônjuges para decidir o destino da filha de ambos. “Ele”, como August se refere ao personagem central da trama deseja que ela, sua filha, siga uma carreira acadêmica, tornando-se professora; “Ela”, a mãe, quer que a filha se volte às artes, consagrando-se pintora. A aspiração da filha seria a pergunta mais óbvia, mas que, neste caso, é irrelevante para os propósitos da história. Isto porque o interesse do autor, encontra-se no embate psicológico e na evidenciação dos caráteres do casal.

 

Inovações e ressignificação deste mesmo conceito transita nos palcos brasileiros à partir do século XX, como por exemplo, em algumas montagens de Nelson Rodrigues, autor brasileiro, carioca que já nos aponta conceitos modernos em seu modo de escrever obtendo como resultado uma nova estética em seu teatro, colocando a critica da época a se empenhar em compreender o moderno no teatro brasileiro, como nos aponta Décio de Almeida prado, em seu livro “O teatro brasileiro moderno” publicado em 1988.

 

Nos dias atuais, podemos observar com clareza o lugar do moderno no teatro de forma geral, isto só nos é possível, graças ao mapeamento feito por Décio no livro acima citado. Também permeia esta discussão, o autor Octávio paz que, em seu livro, “A tradição da ruptura”, publicado em 1984, nos aponta uma estética abrupta de romper com o passado para afirmar-se como moderno. Esta tendência a ser moderno, logicamente, nos apresenta mudanças na maneira de se fazer e pensar o teatro, questionando toda a estrutura até ali conhecida, desaguando em experimentações para novas saídas e praticas para um laboratório de criação teatral. Embora o moderno tivesse encontrado seu lugar, começamos a nos deparar com uma nova era. E é chegada hora de começarmos a emaranhar-nos na contemporaneidade e algumas de suas consequências na prática teatral.

 

Podemos entender contemporâneo como um adjetivo que faz referência ao que é do mesmo tempo. Contemporâneo faz referência também à época presente, o tempo atual e ao indivíduo do nosso tempo. Essa necessidade do sujeito se afirmar moderno, desagua no lugar do contemporâneo e a relação que se estabelece entre suas práticas de trabalho e o resultado obtido que, nos dá base para compreendermos não somente o sujeito, mas também o segmento da sociedade que aquele sujeito pertence. Um exemplo claro deste fenômeno pode ser notado dentro da faculdade de teatro da universidade Federal de São João del Rei com as montagens teatrais realizadas como trabalho de conclusão de curso, assumindo caráteres experimentais para o embasamento de técnicas teatrais como a hibridação de conceitos, reapropriação de estéticas e o questionamento de antigos paradigmas subsidiados por grandes narrativas europeias, fazendo-se ver a necessidade de se compreender o teatro como algo vivo, sensível e sobre tudo pessoal. A montagem do espetáculo Mosca de fogo em: Não caibo em mim, objeto de estudo desta analise, partiu deste principio. A CONCAFÉ: Cia Inquieta de Idiotas, apresentou um espetáculo no qual a diretora, responsável por parte da criação artística e estética, se baseou nos princípios do “Sistema” do teórico Constantin Stanislavski com ênfase no subtexto e no método criado pelo alemão Bertold Brecht com um olhar mais voltado para os conceitos de “quebra” e “distanciamento”. Ao que parece, a união destas estéticas de naturezas diferentes, nada mais é do que a necessidade de buscar novos caminhos na composição cênica e por se tratar de um campo acadêmico, contribuir para o estudo teórico pratico no âmbito da experimentação artística e acadêmica teatral.

 

Ora, nem tudo que é novidade, ao menos no teatro, podemos encarar como novo. A criação coletiva surge, no Brasil, quando o Living Theatre recebe um convite do encenador Zé Celso Martinez Corrêa para montar um espetáculo em parceria com o Teatro Oficina, em 1971. Eles vêm, mas o espetáculo não acontece de fato, por problemas entre os dois coletivos. Porém, essa visita do Living Theatre influencia a trupe de Zé Celso à pesquisa do espetáculo “Gracias Señor ” que estreou em 1972, e que, portanto é o primeiro espetáculo feito em criação coletiva, e, consequentemente, dramaturgia coletiva, no Brasil. Nos últimos anos, alguns grupos de teatro começaram a se dedicar a uma pesquisa coletivizada. Isso se dá pelas influências dos movimentos de criação coletiva, da década de setenta, e processo colaborativo, da década de noventa. No caso da dramaturgia do espetáculo Mosca de fogo em: Não caibo em mim, todos os integrantes do grupo tiveram voz ativa na construção da história a ser contada.

 

Apesar de existir um abismo histórico, social estético e contextual nas duas obras, podemos observar que o silêncio metafórico das personagens “mãe”, tanto na obra de Strindberg quanto na obra da CONCAFÉ aparecem de forma semelhante na construção e ênfase do fazer teatral. No caso de “O pai”, o silêncio é a obra em si, ele perpassa todas as questões apresentadas, ele inclusive se dá como base da criação, uma vez que, é somente pelo silêncio da “mãe”, que se dá a busca pela verdade empreendida pelo pai. Já no caso do Mosca de Fogo em: não caibo em mim, o silêncio aparece de forma reflexiva e ainda mais metafórica, nenhuma questão é respondida, nada de fato é perguntado, embora a necessidade de saber fosse intrinsecamente ligada a obra. Há ainda uma cena neste último que responde a tal questão: (anexar texto do mosca do fogo em não caibo em mim)

 

Não há silêncio algum, a mãe apesar da frase “então eu me silencio e deixo ser” canta e é no canto que percebemos seu maior silêncio, sua dor por não entender o que está acontecendo. Consequentemente ela reforça a narrativa dramatúrgica e sua “não voz” como sujeito, sujeito este que, em um silêncio cantado, abdica-se de qualquer ação em relação a filha, calando-se metaforicamente para o que acontecia em sua casa. Nas duas obras, podemos entender o silêncio como a polifonia das demais personagens desaguando em um silêncio profundo para reforçar característas e carateres das personagens “mãe”, se em Strindberg o silêncio da mãe a põe como a grande manipuladora da história, na Concafé, o silêncio da mãe a coloca em um lugar de total submissão em relação a vida.

 

Ainda que haja tal diferença, a finalidade do silêncio em ambas as obras se cumpre de maneira igual, fazendo do silêncio o grito mais alto, a extensão mais perfeita de ambas personagens. Mesmo o silêncio assumindo uma forma dialética, dialética por obter sentido contrário na analise das obras, é fundamental compreendermos que o silêncio dá-se não somente como algo estruturador da narrativa, mas servirá como reforço cênico, extensão de espaços, conclusões de falas e até mesmo um diálogo contemporâneo com a plateia, visto que, trata-se de um silêncio sensível e, por tanto, suficiente para comunicar-se com os demais elementos de uma representação cênica, incluindo-se aqui, o próprio público.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia:

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FRANCELINO, Elton Mendes. Companhia Luna Luneira e Aqueles dois: Rizoma e Polifonia – Dissertação (Programa de Pós-graduação em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura) – UFSJ. São João del-Rei, 2012.

GROTOWSKI, Jerzy. Sobre a Gênese de Apocalypsis. In: O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969. São Paulo: Fondazione Pontedera Teatro/Edições SESCSP/Perspectiva, 2010.

 

TIBAJI, Alberto. Zona da intimidade: diário enquanto espectro e suplemento do eu. In: SOUZA, Eneida Maria de; LAGUARDIA, Adelaine; MARTINS, Anderson Bastos. (Org.). Figurações do íntimo: ensaios. 1ed.Belo Horizonte: Autêntica Editora

TIBAJI, Alberto. Espectros das escritas de si: totalidade, fragmento e narrativas. In: Alberto Ferreira da Rocha Junior. (Org.). Narrativas (auto)biográficas: literatura, discurso e teatro. 1ed.São João del-Rei: Universidade Federal de São João del-Rei.