O LUGAR DAS ARTES CÊNICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
DADOS INTRIGANTES

Essa pesquisa foi realizada no âmbito do PED Artes Cênicas- Projeto de Estímulo à Docência da Universidade Federal de Ouro Preto ? UFOP e teve como motivação inicial investigar o entendimento de alunos do ensino básico da rede pública sobre as artes cênicas e sobre o modo pelo qual o teatro é visto pelos alunos na disciplina de Artes.
O objetivo do trabalho foi o de identificar a demanda artística da escola, a relação que os alunos têm com a Arte, e principalmente com o teatro, além do nível de interesse deles por atividades artísticas na escola.
Inicialmente quatro escolas foram selecionadas e convidadas a participar do projeto junto à UFOP. Na cidade de Ouro Preto ? MG foram selecionadas as instituições: Escola Estadual de Ouro Preto e Escola Estadual Desembargador Horácio Andrade, na cidade de Mariana ? MG as instituições: Escola Estadual Coronel Benjamim Guimarães e Escola Estadual Dom Silvério.
Enfatizarei adiante as atividades e experiências vivenciadas pelos bolsistas da área de Artes Cênicas que contempla o PED/Artes Cênicas.



Projeto de Estímulo a Docência ? Artes Cênicas/ PED Artes Cênicas
O PED começou no ano de 2009 agregando quatro áreas distintas, Artes Cênicas, Ciências Biológicas, História e Matemática. Ressalvo que quando me refiro ao PED, falo das experiências junto a Universidade Federal de Ouro Preto ? UFOP.
Para o PED- Artes Cênicas foram selecionados dezoito bolsistas em formação no curso de licenciatura da Universidade Federal de Ouro Preto Estes foram subdivididos em grupos de quatro a cinco grupos de acordo com a demanda de alunos que as escolas apresentaram.
Neste projeto além de fortalecer o estímulo à docência junto aos alunos de Artes Cênicas da UFOP, os objetivos eram: preparar com mais efetividade os alunos da licenciatura em arte-educação para o exercício da docência; orientar os bolsistas PIBID para que sejam agentes multiplicadores a favor da iniciação à docência em Artes Cênicas; estimular o maior número possível de alunos a atuarem na docência em Artes Cênicas, buscando ações que favorecessem também aos não-bolsistas; produzir e registrar conhecimento em torno do estímulo à docência em Artes Cênicas, facilitando futuras ações em torno do tema .
Cada área de formação construiu um plano de trabalho para o desenvolvimento das atividades ao longo do ano. O planejamento embora organizado de acordo com as especificidades de cada área de formação, no primeiro momento constituiu-se a partir do cronograma geral do projeto, comum a todas as áreas participantes.
Estruturalmente o PED- Artes Cênicas, embora dividido em equipes por escola, trabalha com o grupo maior que agrega os dezoito bolsistas, assim compartilhamos com todos os envolvidos, bolsistas, supervisores e coordenadores de área, as experiências vivenciadas nas instituições de ensino. Do mesmo modo construímos juntos, ações educacionais que podem ser empregadas conforme a realidade de cada escola.
Como medida inicial, planejamos e discutimos a forma que nos apresentaríamos à escola, valorizando a necessidade de atrair a atenção, interesse e mesmo a curiosidade dos alunos e mobilizar toda a comunidade escolar. A discussão ocorreu com a participação de todos os bolsistas e a coordenadora do PED/Artes Cênicas, entretanto, cada grupo construiu a forma de apresentação do grupo aos alunos, sendo a única proposta em comum: "Todos deveriam construir uma Intervenção Artística".
Muito embora o PED/Artes Cênicas prioritariamente atenda alunos dos 8º e 9º anos, a intervenção foi elaborada pensando em todas as turmas da escola.
Para prosseguir o relato, focarei nas experiências e vivências do grupo junto à Escola Estadual Coronel Benjamin Guimarães.
Escola Estadual Benjamin Guimarães ? experiência de grupo.
Quatro bolsistas do PED Artes Cênicas foram destinados para o trabalho na Escola Estadual Benjamin Guimarães, compondo este grupo estão os alunos bolsistas, Ellen da Silva Paula, Camila Emilio de Moraes, Mirela Ferreira Ferraz e Álvaro Romão Medina. Após orientações da coordenadora Neide de Souza Bortollini, nós os bolsistas, desenvolvemos e criamos uma intervenção artística para a apresentação do grupo a comunidade escolar. Essa experiência considerada de grande importância será adiante, melhor relatada.
Continuando nosso processo de apresentação e integração na instituição escolar, entramos em contato e conversamos com a vice-diretora, também com professores e funcionários. Participamos da reunião pedagógica, apresentando e explicando o projeto do PED/ Artes Cênicas, o que estávamos fazendo, o que havíamos feito até então e apresentamos a proposta inicial do projeto.
Em seguida conhecemos espaços físicos como: salas de aula, sala de professores, secretaria, cozinha, biblioteca. Identificamos de imediato que a escola não possui estrutura física que contemple as aulas de teatro, embora possua cerca de onze salas de aula com diferentes dimensões, agregando em média, cerca de vinte e seis alunos por sala; uma sala de professores; uma biblioteca com acervo bibliográfico que atende as diferentes disciplinas trabalhadas pela escola, ? português, matemática, química, física, história, geografia, ciências; pequeno acervo com referências teatrais; pequeno refeitório e um pátio utilizado pelos alunos para as aulas de educação física e momentos de descontração, jogos e brincadeiras, durante os intervalos das aulas.
Levamos este problema à direção da escola e ao supervisor do projeto na escola. Estes providenciaram junto a "Banda São Sebastião" , espaço para as atividades que seriam desenvolvidas.
Em busca de maior interação e conhecimento do espaço educacional, nós os bolsistas, nos reuníamos com o supervisor escolar do projeto na biblioteca da escola. Em meio a essas reuniões tomamos conhecimento de relatos da realidade dos alunos, desde questões econômicas até situações familiares, que direta e indiretamente adentram o universo escolar.
Gostaria de refletir sobre esse ponto: como as relações estabelecidas fora da escola interferem no espaço educacional? Antes dessa reflexão esclarecei a experiência com o "Varal das Artes".
Varal das Artes : a experiência com o Varal das Artes foi bastante simples e ao mesmo tempo impactante. Em um espaço cercado por grades de ferro e marcado por regras que favorecem em grande escala a coordenação da escola e o núcleo de professores, mantendo os alunos "presos" às salas de aula, conseguimos atraí-los para o pátio da escola, mas não para um pátio comum do dia- dia que só é contemplado nos horários de intervalo, da merenda, das aulas de educação física ou quando alguns fogem das aulas para jogar bola. Ocupamos o pátio e demos a ele um novo significado, ele deixou de ser o corredor que simplesmente conduzia as obrigações escolares do aprender e do ensinar que alunos e professores vivenciam todos os dias e, se tornou o espaço de expressão de idéias, críticas e desejos que cada indivíduo traz consigo.
Nossa intenção era nos apresentar não como estagiários que em determinadas situações vão até a escola cumprir a carga horária obrigatória pela universidade e depois vão embora sem se importar com os alunos, com suas experiências sociais e culturais. Ao contrário, antes de qualquer prática de ensino-aprendizagem em sala de aula, gostaríamos de ouvi-los, conhecê-los e entendermos o campo educacional que estávamos entrando.
Não foi preciso falar mais alto para conseguir atenção, ou chamar um a um para participar. Colocamos nossa mesa na entrada do corredor e começamos a escrever poesias, nossas e de outros escritores, pintar, desenhar, ouvir uma música. Alguns mais empolgados foram logo se aproximando, outros mais temerosos perguntavam quem éramos e o que estávamos fazendo lá, e o mais surpreendente, muitos nos perguntaram por que estávamos fazendo isso para eles [ou por eles].
Aos poucos eles (os alunos) se juntaram a nós e assim construímos juntos, dentro do espaço escolar, um novo espaço educacional.
Após a experiência artística e interação com ambiente escolar, voltamos aos encontros com os grupos de bolsistas. Cada grupo pôde apresentar as primeiras impressões da escola, como a recepção dos bolsistas se deu em cada instituição, além de apontar problemas e sugestões que surgiram da comunidade escolar.
A necessidade de conhecer melhor o núcleo de alunos de cada escola surgiu como fator de extrema importância, assim partindo das discussões com o grupo e sob a supervisão da Coordenadora de área do projeto, elaboramos um questionário com perguntas de fácil compreensão, que permitiria a identificação da demanda artística da escola, a relação que tinham com a arte, e principalmente com o teatro, além do nível de interesse por atividades que possivelmente trabalharíamos.
Elaboramos o questionário e, seguindo instruções da coordenadora, os bolsistas aplicaram o questionário entre o grupo, buscando a melhor forma de aplicá-los aos alunos.
Na Escola Estadual Benjamin Guimarães, aplicamos o questionário nas turmas do PAV ? Programa de Aceleração Para Vencer, as turmas do 6º, 7º, 8º e 9º ano e 1º, 2º,3º ano do ensino médio.
O que esse questionário mostrou são informações que comprovam como a arte é vista dentro do espaço escolar. Mais adiante detalhamos as informações e impressões encontradas.
Questionários ? Dados intrigantes
Relatar como aplicamos os questionários, sem dúvida não é o que mais interessa mostrar nesse trabalho, portanto vejamos os dados quantitativos e qualitativos transformados em gráficos.

Questão 1 - Entendimento sobre Artes Cênicas

A ? Não sabem sobre o assunto B ? Sabem parcialmente C ? Sabem o assunto

Aplicamos os questionários para 257 (duzentos e cinqüenta e sete) alunos, entre as turmas já citadas, inicialmente nos interessou saber o que os alunos entendiam por artes cênicas, sua experiência com teatro, as sugestões para as atividades que seriam desenvolvidas na escola e qual o grau de preferência para o teatro entre onze atividades diferentes.
Estes gráficos disponibilizados foram construídos a partir das respostas dos alunos. Faremos assim uma descrição geral da Escola Estadual Benjamin Guimarães.
Com base nos questionários percebemos que as turmas do PAV ? Programa de Aceleração para Vencer ? e dos 6º aos 9 º anos os alunos associam Artes Cênicas às Artes Plásticas, enquanto as turmas de Ensino Médio associam Artes Cênicas ao teatro, arte, atuação, expressão corporal e peças teatrais, afirmando que não pretendem "prestar esse curso".
Partindo desses dados verificamos que as turmas do ensino básico relacionam Artes Cênicas ao conteúdo de Artes, ou Educação Artística, aprendidos ou estudados durante a formação básica.
As turmas do Ensino Médio, caminhando para a transição da formação básica para a formação superior visualizando uma oportunidade no mercado de trabalho, associam a um curso ou a uma profissão. Fato que também pode ser esclarecido pela presença do curso na Universidade Federal de Ouro Preto, sonho considerado distante por muitos alunos, que nem mesmo conhecem o Campus da Universidade.
Cerca de 90% dos alunos demonstram desinteresse pelo fazer teatral. Contudo percebo que essa apatia se dá pela "falta" de conhecimento ou informações errôneas sobre o assunto.
Em 257 (duzentos e cinqüenta e sete) alunos apenas 13 (treze) classificam o teatro como primeira opção entre as onze apresentadas e, 4 (quatro) o colocam em terceira opção. Observei que entre as preferências dos alunos estão jogos coletivos, destacando-se vôlei e futebol; na música e na dança sobre-saem os ritmos hip-hop, axé e funk; jogos no computador e televisão finalizam a lista de atividades preferidas.
Embora não haja grande interesse por teatro, os alunos desenvolvem praticas artísticas relacionadas a dança e a música, como por exemplo a criação de grupos de Dança de Rua e Hip-Hop reconhecidos pelos professores, alunos e funcionários da escola.

Questão 3 ? Teatro como prioridade
A ? TEATRO COMO PREFERÊNCIA PRIMEIRA
B - TEATRO COMO PREFERÊNCIA SEGUNDA
C- TEATRO COMO PREFÊRENCIA TERCEIRA

Foi pedido aos alunos que apresentassem sugestões para atividades relacionadas a arte e especificamente ao teatro. Entre as sugestões apresentadas foi identificado: aulas de teatro na escola; uma semana sobre o tema "artes cênicas"; apresentações teatrais; criação de um projeto que abranja esporte, música, dança, artesanato, teatro e demais linguagens artísticas; atividades que trabalhem na dança a linguagem do hip hop; atividades que abordem o desenho e a atuação; Oficinas de dança.
Os alunos que se interessam por Artes, pedem que as atividades sejam realizadas dentro da escola.
Sucintamente essas são as informações encontradas após compilação dos dados advindos dos questionários. Havendo necessidade de maiores esclarecimentos sugiro a conferência os anexos do relato.
Se analisarmos o fenômeno da educação, não há como desconsiderar a interferência do contexto político, econômico, social e cultural que forma o indivíduo. Por esse aspecto afirmo que a formação política, social, econômica e cultural precisa dialogar com os parâmetros educacionais no processo de ensino-aprendizagem. Vygotsky fala sobre interações sociais que promovem o desenvolvimento;

[...] interações como experiências de aprendizagem, nas quais as funções psicológicas superiores do individuo e aquilo que já é conhecido e consolidado podem se movimentar em sua materialidade, por meio da internalização, na direção da construção de um conhecimento de maior grau de profundidade e generalidade e da ampliação dessas funções psicológicas superiores (apud PLACCO: 2003)

As interações sociais contribuem para o processo de aprendizagem e para o desenvolvimento do sujeito que participa do processo e, se forma no meio cultural, que envolve a relação eu e o outro.
Transferindo para o espaço escolar temos diferentes culturas que formam um ambiente Social Cultural. Nesse mesmo ambiente nos deparamos com: "questões afetivas, o campo do desejo, das expectativas, dos motivos, das intenções, das crenças, dos valores, das parcerias, da cooperação [...]" (PLACCO: 2003)
Os sujeitos que formam e compõem o espaço escolar preenchem-no com sua bagagem cultural, não sendo possível deixar fora da escola as experiências e conceitos que alunos, professores, educadores e todos que vivem nesse espaço trazem ao longo da vida.
Contextualizando com a experiência do PED, foi encontrada a preferência dos alunos pela música e dança, com os ritmos HIP-HOP e Funk, os mesmos alunos valorizam as práticas que tem fora da escola com o grupo de dança, tanto aqueles que fazem parte do grupo como aqueles que são espectadores.
Nos questionários os alunos pedem para que olhemos para esses grupos que existem na escola, que desenvolvamos atividades que contemplem essa linguagem artística. Um questionamento pode ser posto: por que desenvolver atividades com propostas de trabalho de assuntos que os alunos já conhecem e dominam? A resposta vem da proposta educacional que não nega a existência desse conhecimento, mas pretende ampliá-lo para a introdução de novos conhecimentos. Exemplificando com a Oficina de Expressão Corporal.
Após identificarmos a relação forte que os alunos têm com a dança e com a música, propusemos esta Oficina, que transita entre os elementos do teatro ? consciência corporal ? a dança e a música. A Oficina proporciona o estudo do corpo por meio do estudo dos ritmos, incluindo hip-hop e funk.

O grande objetivo é o de não desprezar as experiências e desejos dos alunos nem os interesses e desejos do arte/educador, mas aprofundar o conhecimento prévio de ambas as partes e ampliá-lo com novas experiências, nesse caso partindo da música e da dança para o teatro.
A experiência que descrevi foi realizada durante o primeiro semestre de 2009, e teve continuidade durante o segundo semestre do mesmo ano. Além da Oficina de expressão corporal ??CORPO: Sentidos e imagem?? propusemos outras duas Oficinas que também dialogaram com os desejos e expectativas dos alunos, sendo elas, "Revelando o Teatro" e "O cinema como estímulo para jogos teatrais".