METROLOGIA COMO CIÊNCIA DA MEDIÇÃO

 Luiz Fernando Mirault Pinto1

1 Inmetro, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]

Resumo:

O objetivo deste artigo é contextualizar a metrologia complementando sua definição com elementos conceituais sobre sua caracterização como ciência da medição colocando esta interpretação sob apreciação e discussão da comunidade metrológica.

Abstract

The purpose of this article is to contextualize metrology complementing its definition with conceptual elements on its characterization as a science of measuring putting this interpretation under consideration and discussion of the metrology community.

Palavras-chave: Ciência Metrológica, Ciência da Medição, Metrologia Definição

1. INTRODUÇÃO

Ao harmonizar os termos, conceitos e definições empregados ou relacionados na metrologia, com o objetivo de estabelecer o entendimento universal por meio de uma linguagem comum o Vocabulário Internacional dos Termos de Metrologia [1] com base apreciação das mais diversas correntes do conhecimento, conceituou a Metrologia como a ciência da medição.

Ao não mencionar os princípios que regem a metrologia, suas bases ou fundamentações, conceituações essas que caracterizariam a metrologia como uma ciência, entende-se que sua definição pura e simples do termo (metron+logo) não é por si suficiente para se estabelecer que a metrologia seja de fato uma ciência.

Enquanto não entendermos que a metrologia pode ser uma ciência por que valida as teorias das demais áreas de conhecimento, que ela é base para a dedução ou comprovação de hipóteses a partir da verificação e confirmação dos dados representativos dos fatos via experimentação, e que esse conhecimento tem sido repassado a várias gerações, seu espaço no sistema de ciências sempre será limitado.

Outros fatores corroboram para que a metrologia como ciência permaneça restrita à sua definição tanto pelo desconhecimento e desinteresse dos pesquisadores teóricos ou acadêmicos com uma formação educacional baseada nos programas oficiais de ensino inadequados que tratam o assunto de modo superficial, ora nas disciplinas de física, ora nas de matemática, como pela falta de uma cultura metrológica aliada à apropriação oportunista dos conceitos pelas áreas de tecnologia.

Urge, portanto desmistificar essas inadequações conceituais sobre a metrologia, resumidas por vezes à estatística ou ainda como uma prática ou atividade relacionada à formação técnica-profissional em disciplinas específicas da Engenharia, Física ou Matemática sustentada por formadores de opiniões educacionais equivocadamente.

A metrologia como ciência ultrapassa esses limites uma vez que envolve a teoria e a prática em todos os domínios da ciência e tecnologia por meio da execução de operações de medição, de métodos e procedimentos, de processos de medição e de instrumentos adequados e precisos.

2. METROLOGIA E CIÊNCIA

 A história da metrologia é a da própria civilização sempre presente nos movimentos sociais (na economia, na religião, e na organização dos povos) pela necessidade de medir. A determinação de padrões de grandezas, a comparação de distâncias, observação e localização pelos astros, e a quantificação dos alimentos necessários ao deslocamento eram características dos povos nômades. Ao se fixarem a terra, outras prioridades envolvendo a metrologia foram consideradas: medição de extensões de terras, definição de fronteiras, áreas de plantio, distância de semeadura, dimensionamento da colheita e calculo do esforço em função do volume medido ou em comparação ao peso do corpo como padrão de trabalho marcou a prática dos povos sedentários.

Como medir é próprio da natureza humana, o costume e o bom senso foram os elementos indispensáveis para a transmissão do conhecimento obtido pelo senso comum das experiências cotidianas e espontâneas, características que sempre levaram ao entendimento que a metrologia deveria ser apenas uma prática no campo das ciências naturais, embora a prática seja a comprovação concreta de uma teoria, e teoricamente o senso comum sendo caracterizado como um tipo de ciência. 

As medidas eram as comparáveis as das partes do corpo humano tomadas como padrões materializados, um sistema antropométrico, de fácil, acesso, transporte, e manuseio. Essa cultura da metrologia permitiu ao homem conviver com grupos distintos, a entender as relações sociais, seu entorno (localização espaço tempo), e a estabelecer padrões de comparação, práticas necessárias a sua sobrevivência e interpretação dos fenômenos da natureza, aspectos esses significativos da ciência.

A metrologia envolve aspectos básicos de ciência: A teoria geral das medições, a teoria dos erros das medições, o princípio de unificação das unidades, a universalidade do sistema uniforme de unidades de medidas, o estabelecimento dos padrões correspondentes e suas relações com as grandezas físicas, sua hierarquização, a rastreabilidade dos padrões de referência, o desenvolvimento de métodos (científicos), processos de medição, e uma estrutura complexa de organização internacional que mantém esses princípios [2].

A metrologia se caracteriza como instrumento capaz de quantificar atributos [3], propriedades e características de objetos, eventos e fenômenos mensuráveis da natureza utilizando-se de meios e métodos sistemáticos práticos ou teóricos que proporcionem a descrição e a interpretação das observações submetendo a verificação e comparação com ocorrências já estabelecidas, asserções próprias da ciência.

Tem como função, a garantia dos resultados de medição e para isso baseia-se na: rastreabilidade metrológica por meio de comparações sucessivas de um resultado da medição a uma referência (padrões) internacional reconhecida de acordo com o Sistema Internacional de Unidades (SI), e a avaliação da incerteza de medição com base no conjunto de informações capaz de definir a qualidade do resultado uma medição.

Suas bases estão na padronização, na uniformização e na universalidade.  A padronização diz respeito às referências metrológicas e as medições comparáveis por meio de aferições (calibração e verificação) de instrumentos a padrões de referência materializados nacionais e internacionais. A uniformização se refere aos critérios traçados pelas normas voluntárias e compulsórias de modo a garantir a realização dos procedimentos adequados e equivalentes. A universalidade está na mesma linguagem e entendimento aplicado e aceito internacionalmente no tratamento dado aos assuntos que envolvem a metrologia.

A padronização e a uniformização na metrologia se configuram como preceitos que regem os fundamentos, e visam reduzir a variabilidade dos processos de trabalho sem prejuízo da flexibilidade, sendo essenciais para a rastreabilidade e comparabilidade das medidas materializadas, dos padrões de referência ditos metrológicos, os quais obedecem a uma hierarquização e reproduzem as grandezas do SI.

Os princípios fundamentais da metrologia comprometidos com a Ciência [4] envolvem: a confiabilidade dos resultados de medição, as grandezas físicas, a incerteza da medição, e a lógica de um sistema de unidades (universal), de modo que as medidas possam ser comparadas, reproduzidas, rastreadas, e repetidas. Esses princípios metrológicos servem de base para as teorias científicas gerais e/ou fundamentais, bem como outras específicas, as quais, dependem, em determinada fase da comprovação de resultados e medições confiáveis.

Os seus fundamentos que podem ser descritos como: as normas, os padrões, os métodos, os sistemas de medição e as técnicas estatísticas que são aplicadas relativamente a outras ciências, e empregadas na analise e interpretação dos dados observados para a apresentação de um resultado consistente.

As normas possuem compromissos com esses princípios, pois estabelecem as regras de procedimento quanto ao tratamento a ser dado às medições, aos sistemas, aos métodos, aos dispositivos, e aos processos de medição de modo a atender os requisitos mínimos de garantia – a confiabilidade metrológica [5].

Além dos princípios e dos fundamentos a metrologia tem a seu serviço, uma estrutura física nacional e internacional, com organismos de referência, laboratórios científicos, instituições públicas e privadas, associações, e sistemas de divulgação, que tem como objetivo, manter a uniformidade dos procedimentos, e a confiabilidade nas medições por meio da comparação com os padrões primários correspondentes a materialização das grandezas físicas, garantindo a rastreabilidade no mundo.

A Metrologia tem seus postulados, que são proposições convencionadas, portanto não demonstradas, mas aceitas por consenso como o passo inicial para o desenvolvimento de uma teoria, e se referem às medições, como por exemplo: ao valor verdadeiro medido de uma grandeza mensurável como constante, embora não determinado, por pertencer a um intervalo representativo da incerteza de medição; às unidades cujas características intrínsecas estão na conservação, reprodução e transmissão e que se relacionam às observações e experimentações empíricas.

2.1 Características da metrologia como ciência

Classificar o conhecimento por meio de uma representação em um sistema qualquer, como no caso um sistema de ciências, é preciso considerar: a natureza da informação, a razão dessa classificação e o uso pela comunidade, considerando que o desenvolvimento do conhecimento também envolve a história, a educação, a cultura, além de outros aspectos sociais.

A natureza da informação é de extrema importância para a metrologia-ciência, uma vez que se constitui o elemento chave para se compreender a comunicação e a inter-relação entre os demais campos de conhecimento, os organismos e o ambiente.

A necessidade da classificação da Metrologia como ciência, importante para o próprio desenvolvimento, se relaciona com a sistematização da área de C&T [6] responsável pelo ao gerenciamento e avaliação dos programas de fomento das agências e das políticas públicas que regem as áreas de conhecimento para o ensino, pesquisa, inovação e desenvolvimento tecnológico.

A sociedade ao ter acesso à ciência e tecnologia passa não só a entender e utilizar esses  conhecimentos, mas resguardar seus interesses ao manifestar suas opiniões permitindo sua participação cidadã nas decisões e nas políticas públicas.

A associação de características conceituais aplicáveis à metrologia com as que auxiliam na definição, sistematização e identificação genérica das áreas de conhecimento sugere a assertiva da definição. Essa correlação pode ser descrita como a seguir:

Auxilia no estabelecimento de leis para determinados eventos – (Objetivo); Fornece conhecimentos relativos ao homem e seu entorno - (Objeto); Relaciona-se com a área de estudo, análise ou verificação - (Função); Refere-se a eventos, fenômenos, ocorrências ou fatos – (Realidade); É dependente do desenvolvimento de tecnologias –(Falibilidade); Utilizada na comprovação experimental das proposições – (Verificável); Lida com a incerteza da medição – (Quase Exata); Conhecimento ordenado, lógico, baseado em teorias – (Sistematicidade); Proposições ou hipóteses com base em experiência precisa – (Rigor); Permite o estudo de eventos distintos ou em partes (Analiticidade) ; Terminologia Definida , Acessibilidade e Universalidade -           (Comunicabilidade); Exige métodos, sistemas conceituais, hipóteses e definições – (Racionalidade); Produz resultados aceitos universalmente na metodologia científica - (Objetividade).

3. CONCLUSÃO

Ao considerarmos a ciência como  definição de campo de conhecimento e sendo a metrologia considerada um deles, ela será também interpretada como ciência. Poderá ser uma ciencia formal pela sua relação de identidade com os ramos da física geral e da matemática e por conseguinte ela também estará relacionada às ciências naturais.

Considerando que as ciências ditas aplicadas objetivam o uso do conhecimento  na resolução de problemas práticos, e que  são relacionadas à pesquisa e desenvolvimentotecnológico, a metrologia poderia ser cognominada de ciência aplicada. As ciências aplicadas visam a aplicação do conhecimento para a solução de problemas práticos de extrema importância para o desenvolvimento tecnológico.

Assim como existem interpretações sustentando que as ciências formais são  ferramentas necessárias para se fazer ciência e que tais conhecimentos baseiam-se tão apenas em leis de dedução, e de definições sem o respectivo estudo empírico e por isso não deveriam ser consideradas um ramo das ciências naturais, ou até mesmo uma ciência, outras consideram a ciencia aplicada uma técnica, com métodos resultantes da prática e do empirismo, como uma arte, e seu objetivo não trata de interpretar o mundo apenas e sim transformá-lo. No momento não importa que tipo de ciencia descreveria a Metrologia, assim como as correntes interpretativas visto que o próprio significado de ciência tem sido modificado constantemente.

Como toda ciência depende de medidas experimentais as quais não são absolutamente precisas e devem estar acompanhadas de suas incertezas e como a interpretação dessas medidas com suas incertezas  depende do conhecimento da metrologia para garantir a validade das teorias científicas, nada mais lógico estabelecer que a metrologia seja a própria ciência que ela interpreta, a partir dos dados obtidos, independente de sua classificação, visto sua característica transdisciplinar de não se impor às demais ciencias e sim dialogar, interpretar, validar,  e de pertencer a todas elas.

As discussões sempre estarão presente pois a metrologia poderá ser entendida como arte, ciencia social, pseudo-ciencia, técnica, denominações adquiridas de acordo com as circunstâncias.

A metrologia é mais que a sua definição. Apresenta características representativas da ciência. Ela é transdisciplinar por relacionar-se e integrar-se às demais ciencias respeitando suas individualidades. Seu arcabouço é formado pelos princípios, bases, fundamentos, postulados, todos elementos comuns e significativos para definir-se com uma ciência, conceituações essas ainda não definidas na literatura.

REFERÊNCIAS:

 [1] Vocabulário Internacional de Metrologia: Conceitos fundamentais e gerais e termos associados (VIM 2012). Duque de Caxias, RJ: INMETRO, 2012. 94 p.

[2] Isaev, L.K. General Aspects of Metrology and Measurement Techniques “The place of metrology in the science system: On postulates” Measurement Techniques Volume 36, Number 8, 853-854, DOI: 10.1007/BF00983977

[3] Pinto, L. F. M., “Metrologia Formal” - V Congresso Brasileiro de Metrologia em [email protected]

[4] Monteiro E. C., Lessa, M.L. "A Metrologia na Área de Saúde: Garantia da Segurança e da Qualidade dos Equipamentos Eletromédicos". Engevista, v. 7, n. 2, p. 51-60 (2005).

[5] Souza, R.F., “Organização e Representação de áreas do conhecimento em Ciência e Tecnologia”.Disponível em: www.periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/download/337/384.