HISTÓRIA DA ARTE-EDUCAÇÃO OU HISTÓRIA DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL.

Por Raquel Lima 

Este texto conta de maneira breve a trajetória do ensino de arte desde o período compreendido pelos historiadores como inicio do ensino no Brasil. Trata das tendências e das concepções pedagógicas pelas quais essa modalidade de ensino passou e qual tendência e concepção predomina hoje enquanto disciplina obrigatória do currículo oficial para o Ensino Fundamental apontada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de arte.

A história do Ensino de Arte no Brasil inicia-se com os Padres Jesuítas em processos informais pelas oficinas de artesões. Era o uso das técnicas artísticas como instrumento pedagógico para a catequese dos povos indígenas. Com a presença da Família Imperial Portuguesa no Brasil, inicia-se o ensino formal das artes com a implantação da Academia Imperial de Belas Artes, em 1816, sob a tutela da Missão Artística Francesa. Predominava o ensino do exercício do desenho dos modelos vivos, da estamparia e a produção de retratos, sempre obedecendo a um conjunto de regras rigorosamente técnicas. O ingresso ao estudo das artes era permitido somente uma pequena elite. Principalmente na década de 1870 o ensino de arte voltou-se apenas para a formação de desenhistas

A Proclamação da República (1889) dá lugar a transformações sociais, políticas e econômicas no cenário brasileiro e a educação passa a ser um campo estratégico de efetivação dessas mudanças aos olhos dos liberais e dos positivistas. O ensino de arte concentra-se no desenho como linguagem da técnica e da ciência, valorizadas como meio de redenção econômica do país e da classe obreira, que engrossara suas fileiras como recém-libertos. (BARBOSA, 2002c. p. 30). 

A partir dos anos 1920 o ensino de arte foi incluído no currículo escolar como atividade de apoio a outras disciplinas escolares, porem, prevaleceu o exercício das cópias. O ano de 1922 tornou-se o marco

transformador do ensino de arte na escola com a Semana de Arte Moderna que trazia o ideal da livre expressão preconizado por Mário de Andrade e Anita Malfatti. Esse ideário transformava a atividade de arte em expressão dos sentimentos da criança, a arte não precisava ser ensinada, mas expressada livremente pelos alunos.

Em 1948, Augusto Rodrigues, Margaret Spencer e Lucia Valentim fundaram no Rio de Janeiro a Escolinha de Arte do Brasil – EAB, que posteriormente seria transformado no Movimento de Escolinhas de Arte – MEA, um conjunto de 140 escolinhas de arte espalhado por todo e território nacional e se expandindo para as cidades de Assunção/Paraguai, Lisboa/Portugal e Buenos Aires e Rosário/Argentina. (AZEVEDO, 2000, p. 25). O MEA tinha a proposta de educar através da arte. 

Nos anos 1950/60 o desenho permanece como conteúdo, mas são acrescentadas ao currículo escolar o canto orfeônico, a musica e os trabalhos manuais tendo como metodologia a transmissão de conteúdos a serem  reproduzidos, próprios da pedagogia tradicional.

A Lei 5692/71, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de arte na escola com a rubrica de Educação Artística, tinha como fundamento dar ao currículo um caráter humanista. Durante toda a vigência da Lei 5692/71 as aulas de educação artística foram ministradas por professores de outras áreas de ensino, sem o devido conhecimento que o ensino de arte exige e desprovidos de quaisquer aparatos de uma matriz teórica que fundamentasse suas práticas. Era a concepção de arte como atividade. Essa concepção teve sua trajetória baseada no fazer artístico devido à ausência de conteúdos, o que conseqüentemente relegou o ensino da arte a um lugar de inferioridade diante das demais disciplinas escolares.

Os anos de 1980 fora repleto de discussões sobre os novos rumos que seriam tomados no cenário educacional brasileiro, estando o ensino de arte como um dos pontos de culminância dos arte-educadores do país que ergueram uma luta política e epistemológica em favor do ensino de arte na escola. A obrigatoriedade do ensino de artes enquanto disciplina do currículo escolar é conquistada a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96 de 20 de Dezembro de 1996, em seu Artigo 22 - § 2º O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. Para orientar as bases curriculares dessa modalidade de ensino, o Ministério da Educação e Cultura – MEC elaborou e divulgou amplamente os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (1997) que em sua introdução dá ênfase ao papel e lugar da disciplina ao dizer: (...) Arte tem uma função tão importante quanto a dos outros conhecimentos no processo de ensino aprendizagem. A área de Arte está relacionada com as demais áreas e tem suas especificidades.

Didaticamente, o ensino de arte no Brasil é composto por três grandes concepções: Ensino de Arte Pré-Modernista, Ensino de Arte Modernista e Ensino de Arte Pós-Modernista ou Pós-Moderno. Segundo Ana Mae Barbosa, o Modernismo no Brasil é que nomeia as outras tendências da Arte-Educação, utilizando-se dos prefixos latinos pré e pós para nomear os períodos passados e futuros. Na realidade, nossa primeira grande renovação metodológica no campo da Arte-Educação se deve ao movimento de Arte Moderna de 1922. (BARBOSA, 1975. P. 44).

A Tendência Pré-Modernista caracteriza a (1) Concepção de Ensino da Arte como técnica; na Tendência Modernista, a (2) Concepção de Ensino da Arte como Expressão e como Atividade; e na Tendência Pós-Modernista, a (3) Concepção de Ensino da Arte como Conhecimento.

Na Concepção de Ensino de Arte como conhecimento, a principal abordagem é a própria arte, nomeada por Ernest Eisner (2002) como essencialismo. Para a corrente essencialista a arte é importante por si mesma, não servindo como instrumento para fins de outra natureza (RIZZI, 2002, p. 64-65), como vinha ocorrendo nas concepções anteriores. Segundo Barbosa (2005) esta abordagem mais contemporânea está relacionada ao desenvolvimento cognitivo, deslocando a questão de como se ensina arte para como se aprende arte, focada nos estudos e Pillar (2001), Barbosa (2002) e Parsons (1992) que buscam compreender como se dá o processo de ensino aprendizagem dos conhecimentos artísticos, originando mudanças epistemológicas e metodológicas para o ensino da arte.

Na contemporaneidade, há uma busca pelos conhecimentos relacionados a aprendizagem dos conhecimentos artísticos, a partir da inter-relação entre o fazer, o ler e o contextualizar arte. Segundo o PCN de Arte (1997):

Ao fazer e conhecer o aluno percorre trajetos de aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso, desenvolve potencialidades (como percepção, observação, imaginação e sensibilidade) que podem alicerçar a consciência do seu lugar no mundo e também contribuem inegavelmente para a sua apreensão significativa dos conteúdos das outras disciplinas do currículo. (p. 44).

Os PCN de Arte orientam como conteúdos gerais de Arte, as Artes Visuais, a Música, o Teatro e a Dança num conjunto que promova a formação artística e estética do aluno. O documento não define quais modalidades artísticas devam ser trabalhada a cada ciclo de ensino, apenas oferece condições – orientações didáticas, para que as escolas definam seus projetos curriculares.

(...) os conteúdos da área de Arte devem estar relacionados de tal maneira que possam sedimentar a aprendizagem artística dos alunos do ensino fundamental. Tal aprendizagem diz respeito à possibilidade de os alunos desenvolverem um processo continuo e cada vez mais complexo no domínio do conhecimento artístico e estético, seja no exercício do seu próprio processo criador, por meio das formas artísticas, seja no contato com obras de arte e com outras formas presentes nas culturas ou na natureza. (p.55).

Os conteúdos de Arte estão articulados em três eixos norteadores de aprendizagem: a produção, a fruição e a reflexão.

• Produção refere-se ao fazer artístico;

• Fruição refere-se à apreciação do universo relacionado a arte;

• Reflexão refere-se ao conhecimento construído pelo próprio aluno sobre sua produção, a produção dos colegas e as artes como produto histórico.

Modalidades Artísticas ou Conteúdos para o ensino de Arte:

ARTES VISUAIS – pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura, artefato, desenho industrial, representam as formas tradicionais; fotografia, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo, computação, são formas resultantes dos avanços tecnológicos modernos.

DANÇA – é um bem cultural que sempre fez parte das culturas humanas integrando o trabalho, as atividades de lazer e as religiões. Envolve a atividade corporal nas ações do cotidiano humano como pular, correr, girar, subir; os jogos populares de movimento, as cirandas, as amarelinhas, se integram ao repertório que deverá ser valorizado como aprendizagem dos alunos.

MÚSICA – também é um bem cultural associado às tradições culturais de cada época. Na atualidade, as produções tecnológicas possibilitam a escuta simultânea do que foi e é produzido em termos de música através de discos, fitas, radio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema, publicidade e outros meios. A música é expressa por meio de sons, tons e ritmos ordenados em uma composição harmônica. As canções brasileiras são um referencial para o ensino de música onde o aluno participa como ouvinte, intérprete, compositor e improvisador.

TEATRO – é a arte que exige a presença completa do homem: corpo, fala e gestual, em um espaço organizado (cenário) como representação de cultura e conhecimento. O teatro é uma arte milenar, porém, foram os gregos que o formalizaram a partir dos rituais religiosos e simbólicos, para a forma organizada que conhecemos na atualidade.  O teatro tem como fundamento a experiência de vida: idéias, conhecimentos e sentimento. A sua ação é a ordenação desses conteúdos individuais e grupais. (p. 83). O ensino de teatro pode ser introduzido pelas atividades lúdicas como os jogos dramáticos, para gradualmente compreender a atividade teatral como um todo.

São essas modalidades artísticas que configuram o conjunto de conteúdos expressos pelos PCN de Arte para o ensino fundamental, orientadas cada uma, a partir de objetivos gerais e específicos, de critérios para a seleção de conteúdos, critérios de avaliação e orientações didáticas.

Durante aproximadamente quatro séculos, o ensino de arte no Brasil, foi baseado na concepção de arte como técnica com o intuito de preparar para o trabalho e como ferramenta pedagógica para o ensino das disciplinas mais importantes do currículo; por aproximadamente seis décadas, predominou a concepção de arte como expressão da criatividade onde o processo é mais importante que o produto; já na concepção de arte como atividade, observa-se a ausência de conteúdos artísticos, mas cristalizou praticas que ainda hoje são efetivadas nas aulas de arte nas escolas como é o exemplo das apresentações artísticas meramente preparadas para as comemorações e festividades.

Enquanto a concepção de ensino como técnica valorizava o produto e a concepção de ensino como expressão valorizava apenas o processo em detrimento do produto artístico, a concepção de ensino como conhecimento valoriza os processos, o produto e o meio cultural dos alunos.

1 - Texto escrito para a disciplina de História da Arte-Educação do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos – FAFIDAM/UECE. Em 27 de Fevereiro de 2013. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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EISNER, E. The arts the creation of mind. New Haven: Yale University Press, 2002.

PARSONS, M. J. Compreender a Arte: uma abordagem à experiência estética do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo. Lisboa: Presença: 1992.

PILLAR, A. D. (Org.). A Educação do Olhar no ensino das artes. Porto Alegre:Mediação, 2001.

RIZZI, M. C. de S. Caminhos metodológicos. In: BARBOSA. A. M. (Org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.