UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS









FRANCINE DA SILVEIRA MALESSA







COMO E POR QUE RENATO RUSSO TORNOU-SE UM DOS ARTISTAS MAIS INFLUENTES DO PAÍS






















SÃO LEOPOLDO
2010

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INTRODUÇÃO

Este artigo traz uma reflexão sobre a influência do cantor da banda Legião Urbana, Renato Russo. O poeta que mobilizou multidões em seus shows. Teve uma carreira e uma vida pessoal tumultuada, marcada pela depressão, pelas drogas, por crises psicológicas e por uma homossexualidade publicamente assumida. Entretanto, Russo era muito mais do que isto. Foi um homem de atitude, com um intelecto que surpreendia qualquer um que o julgasse apenas como mais um rebelde.
Ao descobrir o poeta, cantor e escritor, me encantei com a sua voz, sua sensibilidade e sua música. A partir de então, começou a fazer parte da minha vida. Mas, como ele pode manter-se tão vivo mesmo depois que se passaram quatorze anos da sua morte? Como Renato pode influenciar a mim e a tantos outros que não tinham nem idade para conhecê-lo em vida?
Portanto, neste trabalho abordaremos em um primeiro momento a criação de Renato Manfredini Junior. Logo após, será feito um estudo em cima das suas referências e influências. A partir daí, acompanharemos a sua trajetória como cantor e compositor, trazendo aspectos de suas canções e o efeito que elas causavam. Além disso, abordaremos seus pensamentos e ideias, acompanhando entrevistas, citações e discursos em shows.
É com referência neste ponto que se desenrola o assunto de como e por que o cantor da Legião Urbana tornou-se uma espécie de porta-voz da juventude na época da transição entre a ditadura militar e abertura política. Por fim, analisaremos a sua obra como um todo, mostrando projetos e artigos que sofrem sua influência.

























SUMÁRIO


INTRODUÇÃO.................................................................................. 4

CAPÍTULO 1 PRIMEIROS VERSOS................................................ 5

1.1 GIZ............................................................................................... 5

1.2 FAROESTE CABOCLO............................................................... 6

1.3 TEOREMA.................................................................................... 7

CAPÍTULO 2 VOZ E MELODIA......................................................... 10

2.1 QUE PAÍS É ESTE?..................................................................... 10

2.2 EDUARDO E MÔNICA................................................................. 11

2.3 SERÁ............................................................................................ 12

2.4 HÁ TEMPOS................................................................................. 14

2.5 ESPERANDO POR MIM............................................................... 17

CONCLUSÃO...................................................................................... 19

ANEXOS.............................................................................................. 20

REFERÊNCIAS................................................................................... 21
EPÍGRAFE




Renato Russo. Divulgação/Internet

Além da liderança implícita e da genialidade de fio terra da raça
e parabólica de geração, Renato Russo deixa um legado de
integridade artística à prova de bulas. Ele esquadrinhou seus
cantos pessoais mais ocultos com a sinceridade dos que põem
a alma pela boca. Sua vida foi um disco aberto. E a todo volume. (Tarik de Souza)


Ele poderia cantar ?Parabéns pra você? e fazer você chorar no final. Ele tinha esse poder, não sei como se poderia chamar, esse carisma, essa aura incrível. Era um cara muito sensível, com muitas ideias na cabeça e muita vontade de fazer e realizar tudo o que ele sonhava e pensava. Eu acho que ele conseguiu cumprir muitos desses sonhos.
(Dado Villa Lobos;2010.Guitarrista da Legião Urbana)


Essa é a imagem que as pessoas não conhecem muito do Renato. Ele é o cara mais engraçado que eu conheço. Na verdade, o cara era tudo em um só.
(Marcelo Bonfá ;2010. Baterista da Legião Urbana)








Urbana Legio omnia vincit...

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1. PRIMEIROS VERSOS


1.1 GIZ

Quando era moleque, brincava de pique, soltava pipa,
andava de rolimã, ia nadar na praia.
(Renato Russo;1995,p.135)¹

O filho mais velho do casal Renato Manfredini e Maria do Carmo, nasceu no dia 27de março de 1960, na Clínica Santa Lúcia, no bairro Humaitá, Rio de Janeiro. Seu pai,paranaense, era economista do Banco do Brasil. Sua mãe, pernambucana, era professora de Inglês. No final de 1962, Renato ganhou uma irmã: Carmem Teresa.
Até os 6 anos de idade, Renato viveu com a família no Rio de Janeiro, endereçados na Rua Maraú, bairro Bananal, Ilha do Governador. E foi nessa casa que Renato Manfredini Júnior teve seu primeiro contato com a música.
Todos os dias antes de trabalhar, o pai de Renato colocava seus LP?s para tocar e assim deixava cada acorde musical invadir a casa.
A música corria pelas veias dos Manfredini há algumas gerações. O avô de Renato era flautista e violinista, autodidata, diga-se de passagem. Também a avó, quando bem orientada, podia acompanhar o marido no violão.
O próprio pai de Renato aprendeu rudimentos de piano. Seu gosto musical era dividido entre música clássica e jazz. Já dona Maria do Carmo apreciava Francisco Alves, Ângela Maria e marchinhas de carnaval. O gosto eclético da família acabou refletindo no de Renato, potencializado pela descoberta do Rock na virada dos anos 60 para os anos 70.
O aprendizado escolar de Renato deu-se início na escola Olavo Bilac, ainda na Ilha do Governador, com professoras que mais tarde, foram citadas na letra de "O descobrimento do Brasil" (1993): "A professora Adélia/ a tia Edilamar/ e a tia Esperança."
Paralelamente ao processo de alfabetização, Renato iniciou aulas formais de piano. Podemos dizer que o menino deteve-se ao básico, já que não tinha muita paciência para se fixar em um determinado ponto até dominá-lo.
Mas entre os anos de 1967 e 1969, a família Manfredini foi passar uma temporada fora do país. Seu Renato precisou fazer um curso para o banco e assim todos embarcaram para Forest Hill, distrito de Queens, Nova York. Para as duas crianças em processo de alfabetização, Renato tinha 7 anos e a irmã 5, com uma mãe que era professora de inglês, esta fase foi muito bem aproveitada.
Durante o tempo em que ficou nos Estados Unidos, Renato deslanchou na língua inglesa. O domínio da língua de Shakespeare e Beatles, facilitou, mais tarde, a sua paixão pelo rock, que teve início com o álbum branco do quarteto britânico, Elvis Presley e Bob Dylan. O seu diário, que continha anotações diversas, incluindo algumas no intervalo das gravações com a Legião Urbana, foi escrito totalmente em inglês.
Na volta para o Brasil, Renato continuou sua formação na filial da Cultura Inglesa na Ilha do Governador. Mais tarde, em Brasília, após concluir a sua formação, ele tornou-se, também, professor da escola.

Em 1978, o Príncipe Charles, da Inglaterra, passou por Brasília em visita oficial. Um dos seus compromissos era a inauguração da nova sede da Cultura Inglesa. O
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professor escolhido para saudá-lo em um discurso de pronúncia impecável, no dia 13 de março, foi Renato Manfredini Júnior.
Renato não era uma criança super dotada, dessas que se privava da doçura da infância. Ele brincava, nadava e soltava pipa. Mas mesmo desde pequeno, o instinto de liderança fervia a flor da pele.
Até mesmo nas brincadeiras com a irmã e os vizinhos, Renato era o ator principal, o roteirista e o diretor. Os papéis coadjuvantes ficavam com Carmem Teresa e os amigos.


Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou.
(Renato Russo.Giz)


1.2 FAROESTE CABOCLO

Na adolescência você quer ser aceito. Foi uma época muito
complicada para mim. Eu sabia que era sedutor e, como
todo mundo, também aprendi os códigos sociais para
não me machucar.(Renato Russo;1995,p.21)¹


Quando soube do anúncio do presidente Jucelino Kubichek, sobre a construção de Brasília, Maria do Carmo se encantou com a ideia de começar uma nova vida com o marido na nova capital. E queria mais: desejava que o seu filho fosse o primeiro a nascer em Brasília.
Como a transferência do marido não aconteceu tão breve, seu desejo não se realizou apesar de Renato ter nascido no mesmo ano da inauguração da nova capital.
Somente treze anos após o nascimento de Renato, é que os Manfredini mudaram-se para a Super Quadra Sul, 303.
Em um especial da Rede Globo, exibido em setembro de 2007, o empresário da Legião Urbana, Fernando Artigas definiu a relação Renato Russo ? Brasília: "Brasília, uma relação de amor e ódio, mas foi assim, a musa inspiradora."
Quando tinha 15 anos, Renato foi diagnosticado com epifisiólise; uma doença que compromete a cartilagem do osso, soltando-o. Assim, Renato ficou mancando com muita dor, pois a doença havia prejudicado o osso da perna, o fêmur.
Após ser diagnosticado e passar pela cirurgia, a recuperação foi demorada; foram dois anos sem poder caminhar. Mesmo assim, Renato continuou os estudos, era tão bom aluno, que a escola tinha confiança em deixá-lo fazer as avaliações em casa.
E foi justamente neste período que Renato começaria a trilhar o caminho para tornar-se o Renato Russo.


A decisão de se isolar do mundo veio da cabeça de Renato: ele estava na adolescência, com a cara cheia de espinhas e andava de cadeiras de rodas, ninguém se interessaria por ele. Mas nem por isso, ele se abalou, como declarou em entrevista quando questionado sobre a doença:

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Nesse período, resolvi realmente me interessar por música.
Ficava deitado ouvindo os discos, sofrendo, coitadinho.
Tive que fazer várias operações, andei de cadeira de rodas,
de muletas. Mas não estava nem aí. Era adolescente e tinha
mais problemas em ter espinhas na cara do que andar de
muletas. Pelo menos, ficava claro que eu era diferente.
Sempre quis ser diferente.(Renato Russo;1995,p.91)¹


Também foi nesta época que a música, que já fazia parte de sua vida, há pelo menos três gerações, começou a ter um papel mais intenso.

Dos 15 aos 17 anos, fui obrigado a andar em uma cadeira
de rodas. Eu tinha uma doença de fundo virótico. Então,
eu lia revistas de música, tipo "Melody Maker".
Foi ai que tudo começou.(Renato Russo;1994,p.91)¹


E assim, dentro do seu quarto, envolto de pôsteres, livros e discos, surgiu a 42th Street Band, a banda imaginária de Renato. Na sua história, ele era Éric Russell, o líder. Para o grupo, o jovem Renato escreveu a biografia, pensou na obra e criou capas para discos. Esse momento, claro, era apenas um ensaio para o que estava por vir, como Arthur Dapieve (2006; p.31) coloca em seu livro Renato Russo ? O trovador solitário.
Quando estava totalmente recuperado, Renato tinha 17 anos e prestou vestibular para jornalismo. Começou a estudar no Centro de Ensino Universitário de Brasília (Ceub). Lá ele se formou, mas nunca buscou o diploma. E foi também na fase de universitário que Renato tomou conhecimento do movimento punk.

O João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal
- Meu Deus, mas que cidade linda!
(Renato Russo. Faroeste Caboclo)


1.3 TEOREMA

Minha formação se deu ouvindo rock'n'roll. Mais recentemente, discos
como Clube da Esquina 2, de Milton Nascimento, e Amor de índio, de
Beto Guedes. E todos os bons poetas, como Fernando Pessoa,
Drummond... Mas é bobagem citar isso como influência. Eu leio e gosto; mas, na hora, o que vale é a música. (Renato Russo; 1989,135)¹





Desde criança Renato já tinha as suas preferências em literatura, música e filosofia. E claro, que tais referências ajudaram-no a personificar Renato Russo.
Por parte de pai, Renato teve seu contato com Benny Goodman e Glenn Miller, antes mesmo de se alfabetizar.

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Quando começou a escutar Rock, o seu primeiro disco foi o álbum branco dos Beatles. Os Beatles, além de influenciarem em seu gosto musical, mais tarde seriam
responsáveis por outra descoberta além do rock: a sua homossexualidade. Ao ver Paul McCartney aparecer nas cenas de Help, um filme dirigido por Richard Lester em 1965, Renato sentiu uma forte atração. A primeira impressão sobre um homem bonito.
Depois dos Beatles, Renato foi para Elvis Presley, Emerson, Lake &Palmer e Bob Dylan.


Para mim, depois dos Beatles, vinha Emerson, Lake & Palmer. Depois que acabaram todas as grandes bandas, eu desisti. Aí descobri o Dylan, e desencavei todos os seus discos e passei a ouvir muito folk, Byrds, até chegar o punk. Oba! Descobri uma razão para viver. Aí vieram Siouxsie & The Banshees, The Cure, PIL. (Renato Russo; 1986, p.135)¹


Robert Allen Zimmerman fazia Renato ter a mesma sensação que milhares de fãs teriam sobre Renato. Uma vez ele comentou com sua irmã que ao ouvir as músicas de Bob Dylan, parecia que elas eram escritas para ele, que falavam as coisas que ele sentia. Mais tarde ele traduziria esse sentimento na melhor forma em suas canções na Legião Urbana.


Eu não sou dono de nada, eu não entendo de nada. Só que eu gosto
de falar como Bob Dylan. É porque, na época, as pessoas eram
completamente idiotas, mas eu já li entrevistas magníficas com Bob
Dylan, quando ele, de repente, percebeu que podia pelo menos abrir o jogo e falar um pouco de verdade. Três ou quatro anos atrás, esse era o discurso do Bono [Vox, do U2]. Agora a gente aprendeu a mentir. Todos passam por este processo, eu acho que é humano. O rock'n'roll romantiza. Existem mentiras e existem mentiras. Estou falando com relação ao trabalho, dentro do que a gente faz. E só.
(Renato Russo; 1996,p.39)¹



Além de Bob Dylan, outro cantor presente que marcou muito sua vida, foi Sid Viciou, o vocalista do Sex Pistols. Diga-se de passagem que o Sex Pistols foi o ponto inicial de Renato no movimento punk. Ao descobrir a morte do ídolo, ele ficou tremendamente abalado.


Quando o Sid Vicious morreu, eu chorei, chorei de raiva. Foi o primeiro porre da minha vida ? tomei uma garrafa de vinho Chapinha. Ele era meu ídolo! Ídolo! Eu tinha um crocodilozinho empalhado que era o Sid ? bem, qualquer coisa para horrorizar meus pais, não é? ? e também um mural imenso no meu quarto,
onde eu rabiscava com caneta pilot: "I wanna be a junkie". O meu sonho era ser junkie. Você pode pensar: "Sid Vicious era um idiota!". Não, não era. Ele acreditou naquele filme dele, mas só falava coisas legais.Uma música que eu gostava muito era Bodies, contra o aborto. Nunca imaginei uma postura assim da parte deles. (Renato Russo; 1989,p.241)¹
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Dentro do cenário musical brasileiro, destacou-se nos gostos de Renato, os Mutantes, Rita Lee, Chico Buarque, Milton Nascimento.
Mas não só de música se faz as influencias e referências do cantor. A literatura, também, sempre esteve presente em sua vida. Desde que começou a juntar as sílabas e aprendeu a ler.
Certa vez, quando Renato ainda era novo, as professoras na escola pediram para que os alunos listassem os livros que já tinham lido. A escola chamou a mãe de Renato. Explicaram que ele não havia compreendido a tarefa, que não era para listar os títulos que ele queria ler. A resposta de dona Carminha deixa as professoras assustadas: "Sim. Ele entendeu perfeitamente. Ele já leu todos esses livros."
Durante a recuperação da epifisiólise, exilado no seu quarto, Renato lia muito. No seu recanto encontrava-se parte do acervo da biblioteca dos pais: Dostoievski, Shakespeare, Somerset Maugham, John Steinbeck, Eugen O?Neil, e a Obra Poética de Fernando Pessoa. E claro, além de Pessoa, Carlos Drummond de Andrade fazia parte do seu hall de escritores brasileiros favoritos.
Fernando Pessoa também teve seu papel na formação de Renato. Ao descobrir os heterônimos do escritor, resolveu fazer o mesmo. Para isso, criou Éric Russell, o vocalista da banda imaginária 42nd Street Band.
Russell era um sobrenome compartilhado de um de seus pensadores favoritos, Bertrand Russell, e sonoramente parecido com duas outras formas de inspiração: o filósofo Jean-Jacques Rousseau e o pintor primitivista Henri Rousseau. Tal junção de nomes resultou em Russo, sobrenome artístico que Renato viria adotar anos mais tarde.
Como Arthur Dapieve (2006) descreve no livro Renato Russo ? O trovador solitário, p.31, Renato Russo seria mais que um sobrenome, se aproximaria de um personagem, um heterônimo. Certamente para os milhares fãs conquistados ao longo da carreira no vocal da Legião Urbana, Renato Russo chegou próximo a uma santidade. Alguns fãs mais exaltados chamavam a banda de "Religião Urbana".

Não tenha medo
Não preste atenção
Não dê conselhos
Não peça permissão.
É só você quem deve decidir o que fazer
Pra tentar ser feliz.
(Renato Russo. Teorema)

















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2. VOZ E MELODIA


2.1 QUE PAÍS É ESTE?

Imagina ter um conjunto chamado Aborto Elétrico, numa época em que você não podia nem ter conjunto. Uma vez perguntaram para o Fê (Felipe Lemos), que hoje é o baterista do Capital Inicial, se ele era contra ou a favor do aborto elétrico, como se fosse algum anticoncepcional a laser. (Renato Russo; 1986,p.20)¹


Fê Lemos, que viria a ser o baterista do Aborto Elétrico e mais tarde do Capital Inicial, ao escutar pela primeira vez o compacto do Sex Pistols achou estranho. Não era nem de longe parecido com as descrições das revistas Melody Maker e New Musical Express.
Algumas semanas depois, se descobriu que os compactos ingleses deveriam ser executados na velocidade de 45 rotações por minuto, não 33 rotações como estava marcado o toca-disco brasileiro.
Na escola, Fê foi o primeiro a usar a camiseta do grupo britânico e calça jeans rasgada cheia de remendos. Foi também neste período que iniciou as aulas de bateria.
Renato acompanhava com atenção as reportagens sobre o punk. E assim, também, rendeu-se aos trajes característicos: calças Jeans, camisetas brancas ou camisas de manga comprida sem estampas. Além disso, o novo punk incorporou também os coturnos.
Paralelamente ao punk, 70 é a década da disco no Brasil. Sendo assim, a turma de jovens brasilienses dividia-se naqueles que frequentavam assiduamente as discotecas e naqueles que mergulhavam cada vez mais no rock e no punk. Renato estava no segundo grupo, claro.
O punk pregava a ideia do "do yourself". Renato que sempre desejou ter uma banda como os Beatles, mas que penara um ano para aprender a tocar "blackbird" no violão, via no gênero a oportunidade perfeita para entrar no jogo. Afinal, com três acordes, até Renato podia.
E assim ele o fez. Em 1979, o Aborto Elétrico teve sua primeira formação: Renato no baixo, Fê Lemos na bateria e Andre Pretorius na guitarra. Ninguém no vocal.
Tempos depois, Renato descartou a ideia de tocar música dos outros. Ele queria falar da cidade, das pessoas, do que estava acontecendo. Em outubro de 1979, fez o primeiro registro de canções do Aborto Elétrico: Admirável mundo novo, Verde-amarelo, Que país é este?, Metrópole,Quanto tempo, Ficção Científica e mais quatro músicas sem título. Para identificar a autoria das canções, Renato opta pelo pseudônimo de Érico Russo, adaptação brasileira de Eric Russell.
Com a banda engrenada, Andre Pretorius recebeu a convocação para voltar ao seu país, África do Sul, para ingressar no Exercito em litígio com o regime socialista de Angola.





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Renato e Fê até convidaram outro guitarrista. Porém, a experiência não deu muito certo. Quando Pretorius retornou ao Brasil, para as festas de final de ano, o trio voltou a ensaiar para o primeiro show marcado para o dia 11 de janeiro de 1980. A apresentação não durou trinta minutos, mas empolgou os poucos que pararam para ver.
Renato preocupava-se, antes de tudo, de que sua platéia entendesse o que ele estava dizendo. Dessa forma, escrevia as letras das canções e distribuía para que o público compreende-se o que se cantavam atrás do acúmulo de sons; todos os aparelhos eram plugados num único amplificador.
O irmão de Fê, Flávio Lemos, ingressou no Aborto para tocar baixo e Renato ficou no vocal e na guitarra. Ele reclamava que não conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
E assim, a cada show, o Aborto Elétrico ia colecionando cada vez mais fãs. Entre eles, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá. O caminho dos legionários começava a se cruzar.
A banda chegou ao fim quando Renato falou para Fê que ele não tinha tempo a perder, já que havia grandes diferenças de idade entre eles; os outros meninos eram estudantes. Renato estava em busca de novos caminhos.
Fê Lemos continuou com o Aborto Elétrico com o irmão Flávio e o amigo Ico Ouro-Preto.
Renato começou a tomar os palcos no papel de trovador solitário. Atrás do microfone era somente ele e seu violão.


Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
(Renato Russo. Que país é este?)



2.2 EDUARDO E MÔNICA

Eu era o Trovador Solitário. Tinha brigado com o pessoal do Aborto Elétrico, porque achava que eles não me davam valor. Então, ficava tocando umas músicas só com violão para abrir os shows do pessoal. Foi nessa época que compus Eduardo e Mônica, Faroeste Caboclo. Aí, eu cansei e resolvi fazer a Legião, com o Bonfá. (Renato Russo; 1995,p.257).¹


Passada a época do Aborto Elétrico, Renato incorporou o trovador solitário. No palco, utilizava banquinho e violão, para assim, dar vazão ao seu lado Bob Dylan.
No repertório das apresentações, estavam presentes canções do Aborto, e algumas músicas novas como Eduardo e Mônica e 18 e 21, que mais tarde trocaria de nome, para Eu sei.
A história da canção do casal, entre o boyzinho que queria impressionar e a menina que tinha tinta cabelo, comoveu o país alguns anos depois. Era uma história simples, cotidiana, sem metáforas e de fácil empatia com os jovens.

Graças a música, acabei me aproximando de um tal Fernando, que tinha chegado de Paris com uma grande coleção de discos ? Traffic, Eric Clapton, tudo. Morava sozinho e namorava uma menina com filhos, a Lea (Coimbra).
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Isso era 77,78. É ela a Mônica da música, e eu sou o Eduardo, só que menos bobo. É, eu lia, não era aquela coisa clube-e-televisão da letra. (Renato Russo; 1995,p.89)¹


Essa época foi o momento ideal para Renato elevar sua qualidade musical. Não somente como compositor, mas também como cantor, agora ele não se escondia atrás da barulheira infernal do amplificador que tinha todos os instrumentos plugados. Dessa vez, a platéia poderia escutar e prestar atenção nas suas músicas. Assim, surgiram canções como Faroeste Caboclo, Mariane e Dado viciado.
As apresentações de Renato abriam os shows das demais bandas que se formaram junto com o Aborto, como Plebe Rude e Capital Inicial.
Porém, em 1982, Renato cansou-se do exílio e convidou Marcelo Bonfá, para juntos, montarem um projeto. Seria Renato no baixo e Bonfá na bateria. Para as guitarras eles convidariam outros músicos para experiências. Não deu muito certo. Mas o nome conceito ficou: Legião Urbana.

Quem um dia irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer
Que não existe razão?
(Renato Russo. Eduardo e Mônica)


2.3 SERÁ

O nome Legião Urbana é por causa da turma e porque éramos da
cidade. Eu sempre inventava nomes para a turma. Era para ser
Organização do Desespero, OD. Mas aí as pessoas falaram: "Pô, Renato! Que nada! A gente não é dessa turma!". Depois, foi Sociedade Pré-Cambriana. Não deu certo, e a organização virou desorganização. (Renato Russo; 1989,p.138)¹


Depois de várias experiências mal sucedidas, Renato foi a um show da banda Boca Seca, no Lago Norte. Após a apresentação, se aproximou do jovem guitarrista: "Gostei muito de você. Tô montando uma banda com o Marcelo Bonfá, não tem guitarrista ainda. Você não quer tocar com a gente?"
O único problema de Eduardo Paraná era que ele tocava bem demais e fazia questão de demonstrar seus dotes, solando sua guitarra sem parar. Atitude que os outros integrantes da banda renegavam. Mas na Legião, Renato tinha vontade de fazer músicas mais elaboradas. E ai, Eduardo tinha espaço. Além disso, agregaram o tecladista Paulo Paulista. E assim, deu-se a primeira formação da banda para a apresentação em Patos de Minas, no Parque de Exposições da cidade.
O virtuosismo do tecladista e do guitarrista acabou levando os dois para fora da banda. Assim, Renato e Marcelo decidiram convidar apenas um guitarrista para se juntar a eles. Ico Ouro Preto foi o escolhido.


Ico também não durou muito. Assim como havia deixado o Aborto Elétrico na mão na última hora anos antes, também deixou a Legião Urbana. Faltando um mês para as apresentações mais importantes não só da banda, mas do rock da capital federal, o guitarrista roeu a corda.

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Foi então que Dado Villa Lobos ingressou na Legião Urbana. Ele recém havia entrado para o curso de ciências sociais da UnB e tinha planos de mais tarde transferir-se para a França, onde seu pai era cônsul. Mas mudou de ideia radicalmente. A imagem de banda de rock estava mudando. Neste período, o Paralamas do Sucesso tinha assinado um contrato com a EMI ? Odeon e lançado seu primeiro compacto.
A Legião Urbana começou a produzir mais e mais músicas. E as apresentações aumentavam gradativamente.
A contratação dos Paralamas do Sucesso por uma gravadora avivou o interesse pelo rock produzido em Brasília. Em julho de 1983, Legião Urbana e Capital Inicial apresentaram-se no Circo Voador no Rio de Janeiro, abrindo o show de Lobão e Ronaldos.
Depois do Circo Voador, a Legião Urbana começou a viajar também para São Paulo. Renato, que havia começado a trabalhar em uma rádio de Brasília, chegou após uma das suas viagens e comunicou ao seu Ari, o chefe: "Eu vim pedir demissão porque nós fomos contratados pela EMI ? Odeon."
A ligação do diretor-artístico da EMI, Jorge Davidson, aconteceu após as gravações do primeiro CD do Paralamas do Sucesso. O grupo de Hebert Vianna falava muito de Renato, e um dia resolveu tocar Química. Jorge perguntou ao vocalista do Paralamas: "Essa música é de vocês também?", ele respondeu: "Não, essa música é de um amigo meu de Brasília. Ele é tudo o que eu gostaria de ser."
Renato comunicou aos demais integrantes da banda e o trio partiu para o Rio de Janeiro. Assinaram um contrato padrão. Mas logo se depararam com o primeiro obstáculo: a gravadora queria amenizar o som da banda. E a Legião Urbana não aceitou. Depois de dois meses de espera em Brasília veio a notícia de que quem gravaria o primeiro CD da banda seria José Emilio Rondeau, jornalista que escrevia sobre música em jornais como O Globo, Jornal da Música e Jornal do Brasil. Renato ficou contente.
Antes disso, no entanto, a Legião Urbana havia tornado-se um quarteto. Renato havia cortado os pulsos. Ficou com os movimentos limitados para tocar baixo. Dessa forma, o vocalista teve mais espaço para cantar e para cuidar dos interesses da banda. Renato Rocha foi o baixista convidado.
O primeiro LP da banda a chegar nas lojas foi Legião Urbana, com canções como Será, A dança, Geração Coca-Cola, Ainda é cedo, Teorema, entre outras. O disco sem single amargou seis meses nas lojas, até começar a ser escutado. E a partir daí, a Legião Urbana, de Renato Russo, começaria a conquistar milhares de fãs pelo país.
Em certa altura, a Legião Urbana voltou a ser um trio; Renato Rocha abandonou a banda. Renato decidiu manter somente Dado e Marcelo, e convidar músicos de apoio para os shows.
De acordo como a banda vinha crescendo e ganhando espaço no cenário fonográfico no país, também foram crescendo os espaços das apresentações.


Na minha cabeça, a Legião continua a fazer a mesma coisa que fazia
antes. A única diferença é que, ao invés de tocar para um público de
500 pessoas em Brasília, a gente está tocando para esses ginásios com dez mil, 15 mil pessoas. (Renato Russo; 1985,p.152)¹



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Denise Bandeira, roteirista e amiga de Renato, comentou no especial "Por toda Minha Vida ? Renato Russo", que a platéia de Renato era um show a parte. Já o jornalista Arthur Dapieve, no mesmo especial, comenta que os fãs começaram com uma espécie de adoração. Tinham pessoas que pegavam o toco do cigarro de Renato, tamanha era a adoração. Renato porém, fugia ao máximo dessa adoração batizada de Religião Urbana.
No palco, Renato se transformava; esquecia o lado envergonhado e adonava-se de um personagem. Fazia performances que levaram a compará-lo com o Jim Morisson da banda The Doors.
Os shows da Legião Urbana,porém, não se resumiam apenas à apresentação das músicas. Sempre que podia, Renato fazia seus discursos ou dava conselhos, assumindo a imagem de irmão mais velho, que os fãs já tinham adotado. Como em um show no Gigantinho(1991), em Porto Alegre:


Ás vezes parece que tudo fica tão difícil, que realmente a vontade que a gente tem é de sumir, mas eu gostaria de dar um conselho para as pessoas que pensam nesse tipo de alternativa, que a gente sempre pode tentar a vida em outro lugar. E a gente sempre pode ser feliz.


Renato, como durante toda sua vida, sempre gostou de falar a coisa certa na hora certa. E quando ele subia ao palco, sabia como fazê-lo.
Como cantor, além da Legião Urbana, Renato lançou dois CDs solo. Um com músicas em inglês,lançado em junho de 1994 com o titulo The Stonewall Celebration Concert, e outro com canções em italiano, lançado em dezembro de 1995, que foi batizado de Equilíbrio Distante. Ambos os discos eram com canções de autoria de outros artistas.
Com a Legião Urbana foram sete CDs lançados em vida e dois póstumos. Além, de coletâneas e discos com edições especiais.

Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação?
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Pra que esse nosso egoísmo
Não destrua nosso coração
(Renato Russo. Será)


2.4 HÁ TEMPOS

Eu gosto de acreditar que as pessoas compram nossos discos porque sentem e percebem que eu sinto e percebo exatamente aquilo que elas sentem e percebem. Se a Legião tiver uma força, é a de ser igual ao público.(Renato Russo; 1988,p.130)¹


Assim como Bob Dylan fazia Renato sentir parte das canções, Renato fez com os fãs da Legião Urbana.

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Com a sua voz marcante, de fazer arrepiar qualquer um, Renato cantou hinos de uma geração que vivia a abertura política. A Legião Urbana surgiu entre um grupo de jovens que viveu na pele, dentro da capital federal a censura, o exílio, as torturas e o tédio de morar em um lugar onde, para os adolescentes nada acontecia.
Tinha no vocal, não apenas um rebelde, ou como integrantes filhos de bancários e diplomatas, que faziam música por estética. Para eles, a música, o rock, era mais questão de atitude do que de aparência.
E o que se esperar de um trio de jovens rebeldes, que acompanharam de perto a ditadura militar, que passaram por várias batidas de PMs? O que esperar de um vocalista que teve uma formação musical ampla e eclética. Que podia escutar música erudita e pular ao som do punk do Sex Pistols; ou que podia se apaixonar por um folk, que falava exatamente aquilo que ele pensava?
Renato Russo, junto com Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá soube traduzir em versos e melodia toda a ânsia da juventude oitentista.
Ao conversar sobre a temática deste artigo, com uma jornalista, amiga minha, Vera Fernandes, ela explicou o fenômeno Legião Urbana ? Renato Russo.

Os anos 80 foram a transição entre a época da ditadura militar e a democracia. O que a gente conhecia eram as histórias tristes da ditadura e ansiávamos pela democracia (desconhecida na prática, por nós). Ele cantava o que a gente pensava. Ele cantava como não deveria (e às vezes como deveria) ser o desconhecido. Não do que deveria ser a democracia, mas das palavras que estavam presas na nossa garganta. Quem se apaixonou por ele naquela época nunca mais deixou de amar. (Vera Fernandes. Jornalista)


Renato ficava satisfeito quando se aproximavam dele casais e contavam que a música "Ainda é cedo" contava a história deles. Porém, o cantor não sentia-se confortável no papel de novo porta-voz da juventude, como escreveu Arthur Dapieve(2006,p.98) no livro Renato Russo ? O trovador solitário. Ele sabia da responsabilidade social de um artista. Até então, não sentia-se à vontade para tratar de um tema delicado como identidade sexual, dada a enorme parcela de crianças entre os seus fãs. O líder da Legião Urbana reclamava que era apenas um jovem de vinte e poucos anos, não sabia nada da vida. Dizia que as pessoas bebiam suas palavras como água. E ele escrevia justamente porque não sabia. E, acima de tudo, Renato não queria que a sua opinião sobre temas controvertidos, como drogas, influenciassem outras pessoas.
Renato tinha liberdade para falar de tudo em suas canções. Homossexualidade, como em trechos da música Meninos e Meninas: "Acho que gosto de São Paulo/ gosto de São João/ gosto de São Francisco/ e São Sebastião/ e gosto de meninos e meninas."

Em Meninos e meninas, é a primeira vez que falo, claramente, que
gosto de meninos e meninas. Também não sei o que vai dar, porque
começo a falar de santo, no meio da música, e vai embolar tudo. E o
amor ao próximo? Jesus gostava de meninos e meninas. Não sei se
sexualmente, porque, naturalmente, Ele era um ser evoluidíssimo. Ele
era um ser totalmente espiritual.(Renato Russo; 1990,p.168)¹




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Poderia falar de amor, como em diversas canções, mas nada melhor do que índios, nos trechos: "Eu quis o perigo e até sangrei sozinho/Entenda ? assim pude trazer você de volta pra mim/ Quando descobri que é só você/ Que me entende do início ao fim."


A letra de Índios eu escrevi no estúdio, assim! Música tão linda! Têm
coisas bem fortes ali... E eu mostrava para o grupo, e eles: "Legal, Renato". E meu coração ali! Foi uma coisa muito difícil. Eu queria uma resposta, e ela não vinha.(Renato Russo; 1988,p.134)¹


Poderia citar a sua dor de amor, de uma forma a sentir que as demais pessoas tomariam para si, a mesma situação e a mesma forma de sofrer, como em Vento no Litoral: "Dos nossos planos é que tenho mais saudade/ Quando olhávamos juntos na mesma direção/ Aonde está você agora/ Além de aqui dentro de mim?"
Quando Renato teve seu filho Giuliano, história que tem diversas versões; uma delas conta que Renato adotou o menino, em outra que o filho foi fruto de uma relação com uma fã; em qualquer que seja a situação, foi a fase em que tomou consciência de deixar um bom exemplo para o filho, e até internou-se em uma clinica de reabilitação para se curar da dependência química e do acoolismo. Nessa época, ele escreveu uma das mais belas canções que fala da relação entre pais e filhos.


Pais e filhos é especificamente sobre a nossa situação [dos componentes da Legião], pois nós três, agora, somos pais. E este disco é extremamente universal, não está tão ligado ao momento. Daqui a 20 anos, vamos poder ouvir Pais e filhos. (Renato Russo; 1990,p.190)¹


Na canção ficaria eternizada a frase "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã". Música que foi cantada de pé, por quatro andares do Theatro São Pedro, Porto Alegre, em 2008, sob as palmas da platéia para acompanhar o ritmo, no espetáculo "Renato Russo ? A peça".
Claro que a política é outro fator que não faltava nas letras ácidas de Renato. O assunto aparece em duas canções destaques; Que país é este? e Perfeição. Na primeira Renato preocupa-se em retratar a sujeira e perguntar afinal, que país é este onde vivemos assistindo a tudo isso. Na segunda canção, como escrito em um artigo de autoria de Paulo Nogueira de Souza Júnior e Wagner Corsino Enedino, que dedica-se a um estudo de leitura da canção Perfeição, à luz dos estudos culturais:

O texto é constituído de significativas disposições políticas, marcadas pelo signo do poder. A obra envolta em um discurso contestatório, foi escrita sob a égide da contestação política, com a vertente artística de um trabalho que procurou provocar no público uma reação de inconformidade com o status quo a que determinadas pessoas são submetidas.


Além dos aspectos sociais citados acima, Renato também utilizava das suas influências literarárias e religiosas, para compor. Monte Castelo traz versos de Luís de Camões: com passagens bíblicas da Carta de São Paulo aos Coríntios.
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Monte Castelo foi feita a partir da junção de um soneto de Camões
? "O amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer".? com uma parte do Novo Testamento, uma das coisas mais belas que já foram escritas. Não gosto muito de São Paulo, porque acho que as coisas que ele falou são horrorosas. Mas, no caso da Primeira Epístola de São Paulo aos Corintos, há umas coisas bonitas.
(Renato Russo; 1990,p.171)¹


O fato é que a influência de Renato tomou grandes proporções. Suas canções são verdadeiras, são fáceis de entender e falam do cotidiano. Coisas que poderiam acontecer com qualquer pessoa, em qualquer tempo. Quando questionei o jornalista Arthur Dapieve, ele respondeu imediatamente, como se tivesse na ponta da língua o motivo de como Renato Russo tornou-se um dos artistas mais influentes do país.

O Renato de certa forma pensou em exercer essa influência através dos tempos. Primeiro, tinha o cuidado de só usar os palavrões certos, esses que a gente nem percebe que são palavrões, de modo a não afugentar o público muito jovem, que ele sabia que tinha. Depois, tirou deliberadamente todas as referências mais evidentes de tempo e espaço, salvo em "Faroeste caboclo", de modo a evitar que as letras envelhecessem. Dizia que queria ser compreendido tanto na Vila Rica do século XVIII quanto na Nagóia do século XXI. Por fim, o tema primordial do Renato, a honestidade, honestidade na política e nas relações pessoais, nunca sai de moda... Claro, a qualidade musical da obra conta muito, mas ele soube como dar uma forcinha a ela. (Arthur Dapieve. 2010)
Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem
(Renato Russo. Há tempos)

2.5 ESPERANDO POR MIM

A morte está próxima e eu quero aproveitar ao máximo este momento para aprender com a própria vida e com a morte.(Renato Russo; 1996,p.172)¹



Renato Russo morreu à 1h15min do dia 11 de outubro de 1996, de complicações decorrentes da AIDS. Morreu no seu apartamento na Rua Nascimento da Silva, em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro.
Deixou como legado, canções memoráveis, performances únicas e a Legião Urbana. Um país inteiro chorou naquele dia. Junto com o fogo da cremação de seu corpo, ia junto um espírito inquieto. Que falou tudo que queria para quem quisesse e também para quem não quisesse ouvir. Foi rebelde, de usar calças rasgadas e camisetas pretas. Viveu tudo intensamente.
Por trás do vocalista da Legião Urbana sempre se escondeu um homem culto, que valorizava suas amizades e sua família.
Em 2010 completou-se quatorze anos da sua morte. E ainda assim, há gerações descobrindo a sua voz e as suas canções. E muitas gerações ainda irão descobrir.

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O material deixado por Russo influenciou diversos projetos. Após sua morte a discografia da Legião foi relançada em coleções especiais. E neste ano, foi relançada no formato dos antigos vinis, e em uma caixa com versão de luxo, contendo a discografia e imagens inéditas.
A biografia do cantor inspirou um espetáculo com direito à banda ao vivo, intitulado de "Renato Russo ? A peça". Renato é interpretado pelo mesmo ator do especial "Por toda minha vida ? Renato Russo" da Rede Globo, Bruce Gomlevski.
Uma edição especial da atração "Som Brasil", também foi dedicada a Russo, com diferentes versões com artistas interpretando-as.
Para 2011, estão previstos lançamentos de três longas-metragens: cinebiografia Somos tão jovens, com direção de Antônio Carlos da Fontoura; longa-metragem de ficção de Faroeste Caboclo, criado a partir da canção homônima, pelo diretor René Sampaio. Sendo que Faroeste quando criada por Renato Russo tinha como principio ser o esboço de um filme, que Renato já até tinha escalado como ator para o papel de Santo Cristo o ator Marcos Palmeira. E por fim, o documentário Rock de Brasília, com shows e entrevistas que o diretor Vladimir Carvalho registrou entre 1985 e 1988 com grupos do Distrito Federal.
Além claro, das publicações, como o livro "Renato Russo ? o trovador solitário" de autoria do jornalista Arthur Dapieve; o livro "Renato Russo ? O filho da Revolução", cujo autor foi o jornalista Carlos Marcelo; e o livro "Renato Russo de A a Z ? as ideias do líder da Legião Urbana".
Certamente a influencia de Renato não ficará por aqui, nem presa no tempo. Afinal, até hoje, a Legião ainda vende 20 mil cópias por mês, como saiu na manchete do "último segundo" na página virtual do Ig. Como subtítulo da matéria, o diretor da gravadora do grupo diz que fenômeno semelhante no mercado brasileiro só acontece com Beatles.
Renato Russo continuará a cantar por décadas e gerações a fio, por justamente fazer com que suas canções sejam atemporais. Mas não somente por esse motivo; porque enquanto existir um fã da Legião Urbana, sua obra ainda se manterá viva. Afinal, o cantor e a banda sempre disseram: "Nós estamos aqui no palco, mas a verdadeira Legião são vocês!".

Hoje não estava nada bem
Mas a tempestade me distrai
Gosto dos pingos de chuva
Dos relâmpagos e dos trovões
(Renato Russo. Esperando por mim)












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¹ Citações retiradas do Livro Renato Russo de A a Z ? As ideias do líder da Legião Urbana (2005)
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CONCLUSÃO

Explica a grande fúria do mundo (...)
(Renato Russo. Pais e Filhos)


De acordo como eu ia desenvolvendo o trabalho, mais envolvida eu ficava. E a cada página escrita eu entendia mais coisas, coisas que vão além de fã. Coisas que ficam reservadas para a pesquisadora.
Como já falei, Renato Russo sempre foi um nome presente na minha vida. Assim como na de diversas pessoas que conheço.
Mas o que motivou a desenvolver tal trabalho foi a inquietação para descobrir como o cantor da Legião Urbana influenciava a mim e às demais pessoas que conheço pessoalmente e as que se manifestam através de recados no site oficial da banda, de postagens e comunidades em sites de relacionamento.
Foi então que pude entender o que eu na verdade, inconscientemente já sabia. Renato tornou-se influente por saber falar de uma maneira simples todos os sentimentos que rondam a cabeça de qualquer ser humano. Como citado no desenvolvimento do trabalho, Russo poderia falar de qualquer assunto: drogas, religião, sexualidade, amor, saudade. E ainda assim seria entendido "na Vila Rica do século XVIII como na Nagóia do século XXI", como falou o jornalista Arthur Dapieve. E foi dessa forma que Renato pôde trazer o rock?n?roll para o debate social e político.
O encontro com o público foi outro fator determinante para que as canções de Renato Russo ficassem vivas. A Legião Urbana ia além do palco, do show, da platéia. A Legião Urbana eram os próprios fãs. Era para eles que Renato escrevia os hinos de uma geração marcada por conflitos políticos.
O gênio do Rock, aproveitou-se do meio de comunicação e de emoção da música, consumida demasiadamente, e das demais mídias que vieram junto com o sucesso do conjunto, como revistas, jornais e televisão, para divulgar suas ideias, seus pensamentos, sua dor e suas paixões. Ele escreveu com a alma, e é com a alma que encerro este artigo.









Força Sempre








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ANEXOS


ANEXO A

Conversa com a jornalista Vera Fernandes:

Vera:
Os anos 80 foram a transição entre a época da ditadura e a democracia. O que a gente conhecia eram as histórias tristes da ditadura e ansiávamos pela democracia (desconhecida na prática, por nós). Ele cantava o que a gente pensava. Ele cantava como não deveria (e às vezes deveria) ser o desconhecido. Não do que deveria ser a democracia, mas das palavras que estavam presas na nossa garganta. Quem se apaixonou por ele naquela época nunca mais deixou de amar.



ANEXO B

E-mail de Arthur Dapieve:
Oi Francine,
O Renato de certa forma pensou em exercer essa influência através dos tempos. Primeiro, tinha o cuidado de só usar os palavrões certos, esses que a gente nem percebe que são palavrões, de modo a não afugentar o público muito jovem, que ele sabia que tinha. Depois, tirou deliberadamente todas as referências mais evidentes de tempo e espaço, salvo em "Faroeste caboclo", de modo a evitar que as letras envelhecessem. Dizia que queria ser compreendido tanto na Vila Rica do século XVIII quanto na Nagóia do século XXI. Por fim, o tema primordial do Renato, a honestidade, honestidade na política e nas relações pessoais, nunca sai de moda... Claro, a qualidade musical da obra conta muito, mas ele soube como dar uma forcinha a ela.
Abraço, Arthur











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REFERÊNCIAS


____. DAPIEVE, Arthur. Renato Russo ? o trovador solitário. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. 188p.

- MARCELO, Carlos. Renato Russo ? o filho da revolução. Rio de Janeiro: Agir, 2009. 415p.

____. Renato Russo de A a Z ? As ideias do líder da Legião Urbana. Letra Livre Editora,2005. 305p.

- GOMES, Alessandra Leila Borges. Infinitamente Pessoal: Modulações do amor em Caio Fernando Abreu & Renato Russo. 2008. 285f. Tese (Doutorado em Estudos Literários). Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais.

- JÚNIOR, Paulo Nogueira de Souza¹. ENEDINO, Wagner Corsino². Fios da pós-modernidade em Renato Russo: uma leitura de Perfeição, à luz dos estudos sociais. ¹ FUNEC ? Santa Fé do Sul ? São Paulo. ² Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Coxim.

- RUSSO, Renato. Giz. EMI-Odeon, 1993.

- RUSSO, Renato. Faroeste Caboclo. EMI-Odeon, 1987.

- RUSSO, Renato. Teorema. EMI-Odeon, 1985.

- RUSSO, Renato. Que país é este?. EMI-Odeon, 1987.

- RUSSO, Renato. Eduardo e Mônica. EMI-Odeon, 1986.

- RUSSO, Renato. Será. EMI-Odeon, 1985.

- RUSSO, Renato. Há tempos. EMI-Odeon, 1989.

- RUSSO, Renato. Esperando por mim. EMI-Odeon, 1996.

- RUSSO, Renato. Pais e Filhos. EMI-Odeon, 1989.

- Especial Por Toda Minha Vida ? Renato Russo. Rede Globo, 2007. Acervo pessoal.

- ANEXO A ? Trecho de conversa com a jornalista Vera Fernandes, 2010.

- ANEXO B ? Cópia de e-mail da conversa com o jornalista Arthur Dapieve, 2010