Boaventura de Souza Santos busca resgatar, por meio de um pensamento baseado na utopia, a importância das experiências que são construídas e que pulsam no âmbito próprio e local dos grupos sociais que podem se tornar colaboradores para uma visão pós-moderna de emancipação da ciência, do poder e dos direitos pessoal e coletivo. Esta tentativa de resgate, por sua vez, é baseada na crítica da indolência da razão, de acordo com o autor.

            Santos considera que a vida das sociedades e das culturas ocorre sempre de forma cíclica, intervalar, e que ambas situam-se na transição do paradigma da modernidade e do paradigma emergente. Para ele, o primeiro paradigma possui uma visível passividade de falência, enquanto o segundo paradigma ainda é difícil de ser identificado. Esta transição entre os dois paradigmas possui duas epistemologias: a epistemológica propriamente dita, e a societal. Esta última é menos visível, e ocorre entre o paradigma dominante (a produção capitalista, o consumismo individualista e mercantilizado, as identidades-forta­leza, a democracia autoritária, o desenvolvimento global desigual e excludente) e um novo para­digma, ou conjunto de paradigmas de que apenas se vislumbra os sinais.

            Existe, segundo Boaventura, uma grande dificuldade das Ciências Sociais em se produzir uma teoria crítica. Como possíveis causas, cita que a teoria crítica modera concebe a sociedade como uma totalidade e, assim, propõe uma alternativa total à esta sociedade. Esta totalidade acaba por abarcar erroneamente a totalidade social, no entanto abarca de uma forma crível. Desta forma impõe um princípio único de transformação social e um agente coletivo capaz de levar a cabo um contexto político institucional bem definido que torne possível formular lutas reais à luz dos objetivos a que se propõe. Como “alternativa à esta alternativa” propõe uma teoria crítica pós-moderna. Boaventura afirma que a teoria crítica que se pretende é uma teoria da tradução capaz de tornar compreensíveis as diferentes lutas existentes, em que podem ser ouvidas as opressões e as aspirações de todos os atores e que é construída com base em um senso comum emancipatório (o “conhecimento-emancipação”), no reconhecimento, na solidariedade e na luta contra o consenso hegemônico.

Sobre os paradigmas no Discurso sobre as ciências.

 

O conhecimento científico, como hoje é concebido, foi construído progressivamente desde o século XVI. Os cientistas mais influentes nesta construção, como Newton, Darwin, Durkheim (este nas Ciências Sociais, que trouxe o método científico das ciências naturais para as humanidades), Lavoisier ou Adam Smith, trabalharam e viveram entre o século XVIII e o início deste século. Dos trabalhos desses cientistas resultou o paradigma científico dominante, que procura um conhecimento objetivo, universal, racional e determinista.

Este modelo de racionalidade foi desenvolvido principalmente no âmbito das ciências naturais, com base em regras metodológicas e princípios epistemológicos definidos no caráter da razão de uma forma específica de conhecimento. A característica mais marcante deste modelo é uma confiança quase absoluta na previsibilidade da Ciência, o que resulta na convicção de que a explicação de todos os fenômenos está ao alcance do homem. Segundo Souza Santos, apesar do seu sucesso, este paradigma parece estar hoje a ser posto em dúvida. Sua crise iniciou-se a partir da Teoria da Relatividade de Einstein e da mecânica quântica, não sendo possível ainda saber quando se conhecerá o desfecho da mesma.

Em sua obra Um Discurso sobre as Ciências, Boaventura de Sousa Santos afirma que os sinais conhecidos permitem ao indivíduo tão somente a especulação acerca do paradigma que emergirá deste período revolucionário. No entanto, desde o presente, é possível afirmar com segurança que as distinções básicas em que assenta o paradigma dominante entrarão em colapso. Este colapso do paradigma dominante resulta de um conjunto de novos conhecimentos científicos, dos quais se podem destacar quatro descobertas fundamentais: a Relatividade da Simultaneidade de Einstein, o Princípio da Incerteza de Heisenberg, o Teorema da Incompletude de Gödel e a nova abordagem da complexidade em sistemas dinâmicos.

A crise do paradigma dominante tem destruído, progressivamente, as fronteiras disciplinares em que, arbitrariamente, a Ciência havia dividido a realidade. A ciência determinista tem sido substituída por uma ciência probabilística. Quanto à caracterização do paradigma emergente, esta só pode ser antecipada especulando sobre o que se pode depreender da crise do paradigma dominante.

Boaventura afirma que a fragmentação do conhecimento na pós-modernidade parece ser temática e não disciplinar. Ou seja, todo o conhecimento é local e total. Isto leva que, na praxis interveniente, seja recomendável pensar globalmente para agir localmente. Por outro lado, a composição transdisciplinar e individualizada sugere um movimento no sentido da maior personalização do trabalho científico, ou seja, a dimensão subjetiva tão arduamente combatida pelo paradigma dominante ganha agora uma nova importância fundamental. Boaventura de Sousa Santos afirma mesmo que todo o conhecimento pode ser considerado como autoconhecimento.

Por fim, afirma que existe uma tendência para que todo o conhecimento científico se converta em senso comum. A Ciência pós-moderna, ao saber que nenhuma forma de conhecimento é racional em si mesma, procura a racionalidade pelo diálogo com outras formas de conhecimento, pois somente a configuração de todas as formas de conhecimento é racional. Numa inversão completa dos papeis definidos pelo paradigma dominante, agora é o senso comum é considerado como a forma de conhecimento mais importante, uma vez que este, no cotidiano, orienta ações humanas e a compreensão da realidade.