Do papel à passarela - A trajetória do desenho no mundo da moda.


Fabiana Castoldi Rech
Leticia Fátima Pastorio Sawaris
Fabio Redin do Nascimento


Resumo

O presente artigo pretende, de forma resumida, demonstrar as formas de desenho e suas aplicações voltadas para o ramo da confecção têxtil, visando mostrar aos profissionais do design e da engenharia de produção as inúmeras possibilidades de atuação na área têxtil e quão rica esta experiência pode se tornar.

Palavras-chave: desenho, moda, criação


1. Um pouco de história

"A história da ilustração de moda começa no século XVI, quando as explorações e os descobrimentos provocaram fascinações por vestidos e pelos trajes de todas as nações do mundo" (BLACKMAN, 2007, p.06). A necessidade de ilustração surgiu devido ao detalhamento necessário ao qual a descrição falada era insuficiente.
O desenho servia e ainda serve para passar informações e se ter a noção de como será a peça para quem irá desenvolvê-la, produzi-la ou até mesmo comprá-la.
"O desenho exerce na ilustração, a função de comunicação, expressão e conhecimento" (DERDYK, 2003, P.29). É através do desenho de moda que os modelos, antes somente pensados e imaginados, tomam forma, complementando o trabalho do estilista, transformando sua criação em realidade e facilitando a sua confecção.
Atualmente, desenho e moda se complementam. "Eu não desenho roupas, eu desenho sonhos!" (Ralph Lauren). Em suas várias formas, o desenho torna realizável grandes projetos: cada peça que brilha nos desfiles mundo afora tiveram origem de um simples rabisco, um esboço que se tornou croqui; o croqui que passou a desenho técnico que, interpretado virou molde, modelado transformou-se em sonho de consumo. O desenho de moda é uma forma de expressar uma cultura, criar conceitos e formar opiniões.
A modelagem é a transformação do desenho em produto, na modelagem são transformadas as aspirações dos estilistas em realidade. Consiste em interpretar os desenhos de moda, transformando-os em moldes para tornar possível a confecção das peãs idealizadas pelos estilistas.


2. Desenhos

2.1. Esboço

O esboço é a transferência das idéias para o papel, de forma rápida, simples, sem preocupação estética. No esboço a principal preocupação é garantir o entendimento da idéia. Segundo Doris Treptow o esboço não possui compromisso comercial, isso dá liberdade ao designer de dar vazão à criatividade sem preocupar-se com a viabilidade das peças. No desenvolvimento de coleção, o esboço tem papel fundamental, pois é através dele que são definidos os modelos que serão desenvolvidos e poderão vir a fazer parte da coleção de moda.


O esboço é a principal ferramenta utilizada para aprimorar as idéias (SEIVEWRIGHT, 2009, p. 144), a partir dos esboços as idéias são selecionadas e são desenvolvidos desenhos mais detalhados visando à produção do protótipo.


2.2. Desenho de moda

Desenho de moda ou croqui é uma forma de representar as peças a serem lançadas, facilitando a visualização das combinações entre as peças da coleção.
É através do croqui que o designer transmite a relação entre as peças isoladas e o tema da coleção, principalmente para os responsáveis pelos departamentos de criação, vendas e marketing. Isso permite que seja apresentada a coleção como um todo, levando em conta desde a postura dos manequins, os acessórios sugeridos, as combinações entre as peças, as formar de uso de cada modelo, enfim a tendência que se quer lançar. No setor produtivo de uma confecção o croqui nem sempre é utilizado, visto que este desenho não traz todas as informações necessárias para a produção da peça.

Croqui é uma forma figurativa utilizada para obter idéias rapidamente e comunicar as idéias de modelos, embora também possa estar relacionado à captação do estilo da roupa, o croqui não serve apenas para interpretar uma roupa, mas também servem para diferenciar o designer, pois cada um tem um estilo próprio e o croqui acaba tornando-se a assinatura do estilista. O croqui precisa ser um desenho rápido, pois as idéias surgem rapidamente e precisam ser colocadas no papel imediatamente antes que sejam esquecidas. (SORGER, UDALE, 2009, p.49)

Um croqui envolve comunicar as idéias dos modelos, não precisa ser sofisticado, precisa realmente ser bastante proporcional, tem que revelar uma semelhança convincente com uma forma humana real. Existem croquis básicos, somente do corpo do manequim, que são utilizados como base para o desenvolvimento de uma coleção, pois o corpo já está desenhado e basta ao profissional apenas "vestí-lo". Podem ser adquiridos livros, CDs e DVDs específicos com esses croquis que visam facilitar o desenho de uma coleção.





2.3. Ilustração de moda

Freqüentemente confunde-se desenho de moda com ilustração de moda, cabe ressaltar então suas diferenças básicas. Esboços e croquis abordam roupas, mostram a silhueta, os detalhes. A ilustração de moda é vista como uma arte, permite que o ilustrador seja ainda mais criativo. Na ilustração não há regras, restrições ou maneiras de se trabalhar, pode-se utilizar diversos materiais de forma não estruturada.

A ilustração de moda é tão estimulante e expressiva quanto a interpretação artística individual da idéia de um designer ilustrador. Seja o enfoque do ilustrador o detalhe, a silhueta, uma narrativa ou o desdobramento de um esboço rápido do design que é desenhado, a ilustração pode captar o espírito de uma coleção com a assinatura do olhar e mão de outro artista. À medida que a tecnologia se desenvolve, o ilustrador de moda tem a escolha de trabalhar com a pureza da arte ? lápis, caneta, pincel, crayon, caneta esferográfica, colagem, aerógrafo, tinta ? ou ainda com o computador, ou combinar os dois. A escolha do enfoque e da técnica é tão ilimitada quanto a imaginação de um ilustrador. O uso da ilustração de moda pode variar de uma livre ilustração pessoal em um trabalho editorial até orientações específicas sugeridas por um brief criativo. Se a ilustração será utilizada comercialmente, por exemplo, no marketing de um designer de moda, na publicidade ou embalagem de produto, ela pode ser uma forma de desenvolver uma identidade corporativa com o dom da expressão artística. (GRAY, 2009, p.50)

A ilustração de moda é usada pelo departamento comercial e de marketing para a divulgação da coleção, nas campanhas publicitárias a fim de passar o conceito da marca e a temática da coleção. "A ilustração de moda é uma forma de arte interpretada por outra." (David Downton). Ela pode ser realizada por qualquer pessoa, desde estilistas até publicitários, desde que o desenho passe a mensagem a que se destina.

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2.4. Desenho Técnico

Desenho técnico é o desenho que apresenta todos os detalhes e as proporções das roupas, é usado para dar suporte ao esboço do produto ou croqui de moda. Serve para orientar a modelista e a pilotista de moda para a confecção da peça a partir de suas informações. Modelista é o profissional que transforma os desenhos em moldes, possibilitando o corte e a confecção do mesmo, já pilotista é o nome dado a costureira ou costureiro que prepara o protótipo, isto é, que costura a peça extraída do desenho.
"O desenho técnico de moda é um ramo especializado do desenho, caracterizado pela sua normatização e apropriação que faz das regras da geometria descritiva e espacial para construção da representação gráfica da vista frontal, posterior e lateral. Além do conhecimento sobre a anatomia humana e tecnologia". (Neiva, www.tanianeiva.com.br acesso em 25/09/2010).
A grande preocupação do desenho técnico é na transmissão de todos os detalhes que compõem a peça. Segundo Doris Treptow no desenho técnico devem estar especificados os tipos e quantidades de pespontos, tamanho de aberturas (como bolsos), a posição e a quantidade de botões, o traçado dos recortes, enfim, todo o tipo de informação que possa ser útil a modelista e pilotista.

2.5. Desenhos de Estampas

As estampas são imagens ou gravuras usadas para diferenciar modelos, expressar idéias, sinalizar tendências. O profissional que realiza este tipo de função é o designer gráfico. Tradicionalmente os princípios do design gráfico estavam ligados a um formalismo e funcionalismo, no mundo da moda existe a liberdade de criação e contextualização que torna o designer gráfico peça fundamental no desenvolvimento de uma coleção de moda.
As estampas podem ser localizadas, efetuadas peça por peça, ou estamparia corrida, que é quando a estampa é feita ainda no tecido antes de ser cortado o modelo.
Estampa localizada é a estampa feita com telas e tintas já com as peça previamente cortada, consiste em vários desenhos, que resultam em várias telas dependendo da quantidade de cores na estampa.


Já a estampa corrida divide-se em estampa cilíndrica e por termofixaçao (papel transfer):

a. Estampa Cilíndrica
É a estampa feita diretamente no tecido, é o processo para criar o tecido estampado, são usados cilindros metálicos perfurados com os desenhos da estampa. Para cada cor é feito um cilindro. A tinta é colocada dentro do cilindro e uma máquina gira os cilindros aplicando a tinta no tecido como em uma gráfica. Segundo Alexandre Gijon este é o processo mais moderno de estamparia corrida, seu custo de preparo é um pouco mais elevado, mas o tempo de produção é mais rápido, porém existe o limite de oito cores. Esse limite é devido ao tamanho da máquina para o encaixe dos cilindros. Esse tipo de estamparia é utilizada quando a quantidade de tecido a ser estampada é muito grande e com prazo curto para sua execução.


b. Papel Transfer
Também é feita diretamente no tecido, mas ao invés das tintas utiliza-se rolos de papel especial (papel transfer), que ao passar em um equipamento cilíndrico juntamente com o tecido em uma temperatura determinada transfere sua estampa para o tecido. Os tecidos que recebem o transfer necessitam de uma preparação prévia e devem ser fibras resistentes ao calor, visto que a coloração se dá no contato entre papel e tecido a mais de 200ºC.



Para a criação, elaboração da estampa corrida, a principal técnica usada é o rapport. Esta técnica consiste em fazer com que pareça que o desenho não tem fim (emenda de estampa imperceptível). Isso permite uma produção em escala e proporciona um melhor aproveitamento do tecido, visto que não há "quebras" ou emendas na estampa. Para realizar um rapport, o motivo é escolhido, em seguida é definida a área de gravação (geralmente a largura do tecido e comprimento da circunferência do cilindro), e cada extremidade é cuidadosamente planejada para quando o cilindro estiver rodando elas se completem e não apareça nenhuma emenda.



2.6. Desenho de Bordados

Os desenhos de bordados são criados de forma parecida com as estampas, mas posteriormente passados para a linguagem da máquina de bordado, levando em consideração seu tamanho, número de pontos e cores de linhas. A máquina reconhece o desenho, o número de cores nele contidos e a área a ser bordada, para isto basta apenas indicar no próprio desenvolvimento do programa de bordado computadorizado.
O bordado pode ser manual ou automático, com aplicação aviamentos ou simplesmente a linha específica de bordado. O detalhamento do desenho é fundamental para que se obtenha um programa de bordado com qualidade. Deve ser levado em conta também as especificações dos tecidos que irão receber o bordado, pois cada tecido requer uma densidade e/ou tamanho de pontos específicos para evitar que o bordado fique repuxado, franzido ou imperceptível.



2.7. Formas de desenho

Desenho manual como próprio nome diz é o desenho efetuado manualmente, sem auxílio de programas automatizados, seja com a utilização de esquadros, régua e compasso ou simplesmente desenho a mão livre, como os esboços e as ilustrações mais simples.

"O desenho a mão livre é a mais antiga forma de representação artística. Mesmo os desenhos pré-históricos encontrados nas cavernas podem ser classificados nesta categoria." (TREPTOW, p. 142, 2003)

Feito de forma artesanal requer habilidade e o conhecimento da anatomia humana, pois a postura e proporção do desenho ajudam na demonstração do modelo a ser desenvolvido.
Para agilizar o trabalho existem várias programas de computador (softwares) que facilitam a execução dos desenhos pelos profissionais de design, serão descritos apenas alguns e seus recursos voltados para o desenho de moda.
"Para a ilustração de moda, duas são as técnicas de desenho por computador utilizadas: o desenho vetorial e os desenhos por bitmap. A maior vantagem que os desenhos assistidos por computador oferecem, é a rapidez com que são obtidas alterações. O designer pode verificar várias opções de cor, tecido e estampa para um mesmo modelo antes de escolher em quais ele será produzido" (TREPTOW, p. 146-147, 2003).

Os programas mais utilizados em empresas de moda são o Corel Draw, Adobe Illustrator, Adobe Photoshop, CAD/CAM (Audaces).
O que diferencia esses programas são as técnicas utilizadas, enquanto o desenho vetorial produz formas geométricas que podem ser ampliadas ou reduzidas sem perda de foco ou alteração de formato os desenhos por bitmaps exigem que seja definida a dimensão logo no começo da manipulação de imagens, pois qualquer alteração posterior acarreta em perda de qualidade de imagem (resolução).
O Corel Draw, baseado em desenhos vetoriais é bastante utilizado para o desenvolvimento de estampas e bordados, visto que podem ser criados e posteriormente seu tamanho adequado com o molde das peças, permitindo também alterações rápidas.
O Photoshop é ideal para o tratamento de imagens, na elaboração de catálogos de moda, para corrigir pequenos "defeitos" e visualizar o briefing da coleção.
O Adobe Illustrator pode ser considerado uma mistura de corel com photoshop, visto que apresenta ferramentas similares dos dois programas. É bastante utrilizado no desenvolvimento de estamparia corrida.
O Audades é um programa de CAD/CAM (computer aided design e computer aided manufacturing), que permite desde a criação de estampas, croquis, desenhos técnicos, moldes e modelagem até o encaixe automático prevendo aproveitamento melhor do tecido.
A maior vantagem que os desenhos assistidos por computador oferecem é a rapidez com que podem ser obtidas as alterações e a facilidade de fazer várias simulações com opções de cores, aviamentos, estampas antes mesmo de fazer a peça teste.


2.8. Ficha Técnica

Ficha técnica é o documento onde estão todas as informações necessárias para a produção de um artigo: os materiais necessários e suas quantidades; a seqüência de produção e o tempo de cada operação; e todas as informações para determinar os custos e o preço de venda.
Segundo Doris Treptow a falta de precisão no preenchimento da ficha técnica pode acarretar inúmeros problemas, como compra errada de insumos (referências trocadas, quantidade excedente ou insuficiente) e falhas na determinação de custo do produto.
A ficha técnica pode ser adaptada segundo a realidade de cada empresa e dos produtos com os quais trabalha. O importante é o profissional responsável pela engenharia do produto ter a sensibilidade de selecionar as informações que farão parte dessa ficha e sua efetiva utilização. A definição do layout da ficha também depende de sua aplicabilidade, em algumas empresas pode ser suficiente uma planilha do Excel com as informações básicas enquanto para outra é necessária a criação de um sistema informatizado específico para sua elaboração.
Informações necessárias para elaboração da ficha Técnica:
1. Dados de identificação:
a. Nome ou período da coleção;
b. Referência do modelo;
c. Descrição do modelo;
d. Designer responsável;
e. Código do molde;
f. Grade de tamanhos;
g. Modelista responsável;
h. Data de aprovação de modelo;
i. Desenho Técnico frente e costas do modelo;
2. Insumos diretos:
Tecidos; e aviamentos;
3. Elementos decorativos:
Estampas, bordado e outras aplicações (descrição, padronização e combinações);
4. Insumos diretos
Etiquetas, embalagens, adesivos, tags, etc.
5. Seqüência Operacional
Passos para a produção do modelo e seus respectivos tempos de execução.


3. Conclusão

Durante a pesquisa e elaboração deste artigo, percebeu-se que o desenho é de fundamental importância no mundo da moda. Além de facilitar o desenvolvimento de uma coleção, o desenho também é empregado na sua divulgação, trazendo resultados imediatos, pois permite uma infinidade de opções e praticidade na sua aplicabilidade.
Fica a certeza de que, no fascinante mundo da moda, o desenho é imprescindível, pois é um mundo onde as idéias faladas não bastam, a criatividade está à flor da pele e a sensibilidade desses profissionais somente pode ser traduzida em forma de desenho.


4. Referências Bibliográficas

SEIVEWRIGHT, Simon. Fundamentos de design de moda: pesquisa e design; tradução: Edson Furmankiewicz, Porto Alegre, Bookman, 2009.
SORGER, Richard, UDALE, Jenny. Fundamentos de design de moda; tradução: Joana Figueiredo, Diana Aflalo, Porto Alegre, Bookman, 2009.
TREPTOW, Doris, Inventando moda: planejamento de coleção, 2º Ed, Brusque, Ed. do autor, 2003.
TANAKA, Edson, Photoshop 7.0, Rio de Janeiro, Campus, 2002.
SILVA, Jorge Eider F. da, CorelDRAW 10, Rio de Janeiro, Brasport, 2003.
BLACKMAN, Cally. 100 años de ilustración de moda. Barcelona, Art Blume.S.L., 2007.
DERDYK, Edith. Disegno. Desenho. Desígnio. Organização de Edith Derdyk. São Paulo,
SENAC, 2007.
DUARTE, Carla Stephania de Góis, A Ilustraçao de moda e o Desenho de moda, Artigo científico disponível em www.ceart.udesc.br acesso em 25/09/2010.
www.benditamoda.com.br acesso em 25/09/2010.
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www.mirasul.com.br acesso em 12/11/2010.
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www.fashioncampus.it acesso em 01-12-2010.