A Leitura e a formação de leitores na Educação Infantil                                           

"A leitura do mundo precede a leitura da palavra"

                                               Paulo Freire

            A educação infantil, como a primeira etapa da educação básica, é uma novidade na história brasileira. Na Constituição de 1988 foi alcançado tal direito, em 1996 foi contemplada na LDB (Lei de Diretrizes e Bases). “As redes públicas do Brasil, hoje, têm o pré junto com a creche, é chamada de educação infantil e considerada como primeira etapa da educação básica” (FARIA et al., 2005, p.120).

            Nas explanações da autora, entende-se que somente nos últimos trinta anos a expansão crescente das creches e pré-escolas desperta o interesse da pesquisa acadêmica. Tendo como sujeito da pesquisa a criança convivendo com outras crianças e não mais isolada no laboratório de psicologia.

Segundo a autora, são muitas as questões que envolvem crianças pequenas na aproximação com as linguagens, visto que, muito antes da fala, a relação dos pequenos com a cultura realiza-se por meio de leituras diferentes, e sua expressão pelas crianças igualmente envolve diferentes linguagens.

Nesse sentido, podemos citar aqui para melhor análise sobre as linguagens infantis, a poesia do italiano Loris Malguzzi (1999), descrevendo que todos nós temos cem linguagens, só que quando somos pequenos começam a roubar noventa e nove e nos deixam só sabendo falar e escrever[1].

            Dessa forma, Faria et al., expõe a seguinte idéia:

Por isso, a discussão, a reflexão e a troca experiências de práticas docentes envolvendo as linguagens infantis e as linguagens na educação infantil são muito bem-vindas neste momento histórico da educação das crianças pequenas e pequenininhas que vivemos hoje (FARIA et al.,  2005, p. 03)

Segundo Lerner (2002), a leitura do professor é de especial importância  na primeira etapa da escolaridade, quando as crianças ainda não lêem eficazmente por si mesmas. Numa história, por exemplo, o professor cria um clima propício, incentivando as crianças para que se sentem ao seu redor a fim de que possam ver as imagens e o texto se assim o desejar.

A autora expõe também que, ao terminar leitura, seja de sentido literário ou informativo, o professor põe o livro que leu nas mãos das crianças para que as mesmas o folheiem e conferir o que lhes chamou mais a atenção. “propõe que levem para casa esse livro e outros que lhes pareçam interessantes [...] (LERNER, 2002, p. 96).

Assim, o professor continuará atuando como leitor no decorrer de  toda a escolaridade, porque é lendo materiais que ele considera interessantes, belos ou úteis que poderá participar às crianças o valor da leitura.

Nesse contexto, Lerner (2002), afirma que,

 

tanto ao mostrar como se faz para ler quando o professor se coloca no papel de leitor, como ao ajudar sugerindo estratégias eficazes quando a leitura é compartilhada, como ao delegar a leitura – individual ou coletiva – às crianças, o professor está ensinando a ler (Id. Ibid., 2002, p.97.).

 

Enfatizando a importância da leitura na educação infantil, necessário se faz entender que “ler não é decifrar palavras” (BRASIL, 1998, p.144). Busca-se entender que, antes do desenvolvimento da oralidade, a criança senta para ouvir histórias e ouvir história, um texto, já se pode considerar como uma forma de leitura. Assim, Macedo (1999, p.122) explica que “os atos de leitura antecedem a leitura das palavras”.  

Diante desses conceitos, Meireles (2010, p.50) afirma que as crianças devem ter contato com livros mesmo antes de aprender a ler. “Ao ver um adulto lendo, ao ouvir uma história contada por ele, ao observar as rimas (num poema ou numa música), os pequenos começam a se interessar pelo mundo das palavras”.    

Tais considerações nos levam ao relato do conceituado escritor Rubem Alves (2010), quando defende que, ao aprender uma música, o que o nenezinho ouve é a música, e não cada nota, separadamente. A aprendizagem da música começa como percepção de uma totalidade e nunca com o conhecimento das partes. Segundo o autor, isso é verdadeiro também sobre aprender a ler, pois,

 

 

Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. “Erotizada“ – sim, erotizada! – pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está lendo (ALVES, 2010, s/p).

Dessa forma, é possível então compreender que é comum as crianças pedirem que contemos a mesma história diversas vezes. E a cada momento se maravilha com os episódios, mesmo que já os tenha memorizado. Parafraseando os RCNs – Referencias Curriculares Nacionais, (Brasil, 1998), as crianças ao ouvirem as histórias constroem um saber sobre a linguagem escrita, percebendo que na escrita as palavras permanecem e é possível retomá-las.

Nesse sentido, Faria et al (2005) relata que, quando uma criança de três ou quatro anos toma emprestada a voz da mãe, da  professora, da magia mais velha,do adulto, e lê o texto  coma voz emprestada, ela está lendo  com os seus ouvidos. A autora ainda relata que,

 

                        Na educação infantil, ler com os ouvidos e escrever com a boca (situação em que a educadora se põe na função de enunciadora ou de escriba) é mais fundamental do que ler com os olhos e escrever com as próprias mãos. Ao ler com os ouvidos, a criança não apenas se experimenta na interlocução com o discurso escrito organizado, como vai compreendendo as modulações de voz que se anunciam num texto escrito. [...] Ao ler com os ouvidos, a criança não apenas se experimenta na interação, na interlocução, no discurso estrito organizado, [...], como também aprende a voz escrita, aprende a sintaxe escrita  e aprende as palavras escritas. Somente assim podemos considerar que a alfabetização (ou letramento) é uma condição fundamental da educação infantil (FARIA et al, 2005, p. 18-19).

Portando, conforme defende a autora, o desafio da educação infantil não é o de ensinar a desenhar e juntar letras, e sim o de oferecer condições para que as crianças possam se desenvolver como pessoas plenas e de direito e, “dessa maneira, poder participar criticamente da sociedade de cultura escrita” (FARIA et al, 2005, p.20).

Tais afirmações levam à reflexão as explanações de Emília Ferreiro, ao relatar que algumas oportunidades e tarefas deveriam ser oferecidas no que se refere à alfabetização inicial em uma classe de educação Infantil, sendo uma delas que a pré-escola deveria permitir a todas as crianças a experimentação livre sobre as marcas escritas em um ambiente rico em escritas diversas.

Assim, conforme Faria et al (2005), escutar os adultos lendo em voz alta e vê-los escrever; tentar escrever (sem necessariamente copiar um modelo); tentar ler utilizando dados contextuais, como também reconhecendo semelhanças e diferenças nas séries de letras; brincar com a linguagem para descobrir semelhanças e diferenças sonoras. Deve haver coisas para ler em uma sala de pré-escola. Um ato de leitura é um ato mágico. Alguém pode rir e chorar enquanto lê em silêncio.

Desse modo, quando a criança assume o papel de contador de história, deve cumprir certos procedimentos: explicitar as razões que a levam a escolher a história, conhecer alguns dados sobre a vida e a obra do autor, comentar com seus colegas os episódios ou personagens que lhe são atrativos, ou não.

O desafio de um trabalho bem sucedido em relação à leitura na escola, segundo Marangon (2010), está no fato de que a biblioteca escolar pode e deve ser uma grande aliada nessa tarefa, mesmo que muitos a vejam como um simples depósito de livros. Muitas vezes permanecendo com as postas trancadas com a justificativa de preservar as publicações nela contidas. A autora expõe então:

Ledo engano! Biblioteca escolar, segundo Curso Técnico de Formação para os funcionários da Educação, do Ministério da Educação (MEC), ‘é organizada para integrar-se com a sala de aula e para o desenvolvimento do currículo escolar. Funciona como um centro de recursos educativos, integrado ao processo de ensino- aprendizagem, tendo como objetivo primordial desenvolver e fomentar a leitura e a informação. Poderá servir também como suporte para a comunidade em suas necessidades’ (MARANGON, 2010, p.44)

 

Portanto, entende-se que a biblioteca escolar torna-se fundamental para apoiar as atividades pedagógicas e ampliar os conteúdos oferecidos em sala de aula, além de contribuir para incentivar o hábito e o gosto pela leitura; representando na educação infantil, um meio de despertar, desde cedo, o interesse pelo ambiente que ela pode oferecer.

 

Formação de leitores: compromisso de quem?

Segundo Lerner (2002), é responsabilidade dos governos e de todas as instituições e pessoas que têm acesso aos meios de comunicação e que estão envolvidos na problemática da leitura e da escrita, contribuir para formar essa consciência na opinião pública; e ainda:

é evidente a necessidade de se continuar produzindo conhecimentos que permitam resolver os múltiplos problemas que o ensino da língua escrita apresenta, e de fazê-lo através de estudos cada vez mais rigorosos, de tal modo que a didática da leitura e da escrita deixe de ser matéria “opinável” para se constituir como um corpo de conhecimentos de reconhecida validez (LERNER, 2002, p. 43).    

 

 

Entende-se, portanto, que para formar leitores e escritores, como expõe a autora, é necessário dedicar muito tempo escolar ao ensino da leitura e ao da escrita. E ainda que,

definir como objeto de ensino as práticas sociais de leitura e escrita supõe dar ênfase aos propósitos da leitura e da escrita em distintas situações – quer dizer, às razões que levam as pessoas a ler e escrever -, às maneiras de ler, a tudo o que fazem os leitores e escritores, às relações que leitores e escritores sustentam entre si em relação aos textos (Id. Ibid., p.57).

Em tal explanação, a autora relata ainda que, as práticas de leitura e escrita como tais estiveram praticamente ausentes dos currículos, e os efeitos dessa ausência são evidentes: a reprodução das desigualdades sociais relacionadas com o domínio da leitura e da escrita. Estas continuarão sendo patrimônio exclusivo daqueles que nascem e crescem em meios letrados, até que a instituição escolar possa concretizar a responsabilidade de gerar, em seu seio, as condições para que todos os alunos se apropriem dessas práticas.

O referido problema torna-se tão preocupante que alguns estudiosos da história da leitura consideram duvidoso que o processo dessa prática social possa ocorrer na escola. Conforme expõe Jean Hérbrard apu Lerner ,

 

É possível aprender a ler? Para a escola é evidente que sim [...] e, justamente porque se imagina possível, se atribui a essa aprendizagem um extraordinário poder de ação sobre as novas gerações e inclusive, por meio delas,sobre certos grupos sociais aos que pertencem. A suposta neutralidade cultural do ato de ler, sua aparente instrumentalidade, garante sua eficácia social, conforme o supõe o discurso alfabetizador. No entanto, para a sociologia das práticas culturais a leitura é um arte de fazer que mais se herda do que se aprende (HERBRARD apud LERNER, 2002, p.58).

Diante da questão acima levantada pelo referido autor, Lerner relata ainda que para a formação de leitores e escritores, faz-se necessário enfrentar um grande desafio

construir uma nova versão fictícia da leitura, uma versão que se ajuste muito mais à prática social que tentamos comunicar e permita a nossos alunos se apropriarem efetivamente dela. Articular a teoria construtivista da aprendizagem com as regras e exigências institucionais está longe de ser fácil: é preciso encontrar outra maneira de administrar o tempo, é preciso criar novos modos de controlar a aprendizagem, é preciso transformar a distribuição dos papéis do professor e do aluno em relação à leitura, é preciso conciliar os objetivos institucionais com os objetivos pessoais dos alunos (LERNER, 2002, p. 79).

Segundo Paula et al (2009), a construção do conhecimento, no entendimento de alguns autores como elemento principal, se efetiva pelo hábito da leitura, uma vez inserida e enfatizada no contexto escolar,

 

afinal, é principalmente através da leitura que os alunos  poderão encontrar respostas aos seus questionamentos, dúvidas e indagações, mormente no que concerne aos caminhos por  onde  permeiam na construção do seu conhecimento, e não apenas vinculados e adstritos a uma metodologia tradicional (PAULA, 2009, s/p).

Nesse sentido, Feix (2009), expõe que a escola tem papel fundamental na construção da identidade e da autonomia de cada aluno. Por isso, faz-se necessário, "trabalhar não apenas leitura, mas todas as leituras que se apresentam no nosso dia-a-dia" . Nas escolas em que circulam diversos tipos de textos, os alunos lêem e escrevem mais rapidamente e se tornam capazes de buscar e obter as informações de que necessitam.

Para complementar tais idéias, buscamos a criticidade nas palavras de Lajolo[2] (1994), relatando que,

 

A discussão sobre leitura, principalmente sobre a leitura numa sociedade que pretende democratizar-se, começa dizendo que os profissionais mais diretamente responsáveis pela iniciação na leitura devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê (LAJOLO, 1994, p.108).

A autora relata ainda, a necessidade de um espaço para o exercício da leitura nos cursos destinados a professores e profissionais de leitura.

Segundo Paula et al (2009), o conhecimento do professor é primordial no processo de formação do leitor, pois  ao professor compete não ficar limitado ao espaço fechado da sala de aula, mas sim encarar o trabalho de leitura com seriedade, munindo-se de embasamento teórico sobre a ciência da leitura, o que lhe dará auxílio no direcionamento de sua prática, pois, “Só ensinamos bem o que conhecemos e acreditamos” (BRAGA apud PAULA et al, 2009, s/p).

Nesse sentido crítico, Marisa Lajolo (1994), complementa que, a prática da leitura amparada pela escola precisa ocorrer num espaço de maior liberdade possível, frisando que,

 

A leitura só se torna livre quando se respeita, ao menos em momentos iniciais do aprendizado, o prazer ou a aversão de cada leitor em relação a cada livro. Ou seja, quando não se obriga toda uma classe à leitura de um mesmo livro, com a justificativa de que tal livro é apropriado para a faixa etária daqueles alunos, ou que se trata de um tema que interessa àquele tipo de criança: a relação entre livros e faixas etárias, entre faixas etárias, interesses e habilidades de leitura é bem mais relativa do que fazem crer pedagogias e marketing (LAJOLO, 1994, p.108-109)

  Assim, entende-se que a leitura deve acontecer por prazer, e não para ensinar algum conteúdo e, segundo Marangon (2010), as primeiras representações de leitura significam referências de afeto, momentos de prazer e de ludismo por meios de narrativas realizadas por pessoas próximas.  E explica que,pais, professores e bibliotecários devem ser mediadores constantes e presentes em todos os momentos de leitura. Além de contar histórias, estimular o acesso aos livros e o empréstimo domiciliar, o mediador incentiva a família a contar histórias aos pequenos. Dessa maneira, a leitura estará presente na vida familiar e escolar (MARANGON, 2010, p.45).

  Portanto, o adulto tem papel fundamental na aproximação da criança à leitura, entendendo-se que ler junto é também dar afeto, e compartilhar a leitura é uma experiência essencial para ambas as partes. É importante  levar para dentro de casa livros de literatura como parte integrante da educação. É importante investir para que leiam juntos pais, filhos e netos e ainda, defender sempre a importância de que todos tenham bons livros em casa.

Segundo os autores, portanto, é necessário admitir que uma  criança ao nascer já é um ser pensante, que ela já é pessoa, é posição científica radicalmente diferente do que se admitia até então. E, ainda hoje, não admitida por muitos intelectuais e gestores de sistemas de ensino. 

No entanto, expõem ainda os estudiosos que, muitos cursos de formação  de professores   de nível superior ainda não admitem tais mudanças pedagógicas, e muito da nossa formação, da nossa cultura pedagógica e social, ainda está presa à concepção de que a função da escola é “preparar a criança para”  e não admite que ela, na concepção de criança, jê é muitas e variadas coisas. Nesse sentido, as escolas precisam repensar o fato de preparar as crianças para a cidadania, visto que elas já são cidadãs.

Cabe, portanto, aos mediadores de leitura, diretores e professores congregar essa enorme tarefa, porem sinalizadora de uma nova época no país. Tais profissionais precisam ser apreciadores do livro que não entedia as crianças, que contagia pelo encantamento e pela desenvoltura, organizando o convívio social que parte do brincar para o aprender. 

                               REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALVES, Rubem. O prazer da leitura. Disponível em < http://www.rubemalves.com.br/oprazerdaleitura.htm> Acesso em: 02 Dez. 2010.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundametal. Referencial Curricular para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF. Vol.1, 1998.

FARIA, Ana Lúcia de; MELLO, Suely Amaral; (orgs). O mundo da Escrita no Universo da Pequena Infância – polêmicas do nosso tempo. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Editora Ática. 1994.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira: história & histórias. São Paulo, Editora Ática, 2006.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre, Artmed, 2002.

MARANGON, Cristiane. Um centro de recursos em sintonia com a sala de aula. Revista Pátio – Educação Infantil, Ano VIII, nº 24, jul/set. 2010. p.44-46.

PAIVA, Ana Paula. Quando a Leitura se Torna Uma Brincadeira. Revista Pátio – Educação Infantil, Ano VIII, nº 24, jul/set. 2010. p.12-15.

PAULA, Elaine de. et al.  A importância da leitura na educação infantil e séries iniciais como instrumento de informação, aprendizagem e lazer. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/40345313/a-importancia-da-leitura-na-educacao-infantil> Acesso em: 05 Dez. 2010