A ALQUIMIA DA CENTRALIZAÇÃO FINANCEIRA

 

O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol.

 

Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.

 

(ECLESIASTES 1: 9,10)

 

 

“Any magical power or process of transmuting a common substance usually of little value, into a substance of great value”.

 

A tradução livre do parágrafo acima para o português seria:

 

“Qualquer poder ou processo mágico de transformar uma substância comum, geralmente de pouco valor, em uma substância de grande valor”.

 

  1. 1.   AS VÁRIAS ETAPAS

 

  • O trabalho desenvolvido pelos alquimistas  na « alquimia » acima mencionada, parece ter sido um « andar com dificuldade, para trás e para frente (« várias etapas »), adicionando componentes à mistura, até que essa confecção alcançasse  suas especificações ». É o que podemos ler na parte grifada do texto Paradox plays a part in a modern fable of economics (2), conforme segue:

 

(...)

 

Yet medieval science did not know the atomic structure of gold, but only the superficial characteristics of the precious metal. Gold glistens and alchemists brought shiny objects to the gods.

They were sent away: it was not enough that gold was lustrous, true gold was malleable and heavy. The alchemists trudged back and forth, adding components to the mixture until their confection met these specifications (grifo nosso).

  • Por outro lado, também nos últimos 30 anos, por meio de « várias etapas », ocorreu uma « alquimia », que doravante chamaremos de « alquimia da centralização financeira *». Mais adiante, nesse mesmo trabalho, em outra seção, iremos descrever essas « várias etapas ».

 

*Classicamente, os autores distinguem três elementos constitutivos na implementação da mundialização financeira: a desregulamentação ou liberalização monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e a desintermediação, a saber, a abertura das operações de empréstimos, antes reservadas aos bancos, a todo tipo de investidor institucional. São os três “D” cujo alcance foi analisado especialmente por Bourguinat (1).

 

  • Por ora, vamos apenas transcrever um trecho extraído de um artigo recente, « A Mística do Mercado», de autoria do festejado economista Paul Krugman (7). Acreditamos que esse trecho ilustra alguns aspectos da « alquimia da centralização financeira », no que diz respeito à essas « várias etapas », acima mencionadas :

 

E as finanças (após 1980) se tornaram o oposto da monotonia. Este ramo atraiu muitas das nossas mentes mais brilhantes e enriqueceu imensamente alguns.

 

Subjacente ao glamouroso mundo novo das finanças estava o processo de securitização. Os empréstimos não ficavam mais com aquele que os solicitava. Em vez disso, eles eram vendidos a terceiros, que dividiam, combinavam e misturavam as dívidas individuais para sintetizar novos ativos. Hipotecas subprime, dívidas no cartão de crédito, financiamentos para a compra de carros – tudo isso entrou no liquidificador do sistema financeiro. E os feiticeiros foram recompensados por supervisionar este processo (grifo nosso).

 

Mas estes feiticeiros eram charlatães, quer soubessem disso ou não, e a sua magia se revelou pouco mais do que um punhado de truques cenográficos baratos. Acima de tudo, a promessa fundamental da securitização – a de tornar o sistema financeiro mais robusto por meio da difusão do risco – acabou-se mostrando uma mentira. Os bancos usaram a securitização para aumentar o risco em vez de reduzi-lo, e neste processo eles aumentaram a vulnerabilidade da economia aos distúrbios financeiros (grifo nosso).

As coisas estavam destinadas a dar errado mais cedo ou mais tarde, e isto finalmente aconteceu (grifo nosso).

 

  • Vamos nos deter agora em outras duas similaridades que pensamos existir entre as duas « alquimias », qual seja, « a criação de valor » e sua respectiva contraparte (o outro lado da moeda), vale dizer, « a forma necessariamente passageira ».

 

  1. 2.   A CRIAÇÃO DE VALOR

 

  • A seguinte parte (grifada) do texto antes mencionado (2), indica « que desde que o metal tinha as características de ouro, esse devia ser realmente ouro » :

 

Eventually, the blocks they produced were shiny, dense and soft. The gods agreed that since the metal had the characteristics of gold, it must indeed be gold.

  • Ao nosso ver, também foi realizado com o objetivo de “transformar”, geralmente “valorizar”, aquele conjunto de elementos constitutivos da implementação da mundialização financeira, ocorrido após 1979/1980. Em outros termos, a “alquimia da centralização financeira”, surgida após os anos 1979/1980, é por analogia com a “alquimia” ocorrida na idade média, também uma maneira de transformar coisas comuns, geralmente de pouco valor, em coisas de “muito” valor, como adiante iremos demonstrar.

 

  • Iniciamos nossa abordagem sustentando que na “finança” tudo é feito com o objetivo, único e exclusivo, de aumentar o preço das ações bursáteis. Objetivo, portanto, semelhante ao da “alquimia” ocorrida na idade média. Aqui, François Chesnais (1) é imprescindível:

 

Os escândalos na Bolsa e as numerosas falências de empresas estão diretamente ligados à natureza e às contradições internas do novo capitalismo bursátil. O que está em questão é, primeiramente, a concepção de empresa considerada um ativo financeiro. Portanto, trata-se de aumentar o seu valor na Bolsa por todos os meios: recompra das ações, fusões-aquisições, vendas das unidades menos rentáveis. Por meio da montagem de esquemas financeiros complexos e freqüentemente nada transparentes, os administradores buscam atingir vários objetivos: aumentar a rentabilidade financeira de seus grupos, enriquecer pessoalmente e escapar ao controle dos acionistas (grifo nosso).

 

  • “Exigem, por conseguinte, que a atividade dos grupos dos quais eles detêm ações seja voltada para dois objetivos: a manutenção das cotações das ações em um nível o mais elevado possível e a maximização dos fluxos de dividendos”. É o que observa François Chesnais, em Note de lecture (6) sobre o livro « Fonds de pension, piège à cons ? Mirage de la démocratie actionnariale », de autoria de Frédéric Lordon:

 

(...) Les critères de gestion des propriétaires actuels du capital sont entièrement financiers. Les gestionnaires des grands fonds de pension et de placement collectifs – les Fidelity et autres Calpers ou Scottish Widows – sont jugés sur la performance de leurs portefeuilles, qui résulte d’une combinaison entre la valeur boursière et le rendement trimestriel des titres qu’ils détiennent. Ils exigent donc que l’activité des groupes dont ils détiennent les actions soit tournée vers deux objectifs : le maintien du cours des actions au niveau le plus élevé possible et la maximisation des flux de dividendes (grifo e negrito nosso).

 

  • Ainda François Chesnais (3), agora comentando o livro Le Pouvoir de la Finance, de autoria de André Orléan, indica um dos modos pelo qual é realizada essa « alquimia da centralização financeira ». Assim, « a autonomia de que a finança desfruta sobre esse plano (de forma necessariamente passageira) repousa sobre os mecanismos internos de avaliação dos preços dos títulos próprios aos mercados financeiros «, conforme o seguinte :

 

La première dimension de “ l’autonomie ” est le pouvoir que les détenteurs et les gestionnaires de patrimoines financiers acquièrent sur la base de certaines institutions propres à la finance (celles qu’André Orléan étudie), de se dresser face au capital engagé dans la production et donc également face au travail, pour exiger et  imposer une participation à la répartition qui est légitimée par la seule possession patrimoniale, et dont les bénéficiaires fixent les termes eux-mêmes. « La seconde dimension de “ l’autonomie de la finance ” est son aptitude à vivre (aussi longtemps qu’il n’y a pas krach ou dysfonctionnement sérieux des marchés financiers) dans un univers cloisonné, protégé et auto-organisé, propice à l’éclosion de toutes les magies, illusions et conceptions fétiches auxquelles des spécialistes médusés et inquiets ont donné le nom de “ finance virtuelle” (Bourguinat, 1995). L’autonomie dont la finance jouit sur ce plan (de façon nécessairement passagère), repose sur des mécanismes internes de fixation des prix des titres propres aux marchés financiers. Ces mécanismes, qui sont endogènes à la liquidité, ont pour effet d’augmenter la valeur nominale des actifs ou créances en vertu de la seule volonté du marché, en dehors de tout lien avec l’état véritable des indicateurs “ fondamentaux ” » (3) (grifo e negrito nosso).

 

  1. 3.   A FORMA NECESSARIAMENTE PASSAGEIRA 

 

  • Por fim, François Chesnais (5), interpretando Frédéric Lordon, indica a « forma necessariamente passageira » da « alquimia da centralização financeira ». Isso ocorreria por meio de « uma versão extrema da teoria da ‘autonomia’ das finanças em que esta se liberta, se desconecta, mesmo que por uns poucos meses, da economia real », conforme o seguinte :

 

A tese de Lordon é a de uma “rota de colisão” da Bolsa no sentido da alta, principalmente sustentada pelos mecanismos internos do mercado. De acordo com ele, confrontados com “uma das contradições centrais (...) do regime de acumulação”, aquela ligada ao fato de “a exigência de rentabilidade financeira, os famosos 15% de retorno sobre os fundos próprios, (...) exceder em muito as possibilidades objetivas de lucratividade de um grande número de atividades econômicas para quais se aplica”, os mercados teriam sido obrigados a “passar em total return, vale dizer, incorporar aos fluxos de lucro extraído da produção as mais-valias relacionadas à dinâmica de cotação dos ativos”. Isso explicaria o surgimento, em 1999, de um dos traços mais originais da conjuntura de médio prazo dos Estados Unidos na última década, ou seja, o recuo da parte dos juros e dos dividendos nos rendimentos dos fundos de aplicação financeira, em benefício de lucros decorrentes das mais-valias das Bolsas. Lordon parece atribuir esse desenvolvimento apenas à força da “convenção financeira”, já que escreve que “a necessidade (de passar para o total return) é tão forte que leva a coletividade dos investidores, que convence a si mesma que tem razão de exigir tais níveis de rentabilidade... enquanto que a economia real se mostra incapaz de sustentá-los verdadeiramente” (Lordon, 2000: 80) (grifo nosso).

 

Ao se expressar dessa forma, Lordon propõe – talvez sem estar totalmente conscienteuma versão extrema da teoria da “autonomia” das finanças em que esta se liberta, se desconecta, mesmo que por uns poucos meses, da economia real. Os mecanismos auto-referenciados estudados por André Orléan evidentemente desempenharam algum papel. O aumento das cotações foi sustentado por convenções internas à “coletividade dos investidores”. Mas a formação de tais convenções esteve, no entanto, relacionada, pelo menos no início, com percepções cuja origem, até certo ponto, pertence à economia real dos Estados Unidos – internas e derivadas de certas relações com o resto do mundo que lhe são exclusivas (grifo e negrito nosso).

 

O aumento das cotações não resultou apenas do caráter “auto-referencial” e nem da “auto-realização” das expectativas coletivas. Contou com o auxílio de processos e eventos que beneficiaram os mercados, mas que foram “externos” a estes. O aumento baseia-se primeiramente no reinvestimento sob a forma de títulos de uma fração, provavelmente elevada, dos dividendos pelos detentores de títulos, sejam eles instituições financeiras, empresas ou famílias. Sabe-se que estas últimas dedicam apenas uma parte de seus rendimentos de origem financeira ao consumo, a outra parte sendo imediatamente aplicada em títulos ou em participação em Fundos Mútuos. As famílias são ainda mais incentivadas a agir desta forma pelo fato de seu portfólio servir como caução bancária (colateral) para a concessão de empréstimos para aquisição de bens duráveis. Por seu lado, as empresas cotadas na Bolsa foram levadas a adquirir seus próprios títulos não apenas para conter sua cotação e bloquear as Ofertas Públicas de Compra como também para poderem distribuir as stock options. Assim, alimentaram o mercado e modificaram a relação entre oferta e demanda por títulos. Isso se verifica no caso de um dos modos de financiamento das fusões-aquisições. De alguns anos para cá, estas ocorrem amplamente através da troca de ações e resultam freqüentemente em retiradas líquidas de títulos. Na Bolsa de Nova Iorque, a oferta de títulos contraiu-se, portanto, sensivelmente, enquanto a demanda não parou de crescer (grifo e negrito nosso).

 

  • Prosseguindo em nossa abordagem e tendo como referência a continuação do texto multimencionado (2), tomamos conhecimento que “sobreveio a acontecer que a quantidade de ouro no mundo excedeu, em muito, a quantidade de ouro que, desde então, havia sido extraído”. Aqui, podemos ler:

 

The alchemists made generous donations to the temple. And so it came to pass that the amount of gold in the world far exceeded the quantity that had ever been mined (grifo nosso).

 

  • Também é dito, ainda nesse mesmo texto (2), similarmente ao teor do dito no parágrafo acima, que “o volume de títulos com grau de investimento de qualidade, também excedeu, em muito, o valor dos créditos dos títulos com grau de investimento de qualidade”, conforme o seguinte:


Many centuries later, the computer replaced the philosopher’s stone, the gods were replaced by the rating agencies but financial supplicants were as importunate as alchemists. And so it came to pass that the volume of investment grade securities far exceeded the value of investment grade credits (grifo nosso).

 

  • De igual sorte, também após 1979/1980, o total de ativos financeiros globais – depósitos bancários, títulos de dívida (pública e privada), ações e outros papeis – saiu de uma posição em que igualava a riqueza obtida com a produção de bens e serviços para um nível quatro vezes maior.

 

Nesse sentido, José Paulo Kupfer (4), diz:

 

Eis o que os sismógrafos econômicos alertam sem que providências para prevenir, ou pelo menos evitar catástrofes, sejam adotadas: o processo de financeirização da economia galopou em ritmo alucinado, nos últimos 30 anos (grifo e negrito nosso).

 

Nesse período, o total de ativos financeiros globais – depósitos bancários, títulos de dívida (pública e privada), ações e outros papeis – saiu de uma posição em que igualava a riqueza obtida com a produção de bens e serviços para um nível quatro vezes maior. A distância entre eles e a economia real – a base, em última análise, dos papeis em circulação – só tem feito se alargar – e com uma rapidez estonteante (grifo e negrito nosso).

 

Levantamentos do McKinsey Global Institute mostram que o volume total de ativos mal chegavam a US$ 12 trilhões em 1980. Em 2003, já somavam US$ 117 trilhões, escalaram para US$ 142 trilhões, em 2005 e voaram até US$ 167 trilhões em 2006. Em 2007 alcançaram o pico de US$ 194 trilhões.

 

O freio só veio com a crise de 2008. Naquele ano, o último com dados disponíveis, o total de ativos globais fechou em US$ 178 trilhões, com perdas de US$ 16 trilhões sobre o ano anterior. A tendência é que tenham voltado a crescer, só que mais devagar em 2009.

 

É notável o aumento da velocidade de acumulação desses ativos. A média anual no período 1980-2003 foi de US$ 4,4 trilhões. Já entre 2003 e 2005, o acréscimo médio por ano chegou a US$ 11 trilhões. De 2005 para 2006, o avanço médio anual chegou a US$ 25 trilhões, mais do dobro do observado nos três anos anteriores.

 

Só este acréscimo no volume total de ativos, verificado num único ano, é muito maior do que o volume total de bens e serviços comercializados anualmente. Isso só confirma que o descolamento dos ativos em relação à economia real não só é um fato, como é um fato em aceleração, só refreado quando a bicicleta financeira descontrolada bate no muro, como em 2008.

 

Claramente, nos últimos 30 anos, ocorreu um descompasso entre o mercado financeiro e a economia real!

 

  • O curso da mundialização financeira foi marcado por uma sucessão de crises financeiras cujos efeitos econômicos e sociais se agravaram a cada vez. É impossível ter uma compreensão correta e completa a não ser que as vinculemos ao incessante movimento da finança para tentar forçar o ritmo da apropriação da riqueza suscetível de ser drenada para os centros financeiros. A raiz das crises financeiras, mas também de forma mais geral do que chamamos fragilidade sistêmica, encontra-se no volume extremamente elevado dos créditos sobre a produção futura que os possuidores de ativos financeiros consideram poder pretender, assim como na “corrida por resultados” que os administradores dos fundos de pensão e de aplicação financeira devem praticar *(grifo e negrito nosso) (1).

 

* Um indicador é a relação entre os ativos financeiros nominais e o PIB.

 

CONCLUSÃO

 

  • Nesse ponto de nossa comparação, entre algumas características da “alquimia da centralização financeira” e da “alquimia”, que sobreveio a acontecer na idade média, acreditamos que logramos apontar a existência de alguns pontos em comum entre essas “alquimias”. Um desses pontos em comum é a “criação de valor”, conforme os seguintes parágrafos, antes mencionados:

 

“Por fim, os blocos que eles produziram, eram brilhantes, densos e macios. As divindades concordaram que desde que o metal tinha as características de ouro, esse devia ser realmente ouro”.

 

Por outro lado, o objetivo da “alquimia da centralização financeira”, ou seja, o de aumentar o valor das empresas em Bolsa, por todos os meios, também foi almejado, como antes vimos, vale dizer:

 

Portanto, trata-se de aumentar o seu valor na Bolsa por todos os meios: recompra das ações, fusões-aquisições, vendas das unidades menos rentáveis. Por meio da montagem de esquemas financeiros complexos e freqüentemente nada transparentes, os administradores buscam atingir vários objetivos: aumentar a rentabilidade financeira de seus grupos, enriquecer pessoalmente e escapar ao controle dos acionistas.

 

Naturalmente, os objetivos em ambas “alquimias”, foram atingidos, mas “de forma necessariamente passageira”, o que é um outro ponto em comum, entre essas duas “alquimias”. Tais fatos são ilustrados preliminarmente, quando tomamos conhecimento de que na idade média “sobreveio a acontecer que a quantidade de ouro no mundo excedeu, em muito, a quantidade de ouro que, desde então, havia sido extraído”.

 

Por outro lado, também podemos verificar que nos últimos (30) trinta anos “o volume de títulos com grau de investimento de qualidade, também excedeu, em muito, o valor dos créditos dos títulos com grau de investimento de qualidade”.

 

  • Para concluir, a revelação de que a “alquimia da centralização financeira” alcançou seu objetivo, de “forma necessariamente passageira”, podemos comprovar isso por meio de dois fatos antes mencionados, que ao nosso ver, não só se complementam, mas principalmente, confirmam essa forma necessariamente passageira, quais sejam:

 

- Nos últimos trinta anos, o total de ativos financeiros globais – depósitos bancários, títulos de dívida (pública e privada), ações e outros papeis – saiu de uma posição em que igualava a  riqueza obtida com a produção de bens e serviços para um nível quatro vezes maior.

 

- A raiz das crises financeiras, mas também de forma mais geral do que chamamos fragilidade sistêmica, encontra-se no volume extremamente elevado dos créditos sobre a produção futura que os possuidores de ativos financeiros consideram poder pretender, assim como na “corrida por resultados” que os administradores dos fundos de pensão e de aplicação financeira devem praticar.

 

  • Por oportuno, concordamos com François Chesnais no tocante à hipótese por ele levantada de uma variante da teoria da “autonomia” das finanças em que esta se “liberta, se desconecta, da economia real”, conforme Frédéric Lordon sugere. Entretanto, ao nosso ver, a finança brasileira (A Bolsa) não estaria desconectada da economia real, apenas alguns poucos meses, mas vários anos.

 

Nesse sentido, em nosso trabalho (8), realizado em maio de 2006, observamos que nos fundos de pensão brasileiros, detentores de parcela significativa de nossa capitalização bursátil, os efeitos “a menor” só seriam percebidos em aproximadamente 10 anos, conforme segue:

 

(...) Assim, a cada ano, alarga-se a brecha entre o que se deve pagar aos aposentados e pensionistas e o valor dos investimentos dos fundos de pensão.

 

Não obstante, como esses efeitos “a menor” só serão percebidos diretamente em futuro estimado em dez anos, dadas às peculiaridades demográficas dos grupos de associados, a elasticidade pode ser “absorvida” pelos atuais dirigentes. Nessa estratégia de “passar o mico para frente”, só naquele momento é que irão efetivamente faltar recursos para pagar as aposentadorias.

 

  • Desse modo, como observamos no trabalho, acima mencionado (8(:

O que todos sabem é o que já aconteceu ou o que se tornou óbvio. O que a pessoa atenta conhece é o que ainda não tomou forma, o que ainda não ocorreu. Um investidor deve ver e saber sozinho, no sentido de que deve ver o que os outros não vêem e saber o que os outros não sabem.

 

Assim, a nosso modesto ver, a idéia que norteia os fundos de pensão é equivocada! Entretanto, a idéia de fundo de pensão estatal brasileiro, além de equivocada, é também inadequada!

 

  • Ainda nesse trabalho, na seção “A Ilusão da Liquidez”, vamos discorrer sobre as conseqüências negativas para o Mercado, quando esse “tomar forma”. Em outras palavras, quando ocorrer o “esgotamento da liquidez”. Ademais, no futuro outras variáveis de Mercado, que ora se encontram mascaradas, irão revelar seu verdadeiro valor.

 

  • Nesse sentido, acreditamos ser útil a leitura das seguintes citações, atribuídas ao grande investidor norte-americano, Warren Buffett (9) :

 

KNOW THE DIFFERENCE BETWEEN PRICE AND VALUE

 

“Price is what you pay. Value is what you get.”

 

LOOK FORWARD, NOT BACK

 

“Of course, the investor of today does not profit from yesterday’s growth.”

 

“Pension fund managers continue to make investment decisions with their eyes firmly fixed on the rear-view mirror. This general fight-the-last-war approach has proven costly in the past and will likely prove equally costly this time around”.

 

DON’T BE SURPRISED BY CIRCUMSTANCES

 

“It’s only when the tide goes out that you learn who’s been swimming naked.”

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

1               CHESNAIS, François (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. São Paulo: Boitempo, 2005.

 

2               KAY, John. Paradox plays a part in a modern fable of economics; Financial Times 31 July 2007.

 

3               CHESNAIS, François. Note de lecture. Le pouvoir de la finance, André Orléan, Editions Odile Jacob, Paris, 1999.

 

4               KUPFER, José Paulo. Geologia dos tremores na economia global. “Estado de São Paulo” (05/02/2010).

 

5               CHESNAIS, François. La théorie du régime d’accumulation financiarisé: contenu, portée et interrogations. Forum de la régulation, Paris, 11-12 octobre 2001.

 

6               CHESNAIS, François. Note de lecture « Frédéric Lordon, Fonds de pension, piège à cons ? Mirage de la démocratie actionnariale, Raisons d’Agir Editions, Paris, 2000. »

 

7               KRUGMAN, Paul. A Mística do Mercado. « Estado de São Paulo » (27/03/2009). Original publicado pelo « The New York Times ».

 

8               MOTA DE FARIA, Cláudio (2006). Fundo de pensão estatal brasileiro: uma fundamentação equivocada e inadequada.

 

9               LOWE, Janet. Warren Buffett speaks: wit and wisdom from the world’s greatest investor. New York: John Wiley & Sons, 1997.