Segurança alimentar: Agroecologia, uma alternativa (Parte III)
Por Romão Miranda Vidal | 24/02/2010 | Sociedade
Segurança alimentar: Agroecologia, uma alternativa (Parte III)
Sistemas alternativos de produção: a quebra dos paradigmas
Interessante notar que ao se atingir algo como 100.000.000 de toneladas de grãos, tem-se uma perda significativa - contraditória - de algo como 5% nas operações de colheita, transporte, internamento e destinação aos portos: outros falam em algo como 10% (?).
Agravam-se ainda mais o quadro quando então, nos deslocamos da área de grãos para as áreas de frutas, ovos, hortaliças, tubérculos, lácteos, carnes verdes, onde pode-se como que apalpar a realidade. É como se um substantivo abstrato se tornasse concreto de uma hora para outra. Pois é quase que impossível se imaginar a quantidade de alimentos que é praticamente jogada no lixo diariamente, nos inúmeros pontos de vendas: Centrais de Abastecimentos, Feiras Livres, Atacados, Supermercados, Entrepostos, Câmaras Frias e assim por diante.
Quem já não viu ações desesperadas (nem tanto) de produtores que derramam leite aos porcos, que jogam pintinhos de um dia nos rios, que trituram com seus tratores cebolas, repolhos, frutas e outras produções colhidas, ou ainda que despejam suas produções em vias públicas?
Os atacadistas de alimentos envasados, não perecíveis, arcam com grandes perdas pela simples presença de deformidades externas nas latas e outras embalagens em que se encontram acondicionados os alimentos.
Há ainda a grande perda de alimentos perecíveis, quando as greves irresponsáveis e interesseiras dos Fiscais das Fazendas e do MAPA são promovidas nas fronteiras internacionais.
Mas existem outros agravantes que são os estoques reguladores, que sempre beneficiam os proprietários de complexos de armazenamento de sólidos a granel, e os que prestam serviços de estocagem e armazenagem ao Governo Federal ganham, senão duplamente, quadruplamente. Quem não lembra os célebres desvios e desaparecimentos de toneladas e toneladas de grãos que foram depositados nestes complexos? E o que já se perdeu e ainda se perde, por mau armazenamento ou por armazenagem em locais tão distantes que é mais barato deixar apodrecer o que está estocado do que transportá-lo até o local de consumo?
Então no BRASIL passa-se fome por total inércia e irresponsabilidade do GOVERNO FEDERAL.
Mas como irresponsabilidade e inércia? Pelo simples fato de que no BRASIL, planta-se o que se quer, quando se quer, o quanto se quer e onde se quer, e estamos conversados!
O crédito rural não é democrático? Não tem acesso a ele quem tem um bom cadastro, um bom saldo médio e garantias livres e desimpedidas? Os que antes gritavam contra os proprietários de terras com dimensões maiores e hoje se acham superiores a todos os demais agricultores, também são beneficiados pelos créditos subsidiados, com taxas irrisórias e até a fundo perdido (nunca pagam o que devem), também se enquadram no que foi citado no parágrafo anterior.
Então no BRASIL, quer seja ou não, tanto grande, médio ou pequeno produtor e os sem-terras (hoje com terras), fazem e praticam o que bem entendem nas suas terras. Não há a mínima preocupação com o que se entende por RESPONSABILIDADE SOCIAL, que a agropecuária representa para com e no contexto social de uma NAÇÃO DOS SEM FOME para com a NAÇÃO DOS COM FOME.
Seria absurdo e até irresponsável afirmar que no BRASIL só passa fome quem quer. E isto nós temos ouvido com certa freqüência. Afirmação esta um tanto cáustica, pois não se pode ignorar que existem inúmeras famílias que os demagogos marqueteiros insistem em classificar como excluídos. Problemas de interpretação. Não vamos polemizar. Mas a realidade é tão cruel que se estampa a olhos vistos esta afirmação de que no BRASIL só passa fome quem quer.
Antes de iniciarmos o conteúdo de que no BRASIL só passa fome quem quer, vamos analisar um pormenor.
O BRASIL nunca direcionou um sistema produtivo para alimentar os seus filhos.
O BRASIL nunca se preocupou em sustentar uma política de produção programada, dentro de quantitativos, variedades e tipos de alimentos. Alimentos estes que regionalmente são muito bem aceitos e quando devidamente conduzidos são altamente produtivos e aceitos. Diga-se de passagem, o tipo de farinha de mandioca que no Maranhão tem a aceitação maior quando se apresenta com uma granulação maior, conhecida como "farinha d água". Ou ainda o consumo do cará, do inhame, como suplemento de carboidratos e repositor hormonal.
O BRASIL, de posse de dados estatísticos, nem sempre confiáveis, do IBGE, jamais projetou uma política agrícola e agrária para regiões onde sabidamente a fome é uma constante no acordar e no dormir. É sabido desde os anos de 1800 que em determinadas regiões do BRASIL a seca é implacável, que existe um déficit hídrico permanente e/ou periódico, que impede e compromete a produção de alimentos, mesmo que nativos da região. Ora, se tal é evidenciado ano após ano, decênio após decênio e já nos aproximando de século após século, porque o BRASIL não implanta uma política de recolocação destas populações? Uns dirão que tal é uma interferência indevida no livre arbítrio de quem vive nestas regiões. Mas e quando um sistema de geração de energia interfere no deslocamento de contingentes populacionais e até no desaparecimento de cidades, isto não é uma interferência? O que é mais humano: retirar da zona de seca constatada e perene e levar estas populações para áreas onde possam produzir dentro de um SISTEMA AGROECOLÓGICO, ou deixá-las sempre na dependência de cestas básicas ou de míseros R$ 50,00 por família, que em geral são em números decimais os seus filhos?
O BRASIL é um país em que a fome atinge quem não tem a mínima condição de produzir o seu alimento ou de produzir algo que possa ter agregado ou não algum valor.
Faz-se necessária a adoção de políticas macro-regionais de produção de alimentos, em que se possa se valer das tecnologias como a agrometeorologia, que informa com precisão quase que máxima, o que, como e quando se deve ou não plantar alimentos.
O BRASIL necessita exportar frutas, grãos, carnes e outros produtos agropecuários, mas necessita ainda buscar métodos alternativos, como a AGROECOLOGIA para que se possa localmente alimentar famílias que fazem parte de um contexto plural da fome. Na AGROECOLOGIA, sabe-se muito bem que não se encontrará a resposta maior para a fome, mas sim a forma paliativa e menos cruel. Muitas das razões da não-produção de alimentos devem-se à existência de áreas degradadas que no passar dos anos não mais responderam ao cultivo. A recuperação destas áreas, quando adotadas as práticas da AGROECOLOGIA, será expressiva, pois se recupera não somente o solo, mas sim o homem, que passa a acreditar que ainda é possível se evitar a morte e a fome, quando se tem um propósito sério, independente da misericórdia e caridade política e demagógica da distribuição de cestas básicas, tíquetes ou vale- alimentação.
Ainda perdura no BRASIL o monocultivo. Prática que a AGROECOLOGIA não recomenda, uma vez que se pode muito bem promover uma interação de fatores naturais e orgânicos, em que a convivência de leguminosas, gramíneas, frutíferas e até pastoreios conduzidos, permite uma harmonia saudável, econômica e produtiva.
Em grandes escalas produtivas de grãos e ou de animais, tal é impensável.
Mas se formos confiar nos dados do IBGE, teremos condição de adotar esta alternativa da AGROECOLOGIA para pequenos agrupamentos familiares e, acreditem, não só do meio rural mas também no urbano. Urbano? Sim, nos arredores das cidades existem inúmeras áreas que ainda não estão sendo utilizadas. Cito o exemplo do município de Piraquara (PR), onde a SECRETARIA DE JUSTIÇA deteve por anos e anos uma área de aproximadamente
Na realidade será necessário que se quebrem paradigmas, antes que a fome nos quebre a vontade de viver.