Poliomielite - um grave problema plenamente evitável.

Parte 03/03

As pesquisas que vinham sendo desenvolvidas na busca da imunização contra a pólio, que tranquilizariam a população, apresentaram os primeiros bons resultados em 1953, quatro anos antes de meu nascimento, com a primeira vacina eficaz testada em cobaias. 

Desenvolvida pelo nova-iorquino Jonas Edward Salk (28/10/1914-23/06/1995), a vacina prometia - e cumpria! - acabar com a possibilidade de sequela, ou seja, ainda que contaminada, a pessoa não teria maiores consequências.

Jonas Salk nasceu no ano em que se iniciou a Primeira Guerra Mundial, e que encerrou a chamada Belle Époque, período maravilhoso da cultura, especialmente na França. Este também foi o ano em que se fez o primeiro voo comercial nos Estados Unidos. Nasceram quatro grandes times brasileiros de futebol: Payssandu, Santa Cruz, Ceará e Palmeiras. E, também a Bolsa do Café em Santos/SP; além de grandes expoentes nacionais: Irmã Dulce, o jornalista e político Carlos Lacerda, o pintor e gravurista Iberê Camargo, Sanitarista e indianista Orlando Villas Boas, o bom baiano músico Dorival Caymmi e o poeta mineiro de Pium-hy, José Ananias. Porém foi o ano de partida de outro grande poeta, Augusto dos Anjos.

Fazendo uma analogia, vimos diversas vezes o time de vôlei masculino dos EUA vencer campeonatos mundiais ou estar entre os primeiros do mundo. No entanto, este esporte, na versão masculino, é praticado apenas de forma amadora naquele país, ou seja, não há uma liga de vôlei ou campeonatos nacionais importantes que justifiquem a sua ótima posição no ranking internacional. Isso é a aplicação profunda do benchmarking, uma técnica de Administração de efeitos importantes no desenvolvimento em diversas áreas. A razão desse sucesso é que os americanos têm o hábito de estudar muito o funcionamento das coisas, trabalhar com pesquisas, estatísticas e projeções e, a partir dos compilados, buscar as soluções, as maneiras corretas de se alcançar um objetivo. Esse expediente foi utilizado no final de 1952 para perguntar aos americanos quais eram seus maiores medos. O mundo experimentava, naquele ano, o auge da Guerra Fria. Vivíamos então a apenas sete anos das explosões atômicas em Hiroshima e em Nagasaki, desta forma, nada mais natural que o maior medo das pessoas fosse uma guerra mundial atômica que, caso ocorresse, dizia-se, seria o “fim dos tempos”.  Em preocupante e não muito distante segundo lugar estava a assustadora Poliomielite. Afinal, este foi o ano da maior epidemia da doença nos EUA e as imagens de pessoas mortas, com deficiências de diversos níveis e, especialmente, em tratamento nos horripilantes “pulmões de aço”, massificados pelas mídias da época, causavam certamente um pavor coletivo incontrolável.

Enquanto nesse mesmo ano de 1952, nasciam o grande piloto brasileiro Nelson Piquet, o cantor e compositor Luiz Melodia, o técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo, o competente jornalista Willian Waack, Vladimir Putin e Pedro Collor de Melo; a Argentina perdia Evita Peron e o Brasil perdia o importante cantor Francisco Alves. Ainda, no Brasil, eram inaugurados o BNDES e o Aeroporto do Galeão no Rio e se via nos céus a primeira apresentação da Esquadrilha da Fumaça. Em Cuba, num golpe de Estado, Fulgêncio Batista tomava o governo na ilha e, em Londres, um fenômeno natural que durou 4 dias deixava 12.000 mortos e, aproximadamente, 100.000 enfermos: o Big Smoke.

Retomando o ano de 1953, três tragédias marcaram o mundo. A primeira, um acidente automobilístico nas pistas de Le Mans/EUA que se tornaria o maior do gênero em toda a história, e que deixou 82 mortos. O segundo, o bombardeio da “Praça de Maio” que, afinal, acelerou a queda do governo de Domingo Peron, na Argentina. E por último o início da sangrenta e contraproducente Guerra do Vietnam.

Nasciam neste ano, 1953, várias celebridades como Sarcozy, Alain Prost, Steve Jobs, Jair Bolsonaro, Mia Couto e Bill Gates. E as grandes perdas foram a magnífica Carmem Miranda, o ator James Dean e o incrível físico Albert Einstein.

Como resultado das pesquisas de Salk, após diversos testes, inclusive em cobaias humanas, em 1955 a vacina recebeu aprovação para aplicação em massa.  O eminente cientista e humanista Jonas Salk, que nunca houvera demonstrado muito interesse em riquezas ou fama, se negou veementemente a patentear a sua fantástica criação, a vacina contra a poliomielite, porque acreditava tratar-se de um bem da humanidade e não dele próprio ou de alguém em particular.  Assim, diversos laboratórios puderam produzir a tão aguardada vacina que seria aplicada em grande escala em todo o Estado americano.

Por um grave infortúnio, um dos laboratórios que produziu o imunizante se equivocou na fórmula e o produto que deveria proteger as pessoas contra a poliomielite, promoveu uma ação adversa catastrófica: causou a pólio em centenas de pessoas, causando muitos óbitos e inúmeras sequelas em diversos pacientes. Este foi um dos fatos marcantes que ajudaram a produzir mais posicionamento folclórico, uma lenda urbana, que permanece até os dias atuais para algumas pessoas menos esclarecidas e de mentalidade fechada. Surge desse episódio um grupo que se posiciona contrário a qualquer imunizante e se bate em campanha contra toda vacinação.

Todavia, corrigido o problema desse único laboratório, houve nova rodada de vacinação em massa, no ano de meu nascimento, 1957, derrubando vertiginosamente a estatística de novos casos e sem causar qualquer dano aos imunizados.

Rende-se aqui os devidos e merecidíssimos créditos a uma excepcional mulher negra norte americana, Henrietta Lacks, nome alterado de Loretta Pleasant, injustamente ignorada, por muitos anos pela comunidade médico-científica. Ela foi a doadora, ainda que involuntariamente, das células cancerosas mantidas em cultura para criar a primeira linhagem celular imortal da história, por isso são chamadas de HeLa, suas iniciais e que viriam a ser utilizadas em pesquisas de diversas doenças. Sob condições especiais, essas células podem se reproduzir indefinidamente e isso as tornou essenciais para diversas pesquisas científicas. 

A contribuição da vacina de Salk, produzida com o auxílio de estudos que se valeram das células HeLa, foi tão importante que estimulou a que o Rotary Club Internacional instituísse o mês de nascimento de Jonas Salk, outubro, e o dia 24, como o dia mundial de combate à pólio.

Representou um avanço espetacular para a saúde pública, essa vacina. Tinha como digno de observação, não obstante, que a pessoa imunizada, apesar de não desenvolver qualquer sequela, se contaminada, ainda assim poderia transmitir o vírus a outrem, ou seja, mesmo imunizada, seria capaz de disseminar a doença; com isso sempre haveria a necessidade de vacinar inclusive os adultos. A vacina era injetável, outro fator para onerar o seu custo de aplicação e de logística.

Paralelamente a estes estudos, outro cientista, o polaco-americano Albert Bruce Sabin, trabalhava arduamente no desenvolvimento de outro imunizante contra a poliomielite.  E, apesar do grande sucesso do trabalho de Salk, Sabin abriu crítica severa àquela vacina, pois ela não impedia a contaminação, apesar de evitar as piores consequências.

Mário S R Ananias
Escritor - Palestrante - Gestor Público - PcD