Concebido como uma espécie de ode ao egoísmo humano, que produziria, ao longo do tempo, à virtude produtiva no seio da sociedade, o liberalismo sempre foi crítico e desconfiado da participação estatal. Infelizmente ao liberalismo não cabiam só virtudes e se durante o século XIX possibilitou o desenvolvimento Europeu, no início do século XX conduziu a uma desigualdade excessiva de rendas, reduzindo a demanda e ocasionando nas crises das guerras e no desvalor da bolsa de Nova Iorque em 1929.

Na virada para o século XXI o neoliberalismo, tendência concebida a partir da segunda guerra, encontrava-se em seu apogeu. Idealizada como uma crítica ao desenvolvimentismo de Keynes, inclusive diante de grandes debates entre esse último e Hayek, inicialmente foi colocada de lado pelos implementadores de políticas públicas no pós-guerra. As crises do petróleo da década de 1970, pareceram mostrar as fragilidades do desenvolvimentismo, quando o neoliberalismo parece adquirir maior prestígio (Hayek inclusive foi vencedor do Nobel em 1974). Na década de 1980 o governo Thatcher e o governo Reagan focalizaram suas políticas públicas nesse modelo, que entre outras medidas implementaram: drásticas reduções de gastos sociais estatais, diminuição dos impostos para os mais ricos, retirada dos estados na economia (na Inglaterra com ênfase nas privatizações, nos EUA a exceção foi nos gastos militares para a efetiva vitória na “guerra fria”); aumento das taxas de juros, diminuição das regulamentações de fluxos financeiros, repressão, desestímulo à organização sindical, queda da massa salarial, e aumento do desemprego (ANDERSON, 1995).

Aos poucos o neoliberalismo alastrou pela Europa e com o tempo para o resto do mundo (ANDERSON, 1995). Hayek (1973) alertava para a tendência de as democracias penderem para a ditadura dos grupos majoritários, para ele seria uma tendência natural que as pessoas prestigiassem governos com orientação para uma maior intervenção estatal em um círculo vicioso que resultaria em um autoritarismo crescente. É dele a ideia de que o fascismo e o socialismo tinham algo em comum por isso. (Hayek, 1973). Assim é que se estabelece talvez o regime preferencial dos neoliberais no Chile, onde uma ditadura previamente estabelecida garante a “tranquilidade popular” necessária para a implementação acelerada do receituário liberal. Tudo em nome do tão desejado “crescimento econômico”. De fato, no Chile, ele se deu tal qual preconizado aprofundando uma já grande desigualdade e sendo segurado por um dos mais cruéis regimes do século XX. Nos EUA e na Europa as taxas de crescimento não foram exatamente aquilo que era esperado. Apesar disso, o neoliberalismo prosperou na perspectiva dos formadores de opinião, tendo inclusive influenciado governos que a princípio se colocavam como progressistas (ANDERSON, 1995).

A crise do subprime em 2008 produziu uma nova visão pragmática da economia e favoreceu as ideias de intervenção estatal na economia, mesmo que tentando manter alguns conceitos liberais, como o controle monetário. Houve por muito tempo a preocupação que o excesso aumento de liquidez produzido nos EUA e Europa resultasse em inflação e uma incrível escala de déficit público. Se o aumento do déficit induziu a uma diminuição dos juros em escala global, podemos dizer que o fenômeno inflacionário não o acompanhou. O que parece demonstrar que um aumento de liquidez não está diretamente associado ao aumento dos preços em geral. Essa expectativa de aumento generalizado produziu um fenômeno repentino de reversão dos preços das commodities, causando um outro choque bem forte principalmente nos principais exportadores de petróleo.

Toda essa instabilidade pareceu conduzir a uma visão neoliberal um pouco mais condescendente com investimento social, sendo lembradas as ideias de renda mínima em valor de face, e algumas políticas neste sentido, que vinham sendo implementadas mesmo que em grau reduzido (DRAIBE,1993). Hayek(1973) já indicava que o estado deveria investir para estabelecer uma condição de igualdade de oportunidades, desde que à iniciativa privada não fosse interessante essa ação. Dessa forma um programa de renda mínima e garantia de ensino universal não seria, para Hayek(1973), nenhuma excrescência ao ideal central de garantir ao indivíduo a base para exercer plenamente sua liberdade, de acordo com suas capacidades e vontades. Para Draibe(1993) a eliminação da pobreza, o acesso à educação de qualidade e a garantia de condições mínimas de sobrevivência contribuiriam de maneira eficiente para garantir estabilidade ao sistema e por isso seria desejado mesmo sob uma ótica neoliberal.

O repentino aparecimento da epidemia de COVID trouxe ao mundo uma crise que, se corretamente estimada no futuro, poderá se revelar a maior de todo o sistema capitalista. Houve forte impacto econômico em todas as nações, contudo naquelas que sustentaram uma política negacionista o impacto tem sido particularmente intenso e duradouro. Novamente se fez quase unânime a necessidade de interferência estatal junto às empresas e principalmente pessoas em situação de risco. As estatísticas têm demonstrado que a liquidez sendo destinada às populações mais carentes acaba por tornar menor a crise econômica. E talvez, mesmo sob a dor da perda de milhares de vidas, resulte demonstrado que o suporte econômico estatal em situações de crise não só se justifica pelo aspecto humanitário, mas também como forma de evitar um tropeço desastroso da economia de um país. Independente de qualquer ideologia, a economia parece necessitar de uma eventual e pragmática ação do estado. Dessa forma o neoliberalismo pode evoluir por almejar não necessariamente um estado mínimo, mas sim um estado de máxima eficiência, onde os escassos recursos do pagador de impostos possam ser corretamente alocados no sentido de atenuar os efeitos do ciclo do capital, o qual dá mostras de estar se encurtando

 

Bibliografia

DRAIBE, Sônia M. (1993). As políticas sociais e o neoliberalismo - Reflexões suscitadas pelas experiências latino-americanas. Revista USP, (17), 86-101.

HAYEK, Friedrich August von et al. Liberalismo. 1982.

ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”. In GENTILI,Pablo; SADER, Emir. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Paz e Terra, 2008.