DO ISOLAMENTO SOCIAL AO RESGATE DOS VALORES MORAIS E CIVICOS NAS FAMÍLIAS ANGOLANAS

Domingos Bombo Damião
Luanda, 2020

Com a pandemia da COVID-19, ficar em casa passou a ser uma das principais medidas de prevenção, isso implica dizer que o confinamento ou isolamento social tornou-se um recurso primordial para as famílias e outros agentes sociais no sentido de se evitar a disseminação do vírus. 

Constata-se que o isolamento social nos remete ao impedimento ou afastamento nas relações e interacções sociais, e pode acontecer de forma voluntária ou involuntária. Neste caso, as razões do actual isolamento social, é do conhecimento de todos, por isso há grande preocupação no sentido de se encontrar melhores métodos para ultrapassar essa situação de isolamento, pois as consequências são prejudiciais, podendo variar de danos psicológicos, sociais e económicos para os cidadãos isolados socialmente.

Como se sabe, embora as famílias estejam a viver profundamente o isolamento social devido a pandemia, não se deve esquecer que a convivência social, sobretudo o convívio familiar é de extrema importância; pois, ajuda nos relacionamentos interpessoais, no fortalecimento dos laços afectivos, cívicos e sociais, contribui para o crescimento e desenvolvimento pessoal do cidadão, e acima de tudo, por meio da convivência social aprende-se a ser cidadão melhor, aquele que sabe dos gestos e atitudes correctas, dos valores morais e cívicos, das oportunidades, desafios, medos, dificuldades, victórias e desejos. Logo, por meio da convivência social, as famílias e os indivíduos compreendem como interagir com o meio ambiente a sua volta.


Nos dias de hoje, as famílias e a sociedade angolana têm enfrentado as crises de valores morais, cívicos, culturais, religiosos e sociais. E isto tem preocupado e levado a muitas discussões em torno dos melhores métodos para o resgate dos valores nas famílias angolanas.


Devido as mudanças sociais, a globalização, as crises económicas e financeiras, as mudanças nas estruturas familiares (o caso de famílias monoparentais, disfuncionais ou desestruturadas) e a emancipação das mulheres em Angola, a transmissão dos valores em muitas famílias entrou em declínio, porque muitas famílias não encararam mais a transmissão dos valores morais e cívicos como prioridade. Isso acontece porque agora muitos pais priorizam mais as condições materiais ou seja, se preocupam demais com a satisfação das necessidades com alimentos, habitação, vestuário, tecnologia e lazer. Na actualidade muitos pais valorizam mais o facto de ter e ter cada vez condições materiais, do que o facto de ser e educar seus filhos para saberem ser na sociedade foram postos de lado.

Observa-se que, muitas famílias estão bastante envolvidas com a ideia de que primeiro tem que se buscar o conforto e condições materiais como dinheiro, bom salário, boa aparência física, consumo de bebidas, boa casa, comida, vestuário, etc., e só depois disso, se preocupar com os valores morais e cívicos. Assim, em busca do conforto material, estabilidade financeira, a satisfação pessoal e a realização de sonhos individuais muitos pais, tutores e encarregados de educação ausentam-se de casa muito cedo, as vezes sem hora para voltar, não têm tempo de conversar com seus filhos, não sabem e não vivem a realidade dos seus filhos, não fortaleceram os laços afectivos com seus filhos, não se preocuparam em inculcar e ensinaram os valores aos seus filhos. Isto contribuiu para o enfraquecimento dos laços afectivos e disfunções comportamentais e parentais e daí que muitas famílias angolanas começaram a testemunhar o declínio da estrutura familiar e assistir a base da sociedade a ruir. 


Numa altura em que se enfrenta a pandemia que mudou e alterou o modo de vida das famílias, onde muitas pessoas são obrigadas a várias restrições e ao isolamento social, é importante aproveitar o momento em que muitos pais e filhos voltaram a estar juntos e reunidos diariamente, para se resgatar os valores que estão em crise nas famílias angolanas. Significa que, as famílias devem aproveitar o momento para repensar e fortificar seus papéis sociais, pois, em primeira instância educar e transmitir valores aos seus filhos e membros é função primordial das famílias, sobretudo dos pais.

Quanto a isto, cabe às famílias nesse período de isolamento social, adiantar-se para inculcar valores aos filhos e o fortalecer os laços parentais, afectivos e socioculturais com os membros da família. Pois, as famílias são como principais educadores e transmissores de valores, a partir do núcleo e convivência familiar os cidadãos aprendem as principais motivações capazes de contribuir para o desenvolvimento intelectual, afectivo, emocional, cívico, moral, social, religioso e culturais. As famílias devem ainda adiantar-se para ensinar aos seus filhos os valores fundamentais que orientam a vida humana e social e transmitir os ensinamentos culturais, hábitos e costumes.


Nesta perspectiva, deve ser preocupação das famílias angolanas usufruir o momento de isolamento social e olhar para educação familiar e reforçá-la de modo a garantir que após a pandemia, estado de emergência e isolamento social, os cidadãos possam lidar com a realidade. Devem ainda, reforçar a educação familiar de modo a contribuir para a transmissão dos aspectos culturais e sociais positivos da cultura angolana, instruir os filhos para o trabalho profissionais ou domésticos, incutir nos filhos o espírito de solidariedade, empatia, tolerância, respeito e amor ao próximo.  

Importa com isto salientar que, resgatar os valores nas famílias só é possível se haver relacionamento saudável entre os membros, e se, se educar os filhos com amor, harmonia e paciência. Assim como, educar os filhos a fim de pensar e agir para o seu bem e de toda comunidade ou colectivo. A família é a base da sociedade, e essa base só se tornará mais forte se as famílias estiverem fortes, unidas e juntos assumirem a responsabilidade de formar e educar cidadãos de boa índole, cidadãos que consigam exercer a cidadania da melhor forma possível no seu meio social envolvente.


No entanto, com a educação e convivência familiar saudável, os filhos são ajudados a crescer como seres sociais, assim como, adquirir e desenvolver as virtudes como a sinceridade, generosidade, a obediência, respeito e outras. Para isso, os pais também precisam de conhecimento multidisciplinar (como de psicologia, sociologia, pedagogia, cultura, religião, etc.), bem como habilidades para poder desempenhar o papel de pai-educador e ser bom exemplo para seus filhos. A partir das famílias a educação e as boas maneiras devem ser ensinadas desde casa, mas nem sempre isso acontece por isso muitas famílias perdem seus valores e hoje estão na luta do resgate dos valores perdidos.


Porém, devem as famílias angolanas insistir na luta contínua de ensinar e inculcar nos seus filhos a partir de casa os valores como obediência, fidelidade, honestidade, franqueza, respeito, humildade, fraternidade, bem como os cuidados de higiene e prevenção, e os gestos e atitudes como, dizer obrigado, licença, por favor, com licença, desculpas, bom dia, boa tarde e boa noite. Por outro lado, no seio familiar é preciso que os pais contem aos seus filhos suas experiências de vida e profissionais para servir de exemplo, fortaleçam os relacionamentos entre pais e filhos, esposo e esposa, etc., e evitem negligenciar e castigar os filhos ou outros membros da familiar – física e psicologicamente.


Portanto, entende-se que os valores morais e cívicos se constituem como qualidades que orientam as acções e interacções humanas em sociedade. Dito isto, as famílias têm grande responsabilidade na sua transmissão para os filhos, assim como os outros agentes de socialização. Neste sentido, a escola aparece também como um dos principais agentes que contribui para o resgate dos valores, mas isso implica dizer que, os pais não devem olhar a escola como um refúgio para as famílias depositarem seus filhos em caso dos pais não conseguirem executar seus papéis sociais da melhor forma.

Nota-se que, os pais não devem depositar seus filhos nas escolas e esperar que de lá saíam bem formados em todos os aspectos. Os pais precisam entender que, a família tem principal função na educação dos seus filhos, e a escola tem principal função na instrução, isso não quer dizer que a família não pode instruir ou então que a escola não pode educar. Mas sim que a família e a escola devem trabalhar juntos para a educação e instrução do cidadão e o resgate dos valores nas famílias e na sociedade angolana.

Em fim, não é somente responsabilidade das famílias e de forma isolada lutar pelo resgate dos valores morais e cívicos mas também das escolas, igrejas, os meios de comunicação social, os grupos de referências, sem esquecer da participação activa do Governo (sobretudo dos Ministérios da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, da Educação, da Cultura, da Comunicação Social, da Juventude e Desporto, da Defesa, da Justiça e Direitos Humanos, e outros), assim como das Organizações da Sociedade Civil, os artistas e todos agentes empresariais público e privado.

Referência
Kundongende, J. C. (2013). Crise e resgate dos valores morais, cívicos e culturais na sociedade angolana. Huambo: Ministério da Educação.