Curiosidade, mídias sociais e o mundo natural

 

A curiosidade, o interesse pelas coisas, a vontade de perguntar, são características das crianças e dos jovens. “Por que isso...?”, “Por que aquilo...?”, De onde vem...?”, “Pra onde vai...?”. Todos que têm filhos ou convivem com crianças e jovens sabem o quanto estes questionamentos são importantes, para despertar e aguçar a curiosidade. Estimular o espírito inquisidor, pesquisador e questionador é uma das principais tarefas de pais, professores e responsáveis pela educação das novas gerações. Escolas e professores não deveriam se limitar a transmitir a “educação bancária”, simplesmente depositando conhecimento de todo tipo, afim de “enriquecer” o aluno, como dizia o educador brasileiro Paulo Freire. O professor, ainda segundo Freire, deve promover o diálogo, aproximando a teoria a ser transmitida do dia a dia dos educandos. É dessa forma que se faz a “educação ativa”.

(Aqui somente um comentário sobre a pedagogia deste grande mestre brasileiro, Paulo Freire. Ainda tão pouco valorizado em seu próprio país, tendo sido até propositalmente mal interpretado em tempos bem recentes, Freire é bastante conhecido no exterior, na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos, tendo influenciado, entre outros, o Prêmio Nobel de Economia Vernon Smith – veja reportagem no link: https://news.chapman.edu/2017/03/15/what-unites-us/).

Até que ponto, no entanto, atualmente as crianças ainda recebem incentivos para serem curiosas em uma sociedade onde, pelo menos para parte da população, tudo está disponível através das redes sociais? Textos, fotos, filmes, palestras, debates, documentários; há um vasto material disponível gratuitamente e acessível através de um simples celular. Há quarenta ou trinta anos atrás, não havia tanta informação disponível – apenas uma fração do que agora acessamos durante apenas alguns minutos de consulta no Google. As enciclopédias, com preço relativamente elevado, e atualizadas somente uma vez ao ano (com o “Livro do Ano”), eram a principal fonte de conhecimentos gerais ainda na década de 1990. Comparativamente, estas publicações concentravam apenas uma milionésima parte do que hoje está disponível a qualquer consultante de internet.

Informações de todo o tipo ficaram mais acessíveis. A curiosidade, se bem incentivada, gera conhecimento, o que faz (ou deveria fazer) com que em seguida houvesse procura por mais conhecimento, e assim sucessivamente; pelo menos é o que se esperaria como efeito de um ambiente onde cada vez mais dados estão disponíveis Mas, será que os consulentes de nossos dias sabem o que realmente interessa ser consultado? O tempo médio gasto conectado à internet é efetivamente bem empregado, fazendo com que novas informações, ideias e conhecimentos sejam absorvidos e dominados? É possível dizer que as novas gerações são mais bem preparadas, aptas a entenderem o mundo em que vivem de forma melhor, tendo uma visão mais aprofundada de sua “condição no mundo” sob o ponto de vista histórico, científico, social e cultural?

Nos últimos tempos observei um fato interessante. Sei que não é possível tirar conclusões a respeito de uma situação, baseado apenas em um aspecto. Mas, penso que talvez seja um indicador. Pois bem, moro perto do mar e frequentemente percorro a praia, rente à água, à procura de algo que o oceano deposite na areia: sementes, conchas de todos os tipos (cujas espécies variam de acordo com a estação do ano), ossos, troncos, animais marinhos mortos, plástico e muito, muito lixo. O que me chama realmente a atenção são algumas conchas incomuns, um osso diferente ou outros objetos estranhos. Desde criança tenho esta curiosidade, e posso dizer que naquela época era muito comum que as crianças ficassem encantadas com todo tipo de animal ou objeto que aparecia nas praias – que eram mais limpas.

Hoje, caminhando, observo que a curiosidade das crianças diminuiu. O fascínio que estes estranhos seres marinhos deveria exercer sobre os pequenos diminuiu bastante, tornando-se raro. É difícil ver algum menino ou menina se admirar com uma concha, um caranguejo ou um peixe, levados à praia. E não porque já tivessem contato constante com estas criaturas; são turistas que pouco o raramente têm a oportunidade de caminhar na areia.

Talvez, o contato excessivo com toda essa parafernália eletrônica feita para consumo (vejo crianças de quatro anos falando em celulares e acessando as redes sociais), com os jogos eletrônicos e outras distrações parecidas, tenha afastado as crianças e os jovens do “mundo real”. Para a sociedade ficou mais barato oferecer este tipo de diversão, ao invés de construir parques arborizados, salões de esportes, cinemas e teatros, bibliotecas; organizar excursões e viagens.

Tudo se tornou virtual. A imagem de um monstruoso e irreal vilão de um jogo de vídeo game tornou-se mais interessante do que a concha multicolorida, encontrada durante a maré baixa na praia, habitada por um caranguejo-eremita. A realidade agora é virtual e o mundo real é algo remoto e ignorado, estudado apenas por especialistas, que supostamente escrevem postam artigos e reportagens na Internet – as quais, surgindo interesse, podemos oportunamente consultar. Estamos perdendo contato com a natureza, esquecendo que somos parte dela?