SOBRE DROGAS E OUTRAS MAZELAS

OU: A MINHA DECLARAÇÃO DE GUERRA!

 

“Prepare seu coração/ Pras coisas que eu vou contar/ Eu venho lá do sertão/ Eu venho lá do sertão/ Eu venho lá do sertão/ E posso não lhe agradar...”

(Geraldo Vandré e Théo de Barros, na música “Disparada”, de 1966)

 

“A minha esperança é um sol que brilha mais

Este sol iluminará nossos passos

Pela harmonia universal dos infernos

Chegaremos a uma civilização.”

(Trecho da fala do personagem D. Porfírio Diaz, do filme TERRA EM TRANSE, do cineasta baiano Glauber Rocha, de 1967)

 

Vivendo num mundo pós-moderno, tão desumano, desigual, violento e caótico como esse nosso, em que tudo o que é sólido desmancha-se no ar, como escreveu Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, eu me sinto instigado a escrever sobre aquilo que me deixa indignado, sobre aquilo que não contribui para uma mudança positiva do ser humano. Não me venham falar de neutralidade, quando tratarmos de temas polêmicos. A neutralidade é uma característica de quem tende a ficar com os mais fortes. Não é o meu caso.

 

Há temas árduos, polêmicos, que exigem das pessoas atitude, decisão, proceder. Eles vão nos fustigando, nos fazendo pensar e pensar. E, em relação a eles, como Jean-Paul Sartre, também acho o silêncio reacionário. Detesto gente preguiçosa, reacionária e sem atitude. A intenção desse texto, como digo no título, é falar sobre todo tipo de drogas e mazelas sociais e, sendo assim, é também a minha declaração de guerra. Vamos lá.

 

Sou contra: a hipocrisia, a demagogia, a corrupção. O nosso País é uma zona! Crianças estão armadas nas favelas! E há mendigos pelas calçadas de nossas cidades. Consequências do voto errado. Sou contra também outras mazelas, que são características desses nossos tempos: a alienação, a mediocridade e o pessimismo, que só anunciam o esperado: não há mesmo luz no fim do túnel; e se tiver é do trem que vem. E na política? Ah, pornopolítica! Aqui na minha Bahia, o governo gasta tubos de dinheiro público com propagandas enganosas e o povo sem segurança. Nunca vimos tanta violência em Salvador, ou os jornais estão mentindo? Se não estão, então eu queria morar numa das propagandas do governo da Bahia, com aquele povo sempre rindo, feliz! “Quem não tem amor pelo povo brasileiro, não me representa aqui nem no estrangeiro!” (Mv Bill, 2002)

 

O progresso não tem remorso! E muitos tomam comprimidos contra insônia, pânico ou depressão. Vivemos entediados com essa vida, carente de emoções e aventuras. Esse mundo é depressivo. De todas as drogas inventadas na pós-modernidade, a depressão é a pior. É uma droga que quem procura em geral não acha. Ela vai chegando, aos poucos, silenciosamente, vai se instalando... Mas TUDO precisa ser feito para manter a paz social e proteger as propriedades dos ricos. Pense o/a leitor/a na energia com que o burguês capitalista atribui ao “radical” o rompimento da tal “paz social”, que nada mais é, na verdade, o sossego para gozar, sem “contestação”, os seus privilégios de classe dominante. Pois agora eu quero mesmo é a guerra! O que sempre quis, com o meu trabalho, foi desconstruir esse discurso, que serve mesmo à dominação de uns poucos sobre a grande maioria. E como fazem isso? As classes privilegiadas substituem a realidade pela imagem que lhes é mais favorável, e tratam de impô-la aos demais, com todos os recursos de que dispõem. A mídia, por exemplo, com sua grande capacidade de seduzir.

 

Como isso é possível? Qual o valor da vida humana nos dias de hoje? Pode ser diferente?

 

Em dois momentos, durante a semana, fui questionado, instigado a falar sobre dois temas polêmicos: MST e homossexualidade. Vamos ao primeiro tema. Sou a favor do MST (maior movimento social do Brasil e um dos maiores da América Latina!) Apoio não só o MST, mas outros movimentos sociais, como a UNE, a CUT e a CUFA. Num País tão injusto, e com uma péssima distribuição de renda como o nosso, não dá para ser contra o MST! Se o MST existe, é porque AINDA não foi feita uma reforma agrária séria como já deveria ter sido feita. Não dá para ficar neutro, pois quem é contra, apoia então o latifúndio. “Uma das piores distribuições de renda: antes de morrer, talvez você entenda!” (Mv Bill, 2002)

 

A ideologia também é uma droga (mas eu quero uma pra viver!) A luta com as palavras, que é a minha luta, é a mais vã. Mas é a que aprendi, é a que sei fazer. Uma pessoa que é fã de Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Franz Kafka, Carlos Drummond de Andrade, John Lennon, Renato Russo e Cazuza; e que tem Mahatma Gandhi e Martin Luther King como seus grandes ídolos, não poderia agir diferente, não é mesmo? Eu não sei pegar em armas! Eu não sei fazer bombas ou coqueteis molotov! As minhas armas são caneta, papel e computador. As munições são os livros, revistas e jornais que leio todos os dias, religiosamente. Na verdade, não sei porque ainda escrevo... Às vezes acho que sei... Diante dessa onda ecológica e aquecimento global; das drogas; da moda que nos esvazia; da pseudoliteratura; da geração video-game, que não lê quase nada; das alienações da grande mídia; das imitações tupiniquins de rock e punk; de mauricinhos e patricinhas e baboseiras tais, nas Malhações e demais novelinhas globais, vou colhendo do fundo do baú retalhos, recortes do caos e lá vou eu, singrando os mares da imaginação. Corro para a frente do computador e, como um Quixote ou mesmo um Sísifo, que empurra a sua pesada pedra montanha acima, para depois vê-la despencar ladeira abaixo... Escrevo mais um texto! “Quem pensa incomoda. Não morre pela droga, não vira massa de manobra!” (Mv Bill, 2002)

 

Falemos agora sobre homossexualidade. Não sou homossexual, mas não tenho nada contra os mesmos, nenhum tipo de preconceito e até considero a sua luta válida. Se me convidarem um dia, estarei apoiando-os nessa luta. O que acontece é que o preconceito é uma droga terrível! Machuca muito. Vivemos na Bahia, o estado onde tem mais homossexuais e, ao mesmo tempo, é o estado mais homofóbico do Brasil. Contraditório, não é mesmo? Será que não tem muita gente por aí que é, e fica se escondendo dentro do armário e dando uma de preconceituoso, de homofóbico? Sou contra passivos travestidos de pacatos! Sou contra medo travestido de senso! Sou contra fraquezas travestidas de virtudes! Sou contra lobos travestidos de cordeiros! Sou contra pedantes travestidos de cultos! “Preconceito sem conceito que apodrece a nação!” (Mv Bill, 2002)

 

E a pirataria, é uma droga? Pode até ser, mas convenhamos, o camelô também é gente! Não tem emprego formal pra todo mundo! E o cidadão precisa sobreviver, precisa levar comida para os filhos! E eu preciso ver os meus filmes e ouvir minhas músicas! Como afirma o historiador Guilherme Scalzilli “é absurdo assemelhar o comércio ilegal de bens culturais ao de quaisquer outros produtos gerados por contrabando ou falsificação. Reproduzindo as engrenagens do tráfico, chega-se ao cúmulo de criminalizar a busca por informação, marginalizando seu ‘usuário’”. (in Caros Amigos, 2010) É como o usuário de maconha, ou o dependente de qualquer outra droga: não tem que ser caso de polícia, mas de saúde pública! Vamos acordar! Fica essa discussão infrutífera sobre a legalização da maconha! E as outras drogas, como o cigarro e o álcool? “Me diga o que causa mais estrago, 100 gramas de maconha ou um maço de cigarro?” (Mv Bill, 2002)

 

Nessa terra em que muita gente lê sem ler, que ouve sem ouvir, que vê sem ver. Nessa terra onde gestores e políticos promovem apenas o entretenimento vazio, relegando ao esquecimento a Educação e as Artes, talvez temerosos de que o eleitor venha a ser um dia capaz de olhares mais altos e lúcidos, só de sacanagem eu vou continuar a escrever, para afirmar a minha insubordinação intelectual, a minha nova e terrível liberdade. Não se trata mais de fazer o que fiz com O PENSADOR. Aqui se trata agora de revolta mesmo, pura e simples. A única dignidade que vejo num homem é a sua revolta contra esse mundo. É o seu esforço cotidiano, em que a inteligência e a revolta se misturam.

 

Estamos no meio da barafunda e da balbúrdia desses tempos velozes... Mas está tudo bem, tudo é permitido e nada é detestável: juízos absurdos desses tempos pós-modernos! E, independentemente do que escrevo, do que leio, e do que você escreve ou lê, o mundo continuará a girar, com suas cegas esperanças...


REFERÊNCIAS

Mv Bill, CD Declaração de Guerra, 2002.
 

(Márcio Melo, do contra, revoltado, indignado e insubordinado sempre! No próximo texto, quero continuar falando sobre temas polêmicos. Indique-me alguns! Obrigado!)