A reabilitação psicossocial é um processo lento e flexível, que envolve cuidados continuados, de convivência com um modelo integral e que cubra seqüelas da enfermidade através de terapia farmacológica, psicoanalítica e familiar. Todas conjuntamente aplicadas de forma adequada, em cada momento, permitem que haja um modelo de Reabilitação. Há que ser amplo, flexível, integral e continuado.

O CAIS Clemente Ferreira em Lins desencadeou um trabalho reabilitador cujas características se adequam aos seus moradores. Sua história não está dissociada da história da assistência psiquiátrica praticada no Brasil e os esforços para reverter o modelo assistencial hospitalocêntrico estão respaldados em leis, decretos, portarias ministeriais, relatórios de conferências, mas, sobretudo no empenho, na vontade e na determinação de cada funcionário e da dirigente da Instituição.

Os leitos neurológicos destinados a crianças e adolescentes implantados no ano 2000 significa um avanço na missão assistencial, que até então dispensava cuidados terapêuticos e reabilitação apenas aos portadores de transtornos mentais, de lá pra cá, também aos portadores de transtornos neurológicos graves como as crianças com seqüelas de paralisia cerebral que hoje podem usufruir de melhor qualidade de vida.

Trabalham dentro de um modelo, onde o usuário tem a perspectiva de um projeto de vida e de futuro. Contam com residências terapêuticas no município de Lins, pois é na cidade que ocorre a possibilidade da cidadania. Contam com outras residências dentro do espaço geográfico do CAIS, que permitem maior individualização e melhor qualidade de vida, destinados a pequeno número de moradores, rompendo com as características asilares, próprias às grandes enfermarias.

A assistência básica foi alterada para se garantir melhor qualidade aos moradores, sobretudo acamados, que precisam de cuidados diuturnos.

A inserção social, através de participação dos usuários na vida da comunidade, a divulgação e orientação à população sobre o processo saúde-doença mental e a reforma psiquiátrica, constituíram-se numa pedagogia inovadora, de reflexão e transformação da cultura hospitalocêntrica. A comunidade passa a compreender que ‘trancar não é tratar’ e que ‘a cidade é o lugar da reabilitação’.

Vale relatar alguns fatos que tive a oportunidade de tomar conhecimento, que falam de vida e que eram improváveis, para não dizer impossíveis numa instituição psiquiátrica e que vem mostrando resultados surpreendentes.

Dois internos, um homem e uma mulher, que se conheceram numa instituição para menores abandonados, mais tarde encontram-se na instituição psiquiátrica, destino de muitas crianças institucionalizadas. O reencontro culmina num casamento e na constituição de um lar, precedido de um período de vida em comum como meio de avaliar a experiência conjugal. Surgem outros casais de namorados e novos ‘casamentos’, assim como separações e conflitos conjugais, situações portanto do nível do ‘humano’.

Um casal de namorados internos tornam-se pais e a criança reside junto com os mesmos numa residência terapêutica, onde estão aprendendo a exercer os papéis de mãe e pai, provedores de afeto e atenção para seu filho. Um papel aprendido e uma experiência nova, visto que a história de vida de ambos desconhece este modo de vida familiar.

Cinco homens residem numa ‘república’ na cidade – equipamento denominado de Residência Terapêutica - onde dividem os afazeres do cotidiano, estudam e participam da vida comunitária, com o auxílio da equipe de saúde.

Vários pacientes adquirem benefícios de prestação continuada, que se constitui em um salário mínimo pago pelo Estado para portadores de doenças mentais, conforme previsão da Lei Orgânica da Assistência Social. Com este dinheiro podem adquirir objetos de uso pessoal que facilitam a individualização e lhes permite ainda um valor agregado à cidadania.

Vários pacientes participam do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos na Comunidade e professores da comunidade atuam também no Hospital com outros grupos preparatórios.

Os indivíduos manifestam seus desejos, melhoram seu nível comunicacional, deixam de lado o uniforme do anonimato, andam calçados, vestidos, maquiados, com cortes de cabelo personalizados, onde antes imperava o corte uniforme para todos, e muitas vezes tinham as cabeças raspadas. Encontrar pacientes em supermercados, lojas, bancos ou praças, é uma constante e não causa surpresa.

Tudo isto faz a vida mais bela, torna as pessoas mais felizes ou menos infelizes. Este exercício de vida pode ser compreendido como o processo de reabilitação psicossocial, para cuja realização torna-se imprescindível a relação democrática no âmbito institucional.