O NEGRO NO PARANÁ: INSERÇÃO NA SOCIEDADE CURITIBANA

Autora: Mirian Moreira Soares

Orientadora: Profa. MS. Elisangela S. de Almeida

RESUMO

A proposta do artigo é analisar o negro na cidade de Curitiba, os quilombos na região metropolitana da capital do Paraná, a percentagem de negros no passado e nos dias de hoje, a atividade que se dedicavam na capital e a sua representação cultural. Quase um quinto da população de Curitiba se declara negra, porém a presença do negro na sociedade curitibana é pouco documentada. A bibliografia consultada para este artigo mostra os dados e percentagem dos negros no Brasil, Paraná e Curitiba. A forte presença da cultura dos povos negros em Curitiba, nos dias atuais, está vinculada à lavação das escadas da Igreja Nossa Senhora do Rosário, à praça Zumbi dos Palmares, à escultura da Maria Lata d’Água e à Sociedade Treze de Maio. Uma nova presença de negros haitianos surge no cenário curitibano, construindo uma nova relação social na capital do estado.

Palavras-chave: Negro. Escravidão. Quilombo. Curitiba.

1 INTRODUÇÃO

Desde a época em que os portugueses, devido à grande falta de mão de obra no período colonial em nosso país, resolveram realizar a importação de escravos, não existe conhecimento do tratamento desumano que seria imposto a esses escravos. Também não tinham ciência de que seus descendentes, em séculos mais tarde, acabariam contribuindo para o mundo das artes, esportes, políticas e até mesmo para toda a vida social brasileira (ARAUJO, 2007).

Dos negros que foram trazidos para nosso país como escravos, restaram sua cultura que orgulha não apenas às pessoas que têm sua definição como afrodescendentes, mas também toda a sociedade brasileira. São tradições, costumes, fatores e diversas outras coisas que são transmitidas ao longo das gerações (MATTOS, 2007).

Segundo Mattos (2007), os estudos relacionados com negros em nosso país se apresentam pouco generosos com relação a toda trajetória dos negros no Brasil. Não exatamente por omissão, mas, sim, devido à ausência da conscientização do papel da importância do negro

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para o nosso país, de que sua cultura deve ser preservada e conhecida, além de que a cultura afro-brasileira é a cultura de todos que vivem no país.

Dessa forma, o presente trabalho tem o objetivo de responder a algumas perguntas, como: qual é a importância da colonização negra na história de Curitiba, uma colonização reconhecida como escrava? Quantos são os afrodescendentes dessa colonização na capital curitibana? Qual é o legado cultural que essa imigração escrava deixou para a capital das etnias? O que aprendemos com os costumes trazidos por eles da África?

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 Números Referentes à População Negra

Atualmente, vive no Brasil uma população de negros e pardos de 50,7% e, no estado do Paraná, tem-se, hoje, uma população de negros de 76% e de 22% de pardos. Em Curitiba e região metropolitana, os negros representam 23% da população (IBGE, 2010).

A participação dos negros e pardos no cotidiano da cidade de Curitiba é inegável, a sua presença é marcada na cidade por uma placa na Praça Santos Andrade, centro de Curitiba, e na Praça Zumbi dos Palmares localizada no Pinheirinho.

Curitiba possui três quilombos em áreas metropolitanas; um deles está localizado no município de Bocaiuva do Sul, que apresenta 76% da população contendo 22% de pardos e 22% de negros. Em Bocaiuva do Sul, está localizada a Comunidade de Remanescentes de Quilombos de Areia Branca. No município de Campo Largo, existe a Comunidade de Remanescentes de Quilombos de Palmital dos Pretos e a Comunidade Negra Tradicional Sete Saltos.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, revelou que a população negra brasileira chega a 96,7 milhões, o que, em percentual, representa 50,7% de brasileiros negros fazendo a beleza da raça, vivendo com 91 milhões de brancos, para somar os 190.755.799 de milhões de habitantes.

O IBGE faz uma comparação com o crescimento populacional de 2000, dizendo que o percentual de pardos cresceu de 38,5% para 43,1% (82 milhões de pessoa). Em 2010, a pesquisa mostra que os negros aumentaram de 6,2% para 7,6% (15 milhões), e a população que se declara branca no Censo de 2010 caiu de 53,3% para 47,7% (91 milhões de brasileiros) (IBGE, 2010).

A população negra distribui-se no espaço geográfico brasileiro crescendo do Sul para o Norte, sendo que vivem no Pará 69,5% dos pardos. Os negros estão concentrados na região

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Nordeste, inseridos no estado da Bahia, onde 17,15% da população se autodeclara negra, ou seja, 2,4 milhões de brasileiros.

Na região Sul, o estado de Santa Catarina tem o menor número dos brasileiros que se declaram negros ou pardos. Os dados apontam que 2,9% da população desse estado l se autodeclara negra e 12,4% parda (COSTA, 2013). A população paranaense, segundo os dados do IBGE (2010), é constituída por 76% de brancos; 22% de pardos; e 22% de negros.

2.2 O Negro no Brasil

Como durante o ciclo da cana-de-açúcar, no Brasil, não era possível encontrar mão de obra que desse conta de cuidar da agricultura, os camponeses não enfrentavam o clima e as doenças tropicais para se aventurarem em empregos. Dessa forma, vinham para o país com a proposta de enriquecimento a curto espaço de tempo (WACHOWICZ, 2002).

A falta de braços para trabalhar nas terras brasileiras foi responsável pelo sistema escravo adotado no Brasil no período colonial. Nesse período, figurava no cenário brasileiro: a economia das repetidas escassezes dos vários tipos de alimento, moradias precárias, produção insuficiente, escassez da moeda e escassez de arrecadação, de indústria, de mão de obra e de instrução (FERRARINI, 1971).

Para Ferrarini (1971), o negro foi arrancado da África para suprir essa escassez de mão de obra, realizando múltiplas atividades e afazeres, atendendo a toda demanda de trabalho exigida pelos seus senhores. Havia uma diversidade de ofícios realizados pelos negros com eficiência, como lavrar a terra ou mineração, “um mundo de gente escrava ocupada única e exclusivamente a serviço de um só senhor.” (p. 82).

Mas para Wachowicz (2002), os escravos negros da África não foram as primeiras escolhas dos portugueses, eles buscaram, antes, escravizar braços indígenas. Porém para os homens indígenas trabalharem nessas atividades era desmerecedor de sua condição de jovens guerreiros, não se subordinavam a esse tipo de vida sedentária. Essas tarefas em seus costumes eram destinadas às mulheres, quando aprisionados e obrigados a exercer as tarefas que consideravam femininas, morriam no cativeiro, se suicidavam ou fugiam.

Um outro fator que fez com que os portugueses abandonassem a ideia de escravizar os índios brasileiros foi a interferência dos padres jesuítas. Isso fez com que os portugueses recorressem aos escravos africanos, apesar do alto custo. Nesse contexto, na primeira metade do século XVI, a mão escrava do negro da África começou a produzir a economia açucareira no Brasil (WACHOWICZ, 2002).

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Afonso E. Taunay (apud WACHOWICZ, 2002) afirma que nos séculos XVI e XVII entraram no Brasil 700.000 escravos e nos séculos XVIII 1.300.000 e XIX 1.600.000, ou seja, 3.600.000 negros foram trazidos da África para serem escravizados em solo brasileiro, sendo que a maioria da mão de obra escrava era absorvida no Nordeste. Diz Wachowicz (2002) ainda que, a partir do século XVIII, com a exploração das Minas Gerais, e início do século XIX, a população brasileira era representada na sua maioria por negros e mulatos. Toda a estrutura da sociedade brasileira era baseada na mão de obra escrava (WACHOWICZ, 2002).

2.3 No Paraná

O território paranaense foi organizado socialmente seguindo o modelo de outras organizações do território brasileiro, porém não de forma idêntica. Os escravos africanos ou indígenas foram utilizados, mas não chegou a dominar pela característica econômica da província. O regime escravocrata no século XVII foi instalado no Paraná para as explorações de ouro no litoral paranaense. O lucro do ciclo do ouro não foi o suficiente para os portugueses exploradores comprarem escravos africanos, fazendo com que nesse cenário a mão de obra utilizada fosse a do índio (WACHOWICZ, 2002).

O professor Wachowicz (2002) revela que, quando as minas de ouro do litoral paranaense passaram a produzir uma quantidade maior de ouro, foi trazida para o Paraná uma maior quantidade de escravos, porém os escravos trabalhavam paralelamente aos homens livres, como membros de famílias numerosas. Esse novo jeito de produção econômica não valorizava a participação do escravo na sociedade paranaense, assim como ocorria com a mão de obra escrava do Nordeste brasileiro.

Lima (2011) diz que nas comarcas de Paranaguá e Curitiba a representação da mão de obra escrava era tão escassa que quem ainda possuía escravos os colocavam em trabalhos domésticos, fosse para serviços das residências, ou na assistência da criação de gado de fazendas de invernada. Os escravos paranaenses tiveram uma qualidade de vida melhor do que os de outras regiões do Brasil colônia.

No auge do ciclo do mate, no século XIV, os negros foram absorvidos pela indústria ervateira, trabalhando com trabalhadores livres e já dividindo as atividades do mate com imigrantes recém chegados ao território paranaense.

No mesmo século XIV, surgem no cenário escravocrata brasileiro as primeiras leis de proibição de tráfico de negros africanos para o Brasil. As leis são de 1826 e 1831, e não eram cumpridas pelos senhores de escravos. Como o Paraná construiu a sua história com base no

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histórico de outros territórios brasileiros, não foram diferentes as suas relações sociais com os escravos. O Porto de Paranaguá se tornou a entrada principal dos escravos e de lá eram distribuídos, conforme demanda, para todo o território brasileiro. Romário Martins observa que, após a lei de 1831, Paranaguá incrementou o comércio de escravos (WACHOWICZ, 2002).

No século XVII, a economia paranaense era basicamente oriunda da pecuária e, no século XVIII, a erva mate respondia pela economia, já ao longo do século XIX cursavam juntos e se sucediam. Os escravos paranaenses deixaram seus vestígios nas antigas fazendas da região e nas comunidades remanescentes quilombolas.

Wilson Martins (1989) diz que havia no território paranaense 9.427 indivíduos livres, 544 mulatos escravos e 1.043 negros escravos. Em 1838, havia 14.214 indivíduos livres, 704 mulatos escravos e 1.237 negros escravos. Assim, de 1818 a 1838, houve um aumento de 354 escravos, sendo que na população em geral passou de 11.014 a 16.155 habitantes, significando um aumento de 5.141 pessoas.

Saint-Hilaire (1978) observa que no Paraná não havia grandes plantações agrícolas que demandassem mão de obra escrava. Aqui, no Sul, os colonos desconheciam a escravatura. A lei de 1851, que organizou a colonização do Rio Grande do Sul, proibiu a entrada de escravos nos distritos coloniais. Em 1895, com a expansão do Café em São Paulo, o território paranaense foi invadido pela agricultura cafeeira, principalmente no alto do Paranapanema, que era o limite mais próximo de São Paulo. Nesse momento, a escravatura agonizava, pois o recrutamento de negros estava mais difícil. Novamente em 1881, no entanto, os escravos voltaram ao cenário da agricultura, comprados no norte do império (MARTINS, 1989).

Martins (1989) relata que nesse momento a assembleia provincial do Paraná “discutia se era conveniente ou não proibir a importação de escravos.” (p. 29). Não foram as leis e nem os regulamentos que impediam a importação de escravos.

Com a fundação da cidade portuária de Paranaguá, em 1648, chegaram os primeiros escravos africanos para trabalhar nas minas de ouro, nas imediações da cidade litorânea. Não demorou muito e se descobriu minas de ouro serra acima em direção aos campos Curitibanos. Os colonos oriundos das Capitanias de São Paulo trouxeram possivelmente seus primeiros ajudantes escravos africanos para extrair o metal e lavar.

Na carta do ouvidor Pardinho endereçada ao Rei em 1720, ele se referia a uma população de 560 casais e 3.400 pessoas, índios e escravos negros não foram contabilizados. Nas listas nominativas na metade do século XVIII, aparecem dados do negro escravo. Em 1798 foram relacionados 4.273 cativos em uma população de 20.999 habitantes de Antonina, Paranaguá, Castro, Curitiba, Lapa e São José dos Pinhais, ou seja 20,3% da população era composta de

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escravos; e nos anos seguintes houve pouca variação: 18,6% em 1819 e 17,1% em 1830, sendo que nessa época a população paranaense já somava um contingente de 37.701 habitantes (GUTIÉRREZ, 2006).

Gutiérrez (2006) relata que o número de escravos no Paraná era maior do que aparecia nas listas nominativas de habitantes de 1817. O Paraná na realidade tinha 5.174 indivíduos em situação de escravidão e não 2.345, como conta o inventário de terras.

Curitiba nessa época tinha 522 propriedades, sendo 58 destas com escravos, ou seja, 11,1% das propriedades tinham sua produção de mão de obra escrava, somando 202 curitibanos escravos, em 1818 (GUTIÉRREZ, 2006).

2.4 Teoria e Ideologia do Racismo

Segundo Tamano et al. (2011), na obra de Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), um ensaio sobre as desigualdades da raça humana, é discutido que a degeneração racial acontece pela mistura do oriental, negroide e caucasiano. De acordo com o referido ensaio, essa mistura destrói a vitalidade original da raça branca europeia, que “dominava arianos em referência à suposta diáspora dos árias, um grupo indo-europeu, ancestrais considerados superiores culturalmente e fisicamente” e que tinham a terra e a sua nobreza como virtudes do solado selvagem rousseauriano (HERMAN JR., 1999 apud TAMANO et al., 2011, p. 756).

A teoria diz que, como efeito do cruzamento inter-racial, o sangue ariano foi se diluindo e os humanos de sangue ariano diluído vão se tornando corruptos. Este seria um fim inevitável para alemães, latinos e gauleses, herdeiros da raça imponente.

“Então as novas civilizações surgidas dessa mistura de raça não mais ganhariam vida com a terra e as guerras, e sim aprendiam ofícios ‘vis’ do comércio e da era industrial, e não mais teriam a ‘força, da beleza e da inteligência original’.” (HERMAN JR., 1999 apud TAMANO et al., 2011, p. 756).

Gobineau (1816-1882), além de influenciar vários cientistas da época da linhagem de intelectuais alemães, teve influência em outros pensadores que se encarregaram de perpetuar suas teorias raciais, destacando-se entre eles Richard Wagner (1813-1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900). O círculo de Wagner, em Bayreuth, foi um importante centro de disseminação das “ideias gobinianas”, influenciando o movimento alemão ultranacionalista que fundou, em 1894, a Sociedade Gobineau (TAMANO et al., 2011).

Tocqueville, conforme apontado por Tamano et al. (2011), critica a insensatez de Gobineau de acreditar que as ações humanas fossem fruto do sangue da raça, como se o espaço,

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a liberdade e a escolha moral não fizessem parte do indivíduo, mas sim de origem racial. Esses pensadores introduziram um novo elemento, ao dizer que judeus seriam os maiores culpados, os maiores corruptores da perda da vitalidade ariana (TAMANO et al., 2011).

Entendendo a teoria de Gobineau, é possível entender como o Brasil introduziu suas ideologias nas teorias racistas úteis para o Brasil, sendo um dos últimos países a libertar os seus escravos. Gobineau esteve no Brasil entre 1869 e 1870, na cidade do Rio de Janeiro como ministro na delegação diplomática francesa junto com Dom Pedro II (RAEDERS, 1998 apud TAMANO et al., 2011). A amizade do escritor francês com o imperador brasileiro teve continuidade após a missão oficial e de seu retorno à França, através de correspondência e encontros no exterior. A estadia do francês em território brasileiro reforçou suas convicções de que, devido ao altíssimo grau de mestiçagem aqui observado, a raça brasileira estaria fadada a desaparecer, substituída por mulatos “degenerados e malandros” (TAMANO et al., 2011).

Para o francês Gobineau, era preferível que não houvesse a mistura das raças, até mesmo porque os negros de raça pura seriam superiores aos descendentes de mulatos. Nesse contexto infeliz, justifica-se a permanente escravidão adotada no Brasil, pois com a abolição seria maior o risco da mestiçagem (TAMANO et al., 2011).

Na Europa, no berço das teorias racistas, no século XIX, tem-se o ápice do chamado racismo científico, “manifestações máximas do chamado darwinismo social” (PAES, 1992, p. 161). Na época da explosão dessas teorias, houve uma tentativa de naturalizar as desigualdades para que se provasse a superioridade da raça branca, para que o europeu não sentisse conflito ideológico com seus ideais democráticos e liberais, justificando que não foi o europeu que teve a intenção de estabelecer as diferenças entre as raças, ao contrário, estas já vinham naturalmente (LEITE, 2002).

O Brasil teve acesso a essas teorias em um período onde a força de trabalho era de escravos, fim do século XIX. O modelo colonial ainda estava impregnado nos indivíduos, a economia pobre oriunda da monocultura, latifúndio e exportação de bens primários, a infraestrutura urbana deficiente ou quase inexistentes, ou seja, politicamente desestruturado. Nesse cenário, havia apenas doutrinas tidas como científicas, de origem de um continente do progresso, e a classe intelectual do Brasil da época tomou para si a responsabilidade de se adequar a essa doutrina. Coube então aos intelectuais brasileiros tomar como modelo as doutrinas que se adequassem à realidade, com o objetivo de construir um argumento racial no Brasil (SCHWARCZ, 2002).

A abolição era uma necessidade não por humanitarismo, mas pelo estigma pejorativo de país escravista no cenário mundial, e também pelo surgimento do discurso dos Direitos do

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Homem, e pela liberdade e igualdade apregoadas pelos iluministas da época de um Brasil ex-colônia. A vergonhosa forma de trabalho que começou no século XVI e perdurou até o século XIX constituiu um período em que o Brasil arrancou mais de três milhões de africanos de sua terra natal para o desenvolvimento agrícola (TAMANO et al., 2011).

A Inglaterra começou a pressionar e proibir o tráfico de escravos, então algumas leis foram criadas. Em 1850, surgiu a Lei Eusébio de Queiroz, mas ela não deu conta de proibir o tráfico interno em um território tão grande como o brasileiro. Ocorreram batalhas entre governo, abolicionista e cafeicultores, sendo o café o principal produto de comercialização da economia brasileira (TAMANO et al., 2011).

O não cumprimento da lei por parte do governo brasileiro levou a Inglaterra a decretar a Bill Aberdeen em 1845, que dava direito ao governo inglês de prender os navios que transportavam negros em águas internacionais e nacionais. Esse impasse pelo não cumprimento da lei pelo Brasil gerou o incidente internacional conhecido como Combate Cormorant. Assim se refere Wachowicz (2002):

O cumprimento do Bill Aberdeen, pelos ingleses, ocasionou um sério incidente com o cruzador britânico Cormorant, na baía de Paranaguá, em junho de 1850. Julgando ser de seu direito, os ingleses entraram na baía com o fim de aprisionar alguns navios brasileiros, carregados de escravos vindos da África. O comandante de um dos navios, para não ser apanhado em flagrante pelos ingleses, afundou seu navio, com dezenas de negros africanos no seu interior, num gesto trágico e desumano. (p. 140).

Mesmo o governo brasileiro tendo assinado a Lei Euzébio de Queiroz, por pressão da Inglaterra, o tráfico negreiro encontrou o seu local de comércio no Porto de Paranaguá. Além das leis de decreto nacional para a abolição, o papel do Paraná na abolição fez surgir as sociedades secretas civis em Curitiba e a sociedade Redenção de Paranaguá.

A outra forma de debelar a escravidão e buscar a liberdade do homem negro foi a formação de quilombos – fortificações escondidas, em lugares de difícil acesso, onde os negros que fugiam e tinham sucesso na fuga pudessem se livrar da escravidão e resgatar sua cultura. Quem dá a primeira referência de quilombo é Clóvis Moura.

A primeira referência sobre o termo ‘quilombo’ se encontra em documentos oficiais portugueses datados de 1559, que assim define: “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, e ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles.” (MOURA, 1981, p. 16).

Para Munanga (2006, p. 60), “os escravos constroem os quilombos como uma cópia dos quilombos africanos, de forma a se oporem a uma estrutura política.” Outros pesquisadores

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entendem os quilombos remanescentes como outras povoações brasileira pobres, mas a maioria conserva elementos culturais da sua terra de origem, percebendo-se uma mistura de tradições europeias, africanas e indígenas (MANN; HECHT, 2012).

2.5 Onde estão os Negros de Curitiba

Terras de Preto, Comunidades Negras Rurais e Comunidades Remanescentes de Quilombos são as áreas onde passaram a viver os africanos e seus descendentes no período da abolição do regime escravocrata do Brasil, em maio de 1888.

O Brasil reconheceu os quilombos na publicação do artigo 68, da Constituição de 1988, que garante a posse de terras aos negros descendentes de escravos do Brasil ex-colônia.

A palavra ‘quilombo’, para Munanga (1996), origina-se dos povos bantu (kilombo). A presença da palavra no Brasil tem a ver com alguns ramos dos povos bantu na época em que seus membros foram escravizados no Brasil; provavelmente nessas comunidades era uma expressão dos jovens guerreiros.

Para Leite (2002), após 1888, o quilombo passa ser associado à luta contra o racismo e pelas políticas de reconhecimento da população afrodescendente, propostas pelos movimentos negros com apoio dos diversos setores da sociedade brasileira que se comprometeram com os direitos humanos.

Para Ianni (1988), o número de escravos no Paraná era diminuto se comparado com São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os escravos paranaenses também se ocupavam de funções em diversos afazeres no interior das fazendas e posteriormente nos centros urbanos e em atividades menos qualificadas socialmente. Faziam os transportes locais entre as vilas, se encarregavam do artesanato urbano, da agropecuária e também dos serviços domésticos.

Os dados de 1884 diziam que o Paraná tinha um número de 8.721 africanos escravos distribuídos no território. Desses escravos negros, 5.005 estavam em Curitiba, 309 em São José dos Pinhais e 301 em Campo Largo (MARTINS, 1995).

Como mostra a história da escravidão, no Brasil sempre houve oposição entre escravos e senhores, e a consequência era a formação de quilombos. Essa palavra já remete à ideia de fugas de escravos que usavam a mata como esconderijo. Para Padilha e Nascimento (2012), quilombo seria toda habitação de negros fugitivos, que passem de cinco, em parte despovoada, mesmo que não tenha habitações erguidas e nem “pilões”. A literatura mostra que são diversas as origens das formações de quilombos: se formavam por fugas ocupando terras livres de difícil acesso no meio do espaço geográfico e bem isoladas; por herança ou doações; recebimento de

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terras por serviços prestados ao Estado; ou permanência nas terras que ocupavam e praticavam a sua agricultura no interior das propriedades; por compra de terras, até mesmo durante o período da escravidão ou após a abolição.

A história do negro no Paraná segue o mesmo que acontecia no resto do Brasil. Os africanos e seus descendentes procuravam terras distantes dos centros urbanos e procuravam sobreviver comunitariamente se organizando de acordo com o que a região oferecia para a sua subsistência. A esses negros, os direitos das leis do início do século XX foram negados, pois elas ficavam apenas no discurso político. Na prática, a realidade sofrida era evidenciada com desprezo e indiferença, que os brancos sabiam bem mostrar, os discriminando como vagabundos, baderneiros, com maus hábitos de higiene e mal educados.

Os pesquisadores do Grupo de Trabalho Clóvis Moura (PARANÁ, 2010) do estado do Paraná catalogaram 39 Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQ), todas localizadas distantes dos centros das cidades. Essas comunidades lutam pelo direito à ocupação pela legalização de suas terras, buscam uma educação de qualidade que respeite as suas culturas e pelo direito de autoria de sua história.

2.6 O Negro na Sociedade Curitibana

A CRQ de Areia Branca está inserida no município de Bocaiuva do Sul, que é uma das cidades da região metropolitana de Curitiba. A CRQ de Areia Branca fica longe do centro urbano de Bocaiuva do Sul, a 115 quilômetros. A pesquisa do Grupo de Trabalho Clóvis Moura (PARANÁ, 2010) aponta que na lembrança coletiva os integrantes são descendentes de Francisco Miguel da Rosa, negro recapturado na mata, escravizado por um criador de porcos e que usou seu conhecimento e habilidade herdada de seus antepassados para construir canoas e monjolos. Depois de alguns anos, ele recebeu um pedaço de terra, onde hoje é chamado de Areia Branca, casou e teve filhos que residem hoje nessa comunidade (PARANÁ, 2010).

Na CRQ Areia Branca, homens e mulheres trabalham em roças comunitárias. Após a missa, nas tardes de seu dia de folga, reúnem-se ao pé da figueira para tomar decisões. A festa tradicional é a de São Sebastião, que também o padroeiro da comunidade; também são devotos de Nossa Senhora Aparecida (PARANÁ, 2010).

Outra CRQ que está localizada na cidade metropolitana de Campo Largo, é a de Palmital dos Pretos, a 83 quilômetros do centro urbano, fazendo fronteira com Ponta Grossa. Segundo o Grupo de Trabalho Clóvis Moura (PARANÁ, 2010), o senhor Hortêncio Ferreira Pinto é um dos moradores mais antigo da cidade e a comunidade é formada por famílias negras oriundas

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de várias regiões do estado, que foram para a região buscando liberdade e terras para se fixarem. O nome da comunidade se dá pelos inúmeros pés de palmito, que compõem a paisagem local (PARANÁ, 2010).

O quilombo Palmital dos Pretos é certificado desde 2006 pela Fundação Cultural Palmares e recebe o nome de Comunidade Remanescente de Quilombo. O nome é devido às florestas de palmito na região. A comunidade em 2010 era formada por 24 famílias, somando 88 pessoas. Os estudantes estão a uma distância da escola mais próxima de 25 quilômetros, e a escola oferta ensino fundamental e médio. O índice de evasão escolar é alto, os jovens após o ensino fundamental abandonam a vida acadêmica para procurar emprego (CELINSKI, 2010).

O Instituto de Terras, Cartografias e Geociências Terra e Cidadania (ITCG, 2008) fala da cultura dos moradores de Palmital dos Pretos representada nas festividades para São Sebastião e Santo Antônio, e também a dança com os paços da rancheira, a valsa e do dois em um. A religião predominante é a católica, porém há também os que seguem a religião evangélica e a congregação cristã. A comunidade Palmital dos Pretos é uma das comunidades que será beneficiada pelo projeto Casa Quilombola.

A Comunidade Negras Tradicionais (CNT) Sete Saltos, localizada a 83 quilômetros do centro de Campo Largo, é formada por famílias de Palmital dos Pretos que vieram também da comunidade de Sutil, de Ponta Grossa, e de outras famílias que migraram da comunidade das Pugas e de Bolo para formar a CNT (PARANÁ, 2010).

Essa comunidade se separou da comunidade de Palmital dos Pretos por terem diferentes visões: uma destas é a maneira de criar porcos. Uma cria os porcos livres e soltos e a outra cria no cercado, o que rende intermináveis debates sobre a melhor e mais higiênica delas (PARANÁ, 2010).

Uma das tradições mantidas pela comunidade é a festa de Bom Jesus, em 6 de agosto. A festa é aberta com rezas e foguetes, e logo após é erguido o mastro da bandeira de Bom Jesus nas cores vermelha, verde, azul e branco. A seguir, há a queima de fogos de artifício e é servida a comida comunitária. Em outro tempo, a festa tinha gaita, viola, pandeiro e batida de colher (PARANÁ, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Curitiba, encontramos os estudos do Grupo de Trabalho Clóvis Moura que documentam uma parte importante da presença escrava de negros no Paraná, que hoje vivem em Comunidades Remanescente de Quilombos. Essas comunidades são invisíveis na história

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oficial de Curitiba. No entanto, com os estudos desse grupo, é possível serem visualizadas, conhecidas e valorizadas essas comunidades pela sua contribuição para a construção da capital do Paraná.

Quando a população curitibana era inferior a cinco mil, os escravos negros africanos já eram centenas no início do XIX. Os negros e pardos no convívio social de Curitiba somavam mais de 49%, justificando a construção de uma igreja especialmente para eles. Atualmente, de acordo com o Censo de 2010, há uma população predominante negra, porque a população de negros aumenta a cada ano.

A Sociedade Treze de Maio, fundada em 1889, um ano depois da libertação dos escravos, surgiu para dar suporte aos escravos libertos pela Lei Áurea, com sede em Curitiba. É a mais antiga e tradicional instituição de preservação dos costumes e da cultura negra.

A Maria Lata d’Água, uma escultura de uma negra transportando uma lata de água esculpida por Erbo Stenzel, está localizada na praça Generoso Marques, atrás do pelourinho nas proximidades do Paço da Liberdade, e em meio ao casario histórico. Foi inaugurada em 15 de maio de 1996, é uma estrutura de concreto que ocupa uma área de 36 metros quadrados e possui um espelho d’água de aproximadamente 60 centímetros de profundidade. Uma bela imagem da fonte é a reprodução da escultura “Água pro Morro”, datada do início dos anos 1940, de autoria de Erbo Stenzel (1944), que é um dos mais importantes artistas plásticos do Paraná (CURITIBA CITY, 2014).

A cultura negra de Curitiba pode ser vista: na lavagem da igreja do Rosário, Centro Cultural Humaitá, Unegro do Paraná, Núcleo Paranaense de Cultura Afro, Terreiro de Umbanda do Pai Maneco, Palácio de Mamãe Oxum (Umbanda), Ilê Asé Ibs Omi Osun (Candomblé e Umbanda), Maracaeté, Associação Cultural de Negritude e Ação Popular dos Agentes de Pastoral de Negros (ACNAP) (CURITIBA PARANÁ, 2014).

Atualmente, há que se considerar uma nova imigração de negros haitianos chegando a Curitiba em busca de emprego e se construindo nas relações sociais com os curitibanos.

Estima-se que Curitiba e a região metropolitana abriguem cerca de 2.500 haitianos, número que vem crescendo a cada mês. Boa parte deles, que veio ao Brasil em busca de melhores condições de vida, encontra-se trabalhando na construção civil. Só nas obras da Arena da Baixada para a Copa do Mundo, por exemplo, que empregou cerca de mil trabalhadores diversos, 65 operários eram haitianos (ULBRICH, 2014).

A imigração negra deve continuar sendo pesquisada porque muito pouco sabemos desses povos que chegaram como escravos e hoje estão chegando como força de trabalho e de influência cultural, fazendo parte das relações sociais da população curitibana.

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REFERÊNCIAS

ARAUJO, Emanoel. Viva cultura, viva o povo brasileiro. São Paulo: Museu Nacional, 2007.

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