É sabido por todo profissional de saúde pública veterinária que, se existe uma doença exaustivamente detalhada por trabalhos científicos, manuais e legislações, essa sem dúvida nenhuma é a Leishmaniose Visceral Canina.
Contudo e apesar disso, tenho assistido as insistentes tentativas de setores da medicina veterinária em busca de mudar o contexto atual de controle da doença no Brasil. Pena que sem resolutividade de fato.
Com relação à Leishmaniose Visceral Canina, o primeiro ponto concreto que deve ser levado em consideração acima de tudo, é que ela mata pessoas, e, portanto nossa própria família pode vir a ser afetada. Em segundo lugar a legislação brasileira é clara em relação ao controle da doença, e portanto até salvo melhor juízo deve ser cumprida. Na contraposição, temos as legislações de proteção animal e o dever sagrado e ético de preservar a vida animal, que nos obriga enquanto profissionais de saúde, ter a responsabilidade e o extremo critério ao conduzir um programa de controle dessa doença.
Nesse sentido quero propor algumas reflexões para toda a medicina veterinária; Vejam as imagens que ilustram esse texto, e respondam:
- Quem individualmente, de dentro de sua clínica poderá garantir que aquele cidadão da foto, que tem condições precárias para bem cuidar de seus filhos, irá cuidar adequadamente de seus cães? ;
- Qual veterinário comprovará que as condições ambientais para seus cães não se contaminem? ;
- Os senhores já pararam para pensar que essas imagens retratam a situação real de nossas cidades e da nossa população?
- Que está exaustivamente comprovado pela ciência que as questões ambientais e a presença de suínos, aves e outros animais domésticos, são fatores de risco para a disseminação do vetor e consequentemente da doença?
- Que, portanto quando falamos de leishmaniose visceral canina, é impossível traçarmos um paralelo com a Europa?
Vivemos em condições sócio-ambientais de atraso de pelo menos algumas décadas em relação àquele continente, e isso para ser bastante modesto; Além disso, as condições climáticas e ambientais em relação a dispersão do vetor da doença são completamente distintas.
Pregar pura e simplesmente a não eutanásia exporá essas pessoas e a toda a população a um risco extremo, ou imaginam que as pessoas que não conseguem nem dar comida aos filhos irão gastar com um tratamento caro e longo. Temos que pensar que a população em risco é exorbitantemente maior que os clientes de nossas clínicas. Não seria mais coerente verificarmos que cumprimos critérios já bastante claros que já existem, para a aplicação desse procedimento? ? pensem nisso!
Saiam de vossas clínicas e dêem um passeio na periferia de qualquer cidade brasileira, analisem as condições que nossos cidadãos vivem. Certifiquem-se primeiro que mundo e a realidade de sofrimento que a doença traz as famílias são muito maiores que o circulo de clientes e amigos que cada um de nós tem.
O preceito básico de qualquer discussão democrática é de que devemos pensar que não somos o centro das ações da sociedade e sim apenas uma pequena parte dela. A realidade social extrapola nossos círculos e toda essa sociedade deverá ter o mesmo direito a cuidar de seu animal que nossos clientes e ao mesmo tempo ter a garantia de seus filhos não morrerão. Mas quem de nós garantirá isso?
Se em algum momento enquanto profissionais dissermos que os cães devem ser tratados sem por a vida das pessoas em risco, teremos que apontar como garantir isso.
- Nós agora não mais profissionais, mas como cidadãos, aceitaremos que as ruas em frente nossas casas fiquem esburacadas porque os governos deixaram de investir em serviços públicos básicos (que já são um lixo), pra investir nesse "hipotético" tratamento dos cães? Pois afinal de contas se o rico tratar seu cão o pobre também terá o mesmo direito, mas obviamente não poderá pagar tratamento, nem tão pouco prover a infra-estrutura de segurança necessária e esse cão, e, portanto o poder público terá que arcar com isso.
- Será que nos preocuparemos mais uma vez em apenas "brigar" por nossos clientes e a família que ilustra nossa mensagem que se vire?
- Agiremos sem responsabilidade social preocupados em garantir nossos clientes, naquele velho conceito de quem pode pagar está garantido e o resto é o resto?
- Agindo assim, algum dia nossa profissão terá o reconhecimento de sua importância para a sociedade?
O Brasil é um país muito mais propício e muito mais exposto a disseminação da doença, e isso não há como ser negado; Somente quando tivermos um dos nossos correndo o risco de perder a vida é que teremos a dimensão exata do que é a gravidade de que estamos tratando. Não podemos pensar o controle da L.V.C como pensamos o controle da Aftosa, ou da Brucelose, por exemplo, pois a primeira é muito mais grave, ela nos mata!
Diante de tudo isso, insisto que tudo que ando vendo em relação à doença não passa de polêmica sem a intenção real de resolução do problema. Vamos ter coerência ao falar do assunto, vamos procurar embasamento técnico-científico para buscarmos o equilíbrio vital nas relações homem-animal; Não podemos pender nem pra lá, nem pra cá.
A leishmaniose é grave e somente toda a medicina veterinária completamente envolvida na promoção da educação de fato da população, ao invés de jogar essa mesma população contra os serviços de saúde, poderá solucionar o problema. Não há como buscar solução para os cães sem a busca de solução para a doença humana e vice-versa; Afinal de contas ela nos mata tanto quanto mata os cães. Essa é a chave do inicio do caminho a seguir. Nosso inimigo a ser combatido é a leishmania, não nós mesmos enquanto profissionais. Temos que manter o foco no parasito, e seu vetor para preservar nossos irmãos e nossos amigos!!!