Cuidados Paliativos no Fundão há vinte anos
Publicado em 19 de novembro de 2012 por António Lourenço Marques Gonçalves
Faz 20 anos, no dia vinte de novembro de 2012, que foi fundada, no Hospital Distrital do Fundão, a Unidade de Tratamento da Dor D. Eva Nunes Correa. Esta iniciativa pioneira constituiu o princípio dos cuidados paliativos em Portugal:
DA ESCURIDÃO PARA A LUZ
Pareceria à primeira vista que longe iam os tempos em que a precariedade dos cuidados e a escassez de soluções médicas prodigiosas face às doenças graves tinham sido a regra. É interessante, por exemplo, olhar mil anos atrás e imaginar como era a vida desse tempo. A desgraça era muita e, sem plausíveis remédios, havia no entanto a grande religiosidade que amortecia a angústia. As catedrais majestosas relevam o poder enorme da força invisível da fé dessa época, ao mesmo tempo que permitiam que se acolhessem à sua sombra as primeiras enfermarias onde os infelizes chegavam com o corpo mazelado. Vagabundos, peregrinos exaustos após penosas caminhadas em busca de redenção, doentes e moribundos, finalmente, podiam aí repousar. Penúria é certo, mas cheia de uma graça que só podia ser divina. Invocava-se o exemplo de Cristo que, sem pejo, tocara o leproso e o curara, invocando apenas o amor. A virtude divina usava assim, também ela, uma força terrena sem limites.
Mil anos depois, porém, a medicina triunfante chegara para dar outras cartas nessa tarefa da cura. Cartas vencedoras com o cimento da ciência.
Mas, em maio de 1992, o Jornal do Fundão relatava um caso muito estranho! Um homem, com um cancro incurável e a face derruída, jazia no leito da sua casa, na serra da Gardunha, esperando a morte, abandonado por essa mesma medicina trinfante. Oh! escândalo inconveniente. Que notícia fora do tempo! Então a medicina não chegava a estes casos de doença tão intensa? Onde estava a sua competência? Fugira? Parece que ninguém sabia ou queria responder a tais perplexidades.
Valeu que o caso acabou por servir de exemplo para provocar a mudança abrindo uma luz em escuridão tão pesada e tão lenta a aclarar. O grito do Jornal do Fundão tinha todo o sentido. Ainda hoje se diz que a medicina paliativa, que chegou até nós mas que é tão exígua no país, começou exatamente por aqui.