Não gosto de futebol porque meu pai quis ter um filho homem e na falta de um me obrigou a assistir fitas de 82 e 86 e ir a todos os finais de semana aos estádios, pelo contrário aos domingos à tarde meu pai preferia dormir a ver futebol, optava por me perguntar na manhã seguinte o resumo do jogo para que ele pudesse comentar com os amigos mais tarde. Meu pai não lia o caderno de esportes do jornal, pois o mesmo já era deixado sobre a minha cama todas as manhã como leitura matinal sagrada para mim. Qualquer dúvida sobre o seguimento futebol era esclarecida comigo, na minha casa a audiência do setor esportivo era só no meu ponto adicional da televisão.


Nem meu avô me falava de 70, Pelé, Garrincha, Tostão, Milton Santos, ele nem me ensinou a odiar Ghiggia por calar o Maracanã em 50, muito pelo contrario nunca falei de futebol com ele, muito menos ele me ensinou a ver a diferença dos jogadores de antes e de hoje com saudosismo da época da bola de coro e do futebol de passes de primeira e lançamentos longos perfeitos.

Na verdade o interesse pelo futebol veio naturalmente, como despertado em qualquer brasileiro, ou na maioria deles. Foi nascendo uma vontade de ver jogos antigos, ver jogadas mágicas, de entender como o chute de Pepe era tão potente, das crônicas de Armando Nogueira e como suas palavras tornavam o futebol mais grandioso.

 

Nasci em uma época difícil para os amantes do futebol, anos 90, era Dunga, futebol amargo como um bom mate de Porto Alegre, não existe mais Telê, não existia mais futebol arte.

Finalmente em 94 com a mesma era Dunga mostrando que brasileiro, como se diria por ai não desiste nunca, trouxemos o caneco e o Brasil que já era festa fico mais festeiro ainda e não era carnaval, mas éramos campeões mundiais, lembro de que usava a camisa do Bebeto e do Romário, e tudo era futebol, meu primeiro amor.

 

Nessa febre de futebol e na liberdade que fui muito bem criada pelos meus pais, que nunca questionaram o fato de ser menina e gostar de futebol, preconceito que fora das quatro linhas de casa sempre sofri, sempre fui questionada por além de gostar de ver, ouvir e respirar futebol, sempre gostei de jogar também. Os meninos e meninas nunca respeitaram e nem ouviram o que tinha para falar, pois mulher não sabe o que é impedimento, é sempre precisa explicar, né?

Quanto mais via jogos e entendia mais sobre o assunto, futebol europeu não era tão valorizado, mal se falava disso aqui na terra do piniquin. O campeonato brasileiro era mais emocionante que o espanhol, que a final da libertadores, ou do mundial, era mais assistido do que a final da champions league. Os meninos queriam as camisetas do Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, hoje em dia só querem do Real Madrid, Barcelona.

Comecei a entender o 4-4-2 e ver que ele pode virar um 4-3-3, a opinar como meu time deveria ser escalado, na verdade comecei a assistir qualquer tipo de jogo, não importando a divisão. A implorar que meu pai me levasse a estádios, meus pedidos de presente de aniversário sempre era que ele me levasse ao Pacaembu ou Morumbi, quando não passavam os jogos na televisão, ligava o rádio, naquela época não tínhamos tanto acesso a internet e a ver todos os jogos, mas quer saber, acho que ainda prefiro a emoção que o rádio me proporcionava, só a voz do narrador, o barulho do estádio e as batidas do meu coração, saudosismos a parte, ficava opinando comigo mesma o que o time deveria fazer, ficava cantando as jogadas como se meu camisa 10 pudesse ouvir, como se o Ricardinho com um ponto de ouvido pudesse me ouvir.

Mas infelizmente a opinião feminina é pouco escutada em jogos de futebol, ou quando não abafada pelos ex jogadores comentaristas ou narradores de décadas, ela é vista como uma opinião descompromissada, de pouca valia, uma opinião menos crítica e mais emocional, uma opinião de "mulher".

Vejamos esses paradigmas, quem consegue ser mais crítica do que a mulher? Quem consegue ser mais detalhista que a mulher? Sou mulher, sou louca por futebol e não perco nem partida de pimbolim ou futebol de botão. E hoje em dia os comentários dos jornalistas são como uma reunião de mulheres ressentidas como o seu marido, no caso a seleção e seu comandante. Deixaram de ser objetivos como deveriam ser os comentários masculinos, na hipocrisia que convém a quem julga o gênero, os críticos de futebol esqueceram de falar de futebol, seus esquemas táticos, a sua beleza incomparável, um esporte que o mais fraco pode ganhar com um golpe de sorte, um vento mais forte ou o sobrenatural de Almeida, falar da tendência física do futebol, sobre o que está se tornado esse esporte que amamos, quero ouvir como telespectadora assídua sobre o que é relevante mesmo no futebol, não fofoca de bastidores, novelas futebolísticas, quero ouvir de futebol, como faço? Quero ouvir o comentário feminino de qualidade sem julgamentos e opiniões que não agregam nada, afinal eu quero exercer o direito de falar de futebol!